Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3709/12.2YYPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
TIPOS DE SANÇÕES
MOMENTO A PARTIR DO QUAL SÃO DEVIDOS
EXECUÇÃO DA SANÇÃO PECUNIÁRIA
Nº do Documento: RP201411253709/12.2YYPRT.P1
Data do Acordão: 11/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A lei consagra dois tipos de sanções pecuniárias compulsórias: a sanção pecuniária compulsória legal e a sanção pecuniária compulsória judicial.
II - Na primeira, a lei fixa o seu montante, o momento a partir do qual é devida e o seu funcionamento automático; na segunda, a mesma é judicialmente moldada quanto aos referidos aspectos.
III - Assim, no caso da sanção legal, ela é devida a partir do trânsito em julgado da sentença que definiu a prestação principal; e, no caso da sanção compulsória judicial, ou a partir do momento em que o vencimento dessa sanção foi expressamente estabelecido ou, não tendo sido fixado esse momento, a partir da data em que o cumprimento coercivo da mesma se tornou juridicamente exigível, que, por regra, coincide com a data em que o devedor dela tomou conhecimento.
IV - Em sede executiva, o exequente, tendo o direito judicialmente reconhecido a uma prestação de facto (positivo ou negativo) e a uma sanção pecuniária compulsória, tanto pode executar, em caso de incumprimento, apenas uma dessas prestações como as duas em simultâneo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pº 3709/12.2YYPRT.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório
1- A B…, C…, S.A., D…, S.A., E…, S.A, F..., S.A. e G…, S.A., instauraram a presente execução contra a H…, I…, Ltd, I1…, pedindo que estas entidades sejam compelidas a pagar a quantia que liquidam, para já, no montante de 6.350.000,00€, correspondente à sanção pecuniária compulsória em que as mesmas foram condenadas no âmbito do processo que corre termos na 3.º Secção da 3.ª Vara Cível do Porto sob o n.º 1279/06.6TVPRT, no qual as Exequentes são Autoras e as Executadas são Rés.
Fundamentam, em síntese, este pedido nos seguintes termos:
As associadas da Exequente, B…, designadamente, F…, S.A., E…, S.A., G…, S.A., C…, S.A. e D…, S.A., também elas Exequentes, exploram, em regime de exclusividade, a actividade do Jogo de Fortuna e Azar em Portugal.
As Executadas, I1… (anteriormente designada J…) e I…, Ltd. (anteriormente denominada K…), dedicam-se à exploração, através de meios electrónicos, de jogos de fortuna e azar, modalidades afins destes e jogos sociais (de apostas mútuas e diferentes formas de lotaria), nomeadamente, através do seu sítio de internet localizado em www.J....com, hoje www.I....com, onde as Executadas promovem a participação pelos utilizadores de jogos de fortuna e azar, lotarias e concursos de apostas mútuas.
A Executada, H…, é a entidade responsável pela organização, regulamentação e exploração comercial das competições de carácter profissional que se disputam no âmbito da L…. No exercício da sua actividade, ou seja, no âmbito das competições que organiza, regulamenta e explora, esta Executada promove o nome, marca e/ou imagem aos sítios “J….com” e “I….com”, bem como às Executadas, "I…".
Por douto Despacho Saneador Sentença proferido no dia 16/09/2011, no âmbito do processo já referenciado, foi declarada a ilegalidade da actividade das Executadas em Portugal e da publicidade a essa actividade, despacho que lhes foi notificado no dia 23/09/2011.
Esse Despacho Saneador Sentença:
a) Declarou a ilegalidade da actividade das Executadas em Portugal e da publicidade a essa actividade;
b) Condenou as Executadas a absterem-se de explorar, por qualquer forma, em Portugal jogos de lotarias e apostas mútuas;
c) Proibiu as Executadas de efectuar qualquer publicidade ou divulgação aos sítios “J….com” e “I….com” bem como às Executadas;
d) Condenou, solidariamente, as Executadas, a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento às aqui Exequentes da quantia pecuniária de € 50.000,00 por cada dia em que perdurar a infracção a esta proibição.
Conforme resulta da certidão junta como título executivo, “a sentença não transitou em julgado uma vez que foi interposto recurso com efeito meramente devolutivo”, mas, ainda assim, essa sentença tem força executória.
Ora sucede que, desde o dia 24/09/2011, as Executadas não acataram, não acatam, nem pretendem acatar, as ordens legítimas que lhe foram notificadas.
Assim, desde essa data, as Executadas têm explorado, diariamente, em Portugal, jogos de fortuna e azar, modalidades afins destes e jogos sociais através do seu sítio de internet e continuam a fazer publicidade a essa mesma actividade. A tal ponto que a Exequente requereu a monitorização e análise da actividade publicitária praticada pelas Executadas a entidades especializadas para o efeito, tendo as mesmas concluído que, entre 24 de Setembro de 2011 a 31 Janeiro de 2012, as Executadas infringiram a prestação de facto negativo a que foram condenadas, pelo menos, durante 127 dias.
Daí o pedido que formulam.
Pediram ainda as Exequentes a dispensa de citação prévia das Executadas, ao abrigo do disposto nos artigos 812.º-F, n.º 1 e 812.º- C, al. a) do Código de Processo Civil.
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2- Alegando ter tomado conhecimento desta execução, a Executada, H…, veio, no dia 27/06/2012, requerer a declaração de nulidade do presente processo executivo, por falta de citação anterior à realização da penhora, reclamar dos actos de penhora efectuados e pedir ainda que o agente de execução se abstenha da prática de novos actos de penhora, cancelando, de imediato, todos os actos dessa natureza já praticados.
3- Foi, então, no dia 28/06/2012, proferido o seguinte despacho:
“As questões suscitadas pela executada H… estão prejudicadas pela circunstância de se entender, pelas razões que em seguida serão salientadas, que a sentença dada à execução não é (ainda) passível de execução, quer esta assuma a forma de execução para pagamento de quantia certa ou de execução para prestação de facto.
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Os presentes autos de acção executiva para pagamento de quantia certa foram instaurados pelas exequentes B…, C…, SA, D…, SA, E…, SA, F…, SA, G…, SA, contra os executados H…, I…, Ltd e I1…, dando à execução a sentença constante do traslado de fls. 12 a 95, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
Em face do que resulta da referida sentença e do que as exequentes fizeram consignar no requerimento executivo, torna-se incontroverso que as mesmas, no âmbito destes autos, pretendem receber das executadas a quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória a que as Executadas foram condenadas.
Porém, com todo o respeito por diferente opinião, atendendo à finalidade da sanção pecuniária compulsória, entendemos que a mesma só poderá ser exigida das executadas depois de a sentença que a fixou ter transitado em julgado, circunstancia que ainda não ocorreu, como resulta certificado no respectivo traslado, não sendo aqui aplicável o estatuído no artigo 47º, nº 1, parte final, do Código de Processo Civil.
Com efeito, como salientam Pires de Lima e Antunes Varela, o fim da sanção pecuniária compulsória não é o de indemnizar os danos sofridos pelo credor com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência.
E assim sendo, afigura-se-nos não fazer sentido que a sanção pecuniária compulsória seja passível de execução antes de a respectiva sentença estar definitivamente fixada pelo trânsito em julgado.
Daí que no douto acórdão da Relação de Lisboa de 11/12/2002 tenha sido decidido que a sanção pecuniária compulsória não poderá executar-se antes de o seu cumprimento se haver por definitivamente devido, e sem que a exequibilidade da decisão judicial for definitivamente adquirida. Sendo a sanção pecuniária compulsória acessória da condenação principal, compreende-se que antes do trânsito em julgado desta, aquela não produza efeitos.
Em face de todo o exposto, terá de concluir-se que as exequentes, na data em que instauraram a presente acção executiva, não dispunham de título executivo que as legitimasse a demandar as referidas executadas na presente acção executiva com vista ao pagamento da quantia fixada a título de sanção pecuniária compulsória, pelo que se impõe o indeferimento do requerimento executivo.
Nessa conformidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 45º, nº 1 e 812º-E, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, decide-se indeferir o requerimento executivo.
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Custas pelas exequentes (artigo 446º, nº 1, do Código de Processo Civil).
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Notifique.
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Ainda que, nesta altura, não conste dos presentes autos a realização de qualquer penhora, transitada a antecedente decisão, notifique o Sr. Agente de Execução para proceder ao levantamento de eventuais penhoras que tenha efectuado”.
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4- Perante o assim decidido, a Executada, H…, veio requerer, no dia 02/07/2012, que se declare que a ordem de levantamento das penhoras referidas no despacho anteriormente citado, “foi proferida ao abrigo do artigo 809.º, alínea c) do CPC e, como tal, é insusceptível de recurso, carecendo assim de cumprimento imediato pelo Sr. Agente de Execução, ordenando-se a sua notificação urgente para o efeito”.
5- Requerimento este que foi objecto do seguinte despacho:
“Salvo o devido respeito por diferente opinião, entendemos que as questões suscitadas pela executada H… através do seu requerimento apresentado sob a Refª 10566292, não se enquadram na previsão do artigo 809º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil.
Acresce que, não obstante o facto de o processo não ter sido remetido para despacho liminar, constatando-se a manifesta falta de título, nos termos do artigo 820º, nº 1, do citado diploma, o juiz deverá rejeitar oficiosamente o requerimento executivo, ficando desse modo prejudicado o conhecimento das demais questões que pressuponham a continuidade da execução.
E assim sendo, em face de vício da referida natureza, a nosso ver, não tem qualquer utilidade saber se a presente acção executiva para pagamento de quantia certa foi correctamente instaurada ou se poderia ser convertida em execução para prestação de facto, com recurso ao erro na forma do processo (artigo 199º), à adequação formal (artigo 265º-A) ou ao convite ao aperfeiçoamento (artigo 812º-E, nº 3), dada a ausência de título para qualquer delas, atendendo a que, como deixámos salientado, através desta execução as exequentes apenas pretendem receber das executadas a quantia alegadamente devida a título de sanção pecuniária compulsória.
Em face de todo o exposto, respondendo concretamente à questão colocada pela executada H… através do seu requerimento apresentado sob a Refª 10599812, diremos que a decisão de indeferimento liminar (Refª 5798888) foi proferida ao abrigo do disposto nos artigos 812º-E, nº 1, alínea a) e 820º, nº 1, do Código de Processo Civil, sendo esta passível de recurso nos termos gerais.
Notifique”.
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6- Manifestando o seu desacordo em relação à decisão que indeferiu o requerimento executivo, reagiram as Exequentes mediante recurso que rematam com as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida no dia 28 de Junho de 2012, de fls. …, no âmbito da Execução em que são Exequentes as aqui Recorrentes, e Executadas as aqui Recorridas, e nos termos da qual se:
a. decidiu que “a sentença dada à execução não é (ainda) passível de execução”.
b. considerou que “com todo o respeito por diferente opinião, atendendo à finalidade da sanção pecuniária compulsória, entendemos que a mesma só poderá ser exigida das executadas depois de a sentença que a fixou ter transitado em julgado, circunstância que ainda não ocorreu, como resulta certificado no respectivo traslado, não sendo aqui aplicável o estatuído no artigo 47º, nº 1, parte final, do Código de Processo Civil”; porquanto “afigura-se-nos não fazer sentido que a sanção pecuniária compulsória seja passível de execução antes de a respectiva sentença estar definitivamente fixada pelo trânsito em julgado”.
c. concluiu “Em face de todo o exposto, terá de concluir-se que as exequentes, na data em que instauraram a presente acção executiva, não dispunham de título executivo que as legitimasse a demandar as referidas executadas na presente acção executiva com vista ao pagamento da quantia fixada a título de sanção pecuniária compulsória, pelo que se impõe o indeferimento do requerimento executivo”.
2. Confrontadas com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, não podem as Exequentes, aqui Recorrentes, concordar com a mesma porquanto, salvo o devido respeito, não traduz o correcto entendimento (i) da natureza e finalidades da sanção compulsória aqui em apreço, (ii) da sentença, nem (iii) da lei.
3. Conforme resulta do disposto nas páginas 15 e seguintes da certidão da sentença dada à execução (Documento n.º 1 junto com o Requerimento Executivo), as Exequentes intentaram contra as Executadas uma acção declarativa, na qual peticionaram o seguinte:
a. Ser declarada a nulidade do contrato de patrocínio celebrado entre as Executadas;
b. Serem as Executadas condenadas a reconhecer a nulidade do contrato de patrocínio celebrado;
c. Serem as Executadas condenadas a não executar o contrato de patrocínio celebrado;
d. Ser ordenada às Executadas a proibição de efectuar qualquer publicidade ao sítio “I….com”;
e. Serem as Executadas solidariamente condenadas a título de sanção pecuniária compulsória no pagamento de uma quantia pecuniária não inferior a €50.000,00 (cinquenta mil euros) por cada dia em que perdurar a infracção das alíneas b) a d);
f. Ser dada publicidade à decisão de proibição de divulgação e publicidade do sítio “I….com”.
4. As Exequentes requereram, deste modo, a condenação das Executadas:
a. Ao cumprimento de obrigações de prestação de facto negativo infungível – cfr. alíneas b) a d);
b. Ao pagamento de uma quantia pecuniária compulsória por cada dia em que perdurar a infracção das alíneas b) a d) – cfr. alínea e).
5. No referido processo declarativo foi proferida a Sentença Executada - o Despacho Saneador – Sentença (página 81 e seguintes) – a qual, entre outros:
a. Proibiu as Executadas de efectuar qualquer publicidade ou divulgação aos sítios “J….com” e “I….com” bem como às Executadas;
b. Condenou, solidariamente, as Executadas, a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento às aqui Exequentes da quantia pecuniária de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) por cada dia em que perdurar a infracção a esta proibição.
6. É indiscutível que - uma vez que ao recurso da sentença, interposto pelas Executadas, foi atribuído efeito meramente devolutivo - a sentença dada à execução respeita os requisitos previstos no artigo 46.º n.º 1 alínea a) e n.º 1 do artigo 47.º ambos do CPC, constituindo, por isso, título executivo.
7. Salvo o devido respeito, a Sentença em crise não traduz o correcto entendimento acerca da exequibilidade da sentença condenatória judicial dada à execução (contra a qual foi interposto recurso com efeito do meramente devolutivo), a qual decidiu que “o pedido referente à sanção pecuniária compulsória é de julgar procedente face ao que dispõe o art. 829.º-A, do CC, que consagra no seu n.º 1 que “nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, (…) o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso”, sendo tal sanção fixada segundo critérios de razoabilidade, nos termos do n.º 2, afigurando-se-nos o montante peticionado para cada infracção adequado, justo e equitativo já que estamos perante jogo ilegal e atentos os valores e razões de ordem pública, acima referidos, que estão aqui em causa” (destaques e sublinhado nossos).
8. Além do mais, a Sentença recorrida não traduz o correcto entendimento acerca da natureza e finalidades da sanção compulsória decretada pela sentença condenatória judicial dada à execução.
9. As sanções pecuniárias compulsórias estão previstas no artigo 829.º-A do Código Civil (CC), introduzido pelo Decreto-Lei n.º 262/83, o qual dispõe que:
“1 - Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
2 - A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
3 - O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
4 - Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.” (destaques e sublinhados nossos).
10. Assim, as sanções pecuniárias compulsórias podem revestir natureza judicial (n.º 1) ou legal (n.º4), conforme as finalidades a que se destinem, isto é, consoante esteja em causa o cumprimento de obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, ou o cumprimento de obrigações pecuniárias.
11. A sanção pecuniária compulsória em que a Sentença Executada condena os Executados, aqui Recorridos, tem cariz judicial, remontando à astreinte francesa, mas, não obstante, o Tribunal a quo, na decisão aqui sindicada, tratou-a como se a mesma se reconduzisse a uma sanção pecuniária compulsória legal, aplicando-lhe o regime legal desta, o que não se justifica e carece de qualquer fundamento.
12. A sanção compulsória legal prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do CC:
a. Visa compelir o cumprimento de obrigações de pagamento em dinheiro corrente;
b. o seu montante encontra-se fixado, correspondendo ao valor dos juros à taxa legal de 5% ao ano;
c. tem início automático, sendo devida após o trânsito em julgado da sentença que condenou ao pagamento de quantia.
13. Conforme referido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de Junho para as sanções compulsórias legais “Adopta-se, pois, um modelo diverso para esses casos [quando se trata de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente], muito similar à presunção adoptada já pelo legislador em matéria de juros, inclusive moratórios, das obrigações pecuniárias, com vantagens de segurança e certeza para o comércio jurídico”.
14. Por outro lado, a sanção compulsória judicial, caso em apreciação no presente Recurso, tal como prevista no n.º 1 do artigo 829.º-A do CC:
a. aplica-se, a requerimento do credor, e para compelir ao cumprimento de obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo;
b. corresponde ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção;
c. a sua modalidade, montante e data a partir da qual é exigível, são livremente determinados pelo Tribunal.
15. Este tipo de sanção pecuniária compulsória, visa compelir o devedor a cumprir, e reforçar a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis” (destaques e sublinhados nossos).
16. No caso de obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, a lei confiou ao poder do juiz as modalidades e os critérios da fixação da sanção pecuniária compulsória judicial, bem como o termo a quo, isto é, o momento a partir do qual a sanção pecuniária compulsória judicialmente decretada começa a produzir efeitos.
17. Nestes casos, tal como refere Calvão da Silva, “o juiz é livre de fixar o ponto de partida da sanção pecuniária compulsória, decidindo que ela é ordenada para começar a correr e a produzir efeitos a partir do termo inicial que determina.” (destaque nosso)
18. Atendendo à natureza, finalidades e ao carácter acessório da sanção pecuniária compulsória judicial, esta deverá ser exigida assim que o for a obrigação principal (cujo cumprimento visa compelir), isto é, e tendo a obrigação principal origem numa sentença de condenação, esta poderá ser exigida após a data da sua notificação.
19. Ao decidir como decidiu, a decisão recorrida afronta e compromete directamente as finalidades reconhecidas e imputadas à sanção pecuniária compulsória, violando assim a lei que as reconhece e consagra.
20. In casu, na Sentença Executada foi estabelecida uma medida que tutela específica e preventivamente o direito subjectivo violado pela conduta das Executadas, ora Recorridas, ilegal por violação da lei e da ordem judicial contida nessa decisão – no caso sub Júdice não só o direito das Exequentes exercerem a sua actividade, em Portugal, em regime de exclusividade, mas também o direito de todos e cada um ser protegido pelas leis do jogo vigentes, as quais têm carácter imperativo – por forma a compelir as Recorridas a cessar tal conduta.
21. Efectivamente, a sanção pecuniária compulsória judicial foi decretada tendo em vista assegurar o cumprimento de uma obrigação de prestação de facto infungível negativo – a abstenção de efectuar qualquer publicidade ou divulgação aos sítios “I…”, bem como às próprias “I…”, sob pena de sanção pecuniária compulsória judicial.
22. Ora, importa atentar que, caso o tribunal na Sentença Executada não pretendesse “assegurar” o cumprimento imediato de tal obrigação, induzindo as Executadas a cumprir a obrigação de facto negativo infungível a que foram condenadas, não condenaria na sanção pecuniária compulsória ou pelo menos teria estabelecido expressamente que a mesma apenas seria exigível após o trânsito em julgado.
23. Até porque, não tendo a sanção pecuniária compulsória, como o Tribunal a quo refere, carácter ressarcitório, a previsão de eficácia da sanção pecuniária compulsória após o trânsito em julgado na Sentença Executada nem obstaria a que os credores, aqui Recorrentes, viessem posteriormente reclamar uma indemnização pelos prejuízos sofridos com tal violação.
24. O que bem demonstra que, com a condenação em sanção pecuniária compulsória, não visou a Sentença Executada proteger (tão-só) as Recorrentes, mas sim tutelar o cumprimento da obrigação em que condena.
25. Pelo que atenta a ratio da Sentença Executada e a função da sanção pecuniária compulsória judicial - enquanto medida de tutela específica e preventiva do direito subjectivo ameaçado – a negação da exequibilidade da mesma pela decisão recorrida consubstancia ainda uma violação da garantia de tutela jurisdicional efectiva consagrada legal (cfr. artigo 2.º do CPC) e constitucionalmente (cfr. artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa).
26. A desconsideração da Sentença Executada pela decisão recorrida põe também em causa a finalidade da condenação no cumprimento da obrigação principal aqui em apreço que se prende com imperativos de ordem pública, inter alia, a proibição do jogo ilegal, publicidade ao mesmo, bem como a realização de valores de interesse geral de prevenção da fraude e combate à criminalidade.
27. Conforme referido na sentença, “A actividade das RR. J… é, em si, ilícita em Portugal e o objecto do contrato celebrado entre as Rés centra-se na publicidade ilícita de uma actividade, pelo que é nulo nos termos das disposições conjugadas dos artigos 280.º e 294.º do Código Civil e artigo 21.º do Código da Publicidade, pois tem um objecto contrário à lei, tendo sido celebrado contra disposições legais de carácter imperativo”.
28. Com efeito, foi atento o facto de estamos perante o exercício de uma actividade ilegal, perante jogo ilegal e atentos os valores e razões de ordem pública em causa que o tribunal, na Sentença Executada, condenou, solidariamente, as Executadas no pagamento às Exequentes, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia pecuniária de € 50.000,00 por cada dia em que perdurar a infracção à proibição de efectuar publicidade ou divulgação aos sítios “J….com” e “I….com” bem como às Executadas I….
29. Acresce que, a sentença executada tal como todas as sentenças condenatórias produzem efeitos após a sua notificação, salvo se contra ela for interposto recurso com efeito suspensivo.
30. A consagração de tal efeito como efeito regra tem por finalidades (i) reforçar a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça e (ii) favorecer a execução imediata (e específica) das obrigações (de prestação de abstenção infungível); sendo que tais finalidades justificaram, inclusivamente, que em 2003 se procedesse a uma alteração radical no regime dos recursos, e, em particular, dos seus efeitos, para que as mesmas fossem devidamente acauteladas, afastando a regra do efeito suspensivo.
31. O artigo 47.º do CPC não afasta a exequibilidade de sentenças que condenem no pagamento de sanção pecuniária compulsória, sendo que as únicas limitações que o recurso com efeito meramente devolutivo deve ter sobre a execução são as previstas no artigo 47.º n.ºs 2 a 4, não existindo qualquer outro preceito legal que possa abalar a exequibilidade de sanção pecuniária compulsória judicial.
32. A sanção pecuniária compulsória aplicada na Sentença Executada: (i) tem natureza judicial; (ii) destina-se a obstar ao incumprimento da obrigação de prestação de facto infungível negativo a que as Executadas foram condenadas (iii) tem por finalidade especial favorecer a sua execução específica; (iv) e, simultaneamente, destina-se a compelir ao cumprimento da decisão do Tribunal, postulando pelo reforço da sua soberania.
33. A finalidade específica acima referida – em (ii) - assume especial relevância, conforme refere Calvão da Silva “se a obrigação negativa é duradoura, de natureza continuada ou periódica, a aplicação da sanção acessória é de grande utilidade. (…) Se a obrigação derivada da violação da obrigação negativa for de facere infungível, a sanção pecuniária compulsória encontrará a sua utilidade como técnica de provocar a obediência à condenação in natura”.
34. A sanção compulsória judicial(mente decretada, determinada e fixada) visa, assim, garantir não só a coercibilidade, mas também a executoriedade da obrigação de prestação de facto negativo a que as Executadas foram condenadas.
35. Nesta perspectiva, a sanção pecuniária compulsória judicial promove a aplicação do princípio de que o sujeito activo de uma relação jurídica tem o direito à cessação e supressão do ilícito presente e futuro.
36. Mais, o Tribunal a quo vem fundamentar o seu entendimento na ratio da sanção pecuniária compulsória, embora, não lhe assista razão, porquanto vem justificar uma decisão sobre um pressuposto processual da acção executiva com base em considerações atinentes ao direito substantivo.
37. Ora, como refere Antunes Varela, os pressupostos processuais são as “condições mínimas consideradas indispensáveis para, à partida, garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa”, sendo, o título executivo, na acção executiva, um pressuposto processual (cfr. artigo 45.º do CPC), que se considera verificado quando estamos perante um dos títulos elencados no artigo 46.º e concretizados no artigo 47.º e seguintes.
38. Analisar o conteúdo substantivo concreto do título executivo não releva para efeitos de preenchimento de tal pressuposto e, por isso, não pode obstar ao prosseguimento do processo que o pressupõe.
39. Assim, ainda que as finalidades da sanção pecuniária compulsória não justificassem a execução da mesma, o que não é o caso, esta é uma questão relativa à adequação da aplicação da sanção pecuniária compulsória e concretos termos em que foi aplicada, portanto, uma questão que pertence ao mérito da acção e não à decisão sobre a existência de condições mínimas para avançar com o processo de execução.
40. Não é juridicamente aceitável negar a execução da sentença com fundamento no concreto teor da sentença ou sua desadequação (por não fazer depender a eficácia da sanção pecuniária compulsória do trânsito em julgado), até porque a competência para a análise de tal questão – tratando-se de uma reapreciação dos concretos termos da Sentença Executada – pertence ao tribunal de recurso e não ao tribunal de execução.
41. O processo executivo prevê meios que acautelam o executado em caso de execução de sentença não transitada em julgado, razão pela qual o não trânsito, desde que o recurso não tenha efeito suspensivo, não tem que ser uma preocupação do tribunal de execução.
42. Assim, a decisão ora recorrida desvirtua por completo o conceito de pressuposto processual, ao negar a existência de título executivo com fundamento na dependência do direito substantivo concretamente aplicado do trânsito em julgado da decisão, exigindo para o seu preenchimento critérios de exigência que não se coadunam com o conceito e suas finalidades.
43. Mais, atendendo ao regime legal da eficácia da sanção pecuniária compulsória judicial, mormente do momento a partir do qual a mesma é exigível – que deve ser determinado na decisão que a aplica – decidir sobre tal questão traduz-se em bom rigor numa reapreciação da decisão que a aplicou (a Sentença Executada) para a qual o tribunal com competência para o processo executivo não tem competência, cabendo a mesma apenas e só no âmbito do recurso daquela decisão.
44. A decisão recorrida não encontra base legal nem na lei processual civil, nem tão pouco no sistema processual que o justifique e fundamente.
45. Termos em que, a decisão recorrida deve ser revogada, uma vez que o entendimento da mesma:
a. Contraria o prescrito no Código de Processo Civil acerca dos requisitos de exequibilidade da sentença dada à execução;
b. Desvirtualiza o efeito regra [meramente devolutivo] do recurso de apelação consagrado no Código de Processo Civil;
c. Limita os poderes concedidos ao juiz no Código Civil para a fixação de uma sanção pecuniária compulsória de natureza judicial;
d. Desconsidera as finalidades da sanção pecuniária compulsória de natureza judicial;
e. Premeia o incumprimento das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis [in casu, abstenção de efectuar publicidade às I…];
f. Afecta a soberania dos tribunais;
g. Fomenta o desrespeito pelas decisões dos tribunais, em especial dos Tribunais de Primeira Instância; e
h. Desprestigia a justiça”.
Pede, por isso a procedência deste recurso e, em consequência, a revogação do despacho recorrido.
*
7- Respondeu a Executada, H…, pugnando pela confirmação do indeferimento do requerimento executivo e, em simultâneo, requereu a ampliação do objecto do recurso das Exequentes e interpôs recurso subordinado.
a) Concluiu o pedido de ampliação nos termos seguintes:
“1. As Exequentes requereram a presente execução para pagamento de quantia certa, prevista nos artigos 810.º e seguintes do CPC, tendo por esse motivo, e ao abrigo do disposto nos artigos 812.º-F, n.º1 e 812.o-C, alínea a) do CPC, reclamando o pagamento de uma quantia alegadamente devida a título de pagamento de sanção pecuniária compulsória por incumprimento de obrigações de prestação de facto negativo previstas no Despacho Saneador.
2. A sanção pecuniária compulsória objecto do presente processo é, portanto, uma obrigação subsidiária e acessória das prestações de facto negativo de não publicidade ou divulgação constantes do Despacho Saneador, e não é ela própria uma obrigação principal, pelo que não há qualquer quantia certa cujo pagamento possa neste momento ser requerido pelas Exequentes.
Com efeito, a exigibilidade da sanção pecuniária compulsória depende da verificação de ter ocorrido um incumprimento das prestações de facto negativo a que se reporta - o que neste caso não sucedeu -, sendo que a lei estabelece um mecanismo processual próprio para a demonstração dessa violação, o qual se encontra previsto no artigo 941.º, n.º 1 do CPC.
4. As Exequentes estavam (e estão), portanto, obrigadas a requerer o pagamento coercivo da quantia a que corresponde a sanção pecuniária compulsória simultaneamente com a execução das obrigações principais de facto negativo previstas no título executivo a que estão adstritas através da meio processual adequado para o efeito - que é o previsto no artigo 941.° do CPC.
Apenas se o incumprimento das obrigações de prestação de facto negativo infungível a que as Exequentes for demonstrada, é que poderá ser exigido o pagamento da sanção pecuniária compulsória destinada a forçar o cumprimento dessas obrigações.
6. Desta forma, afigura-se evidente que ocorreu um erro no tipo de processo executivo escolhido pelas Exequentes, na medida em que o tipo de processo executivo adequado à tutela dos seus interesses e ao cumprimento coercivo do Despacho Saneador, é a execução para prestação de facto negativo prevista no artigo 941.° do CPC, e não a execução para pagamento de quantia certa prevista nos artigos 810.° e seguintes.
Repare-se que a escolha da espécie de processo executivo tem um impacto muito relevante porque na execução para pagamento de quantia certa fundada em título executivo constituído por decisão judicial a regra é a de que a penhora será efectuada sem citação prévia do executado (cf. artigos 812.o-F, alínea a) e 812.o-C, nº 1 do CPC), enquanto que na execução para prestação de facto negativo o executado é sempre citado para deduzir oposição antes da realização da penhora, e esta apenas ocorrerá no caso de se reconhecer a violação da obrigação de non facere a que está adstrita (cf. artigos 941.°, 942.°, 934.°, 935.° e 931.° do CPC).
O meio processual escolhido pelas Exequentes prejudicou gravemente os direitos e garantias de defesa da ora Executada causando-lhes importantes danos patrimoniais e de imagem perante os seus parceiros comerciais, em virtude das penhoras de créditos já efectuadas pelo agente de execução sem a sua citação prévia, a qual, sob a forma de processo correcto, teria necessariamente de ter tido lugar.
Encontramo-nos, assim, perante a nulidade do presente processo por falta de citação das Executadas nos termos do artigo 194.° do CPC, que conduz necessariamente ao cancelamento imediato e urgente de todos os actos praticados no presente processo, em concreto as penhoras ilegalmente efectuadas nos presentes autos”.
b) E, em relação ao recurso subordinado, apresentou a dita Executada as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso vem interposto da decisão de indeferimento liminar do requerimento executivo proferida pelo Tribunal a quo no passado dia 28 de Junho de 2012, na parte em que não ordenou o levantamento imediato das penhoras efectuadas pelo Ex.mo Senhor Agente de Execução nos presentes autos, apesar de tal ter sido expressamente invocado pela ora Executada através de requerimento apresentado em 27 de Junho de 2012.
2. Em 3 de Setembro de 2012 as Exequentes interpuseram recurso da decisão de indeferimento liminar, ao qual foi atribuído pelo Tribunal a quo efeito meramente devolutivo, o que motivou a ora Executada a requereu novamente ao Tribunal a quo o levantamento das penhoras efectuadas nos presentes autos.
3. Surpreendentemente, e não obstante o efeito atribuído ao recurso interposto pelas Exequentes, o Tribunal a quo, de forma incoerente, indeferiu esse requerimento por considerar que aquele recurso tinha efeito suspensivo do processo, invocando para o efeito a doutrina de António Abrantes Geraldes, e como tal impedia o levantamento das penhoras antes do trânsito em julgado do despacho de indeferimento liminar. A oposição desta decisão com o despacho de admissão de recurso anteriormente proferido chegaria para demonstrar a sua ilegalidade e ordenar o imediato levantamento das penhoras.
4. Contudo, a decisão de não levantamento imediato das penhoras é ilegal por duas ordens de razão adicionais. Em primeiro lugar, a doutrina invocada pelo Tribunal a quo para justificar a atribuição de efeito suspensivo do processo ao recurso interposto pelas Exequentes parte de um pressuposto errado, que é o de que existe uma lacuna no âmbito de aplicação do artigo 692.º, n.º 2 do CPC porque em lado algum do código se prevê a atribuição desse efeito a um recurso, levando à necessidade de se aplicar esse efeito de forma casuística. Salvo o devido respeito pela doutrina de António Abrantes Geraldes, este entendimento padece de um equívoco que impede a sua aplicação.
5. Na verdade, no artigo 154.°, n.º 6 do CPC prevê-se expressamente a atribuição de efeito suspensivo do processo ao recurso, considerando os restantes autores que se pronunciam sobre a mateira, que este artigo, depois da reforma do regime dos recursos operada através do DL 303/2007 esgota o âmbito de aplicação do artigo 692.°, n.º 2 do CPC.
6. O entendimento do Tribunal a quo é, portanto, contrário à letra da lei e é também contrário ao espírito do legislador do DL 303/2007, que relegou para os n.o 2 e 3 do artigo 692.°, n.º 2 do CPC um regime excepcional ao regime regra do efeito meramente devolutivo, cujo campo de aplicação é intencionalmente restrito, marcando uma posição clara no que concerne à relação entre os princípios da celeridade processual e da segurança jurídica no que à matéria dos efeitos do recurso diz respeito, privilegiando notoriamente o primeiro em detrimento do segundo.
7. Com a reforma de 2007 a atribuição de efeito suspensivo do próprio processo passou a ser reservada para casos absolutamente excepcionais em que o recurso seria inútil se o processo prosseguisse os seus trâmites, o que não ocorre verdadeiramente com as decisões que põe termo ao processo, como o caso do indeferimento liminar do processo, razão pela qual não se reproduziu para esses casos o revogado regime do artigo 740.°, n.º 1 do CPC.
8. Em segundo lugar, e para o caso de se considerar que o âmbito de aplicação do artigo 692.º, n.º 2 do CPC e, logo, do efeito suspensivo do processo, não se circunscreve ao artigo 154.°, n.º 6 do CPC e carece de uma aplicação casuística, ainda assim é ilegal a decisão recorrida por existirem diversas razões que impõe a não aplicação desse regime ao presente caso.
9. Com efeito, a decisão de indeferimento liminar tem por efeito “matar o processo à nascença” e normalmente ocorre num momento processual em que ainda não foram praticados quaisquer actos processuais, não havendo, como tal, quaisquer actos relevantes para o réu que possam ser suspenso pela interposição de recurso dessa decisão.
10. No entanto, no caso concreto, por inépcia ou distracção do Exmo Senhor Agente de Execução, o requerimento executivo não foi sujeito a despacho liminar, nos termos do artigo 812.º-D do CPC, antes de terem sito efectuadas penhoras sem título executivo e sem a citação prévia da Executada, pelo que foram praticados actos gravemente prejudiciais para a ora Executada.
11- Deste modo, a atribuição de efeito suspensivo do processo, com o alcance que lhe é dado pelo Tribunal a quo, traduz-se num situação altamente injusta e prejudicial para a Executada, ao contrário do que sucede nos casos a que António Abrantes Geraldes entende fazer sentido aplicar-se o regime do efeito suspensivo do processo.
12. Existe uma característica específica da decisão de indeferimento liminar objecto do presente recurso - o facto de ter sido precedida de actos ilegais e que ao abrigo das normas legais aplicáveis não deveriam ter sido praticados - que justificaria que, através da análise casuística do âmbito de aplicação do artigo 692.°, n.º 2 do CPC, o Tribunal a quo tivesse afastado a aplicação do efeito suspensivo do processo ao recurso interposto pelas Exequentes.
13. Repare-se que a decisão de indeferimento liminar do requerimento executivo foi proferida pelo Tribunal a quo, conforme consta dessa decisão e do despacho proferido a 2 de Julho de 2012, ao abrigo dos artigos 812.0-E, n.º 1, alínea a) e 820.°, n.º 1 ambos do CPC, e nos termos do n.º 2 do referido artigo 820.° do CPC, rejeitada a execução ao abrigo do disposto no seu n.º 1 e no artigo 812.°-E, n.º 1, alínea a), a execução extingue-se, ordenando-se o levantamento da penhora que entretanto tenha sido ordenada.
14. E isto porque não faz qualquer sentido que se mantenham na ordem jurídica quaisquer efeitos substantivos de um processo que não reúne as condições mínimas para existir, como é o caso dos presentes autos. No presente caso temos a agravante de, caso tivesse havido despacho liminar do processo conforme o disposto nos artigos 812.º-D e 812.º-E do CPC. e não teriam sido efectuadas quaisquer penhoras que devessem ser preservadas pelo recurso interposto pelas Exequentes.
15. Assim, o entendimento do Tribunal a quo tem o efeito absurdo de premiar a ilegalidade cometida nos presentes autos ao terem sido efectuadas penhoras sem a citação prévia da Executada, salvaguardando actos que não fora terem sido praticados ao arrepio da lei, não poderiam sequer ser abrangidos pelo efeito suspensivo do processo que o Tribunal a quo entende erradamente ser aplicável ao recurso interposto pelas Exequentes.
16. Em face do exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e como tal ordenado imediatamente o levantamento das penhoras ilegais efectuada nos presentes autos, assim se fazendo a acostumada Justiça!”.
8- As Exequentes retorquiram, apresentando as seguintes conclusões:
“A. Conclusões Prévias e Gerais
1. Em causa discute-se o indeferimento liminar do requerimento de execução apresentado pelas Exequentes, com vista à execução para pagamento de quantia certa, com base numa sentença que constitui título executivo nos termos e para os efeitos do artigo 47.º do CPC.
2. No âmbito da execução em causa, as penhoras devem ser efectuadas sem citação prévia das Executadas, ao abrigo do disposto nos artigos 812.º F, n.º 1 e 812.º C, alínea a) do CPC.
3. Razão pela qual, as Executadas não deveriam ter sido citadas para os termos do presente recurso nem para os da causa conforme estabelece o artigo 234.º-A n.º 3 do CPC.
4. Não obstante, considera a Executada que lhe é permitido o direito a intervir nos presentes autos, nomeadamente o direito a contra-alegar, o direito a requerer a ampliação do objecto do recurso e, ainda, o direito a interpor recurso subordinado.
5. Porém sendo que estamos perante uma execução na qual as penhoras devem ser realizadas com dispensa de citação prévia, forçoso é concluir-se, que as Executadas não deveriam ter sido citadas nos termos do artigo 234.º-A n.º 3 do CPC, sendo a intervenção da Executada nos presentes autos totalmente atípica, ilegítima e processualmente inadmissível.
6. Tratando-se de actos que a lei não admite e que podem influir no exame e decisão da causa os mesmos encontram-se feridos de nulidade pelo que, em consequência, deve ser ordenado o desentranhamento dos requerimentos apresentados pela Executada, nomeadamente das contra-alegações de recurso, da ampliação do objecto do recurso e do recurso subordinado.
7. Caso assim não se entenda, sempre se verificará que não é admissível a ampliação do objecto do recurso nem a interposição de recurso subordinado, porquanto a Executada não decaiu enquanto parte vencedora nem esta é parte vencida.
8. Note-se, aliás, que o tribunal a quo não chegou sequer a conhecer das questões colocadas pela Executada, tendo referido a este respeito que “As questões suscitadas pela H… estão prejudicadas”.
9. Ademais, não se tratando de uma decisão proferida a requerimento das partes, sempre estaria precludido o conhecimento das questões que foram colocadas pela Executada através de intervenções processualmente inadmissíveis, as quais não admitiram sequer o exercício de contraditório pelas Exequentes.
B. Conclusões da Resposta à Matéria da Ampliação do Objecto do Recurso
1. Não concedendo, mas equacionando por mera cautela de patrocínio, que a ampliação do âmbito do recurso é admissível mesmo sem existir decaimento algum por parte da Executada, sempre se concluiria ser manifesta a improcedência de tal pretensão.
2. Isto porque, a Executada mais não fez que “aproveitar” o recurso de apelação apresentado pelas Exequentes para, a pretexto da ampliação do respectivo objecto, voltar a pedir, agora ao tribunal superior, a apreciação de uma questão que não deve ser apreciada, a saber, discutir a forma de processo em causa, a dispensa ou não de citação prévia e a existência ou não de uma nulidade que implique o cancelamento imediato e urgente das penhoras efectuadas nos presentes autos.
3. Ora, como é bom de ver, tal discussão nada tem que ver com a decisão proferida a respeito da (in)existência de título executivo, questão essa contra a qual as Exequentes vieram legitimamente a interpor recurso.
4. No caso dos autos, tudo o que a Executada pretende é, no fundo, que lhe seja reconhecida uma possibilidade que lhe é vedada por lei, a de no recurso das Exequentes poder esgrimir certa questão que, resolvida em seu desfavor, não foi susceptível de prejudicar a decisão em que ela havia vencido.
5. É, assim, óbvio que não pode a Executada “aproveitar-se” do recurso apresentado pelas Exequentes para, a pretexto de uma inadmissível ampliação do seu objecto, propugnar o suprimento ou correcção da decisão recorrida em seu próprio favor, porquanto, a inidoneidade da requerida ampliação, obstaculiza o conhecimento dessa questão, a qual só poderia ser apreciada em sede recursória própria, cuja oportunidade foi desprezada pela Executada.
6. Termos em que, forçoso é concluir-se que deve ser desconsiderada por ser processualmente inadmissível a ampliação do objecto do recurso apresentada pela Executada.
7. Sem prescindir, sempre se verificará que a questão suscitada pela Executada não é fundamento de indeferimento liminar nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 812.º-E nem da alínea g) do artigo 812.º-D ambos do CPC e, não o sendo, poderão sempre ainda as Exequentes exercer o direito do contraditório com vista a suprir qualquer vício ou falta eventualmente cometidos.
8. Com efeito, a questão que a Executada pretende ver apreciada configura uma questão processual a decidir à posteriori (e que, todavia, é susceptível de sanação e suprimento), não se podendo determinar, por ora, nenhuma consequência para a sua eventual (mas improvável) posterior procedência, ainda para mais sem que seja dada a oportunidade às Exequentes para suprir um eventual vício ou corrigir uma eventual falta conforme dispõe o n.º 2 do artigo 820.º do CPC.
9. Conclui-se, pois, que sempre será de considerar improcedente a ampliação do âmbito do recurso requerida pela Executada.
10. Caso se considere que o Tribunal se deveria ter pronunciado, desde logo, acerca da questão suscitada pela Executada, note-se então que a Executada pretende defender que, no caso em apreço, existe erro quanto à forma do processo, erro esse que permitiu que fossem ordenadas penhoras com dispensa de citação prévia, citação prévia essa que configura uma completa omissão da citação das Executadas e que por isso deve importar a nulidade de todos os actos de penhora praticados.
11. Em primeiro lugar, cumpre referir que não existe erro algum quanto à forma de processo, pois que as Exequentes intentaram uma execução para pagamento de quantia certa nos termos da lei, mais precisamente nos termos conjugados do disposto nos artigos 804.º, 805.º e 810.º do CPC.
12. A este propósito alega a Executada que a exigibilidade do pagamento da sanção pecuniária compulsória depende da verificação a que se reporta o artigo 941.º n.º 1 do CPC, de ter ocorrido um incumprimento das prestações de facto negativo.
13. Porém, tal como ensinam José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, em anotação ao artigo 941.º do Código de Processo Civil, que: “Uma vez que o acto ilícito do executado tem sempre, neste tipo de obrigações, natureza positiva, a sua prova tem sempre de ser efectuada, por aplicação analógica do artigo 804.º, na fase liminar da execução.”
14. Em segundo lugar, caso assim não se considerasse sempre se concluiria, por força do princípio da adequação formal do processo, que a execução para pagamento de quantia certa é a forma de processo que, in casu, deve ser aplicada, nos termos conjugados do disposto nos artigos 804.º, 805.º e 810.º do CPC.
15. Em terceiro lugar, ainda que assim não se considerasse, sempre se verificará que a existir erro na forma de processo, tal erro não seria motivo de indeferimento liminar do requerimento executivo, nem mesmo motivo para que se considerassem nulas as penhoras ordenadas.
16. Pois que, caso se considerasse, o que não se concede, que existe erro na forma de processo e que a forma correcta do processo executivo implicaria a citação prévia das Exequentes, dever-se-ia então praticar-se esse acto (o que alias já foi, indevidamente, feito).
17. E, no que respeita aos actos já praticados, nomeadamente as penhoras ordenadas, somente serão anulados se não puderem ser aproveitados.
18. No caso em apreço, verifica-se que as penhoras ordenadas não só podem como devem manter-se, de modo a evitar uma repetição inútil de actos que podem ser aproveitados.
19. Acresce que as penhoras ordenadas não são de todo susceptíveis de consubstanciar uma diminuição das garantias da Executada, uma vez que as mesmas não obstam a que a Executada apresente oposição à execução e em nada prejudicam, nem sequer beslicam, o exercício desse seu direito.
20. Em quarto lugar, refira-se que, in casu não estamos perante um caso de falta de citação a que se reporta a aliena a) do artigo 194.º, pois que, nos termos do artigo 195.º do CPC apenas há falta de citação do réu quando o acto tenha sido completamente omitido, o que não é o caso.
21. In casu, verifica-se apenas e tão-só a falta de citação prévia da Executada, falta essa que, tendo em conta a forma do processo executivo aqui em causa, respeita as formalidades prescritas na lei, conforme a isso obriga o artigo 198.º do CPC.
22. Por último, quanto à alegação da Executada de que “as Exequentes prejudicaram gravemente os direitos e garantias de defesa das Executadas e causaram-lhes danos patrimoniais e de imagem perante os seus parceiros comerciais em virtude das penhoras de créditos já efectuadas pelo agente de execução sem o seu conhecimento” convêm referir que: (i) caso a execução em apreço lhe causasse realmente os graves prejuízos que agora invoca, decerto que teria sido antes fixado um efeito suspensivo ao recurso que as Executadas interpuseram contra sentença dada à execução, o que não sucedeu, (ii) as Exequentes não lograram penhorar, até à presente data, um único cêntimo pertencente às Executadas, todavia (iii) jamais será possível às Exequentes obter qualquer pagamento proveniente das penhoras ordenadas até que seja decidido o presente recurso, não sendo sequer possível às Exequentes prestar caução com vista à obtenção de qualquer pagamento à semelhança do permitido e previsto nos artigos 47.º n.º 4 e 818.º, n.º 4 do CPC.
23. Em suma e ao que importa, as penhoras ordenadas não são de todo susceptíveis de consubstanciar uma diminuição das garantias da Executada, pois que as mesmas não obstam a que a Executada apresente oposição à execução e em nada prejudicam, nem sequer beslicam, o exercício desse seu direito.
24. Pelo que, em qualquer caso, ainda que se considerasse existir erro na forma de processo, sempre se deveriam manter as penhoras legitimamente ordenadas.
25. Termos em que deve ser considerada totalmente improcedente a ampliação do âmbito de recurso apresentada pela Executada.
C. Conclusões das Contra-Alegações do Recurso Subordinado
1. Não concedendo, mas equacionando por mera cautela de patrocínio, que o recurso subordinado é admissível, sempre se verá que a rejeição destes pela sua manifesta improcedência é, porventura, a opção mais ajustada.
2. A Executada veio interpor recurso subordinado apenas e tão só para discutir o efeito meramente devolutivo que Tribunal a quo (e bem) atribuiu ao recurso.
3. Ora, é por demais evidente que, o efeito do recurso em nada se relaciona com o recurso interposto pela Exequentes.
4. Precisamente por esse motivo, veio a Executada em 03.10.2012, de novo, a suscitar tal questão, tendo para o efeito interposto recurso autónomo de apelação. Porem, também como parece evidente não será em recurso autónomo que se discutirão os efeitos do presente recurso.
5. Assim e ciente destes seus “percalços” processuais, em 04.10.2012, veio de novo a Executada suscitar a questão através de requerimento de correcção do efeito do recurso dirigido ao Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto.
6. Termos em que, sem necessidade de mais considerações, não devem ser admitidos os recursos interpostos pela Executada.
7. Sem prescindir, sempre se verificará que não assiste qualquer razão à Executada, que pretendendo ao levantamento imediato das penhoras, defende (no seu recurso subordinado) que ao presente recurso deve ser atribuído efeito meramente devolutivo.
8. Em primeiro lugar, incorrendo numa citação falaciosa e parcial, entende a Executada que a decisão de indeferimento liminar deve ser qualificada como uma decisão final que ponha termo ao processo em 1.ª Instância porquanto como “Como referem José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes em anotação ao artigo 691.º, n.º 1 do CPC, “[n]as decisões finais cabe seguramente o despacho saneador (…). Nelas cabe também o despacho de indeferimento liminar, quando a lei excepcionalmente o preveja (arts. 234-4, alíneas a), c) e f), e 234-A-1) e o pedido seja manifestamente improcedente, visto que se trata de uma decisão final”.
9. Ora, o que refere mais precisamente José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes é que “Nelas cabe também o despacho de indeferimento liminar, quando a lei excepcionalmente o preveja (arts. 234-4, alíneas a), c) e f), e 234-A-1) e o pedido seja manifestamente improcedente, visto que se trata de uma decisão final (ver n.º 5 da anotação ao artigo 234-A)”.
10. E, bem assim, note-se que o “n.º 5 da anotação ao artigo 234-A” refere expressamente que “O recurso (agora de apelação: art. 691-2)”.
11. Com efeito, não é aceitável admitir que o tribunal de 1.ª instância, após ter proferido uma decisão final (legalmente designada como decisão que ponha termo ao processo), pudesse, de novo, em caso de provimento de recurso contra a mesma interposto, proferir uma nova decisão final, isto é, uma (nova) real e efectiva decisão de mérito da causa, que agora sim, e (quem sabe talvez) desta vez, pudesse, por fim ao processo em 1.ª instância.
12. Assim, não restam dúvidas de que, contrariamente ao que fantasia a Executada, o despacho de indeferimento liminar não é equiparável a uma decisão que ponha termo ao processo, sendo o mesmo, portanto, recorrível nos termos do artigo 691.º n.º 2 do CPC, mais precisamente, da sua alínea n), i.e. “nos demais casos previstos na lei” em que cabe recuso das decisões do tribunal de 1.ª instância.
13. Em segundo lugar, a Executada crê que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo 2473/08.4TBALM-A.L1-7, não é aplicável ao presente caso, porquanto o mesmo se debruça sobre uma decisão de indeferimento liminar meramente parcial.
14. Contrariamente ao que defende a Executada, a referida decisão esclarece também e expressamente que não se deve distinguir se o indeferimento é total ou parcial, o que faz ao concluir o seguinte: “Aqui chegados, não nos resta senão concluir que do despacho de indeferimento liminar, total ou parcial, em particular, do requerimento executivo, nos termos hoje previstos no artigo 812.º-E, n.º 1 e 2, do CPC, cabe recurso de apelação, sempre admissível para a Relação, a subir nos próprios autos e, necessariamente, com efeito suspensivo do processo, nos termos combinados dos artigos 234.º-A, n.º 2, e 691.º, n.º 2, alínea n), do CPC, pelo que procede a reclamação deduzida.”
15. Em terceiro lugar, defende a Executada que a doutrina de António Abrantes Geraldes (de que o artigo 692.º n.º 2 do CPC deverá ter aplicação aos casos em através de uma análise casuística se conclua que a admissão do recurso interfere com a própria tramitação do processo) que deve cair por terra pois parte de um pressuposto errado, que é o de que existe uma lacuna na lei quanto ao âmbito de aplicação do artigo 692.º n.º 2 do CPC porquanto “a este propósito, Abílio Neto afirma inclusivamente que “a suspensão do próprio processo por efeito do recurso verifica-se apenas na hipótese contemplada no n.º 6 do art.º 154.º do CPC e, daí, o seu processamento como urgente”.
16. Porém, o que Abílio Neto afirma, mais precisamente, é que “Salvo melhor informação (i.e. uma análise casuística do âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 692.º), a suspensão do próprio processo por efeito do recurso verifica-se apenas na hipótese contemplada no n.º 6 do art.º 154.º do CPC e, daí, o seu processamento como urgente”.
17. Ora, parece indesmentível que realmente a lacuna existe, sendo disso mesmo um bom exemplo o previsto no artigo 234.º-A do CPC, o qual impõe, assim, uma análise casuística acerca do âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 692.º.
18. Contrariando esta realidade, a Executada pretende fazer crer que é impossível que a Reforma operada pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, tenha dado azo a uma lacuna na lei e defende que “a atribuição de efeito suspensivo do próprio processo passou a ser reservada para casos absolutamente excepcionais em que o recurso seria inútil se o processo prosseguisse os seus trâmites. O que não ocorre verdadeiramente no caso de decisões que ponham termo ao processos em que não há em regra quaisquer trâmites relevantes para suspender após proferida aquela decisão”.
19. Como já tivemos oportunidade de distinguir a decisão recorrida não é uma decisão que põe termo ao processo. Ademais, em caso de provimento do recurso existem trâmites relevantes - a saber as penhoras ordenadas - que, já que foram suspensos, merecem, pelo menos, ser conservados sob pena de repetição de actos inúteis.
20. Repetição de actos inúteis esses, que a Reforma operada pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, norteada pelos objectivos de simplificação, celeridade e economia processuais, pretendia certamente evitar.
21. Tenta ainda a Executada defender que pela sua natureza a decisão de indeferimento liminar tem por efeito “matar o processo à nascença” e que por isso impõe o cancelamento de todos os actos praticados. Uma vez mais, porém, não tem razão.
22. De facto, é óbvio que a decisão de indeferimento liminar não tem por efeito “matar o processo à nascença”, pois caso tivesse esse efeito certamente que não estaríamos agora em sede de recurso.
23. Por outro lado, como vimos, nem é a mesma, sequer, uma decisão que ponha termo ao processo em 1.ª Instância, pois a proceder o presente recurso será o Tribunal de 1.ª Instância quem efectivamente irá proferir uma decisão então susceptível de pôr termo ao processo em 1.ª Instância.
24. Mais advoga a Executada que nos termos do n.º 2 do 820.º do CPC rejeitada a execução, a mesma extingue-se devendo por isso ser ordenado o levantamento das penhoras ordenadas.
25. Tal entendimento não tem qualquer cabimento, uma vez que só se poderá considerar rejeitada e extinta a execução, como é evidente, após o respectivo trânsito em julgado, o que não ocorreu.
26. Esquecendo as considerações acerca da marcha do processo, vem a Executada alegar que, casuisticamente, a atribuição de efeito suspensivo do processo, com o alcance que lhe é dado pelo Tribunal a quo, se traduz numa “situação altamente injusta e prejudicial para a Executada”.
27. A este propósito, convêm referir que, (i) caso a execução em apreço lhe causasse realmente os graves prejuízos que agora invoca, decerto que teria sido antes fixado um efeito suspensivo ao recurso que as Executadas interpuseram contra sentença dada à execução, o que não sucedeu, (ii) as Exequentes não lograram penhorar, até à presente data, um único cêntimo pertencente às Executadas, todavia (iii) jamais será possível às Exequentes obter qualquer pagamento proveniente das penhoras ordenadas até que seja decidido o presente recurso, não sendo sequer possível às Exequentes prestar caução com vista à obtenção de qualquer pagamento à semelhança do permitido e previsto nos artigos 47.º n.º 4 e 818.º, n.º 4 do CPC.
28. Atento este último argumento, verifica-se que é totalmente descabida a ideia da Executada de que “para todos os efeitos práticos, a interpretação do Tribunal a quo (…) resulta na atribuição de um efeito suspensivo da decisão (e não do processo)”.
29. Ainda quanto à situação “altamente injusta e prejudicial” para a Executada, sempre será de salientar o que referiu o Tribunal que atribuiu efeito meramente devolutivo ao recurso interposto contra a sentença aqui dada à execução, a saber: (i) “Atenta a natureza da decisão proferida, indefiro o requerido pelas Rés quanto ao efeito da apelação porquanto, e como sustenta a Autora, não são alegados factos que integrem o conceito indeterminado de “prejuízo considerável” a que alude o n.º 3, do art. 692.º, do CPC” (ii) que a natureza da decisão dada à execução se prende com imperativos de ordem pública, inter alia, a proibição do jogo ilegal, bem como de realização de valores de interesse geral de prevenção da fraude e combate à criminalidade e (iii) que “A actividade das RR. J… é, em si, ilícita em Portugal e o objecto do contrato celebrado entre as Rés centra-se na publicidade ilícita de uma actividade, pelo que é nulo nos termos das disposições conjugadas dos artigos 280.º e 294.º do Código Civil e artigo 21.º do Código da Publicidade, pois tem um objecto contrário à lei, tendo sido celebrado contra disposições legais de carácter imperativo”.
30. E tal bastaria, se outros argumentos não existissem, para se impor e confirmar, in casu, o efeito suspensivo do processo atribuído ao presente recurso.
31. Termos em que deve o recurso subordinado ser considerado totalmente improcedente”.
Pede, assim, o desentranhamento das Contra-Alegações de Recurso, a Ampliação do Objecto do Recurso, e o Recurso Subordinado apresentados pela Executada.
Caso assim não se entenda, sempre deverão os mesmos ser considerados totalmente improcedentes.
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9- Depois de diversas vicissitudes que os autos documentam, os mesmos encontram-se preparados para ser decididos por esta instância.
Assim, com esse objectivo, estando preparada a deliberação, importa tomá-la:
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II- Questões prévias e delimitação de objecto
1- Como vimos, as exequentes, na sua resposta ao pedido de ampliação do objecto do recurso pelas mesmas interposto e ao recurso subordinado da executada, H…, começam por pôr em causa a validade do processado, porquanto, a seu ver, devendo a penhora preceder a citação das executadas, nunca elas deveriam ter sido admitidas a intervir nestes autos sem aquela penhora estar totalmente realizada.
Consequentemente, pedem para ser ordenado o desentranhamento dos requerimentos apresentados pela referida executada, nomeadamente das contra-alegações de recurso, da ampliação do objecto do recurso e do recurso subordinado.
E são estas consequências que se impõe aquilatar, desde já, se devem ser decretadas.
Ora, o primeiro dado que importa ter presente, para esse efeito, é que as Apelantes não questionaram oportunamente e pelas vias processuais adequadas, o despacho que ordenou a citação das executadas, quer para os termos desta acção, quer deste recurso (cfr. despacho datado de 05/09/2012).
Consequentemente, além de, a nosso ver, essa citação ser legalmente imposta pelo artigo 234.º-A, n.º3 do Código de Processo Civil que à data vigorava, também não pode, nesta fase e instância, ser questionada a legalidade desse procedimento, por ter transitado em julgado aquele despacho.
Daí que não possa, por esse motivo também, ser ordenada o pretendido desentranhamento das contra-alegações de recurso e os demais modos de impugnação do despacho recorrido, por banda da executada, H….
Questão diferente é a de saber se esses modos de impugnação, ou seja, o pedido de ampliação do objecto do recurso das Apelantes e o recurso subordinado interposto por aquela executada, podem ser admitidos.
É que, como referem as Apelantes, a referida executada, com o despacho de indeferimento liminar, não ficou vencida em nenhuma medida.
E assim é, de facto. O referido despacho em nenhuma medida lhe é desfavorável. Pelo contrário, decidiu declarar extinta liminarmente a presente instância[1].
Por conseguinte, a executada não tem legitimidade, quer para requerer a ampliação do objecto do recurso das Apelantes, quer para interpor recurso subordinado, posto que, em ambos os casos, se exige que tenha ficado, pelo menos nalguma medida, vencida.
Os artigos 682.º, n.º 1 e 684º-A, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil que temos estado a referir, é claro a esse propósito. Só o recorrido que, nalguma medida tenha decaído na sua pretensão, pode interpor recurso subordinado e/ou requerer a ampliação do objecto do recurso interposto pela parte vencedora[2]. Aliás, já idêntica conclusão se retiraria do preceituado no artigo 680.º, n.º 1 do mesmo Código.
De modo que, por falta de legitimidade, não se admite nenhum desses tipos de impugnação da decisão recorrida; concretamente, o pedido de ampliação do objecto do recurso das Apelantes e do recurso subordinado interposto pela executada, H….
2- Divergem ainda as partes sobre o efeito do recurso interposto pela Apelante. Segundo a Apelada, H…, o Tribunal recorrido não podia atribuir, como atribuiu, efeito suspensivo do processo a esse recurso, na medida em que, nem há norma expressa que o preveja, nem esse efeito se justifica neste caso concreto, porquanto foram alegadamente realizadas penhoras sem título executivo e sem a citação prévia de qualquer uma das executadas, o que prejudica gravemente os seus interesses.
Ora, este último tipo de argumentação, é que não nos parece ter qualquer cabimento na letra da lei. Na verdade, o modo normativamente previsto para evitar esses efeitos, decorrentes, antes de mais, da possibilidade de instauração da acção executiva, deveria ter sido obtido na acção declarativa de onde emergiu a sentença exequenda. Nomeadamente, requerendo a atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto dessa sentença (artigo 692.º, n.º 4 do anterior Código de Processo Civil). Não pode, por isso, a referida executada pretender, nesta sede, colmatar a falta ou o insucesso dessa sua iniciativa.
Por outro lado, sendo embora certo que o artigo 692.º, n.º 2 do Código de Processo Civil que temos estado a analisar, refere que “[a] apelação tem efeito suspensivo do processo nos casos previstos na lei”, não pode deixar de entender-se que esse mesmo efeito está sempre e necessariamente associado às apelações que subam imediatamente nos próprios autos (artigo 691.º-A). A tramitação do processo na primeira instância, como ocorre na hipótese prevista no artigo 154.º, nº 6 do mesmo Código, tem de ser suspensa. Não pode ser de outro modo. Por isso se entende, tal como António Abrantes Geraldes[3], que no referido artigo (692.º, n.º 2) se têm de incluir todas as situações que colidam com a marcha do processo.
Em suma, mantém-se o efeito atribuído à Apelação apresentada pelas Apelantes e, nada obstando, cumpre conhecer do seu objecto.
3- Esse objecto, tal como é regra em processo civil, é delimitado pelas conclusões do recorrente, salvo no que toca, entre outras, às questões de conhecimento oficioso.
Assim, no caso presente, a aludido objecto restringe-se à questão de saber se a sanção pecuniária compulsória decretada na sentença exequenda é passível de, por si só, ser imediatamente executada.
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III- Fundamentação
1- Fundamentação de facto
Para decidir a questão enunciada, além das ocorrências descritas no relatório supra transcrito, consideram-se ainda demonstrado, por via documental, designadamente pelo teor de fls. 12 a 94, que:
a) No processo judicial que correu termos na 3.º Secção da 3.ª Vara Cível do Porto, sob o n.º 1279/06.6TVPRT, no qual as exequentes figuraram como AA. e as executadas como Rés, foi, além do mais, declarada a “nulidade do contrato de patrocínio celebrado entre as RR”; condenadas as Rés a reconhecer a nulidade do contrato de patrocínio celebrado”; condenadas as RR. “a não executar o contrato de patrocínio celebrado”; proibidas as RR. “de efectuar qualquer publicidade ao sitio “I….com”” e ainda condenadas as RR., solidariamente, no pagamento às AA, a título de sanção pecuniária compulsória, da quantia de 50.000,00€, por cada dia em que perdurar a infracção às proibições decretadas.
b) Dessa decisão foi interposto recurso ao qual foi atribuído efeito meramente devolutivo.
2- Fundamentação jurídica
Está em causa no recurso das Apelantes, como vimos, tão só a questão de saber se a sanção pecuniária compulsória decretada na sentença exequenda é passível, ou não, de, por si só, ser imediatamente executada.
Na decisão recorrida respondeu-se negativamente a esta questão, com o argumento principal de que enquanto a sentença exequenda não transitar em julgado, a referida sanção não pode ser coercivamente executada, uma vez que se trata de uma obrigação acessória da prestação principal e, como tal, só com o aludido trânsito a exequibilidade de ambas as obrigações se pode ter por definitivamente adquirida.
As Apelantes, no entanto, não se conformam com este entendimento. E defendem, ao invés, que a decisão recorrida “a. Contraria o prescrito no Código de Processo Civil acerca dos requisitos de exequibilidade da sentença dada à execução; b. Desvirtualiza o efeito regra [meramente devolutivo] do recurso de apelação consagrado no Código de Processo Civil; c. Limita os poderes concedidos ao juiz no Código Civil para a fixação de uma sanção pecuniária compulsória de natureza judicial; d. Desconsidera as finalidades da sanção pecuniária compulsória de natureza judicial; e. Premeia o incumprimento das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis [in casu, abstenção de efectuar publicidade às I’s]; f. Afecta a soberania dos tribunais; g. Fomenta o desrespeito pelas decisões dos tribunais, em especial dos Tribunais de Primeira Instância; e h. Desprestigia a justiça”.
Pelo contrário, a Apelada defende a posição assumida na decisão recorrida e aduz um outro argumento que tem a ver com a obrigatoriedade de cumulação da execução para cumprimento das obrigações principais previstas na sentença exequenda, com a sanção pecuniária compulsória prevista nessa mesma sentença, para o que seria necessária a utilização de um outro meio processual, concretamente, a execução para a prestação de facto negativo.
Todas estas problemáticas devem ser equacionadas à luz do Código de Processo Civil que vigorava antes do que actualmente se encontra em vigor, aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, uma vez que foi no domínio daquele Código que foi instaurada esta execução e proferida a decisão recorrida (cfr. artigos 142º nºs 1 e 2 e 136.º, n.ºs 1 e 2, respectivamente, do primeiro e segundo Código de Processo Civil indicados).
Pois bem, nos termos do artigo 47.º, nº 1, do Código de Processo Civil primeiramente indicado (do qual serão todas as futuras citações sem outra denominação de origem), “[a] sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo”. O que sucede neste caso é que, sendo instaurada execução, a mesma modifica-se ou extingue-se em conformidade com a decisão definitiva (n.º2), não podendo nunca o exequente ou qualquer credor ser pago sem prestar caução (n.º 3).
É, assim, inequívoco, deste ponto de vista, que a sentença exequenda, no caso presente, tendo embora sido objecto de recurso com efeito meramente devolutivo, poderia ser executada em toda a sua amplitude, logo que foi proferida; ou seja, as exequentes poderiam exigir às executadas não só a prestação dos factos (negativos) em que as mesmas foram condenadas, como igualmente o pagamento da sanção pecuniária que lhes foi imposta. O recurso interposto, só por si, com o efeito assinalado, não o impedia.
Mas impedia-o a natureza da referida sanção, o modo como foi estipulada, ou mesmo a forma de processo escolhida pelos exequentes?
É o que nos propomos averiguar e decidir.
Introduzida pelo Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de Junho, a figura da sanção pecuniária compulsória acha-se assim prevista no artigo 829.º-A do Código Civil:
“1- Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
2- A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
3- O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
4- Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar”.
A primeira nota que ressalta deste preceito, é a natureza específica da sanção nele prevista: traduz-se ela, com efeito, numa verdadeira ameaça para o devedor duma sanção pecuniária se o mesmo não obedecer à condenação principal, jurisdicionalmente estabelecida.
Através daquela sanção induz-se, por um lado, o devedor a cumprir a referida condenação (carácter coercitivo ou compulsório) e, por outro, sanciona-se o eventual incumprimento da mesma, reforçando, assim, a eficácia e o prestígio das decisões jurisdicionais[4]. Como é usual dizer-se, o seu fim não é o de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a sua resistência, desleixo ou indiferença[5]. Constitui, no fundo, “um meio intimidativo, de pressão sobre o devedor, em ordem a provocar o cumprimento da obrigação, assegurando-se, ao mesmo tempo, o respeito e o acatamento das decisões judiciais e reforçando-se, assim, o prestígio da justiça”[6].
Se bem repararmos, no entanto, a lei consagra dois tipos de sanções:
“Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória (...) poderá funcionar automaticamente”[7]. Ou seja, “[o]legislador, em vez de confiar à soberania do tribunal (…), a ordenação da sanção pecuniária, disciplina-a ele próprio, fixando o seu montante, ponto de partida (trânsito em julgado da sentença de condenação) e funcionamento automático. Por isso, porque prevista e disciplinada por lei, poderá qualificar-se como sanção pecuniária compulsória legal, enquanto aquela que é ordenada e fixada pelo juiz poderá chamar-se de sanção pecuniária compulsória judicial”[8].
Ora, este modo de ver, logo nos alerta para a necessidade de fazer reflectir a referida diferença no respectivo regime. Designadamente, para a temática que estamos aqui a tratar, desde quando é a sanção pecuniária compulsória exigível. Assim, no caso da sanção legal (n.º 4 do artigo 829.º-A), essa sanção é devida a partir do trânsito em julgado da sentença que definiu a prestação principal; e, no caso da sanção compulsória judicial (n.º 1 do artigo 829.º-A), ou a partir do momento em que o vencimento dessa sanção foi expressamente estabelecido ou, não tendo sido fixado esse momento, a partir da data em que o cumprimento coercivo da mesma se tornou juridicamente exigível, que, por regra, coincide com a data em que o devedor dela tomou conhecimento [9].
No caso em apreço, pois, tratando-se, como se trata, de uma sanção pecuniária tendente a forçar o cumprimento de prestações de factos negativos, sem ter sido indicada qualquer data para o cumprimento de qualquer uma das prestações, esse cumprimento é devido a partir do o momento em que as executadas tomaram conhecimento da sentença exequenda.
A questão que a Apelada, H…, coloca é a de saber se a sanção pecuniária pode ser cobrada autonomamente; isto é, sem o ser também, em simultâneo, a prestação principal, para o que seria adequada, segundo diz, uma forma processual diversa: a execução para prestação de facto negativo.
Ora, a nosso ver, a resposta a esta questão deve começar por ser encontrada no que, à época, dispunha o artigo 933.º, n.º1, do Código de Processo Civil. Aí se estabelecia que “se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação; pode também o credor requerer o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter no processo executivo”.
Esta norma, no que à sanção pecuniária compulsória diz respeito, foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º329-A/95 de 12 de Dezembro, e constitui uma verdadeira excepção à regra prevista no artigo 53.º, n.º1, al. b), do Código de Processo Civil, nos termos do qual é proibida a cumulação de execuções com diferentes fins.
Assim, de acordo com o citado artigo 933.º, n.º1, o exequente tem a faculdade - mas não a obrigação legal -, de, no âmbito da execução para prestação de facto, executar cumulativamente a sanção pecuniária compulsória e/ou a prestação de facto a que a mesma está associada, mas não, necessariamente, as duas em conjunto.
A cumulação, seja de pedidos, seja de execuções nos termos já configurados, repetimos, é uma faculdade. Em conformidade, aliás, com a regra geral previsto para o processo declarativo, em relação à cumulação de pedidos, que, em princípio, não é obrigatória (artigo 470.º do Código de Processo Civil)[10].
Mas, em sede executiva, que é a hipótese que para aqui nos importa, o exequente, tendo o direito judicialmente reconhecido a uma prestação de facto (positivo ou negativo) e a uma sanção pecuniária compulsória para o caso de incumprimento daquela prestação, tanto pode executar apenas uma delas como as duas em conjunto. O que em nada descaracteriza o carácter acessório da referida sanção. É que cumprida ou cessada, por qualquer forma, a obrigação principal, cessa igualmente a correspondente sanção. Ou, dito por outras palavras, o cumprimento da sanção pecuniária compulsória só pode ser exigido se e enquanto a obrigação principal se mantiver em vigor.
Ora, no caso presente, ao executar a sanção pecuniária compulsória, as exequentes estão a exercer o direito e a concretizar o fim para o qual a mesma foi prevista e decretada: compelir as executadas a realizar as prestações de facto que na sentença exequenda lhes foram impostas. Se as executadas têm algum fundamento para se opor a essa execução, nada na lei, em tese, lho veda, desde que o mesmo se circunscreva aos motivos normativamente definidos para esse efeito e seja oportuna essa defesa.
Daí que não se verifiquem os obstáculos levantados pela decisão recorrida à execução da sentença exequenda.
Em suma, o recurso das Apelantes é de julgar procedente e revogada aquela decisão.
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III- DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda-se em:
1º- Rejeitar o pedido de ampliação do objecto do recurso da Apelante e o recurso subordinado interposto pela executada, H…;
2º- Conceder provimento ao recurso dos Apelantes e, consequentemente, revoga-se na íntegra o despacho recorrido.
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Porque decaiu em ambos os recursos, as custas referentes aos mesmos serão pagas pela Apelada, H… - artº 446º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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Porto, 25/11/2014
João Diogo Rodrigues
Rui Moreira
Henrique Araújo
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[1] O que constitui julgamento nos termos e para os efeitos do artigo 287.º, al. a) do Código de Processo Civil já citado.
[2] Cfr. neste sentido, José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, Tomo I, 2ª ed., Coimbra Editora, págs. 35 e 44.
[3] Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição, 2008, Almedina, Coimbra, pág 212.
[4] Cfr. neste sentido, João Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª edição, Almedina, pág. 393 a 396 e
[5] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3ª ed. revista, Coimbra Editora, pág. 107.
[6] Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 1990, pág. 115.
[7] Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 262/83.
[8] João Calvão da Silva, ob cit., pág. 456.
[9] Neste sentido parece ter-se pronunciado o Ac. Rc de 14/01/2014, Proc. 264/09.4TBILH-D.C1, consultável em www.dgsi.pt, embora aí se tenha decidido que “[o] termo inicial (da) sanção pecuniária compulsória conta-se a partir do momento decidido a esse propósito na sentença proferida em 1ª instância se esta vier a ser confirmada pelos tribunais superiores e não apenas a partir do trânsito em julgado dessa sentença da 1ª instância”.
A decisão recorrida apoia-se, ao que nos parece, no Ac. RLx de 11/12/2002, Proc. 0060634, consultável em www.dgsi.pt, mas só tivemos acesso ao respectivo sumário, sem que dele se possa extrair que em causa estava, nesse caso concreto, uma prestação de facto; temos dúvidas, face ao ponto 3 desse mesmo sumário, que aqui se deixa integralmente reproduzido:
I - A sanção pecuniária compulsória não poderá executar-se antes de o seu cumprimento se haver por definitivamente devido, e sem que a exequibilidade da decisão judicial for definitivamente adquirida.
II - Sendo a sanção pecuniária compulsória acessória da condenação principal, compreende-se que antes do trânsito em julgado desta, aquela não produza efeitos.
III - Sendo estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado.
[10] Dizemos em princípio porque há casos em que a lei impõe distinta solução (v.g. artigos 1789.º, n.º2, e 1792.º, n.º2, ambos do Código Civil) e outros em que a cumulação se impõe por imperativos lógicos; isto é, por não haver suporte para um pedido sem a formulação de outro (por exemplo, pedir a entrega do imóvel locado sem pedir que se declare, em simultâneo, a resolução do contrato; pedir a restituição de bem sem pedir também o reconhecimento do direito de propriedade; pedir a condenação na restituição duma quantia mutuada sem se pedir igualmente a declaração de nulidade do contrato de mútuo).