Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00034502 | ||
Relator: | CAIMOTO JÁCOME | ||
Descritores: | DANO NEXO DE CAUSALIDADE TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA | ||
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Nº do Documento: | RP200204290250464 | ||
Data do Acordão: | 04/29/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | T J RESENDE | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 155/99 | ||
Data Dec. Recorrida: | 07/13/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR OBG. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ART563 ART566 N2. | ||
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Sumário: | I - Segundo a formulação positiva (da teoria de causalidade adequada), o facto será causa adequada do dano sempre que este constitua uma consequência normal ou típica daquele, ou seja, sempre que, verificado o facto, se possa prever o dano como causa natural ou como efeito provável dessa verificação, enquanto na formulação negativa o facto só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto. II - Causa virtual de um dano será certo facto que o produziria, se ele não fosse produzido por outro. No concurso virtual de causas do mesmo dano existe uma causa real, efectiva, do dano e, a par desta, um facto que teria produzido o mesmo dano, se não operasse a causa real. III - No caso concreto, a destruição dos moinhos dos autores, bem como dos regos e condutas de água efectuada pela ré ... foi a causa (adequada) real que originou os prejuízos (dano emergente) invocados, enquanto a construção da barragem (mini-hídrica), embora constituindo um facto real, seria a causa virtual dos danos sofridos pelos demandantes. IV - No caso dos autos, a apelante é a responsável única pelos danos (directos e indirectos) resultantes da inutilização dos moinhos, designadamente pelas quantias despendidas pelos autores na aquisição de farinha, porquanto a causa virtual não exonera o lesante, autor da causa real adequada, da obrigação de indemnizar. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: 1- RELATÓRIO Alberto ...... e mulher Arminda ......, José ..... e mulher Maria ......, António ...... e mulher Angelina ......, Américo ....... e mulher Maria Lisete ......, José Pinto ...... e mulher Maria Clarinda ......, António Dias ...... e mulher Idália ......, Óscar ........ e mulher Lúcia ......, Jorge ....... e mulher Maria Lúcia ......., José Dias ..... e mulher Dália ........, Manuel ........ e mulher Ana ......, Acácio ...... e mulher Conceição ........, Manuel ......., Fernando ....... e mulher Fernanda ........., José P...... e mulher Maria Rosa ...... e José Osório ...... e mulher Maria Alice ........, com os sinais dos autos, intentaram a presente acção declarativa, de condenação, com processo ordinário, contra: -E......., S. A., -En......, S.A., -Sociedade ........, S.A. e -Companhia de Seguros ........, S.A.. Pedem que sejam reconhecidos como (com)proprietários dos moinhos, caminhos de acesso e levadas identificados na petição e que as RR. sejam condenadas, solidariamente, a reparar os mesmos (moinhos, caminhos, levadas) e a pagar-lhes os gastos com a aquisição da farinha (Esc. 46.200$00, a favor de cada A., acrescidos de Esc. 300$00 por semana após a entrada da acção em juízo, ou, em alternativa, que as RR. sejam, solidariamente, condenadas a pagar aos AA. a quantia global de Esc. 12.700.000$00, a título de reparação dos aludidos prejuízos, acrescida de juros de mora, à taxa e nos termos legais. Alegaram, em síntese, que são proprietários de quatro moinhos, respectivas levadas e caminhos de acesso, os quais identificam. A primeira R., foi autorizada a utilizar, para produção de energia eléctrica, as águas do Rio ....., mediante a construção de uma barragem. Os trabalhos de aproveitamento das ditas águas e construção da barragem foram executados pelas 2ª e 3ª RR., as quais transferiram para a 4ª., a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros. Na execução de tais trabalhos, designadamente nas terraplanagens, escavações e explosões que levaram a efeito, as 2ª e 3º RR. destruíram os moinhos pertencentes aos RR., bem como as levadas e caminhos de acesso aos mesmos. Por terem ficado com os seus moinhos inutilizados e impedidos de neles moerem os cereais necessários ao se consumo e do seu gado, os AA., passaram a comprar farinha. Com a destruição dos moinhos, sofreram os AA. um prejuízo de Esc. 10.500.000$00. Com a destruição dos caminhos de acesso, suportaram um prejuízo de Esc. 1.000.000$00. Com a destruição das levadas, ascendeu o respectivo prejuízo a Esc. De 1.200.000$00. Pela compra da farinha que desde a destruição dos moinhos os AA. tiveram que passar a fazer, suportou, cada um deles, um prejuízo não inferior a Esc. 46.200$00. Citadas, as rés contestaram, excepcionando a ilegitimidade ("E....., S. A.", "En....., S. A." e "Sociedade ....., S. A.") e a prescrição(excepto a "E......., S. A.") e impugando os factos vertidos na petição. Foi chamada, através do incidente de intervenção principal provocada, deduzido, a fls.80, pelos autores, a sociedade EC......, Lda., a qual veio a contestar, impugnando o vertido na petição. Na réplica, os AA. responderam à matéria das excepções. ** Absolveu-se da instância a demandada E.....,S.A. (fls. 141-142).Saneado, condensado e instruído o processo, após anulação do primeiro julgamento da matéria de facto (artº 712º, n.º 4, do CPC), foi designado dia para audiência de discussão e julgamento. Após julgamento, foi proferida sentença, decidindo-se julgar: "parcialmente procedente a presente acção e improcedente a excepção peremptória da prescrição deduzida pelas RR., decide-se: 1-º. Absolver a R. En......., S.A., do(s) pedido(s). 2-º. Reconhecer os AA., como (com)proprietários exclusivos dos moinhos, respectivos caminhos e acessos e vala condutora de águas, mencionadas nas als. d), i), n) e p) do ponto 3 desta sentença. 3-º. Condenar as RR. Sociedade ........, S.A e Companhia de Seguros ......., S.A., e a interveniente EC......, S.A, nos seguintes termos: I) As RR. Sociedade, S.A, e EC......, Lda, (solidariamente) a pagarem aos AA., a título de indemnização, as quantias por estes despendidas na aquisição de farinha, desde Outubro de 1991 e até integral pagamento, no montante de 300$00 (trezentos escudos) por semana, relativamente a cada um dos AA., (tendo em conta o descrito nas als. ii), jj), ll) e mm) do ponto 3 desta sentença, o valor semanal dos prejuízos suportados pelos AA. na aquisição de farinha, para sua alimentação e dos seus animais, seria de ESC. 900$00- 60$00 X 3KG X 5 arrobas -, mas os mesmos peticionaram apenas, como prejuízo efectivamente sofrido neste âmbito a importância semanal de Esc. 300$00, conforme decorre dos arts. 48º e 49º da p.i. e als. a) e b) da 2º conclusão da mesma, pelo que é a este valor que aqui atendemos), acrescido dos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a citação da última das RR.. II) As RR. Sociedade ......., S.A., e Companhia de Seguros ......., S.A (solidariamente), mas a segunda com exclusão da franquia de 50.000$00) a pagarem aos AA., a quantia de Esc. 5.800.000$00 (cinco milhões e oitocentos mil escudos), a título de reparação pela destruição dos 3 identificados moinhos, respectiva conduta de águas (levada) e vias de acesso aos mesmos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação da última das RR. e vincendos até integral pagamento. Custas por AA., RR. (à excepção da R. En....., Lda) e interveniente EC....., S.A., na proporção do decaimento". ** Inconformadas, as RR. Sociedade ......., S.A, e EC....., Lda. apelaram, tendo, nas suas alegações, concluído:Conclusões da ré Sociedade .......,S.A.: 1ª- A medida atendível para a fixação da indemnização deve corresponder à diferença entre a situação patrimonial do lesado e a que ele teria se não se tivessem verificado os danos a indemnizar. 2ª- No caso dos autos, os danos decorrentes da impossibilidade de utilização dos moinhos sempre seriam sofridos pelos autores uma vez que, por causa da construção da barragem, deixaram de existir condições técnicas para o seu funcionamento. 3ª- Condenando a ora recorrente solidariamente com a co-ré EC......., Lda, ao pagamento da indemnização relativa àqueles danos, o Mmº Juiz a quo violou o disposto no artigo 566º, n.º 2, do Código Civil. 4ª- Deve, assim, a douta sentença objecto do presente recurso ser revogada parcialmente, absolvendo-se a aqui apelante da condenação, em solidariedade com a co-ré EC....., Lda, ao pagamento da indemnização referida em 3º- 1) da Decisão Conclusões da ré EC........, Lda.: 1ª - A ré responsável pela destruição dos moinhos, levadas e açude foi condenada no pagamento dos prejuízos causados, acrescidos de juros de mora desde a citação. 2ª - A Ré recorrente ficou absolvida quanto a tal condenação. 3ª - Destruídos os moinhos e as levadas, mesmo que eventualmente a sua utilização fosse impossível pela construção da barragem, então não existe qualquer obrigatoriedade de pagar lucros cessantes ou prejuízos a partir dessa destruição. 4ª- Decidindo com base em errada apreciação dos factos e pressupondo nexo de causalidade inexistente a sentença deve ser revogada absolvendo-se a recorrente do pedido. Na resposta às alegações os AA. defendem a manutenção do julgado e pedem a condenação das recorrentes como litigantes de má fé. ** Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.2- FUNDAMENTAÇÃO 2.1- OS FACTOS A matéria de facto adquirida pela 1ª instância não vem posta em crise pelo que, nos termos do artº 713º, nº 6, do CPC, remete-se, nesta parte, para os termos da sentença recorrida. 2.2- O DIREITO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 690º, nº 1 e 3, do C.P.Civil. As recorrentes apenas questionam, nos seus recursos, a decisão proferida na 1ª instância no tocante ao ponto 3º, I), do dispositivo, ou seja, na parte em que se condena "as RR. Sociedade ........, S.A e Companhia de Seguros ......, S.A., e a interveniente EC........., S.A, nos seguintes termos: III) As RR. Sociedade ........, S.A, e EC....., Lda, (solidariamente) a pagarem aos AA., a título de indemnização, as quantias por estes despendidas na aquisição de farinha, desde Outubro de 1991 e até integral pagamento, no montante de 300$00 (trezentos escudos) por semana, relativamente a cada um dos AA....). Na fundamentação da sentença recorrida (subsunção jurídica) escreve-se, a propósito da responsabilidade EC......, Lda., que "a solução apresenta-se mais complexa. Isto porque ainda que não tivesse ocorrido a destruição dos ditos moinhos, regos e condutas e a obstrução de caminhos de acesso àqueles, sempre os AA., teriam ficado impedidos de continuar a utilizar os primeiros, uma vez que por causa da construção da barragem deixaram de existir condições técnicas para o seu (dos moinhos) funcionamento. Só que uma coisa são os danos decorrentes daquelas destruição e obstrução (resultantes de obras que foram exclusivamente da autoria da R. Sociedade ......., S.A.) e outra, bem diferente, são os danos causados aos AA. pela impossibilidade de continuaram a moer cereais nos referidos moinhos. Pelos primeiros, a interveniente EC........, S.A. não pode ser responsabilizada, por ser estranha a quem ilícita e culposamente os provocou. Mas pelos segundos – ou seja, pelos apontados em 3. ii) a mm) – já é ela solidariamente responsável (com R. Sociedade ......., S.A) pelo seu ressarcimento, pois tais danos verificar-se-iam mesmo que não tivesse havido a destruição dos moinhos, regos e condutas e a obstrução dos caminhos de acesso". Vejamos. Apelação da R. Sociedade .......,S.A.: No caso, é inquestionável que a responsabilidade das recorrentes, a existir, se enquadra na responsabilidade civil extracontratual (arts. 483º, n.º 1, e 493º, n.º 2, do CC). Tratando-se, como se trata, de obrigação de indemnização, necessário se mostra a prova do nexo causal entre o facto ilícito danoso e os concretos prejuízos invocados pelo lesado. É que, como é sabido, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, geradora da obrigação de indemnização, são: o facto, a ilicitude, a culpa, o prejuízo sofrido pelo lesado e o nexo de causalidade entre aquele facto e o prejuízo - arts. 483º, nº 1, do CC, A. Varela, Das Obrigações em geral, 9ª ed., vol. I, pág. 543 e segs., M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 483 e segs., e I. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 331 e segs.). Naturalmente que competia aos autores alegarem e provarem os concretos danos invocados: os directamente resultantes da destruição dos moinhos, regos (levadas) e obstrução dos caminhos de acesso e bem assim os que, indirectamente, decorreram dos primeiros ou da construção da mini-hídrica (artº 342º, n.º 1, do CC). O dano pode ser directo e indirecto (A. Varela, ob. cit., p. 623, M. J. Almeida Costa, ob. cit., p. 519). O princípio geral da obrigação de indemnização está enunciado no artº 562º, do CC. A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (artº 563º, do CC). O dever de indemnizar compreende o dano emergente e o lucro cessante (artº 564º, nº 1, do CC). O primeiro compreende o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão. O lucro cessante abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão (A. Varela, ob. cit., p. 621). Os danos emergentes traduzem-se numa desvalorização do património, os lucros cessantes numa sua não valorização (I. Galvão Teles, ob. cit., p. 377). O dano patrimonial mede-se, em princípio, por uma diferença: a diferença entre a situação real actual do lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria, se não fosse o facto lesivo (artº 566º, nº 2, do CC). Deve apurar-se a diferença entre a situação real e a hipotética actuais do património do lesado, sendo que o montante da indemnização deve apagar ou compensar a exacta separação entre elas (M. J. Almeida Costa, ob. cit., p. 687-688). Consagrou a nossa lei no artº. 563º do Código Civil, a teoria da causalidade adequada, não tomando, porém, partido por nenhuma das suas duas formulações: positiva ou negativa. Segunda a formulação positiva, o facto será causa adequada do dano sempre que este constitua uma consequência normal ou típica daquele, ou seja, sempre que, verificado o facto, se possa prever o dano como consequência natural ou como efeito provável dessa verificação, enquanto que na formulação negativa o facto só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto. Não tendo a lei adoptado nenhuma destas formulações, goza o interprete de inteira liberdade para optar pela solução “que, em tese geral, se mostre a mais defensável, dentro do espírito do sistema”, nos termos do artº. 10º, n.º 3, do C. Civil, e como a “doutrina mais criteriosa, quando a lesão proceda de facto ilícito (contratual ou extracontratual), é a da formulação negativa” será essa a posição que deve, em princípio reputar-se adoptada no nosso ordenamento jurídico(A. Varela, ob. cit., p. 930). Feitas estas considerações básicas, de índole normativa e doutrinal, vejamos as conclusões do recurso. A apelante conclui que, no caso dos autos, os danos (indirectos) decorrentes da impossibilidade de utilização dos moinhos sempre seriam sofridos pelos autores uma vez que, por causa da construção da barragem, deixaram de existir condições técnicas para o seu funcionamento. Recordemos, antes de mais, terem ficado provados, além de outros, os seguintes factos: - Em 21/01/1991, foi concedido pela Direcção- Geral de Recursos Naturais, o alvará de licença nº ..., à E........, S. A., mediante o qual esta ficava autorizada a utilizar as águas do rio ......., no Lugar de ........, freguesia de ........, concelho de ........, distrito de ......, para produção de energia eléctrica. - Por averbamento ao alvará nº ..., datado de 10/07/1991, da firma "E......., S.A.", foram transferidas para a firma "EC......., S. A." todos os direitos e encargos inerentes ao presente alvará de licença nº .... - No lugar da ........, freguesia de ......, concelho de ......., encontra-se localizados os seguintes prédios urbanos: a) casa de moinho hidráulico, composto de cubo, rodízio e mó, denominado Moinho .......; b) Moinho hidráulico composto de cubo e mó, denominado Moinho dos ......; c) Casa de moinho hídrico, composto de cubo, rodízio e mó, denominado Moinho de ........; d) Casa de moinho com cubo, rodízio e mó, movido a água, denominado Moinho ........; - No lugar da Rocha de ...... foi construída uma vala de adução ou conduta de água desde a saída da mini-hidríca até à geradora, numa distância de 3 Km. - No lugar referido na alínea anterior foram feitas terraplanagens e escavações. - Para feitura das obras referidas na alínea anterior foram utilizados explosivos. - Os ditos moinhos situam-se no lado sul da abertura da conduta de água, no fundo da encosta, junto ao rio ....... - A feitura das obras e utilização dos explosivos referidos em f) e g), provocaram a projecção de rochas de grandes dimensões; - Tais rochas provocaram a obstrução dos caminhos e vias de acesso aos mencionados moinhos; - A feitura das obras e utilização dos explosivos referidos em f) e g) provocaram a destruição dos moinhos ......., dos ........ e de ........, referenciados em d). - Bem como os regos e condutas de água destinados aos mencionados moinhos; - Tais moinhos funcionavam em série e com a mesma levada de água; - Com valas de condução de águas da saída de uma para a entrada do seguinte, desde o primeiro até ao último; - A situação referida nas alíneas bb) e cc) ocorria numa distância de cerca de 500 metros; - Por virtude das obras referidas na al. f) e utilização dos explosivos, referida na al. g), ficaram destruídos mós, rodízios, cubos, penados, dorneiras, quelhas, chamadouros e olhais; - Por virtude da destruição referida em z), os AA. passaram a adquirir os cereais moídos, para seu consumo e dos animais. - Na data da realização das obras referidas em e), f) e g), os moinhos identificados na alínea z) e respectivos equipamentos funcionavam e eram utilizados na moagem de cereais; - Os AA. utilizavam os moinhos referidos em ss) quando necessitavam de moer cereais; - Quem realizou os trabalhos referidos nas als. E), f) e g) foi a R. Sociedade ......., S.A., em execução de um contrato de subempreitada que, com esse objectivo, celebrou com a R. E........, S. A.; - Por força da construção da barragem deixaram de existir condições técnicas para o funcionamento dos moinhos; - A chamada EC........,Lda., contratou com a R. E.......,S.A., a realização das obras de construção do empreendimento eléctrico do rio ........; Não se questiona a propriedade dos autores relativamente aos referidos moinhos, ou seja, a sua qualidade de lesados e titulares do direito à indemnização. A questão suscitada pela recorrente leva-nos, salvo melhor opinião, ao problema da relevância (positiva e negativa) da causa virtual ou hipotética do dano, tendo em atenção o critério utilizado no artº 566º, n.º 2, do CC (teoria da diferença) (A. Varela, ob. cit., p. 951 e segs., e I. Galvão Teles, ob. cit., p. 410 e segs.). Causa virtual de um dano será certo facto que o produziria se ele não fosse produzido por outro. No concurso virtual de causas do mesmo dano existe uma causa real, efectiva, do dano e, a par desta, um facto que teria produzido o mesmo dano, se não operasse a causa real. Reportando-nos ao nosso caso, dir-se-á que a destruição dos moinhos dos autores bem como dos regos e condutas de água efectuada pela ré sociedade .......,S.A., foi a causa (adequada) real que originou os prejuízos (dano emergente) invocados, enquanto a construção da barragem (mini-hídrica), embora constituindo um facto real, seria a causa virtual dos danos sofridos pelos demandantes. Para o Prof. I. Galvão Teles, não é legítimo atribuir à causa virtual relevância positiva, no sentido de responsabilizar o seu autor, pois isso equivaleria a fazê-lo responder por um dano que ele de facto não provocou. Responsável único é o autor da causa real. A causa virtual torna irresponsável o autor da causa real (relevância negativa da causa virtual)? Quem der origem a a determinado prejuízo deixa de responder por ele se for certo que, sem a sua actuação, o dano ocorreria de todo o modo, em consequência de outro facto? Salvo casos excepcionais que a lei manda ter em conta (v.g. arts. 491º, 492º, n.º 1, e 493º, n.º 1, do CC), ponderando-se a função reparadora mas igualmente sancionatória da responsabilidade civil, também não é de atender à relevância negativa da causa virtual. Decorre da teoria da diferença estabelecida no artº 566º, n.º 2, do CC, que apenas se é responsável pela diferença para menos que o património do lesado acusa em relação ao que seria se não fora o evento lesivo. Para a recorrente, existindo uma causa virtual, o património do lesado, mesmo sem o evento lesivo, teria o mesmo valor que tem, já que o dano produzir-se-ia igualmente, por força da causa hipotética, então tornada causa efectiva. Atribui, assim, relevância negativa à causa virtual. Como ensina o Prof. A. Varela (ob. cit., p. 966), a situação hipotética que a lei (artº 566º, n.º 2, do CC) manda recorrer para o efeito, não é a que o lesado teria se não fosse o facto, mas a que ele teria, se não existissem danos. "Uma vez definidos os danos de que o facto foi causa adequada, esses danos não podem deixar de ser tomados em conta no apuramento da situação hipotética actual, que constitui um dos termos da diferença pela qual se mede o valor da indemnização". A diferença que a lei manda ter em conta não deixa de existir, ainda quando seja certo que, mesmo sem o evento lesivo, danos equivalentes se produziriam (Prof. Galvão Teles, ob. cit., p. 419). Decorre do exposto que a apelante é, a nosso ver, responsável única pelos danos (directos e indirectos) resultantes da inutilização dos moinhos, designadamente pelas quantias despendidas pelos autores na aquisição de farinha, porquanto a causa virtual não exonera o lesante, autor da causa real adequada, da obrigação de indemnizar. Parece-nos ser esta a solução que decorre dos normativos indicados. Na verdade, não se nos afigura, apesar de tudo, como evidente, no caso, o juízo no sentido de que uma vez que a obra efectuada pela Sociedade ......,S.A., se inseriu na construção do empreendimento eléctrico do rio ...... (barragem), por força do qual deixaram de existir condições técnicas para o funcionamento dos moinhos, a causa última do dano seria a existência da barragem. A causa virtual (barragem) consistiria num facto real cujo resultado absorveria o dano produzido pela causa real (destruição dos moinhos e levadas) anterior (A. Varela, ob. cit., p. 966, nota 2). Apelação da EC......., Lda.: Como vimos, entendeu-se na decisão recorrida, porventura no pressuposto da verificação de causas cumulativas ou de causalidade concorrente (A. Varela, ob. cit., p. 953-954 e nota 1), imputar, à interveniente EC......., Lda., solidariamente com a ré Sociedade ......., S.A., a responsabilidade pelos danos descritos em 3. ii) a mm), da fundamentação de facto "pois tais danos verificar-se-iam mesmo que não tivesse havido a destruição dos moinhos, regos e condutas e a obstrução dos caminhos de acesso". Em face do expendido a propósito do recurso da ré Sociedade ......., S.A., entendemos não ser de atribuir à apelante EC......, Lda., a responsabilidade civil extracontratual solidária) pelos aludidos danos. Nesta medida, procede a apelação da interveniente EC.....,Lda. Por fim, importa referir que não se vislumbra que as recorrentes tenham litigado de má fé, como pretendem os apelados. 3- DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal: a) em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela ré Sociedade .........., S.A.; b) em julgar procedente o recurso de apelação deduzido pela interveniente EC......., Lda., revogando-se a sentença recorrida na parte (dispositivo - 3º,I)) em que condenou esta apelante, solidariamente com a ré Sociedade .......,S.A., a "a pagarem aos AA., a título de indemnização, as quantias por estes despendidas na aquisição de farinha, desde Outubro de 1991 e até integral pagamento, no montante de 300$00 (trezentos escudos) por semana, relativamente a cada um dos AA., (tendo em conta o descrito nas als. ii), jj), ll) e mm) do ponto 3 desta sentença, o valor semanal dos prejuízos suportados pelos AA. na aquisição de farinha, para sua alimentação e dos seus animais, seria de ESC. 900$00- 60$00 X 3KG X 5 arrobas -, mas os mesmos peticionaram apenas, como prejuízo efectivamente sofrido neste âmbito a importância semanal de Esc. 300$00, conforme decorre dos arts. 48º e 49º da p.i. e als. a) e b) da 2º conclusão da mesma, pelo que é a este valor que aqui atendemos), acrescido dos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a citação da última das RR.". Em consequência, absolve-se a interveniente desse pedido; c) Condenar a ré/apelante Sociedade .......,S.A., nas custas da apelação por ela interposta e os autores/apelados nas custas da apelação deduzida pela EC........, Lda.. Porto, 29 de Abril de 2002 Manuel José Caimoto Jácome Carlos Alberto Macedo Domingues Manuel David da Rocha Ribeiro de Almeida |