Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
431/11.0T2ILH.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PROENÇA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
JUROS DE MORA
INDEMNIZAÇÃO
PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
CULPA NA OCORRÊNCIA DO ACIDENTE
Nº do Documento: RP20151216431/11.0T2ILH.P1
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Os limites da condenação contidos no actual art. 609º nº 1 do CPC têm de ser entendidos como referidos ao valor do pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra.
II – Sempre que existe cálculo actualizado da indemnização os juros contam-se a partir da decisão actualizadora.
III – A indemnização pela privação do uso do veículo basta-se com a impossibilidade de fruição do mesmo.
IV – Age com culpa quem violar as regras legais que disciplinam a circulação rodoviária (neste caso presumida) e quem fizer uma condução imprudente, desleixada ou tecnicamente errada e, por alguns desses motivos, causar danos a terceiros.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n. 431/11.0T2ILH.P1 - Apelação

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B…, residente na Rua…, Aveiro, propôs contra C…, S.A., com sede na Av…., Lisboa., acção com processo comum na forma ordinária, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €23.291,10, correspondente à soma das parcelas indemnizatórias pelos danos patrimoniais (valor de veículo e objectos pessoais destruídos, despesas hospitalares e de tratamento do A., rendimentos perdidos e danos futuros) e pelos não danos patrimoniais sofridos por via de acidente de que descreve como imputável a culpa exclusiva do condutor do ligeiro de passageiros segurado pela Ré, acrescida de juros moratórios a contar da citação e até integral pagamento, e, bem assim, na indemnização que se vier a liquidar posteriormente pelos factos alegados nos artigos 114 a 117 e 185 e 186 da sua petição inicial.
Citada, a ré contestou, impugnando a versão do A. quanto à dinâmica do acidente, sustentando que o mesmo se deveu a culpa exclusiva do Autor, por violação de um sinal de Stop.
Foi proferido saneador, prosseguindo os autos com a selecção dos factos assentes e organização da base instrutória.
Posteriormente, veio o A. deduzir ampliação do pedido, peticionando, para dos valores já peticionados, o valor de 10.500 euros acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde do dia da notificação do incidente até integral pagamento, que foi admitida.
Prosseguindo os autos os seus termos, e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia global de 52.317,966, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
Inconformada com o decidido, interpôs a Ré recurso de apelação, concluindo nos seguintes termos a sua alegação:
1ª- A sentença proferida pelo Tribunal " a quo " condenou em montante superior ao pedido, motivo pelo qual se deve considerar a nulidade da sentença prevista no art° 615 n° 1 alínea e) do C.P.C, que expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos;
2ª- Com efeito, o pedido inicial líquido era de 23.291,10€ e os danos cujo pedido se relegou para liquidar em execução de sentença, foram os primeiros, liquidados através da ampliação do pedido, e os outros, julgados improcedentes.
3ª- Atento o exposto anteriormente o montante global do pedido a considerar era de 23.291,10€ mais 10.500,00 € da ampliação, ou seja, o valor total de 33.791,10€ , alias expressamente indicado como valor da acção, pelo próprio A., no requerimento de ampliação;
4ª- Considerando que a ora recorrente foi condenada no pagamento global de 52.317,96€ regista-se manifesta condenação em valor superior ao peticionado, em flagrante violação a um dos princípios fundamentais do Processo Civil, vertidos no art.º 609 n° 1, do C.P.C, o que expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
5ª- O Tribunal condenou igualmente em excesso a título de danos não patrimoniais pelo recorrido. Com efeito, o pedido era de 17.500,00€ e a condenação a este titulo foi de 20.000,00€. Com a agravante,
6ª- Da condenação em juros de mora sobre tal montante, a partir da data da citação. Ora,
7ª-Considera a ora recorrente que deve ser observada a este titulo, a disciplina prevista no douto Acórdão de fixação de Jurisprudência, do S.T.J. de 09/05/2002 que considera através de uma interpretação restritiva, deverem os juros de mora, vencerem a partir da decisão actualizadora e não desde a citação, o que se requer,
8ª- Sob pena da aplicação simultânea do n° 2 do art° 566 e do art° 805 n° 3, conduzir a uma duplicação de benefícios resultantes do decurso do tempo, pelo que o n° 3 do art° 805 cederá quando a indemnização for fixada em valor determinado por critérios contemporâneos da decisão.
9ª-Considera igualmente a ora recorrente profundamente injusta a condenação a titulo de privação de uso do veiculo, já que,
10ª- Em conformidade com o que ficou provado, quanto á destruição total do mesmo e ao seu valor comercial, no termos da lei, deveria ter sido considerado uma perda total, nomeadamente nos termos do disposto no art° 41 n° 1 alínea b) do Dec. Lei . E assim sendo,
11ª- Não obstante poder ser contemplada uma compensação simbólica pela perda do bem, como tal dano, a esta a ser indemnizado, julgar improcedente o pedido de privação de 20€ / dia. Com efeito,
12ª- O montante fixado a esse titulo dá para comprar nove carros com o mesmo valor do do recorrente!....
13ª- A justiça é salomónica mas espera-se equitativa e no caso concreto, pelos motivos expostos, aponta claramente para uma situação de enriquecimento sem causa, injusta e indevida, cuja revogação se espera e se pede.
14ª-Por último, mas de igual relevância, considera a ora recorrente errada a decisão do Tribunal de 1ª Instancia quanto á atribuição da responsabilidade em exclusivo ao condutor do veículo seguro.
15ª- Apesar de não ter ficado assente a velocidade permitida no local, admitindo que era de 50 kms / h, não foi a velocidade do veículo seguro, a causa para a produção do acidente, mas sim o corte da linha de marcha por parte do A., ao ingressar no cruzamento.
16ª- A única testemunha na qual a douta sentença " a quo " se apoia, não viu o acidente...terá visto e apenas, momentos antes (que não foram determinados!) o veiculo do A. a chiar com os pneus na areia para parar no stop ! ...depois só ouviu o estrondo , não viu a colisão!
17ª-Não há fundamento objectivo indicado na fundamentação da douta sentença para desvalorizar o depoimento de D…, sem qualquer interesse directo ou indirecto na presenta causa;
18ª- Todavia, certo é que o Tribunal " a quo " aceitou que se tratava de uma curva ladeada por um muro de com cerca de 2 metros no sentido de marcha do veículo seguro, tolhendo a visibilidade para o cruzamento em questão;
19ª- Não há prova que permita confirmar que o A. olhou no stop para a esquerda e para a direita, pois a testemunha não viu, mas mesmo admitindo tal hipótese, não basta, para observar o disposto no artº 29 do Cód da Estrada, nomeadamente, quem está obrigado a ceder a passagem, se necessário ,deve recuar, por forma a permitir a passagem de outro veiculo , sem alteração da velocidade ou direcção deste.
20º- Não foi de forma alguma o eventual excesso de 10 kms/h por parte do condutor do veículo seguro a causa do acidente, mas sim o corte da sua linha de marcha por parte do A. ora recorrido.
21ª-Nas circunstâncias descritas, tendo em conta a ausência de visibilidade para o cruzamento, o direito de prioridade, o surgimento do A. na intersecção do cruzamento (que no A.O. declara que arrancou o mais rapidamente possível e que o espelho apresenta fraca visibilidade), nada, poderia o condutor do veículo seguro fazer para evitar o acidente, ao contrário do decidido pelo douto Tribunal " a quo ";
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O A. recorreu subordinadamente de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1.ª - O presente recurso visa a revogação da douta Sentença porquanto o Tribunal recorrido considerou improcedente o pedido formulado pelo aqui recorrente e relativo aos danos decorrentes da paralisação, apenas no que diz respeito aos danos ocorridos desde a data da prolação da sentença até ao momento em que a Ré entregue ao Autor o capital que o indemnize pela perda total do veículo e, bem assim, a não relegação para liquidação das despesas que o autor tenha que pagar em consequência do aparecimento do veículo.
2.ª - Aquando da petição inicial, além do pedido líquido formulado, o aqui recorrente relegou para liquidação posterior os danos decorrentes da paralisação do veículo desde a data da entrada da acção - porque até aqui já estavam liquidados - até à data da entrega efectiva ao A. de um capital que o indemnize pela perda total do veículo.
3.ª - No que a esta parte diz respeito, a sentença recorrida fixou o montante indemnizatório devido a título de paralisação, considerado apenas o período de tempo que medeia a data do acidente à data da presente sentença, em 27.600€ (3 anos, 9 meses e 15 dias, à taxa diária não contestada de 20€), fazendo improceder o demais peticionado.
4.ª - Nada a opor ao assim decidido, nem quanto à questão da taxa diária. A razão do inconformismo apenas tem a ver com a não consideração do dano de paralisação desde a prolação da sentença até à entrega efectiva ao A. de um capital que o indemnize pela perda total do veículo.
5.ª - Tem sido unanimemente entendido na jurisprudência que só o bom pagamento da indemnização, a título de perda total, cessa verdadeiramente o dever da seguradora (data em que a viatura sinistrada é substituída, em sub-rogação real, no património da lesada pelo respectivo valor patrimonial), pois que só então o lesado ficará habilitado a adquirir um veículo que substitua o que foi danificado, citando-se, a título exemplificativo o Acórdão da Relação de Lisboa de 09.07.2014, Relator Manuel Marques, in www.dgsi.pt.
6.ª - Assim, além do montante sentenciado até à data da prolação da sentença - que aqui nem se questiona por ser justo, legal e equitativo -, deveria o Tribunal recorrido ter condenado a Ré no pagamento de uma indemnização correspondente a um montante diário, a liquidar desde o dia da prolação da sentença até à entrega efectiva ao A. de um capital que o indemnize pela perda total do veículo.
7.ª - Isto porque o dano verificado só cessa verdadeiramente nessa altura, devendo relegar-se esse conhecimento para decisão posterior, pois, neste momento, desconhece-se quando a Ré entregará ao Autor tal quantia.
8.ª - Ao assim não decidir, a sentença recorrido violou, entre outras disposições legais, o disposto nos artigos 483.° e 562.° do Código Civil e 609.° do Código de Processo Civil.
9.ª - No ponto 111 da sentença recorrida foi dado como provado que:
O autor tem de pagar à oficina a despesa pela recolha e guarda do veículo (al. AAAAG) dos factos assentes
10.ª - Entendeu o Tribunal recorrido indeferir o pedido relativo ao que o autor tem ou teria de pagar à oficina a título de despesa pela recolha e guarda do seu veículo, por se considerar não ter cabimento legal a sua liquidação posterior. Assim não entendemos.
11.ª - O aqui recorrente peticionou ainda a condenação da ré no pagamento de uma quantia, a liquidar posteriormente, a título de despesa pela guarda e recolha do seu veículo, E ficou provado que o autor tem de pagar à oficina a despesa pela recolha e guarda do veículo.
12.ª - Parece-nos inequívoco que as despesas de recolha e aparcamento do veículo são um dano decorrente do acidente, até porque o veículo ficou impossibilitado de circular e com graves danos.
13.ª - Assim, entendemos que o apelante tem direito a ser indemnizado a título das despesas de parqueamento, mas inexistindo elementos que permitam fixar o seu montante adequado, deve a respectiva liquidação remeter-se para execução de sentença, nos termos do artigo 609.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, aceitando como limite o dia do pagamento da indemnização do valor do veículo do autor.
14.° - Ao assim não decidir, a sentença recorrido violou, entre outras disposições legais, o disposto nos artigos 483.º e 562.° do Código Civil e 609.º do Código de Processo Civil.
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Veio ainda o Autor apresentar contra-alegações no recurso interposto pela R., requerendo, ao abrigo do disposto no artigo 636.º do CPC a ampliação do âmbito do recurso, concluindo, nesse particular, nos seguintes termos:
“1.º - O Tribunal deveria ter apreciado o pedido autónomo referente à IPP de 3 pontos, de forma autónoma... e não o fez.
2.° - Deste modo, e com vista ao conhecimento desta nulidade, o recorrido, nos termos do artigo 636.° do CPC, deduz ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido.
3.° - Ao não conhecer do pedido autónomo deduzido e referente à IPP de 3 pontos, o Tribunal recorrido cometeu a nulidade prevista no n.° 1, al. de) do art.° 615.° do CPC: É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
4.° - Pelo que a sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 615.°, n.° 1, alínea d) do C.P.C, requerendo-se a V. Exas. a declaração de nulidade e sua substituição por outra que aprecie o pedido formulado.”
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Não houve contra-alegações ao recurso do Autor.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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O recurso é o meio próprio para impugnar a decisão, pedindo a sua modificação em sentido mais favorável à parte vencida (arts. 627.º, n.º 1 e 631.º, n.º 1, do CPCiv.). É certo que o recorrido pode, em contra-alegação, ampliar o âmbito do recurso, arguindo a nulidade da sentença ou impugnando a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas, mas sempre a título subsidiário e com vista a impedir a modificação da decisão no sentido pretendido pelo recorrente. Para obter outras modificações da decisão, em sentido favorável ao recorrido, carece este de legitimidade, devendo interpor recurso, independente ou subordinado, em vez de aproveitar para tal o recurso interposto pela contraparte.
Nessa medida, não vai conhecer-se da ampliação do âmbito do recurso suscitada pelo Autor.
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O âmbito do recurso é definido pelas conclusões das alegações, não podendo o tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que se trate de questões de conhecimento oficioso, cfr. artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Novo Código de Processo Civil, pelo que são as seguintes as questões a decidir nos autos:
1. No recurso principal:
- Se a sentença recorrida enferma de nulidade nos termos do art° 615 n° 1 alínea e) do C.P.C, por ter condenado em montante superior ao pedido, quer em face do montante total da condenação, quer em face do montante fixado a favor do recorrido a título de danos não patrimoniais;
- Se deve ser reapreciada a prova produzida, concretamente o depoimento da testemunha D…, e alterar a matéria de facto constante da sentença recorrida, na parte em considerou provado que o A. olhou no stop para a esquerda e para a direita;
- Se os juros de mora sobre os montante fixado a título de danos não patrimoniais são devidos a partir da decisão e não desde a citação;
- Se deve ser reduzido o montante da condenação a titulo de privação de uso do veiculo;
- Se deve ser alterada a decisão quanto à quanto á atribuição da responsabilidade em exclusivo ao condutor do veículo seguro.
2. No recurso subordinado.
- Se deve ser julgado procedente o pedido formulado pelo A. relativo aos danos decorrentes da paralisação, desde a data da prolação da sentença até ao momento em que a Ré entregue ao Autor o capital que o indemnize pela perda total do veículo, bem como às despesas que o autor tenha que pagar em consequência do aparcamento do veículo, a relegar para liquidação;
- Se deve igualmente ser julgado procedente o pedido relativo às despesas de parqueamento que o autor tem ou teria de pagar à oficina pela recolha e guarda do seu veículo, também a remeter para execução de sentença.
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A instância recortou do seguinte modo a factualidade a atender:
1. No dia 30 de Setembro de 2010, pelas 13hl0, no cruzamento entre a Rua… e as Ruas…/Rua…, freguesia…, concelho de …, deu-se um embate entre o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-RZ, propriedade do autor e conduzido pelo próprio, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-IA, propriedade de E..., Lda., conduzido por D… (al. A) dos factos assentes).
2. O RZ circulava na Rua…, sentido EN 109/… (al. B) dos factos assentes).
3. O AI circulava da Rua… para a rua Dr…. (al. C) dos factos assentes).
4. Existe um sinal de "STOP" no limite da confluência das vias, atento o sentido de marcha seguido pelo autor (al. D) dos factos assentes).
5. A faixa de rodagem onde o autor seguia tem duas vias de circulação, uma em cada sentido (al. E) dos factos assentes).
6. A via à sua esquerda perfaz uma curva para quem vem da Rua… e tem uma visibilidade de 15 metros (al. F) dos factos assentes).
7. O embate deu-se entre a parte frontal do IA e a parte lateral esquerda, sobre a parte de trás do RZ (al. G) dos factos assentes).
8. O RZ perdeu o controlo e colidiu em seguida com a sua frente na parte lateral traseira do IA (al. H) dos factos assentes).
9. Depois foi arrastado e colidiu com o muro que se situa na esquina direita atento o seu sentido de trânsito (al. I) dos factos assentes).
10. Após a colisão assim descrito, os veículos ficaram na posição constante da participação de acidente de viação junta aos autos a fls. 42 (al. J) dos factos assentes).
11.O local do embate ocorreu na faixa da esquerda, atento o sentido de trânsito do IA, a cerca de 2 metros do eixo da via (al. K) dos factos assentes).
12. No momento do embate, o IA dispunha de faixa livre na sua via de trânsito que lhe permitia seguir em frente sem colidir com o RZ (al. L) dos factos assentes).
13. O local do acidente é uma via de grande tráfego rodoviário e situa-se dentro de um aglomerado urbano, numa zona da estrada compreendida entre as placas que assinalam a presença da freguesia e da localidade de … (al. M) dos factos assentes).
14. No momento do embate, C… conduzia o veículo IA, sob as ordens e instruções de E…, Lda., no âmbito de uma função e de um itinerário que lhe havia sido previamente fixado (al. N) dos factos assentes).
15. Na sequência do embate, o autor perdeu momentaneamente os sentidos, (al. O) dos factos assentes).
16. Sentiu dor, pânico e angústia (al. P) dos factos assentes).
17. Foi assistido no local onde foram prestados os primeiros socorros (al. Q) dos factos assentes).
18. Após ter recuperado a consciência, o autor foi transportado para o Hospital Infante D. Pedro, EPE, em Aveiro (al. R) dos factos assentes).
19. Foi transportado em plano duro, tendo-lhe sido colocado um colar cervical (al. S) dos factos assentes).
20. Encontrava-se sonolento e com amnésia para o sucedido (al. T) dos factos assentes);
21. No transporte, foi-lhe aposta máscara facial (al. U) dos factos assentes).
22. Teve vómitos durante o transporte (al. V) dos factos assentes).
23. Nessa Unidade Hospitalar, foram-lhe diagnosticadas as seguintes lesões: forte contusão pulmonar esquerda e fractura de arcos costais (2.º e 3.º) à esquerda, traumatismo do cotovelo e punho esquerdos com contusões e escoriações locais; ferida incisiva no cotovelo e punho esquerdos; derrame pleural à esquerda associado a contusão pulmonar; contusão e hematoma subcapsular esplénico (al. W) dos factos assentes).
24. Apresentava traumatismo crânio encefálico, com perda de orientação e de memória (al. X) dos factos assentes).
25. Nessa Unidade Hospitalar, foram prestados ao autor os primeiros socorros, no respectivo Serviço de Urgência (al. Y) dos factos assentes).
26. Foram-lhe efectuadas lavagens às feridas e às escoriações sofridas, desinfecções e curativos às feridas e às escoriações sofridas, exames radiológicos e prescritos medicamentos, tais como analgésicos e anti-inflamatórios, que o autor ingeriu (al. Z) dos factos assentes).
27. Realizou exames complementares de diagnóstico como: análises, TAC cerebral, RX tórax, abdominal e da coluna cervical, Rx pulmonar, bacia, coluna dorso-lombar e da coxa esquerda, tendo sido observado por Ortopedia e por Neurologia (al. AA) dos factos assentes).
28. Foi efectuada limpeza e desinfecção e sutura e penso dos ferimentos (al. AB) dos factos assentes).
29. O autor permaneceu internado nessa unidade hospitalar - em Cirurgia Geral, porque sentia dores e verificava-se um derrame pleural esquerdo (al. AC) dos factos assentes).
30. Houve necessidade de ministrar soro ao autor e de lhe colocar uma algália (al. AD) dos factos assentes).
31. Permaneceu internado até ao dia 11 de Outubro de 2010 (al. AE) dos factos assentes).
32. Durante todo o período de internamento, manteve-se em sofrimento, sentindo tonturas, mal-estar, dores e ausência completa de forças para se movimentar (al. AF) dos factos assentes).
33. Devido ao seu estado de fraqueza e aos cuidados médicos a que tinha sido sujeito, o autor manteve-se sempre acamado (al. AG) dos factos assentes).
34. Ficando retido no leito, só se levantando com a ajuda de terceiros (al. AH) dos factos assentes).
35. Sendo que a alimentação nos primeiros cinco dias lhe era ministrada através de sondas (al. AI) dos factos assentes).
36. E depois apenas ingeria pão, chá e leite (al. AJ) dos factos assentes).
37. Durante o período de internamento, o autor manteve-se sempre na mesma posição, cúbito-dorsal, sem se poder virar, na cama (al. AK) dos factos assentes).
38. Foi sujeito a cinesiterapia respiratória (al. AL) dos factos assentes).
39. A partir de 11 de Outubro de 2010, passou ao regime de consulta externa, com indicação de repouso absoluto e que mantivesse a medicação com analgésicos e anti-inflamatórios (al. AM) dos factos assentes).
40. Foi-lhe recomendado repouso, com abstenção de esforços e movimentos, no limite com a deambulação cuidada apenas no domicílio (al. AN) dos factos assentes).
41. E com a indicação de efectuar cinesiterapia respiratória (al. AO) dos factos assentes).
42. Nesse mesmo dia, regressa a casa onde se manteve acamado e retido no leito, dadas as dores que sentia, agora com mais incidência na cabeça, para além da área costal (al. AP) dos factos assentes).
43. Era no leito que se alimentava (al. AQ) dos factos assentes).
44. E onde fazia as suas necessidades fisiológicas, com o auxílio de uma aparadeira (al. AR) dos factos assentes).
45. O autor tinha dificuldades em dormir, devido às dores que sentia (al. AS) dos factos assentes).
46. Pois além de sofrer de paresia esquerda (tronco e membro superior e inferior), era acometido de dores torácicas (al. AT) dos factos assentes).
47. O autor mantinha-se no leito, sempre na mesma posição, de costas e sem se poder virar na cama (al. AU) dos factos assentes).
48. Tendo sido no leito que sempre tomou as suas refeições, que lhe eram servidas por uma terceira pessoa, de que não podia prescindir (al. AV) dos factos assentes).
49. Só se levantando da cama para se deslocar à consulta externa no Hospital - no dia 20 de Outubro de 2010 e ao Centro Médico da sua área de residência (al. AW) dos factos assentes).
50. Essa situação durou quinze dias, após a data da alta clínica (al. AX) dos factos assentes).
51. Como o autor sentia muitas dores nos movimentos que fazia com o tronco, foi-lhe recomendado a colocação de um colete ortopédico, de contenção à volta do tórax e da região lombar e dorsal (al. AY) dos factos assentes).
52. O autor fazia ainda cinesiterapia respiratória através de um inspirómetro que havia entretanto adquirido (al. AZ) dos factos assentes).
53. Por indicação médica, e como o autor tinha dores e dificuldades de movimentação, efectuou um TAC torácico-abdominal, com a seguinte técnica: estudo tomodensitométrico abdominal antes contraste endovenoso, seguido de estudo torácico e abdominal após contraste endovenoso (al. AAA) dos factos assentes).
54. O exame foi efectuado no F…, Lda., em 17 de Novembro de 2010 (al. AAB) dos factos assentes).
55. No referido exame, foi possível ainda observar um pequeno volume de derrame pleural à esquerda, localizado no seio costo-frénico posterior, situação que causava dores ao autor (al. AAC) dos factos assentes).
56. Revelou no lobo superior esquerdo, no segmento anterior, em situação subpleural, três micronódulos, o maior com 3 mm (al. AAD) dos factos assentes).
57. No segmento apical do lobo inferior direito, foi observado um micronódulo com 6 mm (al. AAE) dos factos assentes).
58. No segmento lateral do lobo inferior esquerdo, foi observado uma estria fibrótica e no segmento posterior do lobo inferior esquerdo foram observados dois micronódulos subpleurais, medindo o maior 5 mm (al. AAF) dos factos assentes).
59. Foi recomendada uma observação em momento posterior mais atenta (al. AAG) dos factos assentes).
60. No baço foram identificadas duas hipodensidades parenquimatosas (al. AAH) dos factos assentes).
61. Na avaliação das imagens com janela de osso, foi observado ainda traços de fractura não consolidada no 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º e 11.º arcos costais à esquerda (al. AAI) dos factos assentes).
62. Ou seja, foram reveladas fracturas não consolidadas de 8 arcos costais, derrame pleural de pequeno volume no seio costo-frénico posterior esquerdo e ainda pequenas hipodensidades esplénicas residuais (al. AAJ) dos factos assentes).
63. O autor teve alta médica no dia 9 de Dezembro de 2010, apenas interrompendo o certificado de incapacidade temporária a 25 de Dezembro de 2010 (al. AAK) dos factos assentes).
64. No momento da ocorrência do acidente e nos instantes que o precederam, o autor sofreu um susto e receou pela própria vida (al. AAL) dos factos assentes).
65. O autor sofreu dores no peito, na cabeça e nos membros (al. AAM) dos factos assentes).
66. Dores que ainda o atormentam, embora com menos intensidade (al. AAN) dos factos assentes).
67. Sofreu, sofre e continuará a sofrer, os malefícios inerentes aos analgésicos, anti-inflamatórios, ansiolíticos e anti-depressivos que teve de ingerir (al. AAO) dos factos assentes).
68. Como sequelas das lesões sofridas, o autor apresenta dores torácicas e défice de mobilidade quando tenta fazer esforços (al. AAP) dos factos assentes).
69. O autor é acometido de dores na coluna e no tórax que se agravam quando se senta ou quando faz esforços, corre ou anda com o passo mais apressado, sobe ou desce escadas, pega em objectos mais pesados (al. AAQ) dos factos assentes).
70. Tem dificuldade respiratória associada (al. AAR) dos factos assentes).
71. Deixou de jogar futebol, o que antes fazia (al. AAS) dos factos assentes).
72. Apesar de continuar a exercer a sua actividade profissional, o certo é que as tarefas agora obrigam-no a esforços acrescidos e por espaços de tempo limitados (al. AAT) dos factos assentes).
73. As dores que o autor sofre na coluna agravam-se sempre que ocorre mudança de tempo (al. AAU) dos factos assentes).
74. O autor, devido às lesões sofridas no sinistro, ficará afectado de uma IPP (al. AAV) dos factos assentes).
75. Em função das lesões advindas, sofrerá uma maior precocidade no desenvolvimento de alterações osteo-articulares degenerativas, determinada pelas alterações de dinâmica (defesa) da coluna vertebral (al. AAW) dos factos assentes).
76. Antes do embate, o autor era uma pessoa saudável e nunca havia sofrido qualquer acidente ou enfermidade (al. AAX) dos factos assentes).
77. O autor nasceu em 4 de Dezembro de 1984 (al. AAY) dos factos assentes).
78. Era uma pessoa forte, robusta e dinâmica e com grande alegria de viver (al. AAZ) dos factos assentes).
79. À data do sinistro, trabalhava para a Sociedade G…, S.A., com a categoria de operador de loja, auferindo um salário base de 590,68€ (al. AAAA) dos factos assentes).
80. Nas relações laborais, era tido como um bom profissional, alegre e dedicado (al. AAAB) dos factos assentes).
81. Ora, desde o dia do acidente - 30 de Setembro de 2010 até 9 de Dezembro de 2010, o autor viu-se a impossibilitado de exercer a sua actividade profissional (al. AAAC) dos factos assentes).
82. Deixando de auferir a quantia de 1.924,246 (al. AAAD) dos factos assentes).
83. O autor recebeu da Segurança Social a importância de 913,236 (al. AAAE) dos factos assentes).
84. Passou a apresentar um comportamento apático, triste e de indiferença perante o trabalho e perante todas as restantes situações de vida (al. AAAF) dos factos assentes).
85. Tendo-se transformado numa pessoa triste, sisuda e com tendências para o isolamento (al. AAAG) dos factos assentes).
86. Chegando ao fim de um dia mais cansado (al. AAAH) dos factos assentes).
87. Lamenta-se com o que lhe sucedeu, falando do acidente muitas vezes e tem temor à condução de veículos automóveis (al. AAAI) dos factos assentes).
88. Sente-se revoltado com a situação que ficou a padecer (al. AAAJ) dos factos assentes).
89. O autor sofreu marcas de cortes visíveis em todo o braço esquerdo, o que lhe tem provocado forte irritação e mau estar (al. AAAK) dos factos assentes).
90. O que o desfeia, provocando-lhe inibição em roupa de manga curta, facto que o entristece (al. AAAL) dos factos assentes).
91. Acontece que por via dos cuidados médicos e medicamentosos a que se sujeitou, teve necessidade de contratar uma terceira pessoa para ser por ela acompanhado e assistido (al. AAAM) dos factos assentes).
92. Que o auxiliava na realização das tarefas mais básicas e ligadas à normal subsistência, tais como a ajudar a levantar-se, dar-lhe de comer, ajudá-lo a fazer as necessidades biológicas, lavá-lo, transportá-lo para os tratamentos médicos a que foi submetido, controlar e ministrar os medicamentos e cuidar dele durante a noite, o que aconteceu nas primeiras três semanas após a alta clínica (al. AAAN) dos factos assentes).
93. Pelo tempo de serviço prestado, o autor remunerou essa terceira pelo valor de 4006 (al. AAAO) dos factos assentes).
94. O autor teve despesas de deslocações, quer através de viatura automóvel, quer através de transportes públicos, a consultas e a tratamentos médicos e para as Instituições Hospitalares, bem como para se dirigir ao escritório dos seus advogados, para tratar de assuntos relacionados com o presente processo (al. AAAP) dos factos assentes).
95. Gastou a importância de 155,45€ em despesas médicas e medicamentosas (al. AAAQ) dos factos assentes).
96. E 16,50€ pelo custo com o assento de nascimento (al. AAAR) dos factos assentes).
97. Ficaram danificadas as seguintes peças de vestuário e objectos de uso pessoal, que usava na altura do acidente: uma camisa no valor de 20€, um casaco de couro no valor de 100€ e uma camisola interior no valor de 15€ (al. AAAS) dos factos assentes).
98. O veículo RZ ficou totalmente destruído porque do embate resultaram inutilizadas todas as peças relativas à direcção e equilíbrio do veículo - semi-eixos, chassis, diferenciais (al. AAAT) dos factos assentes).
99. Sem que a reparação o colocasse em condições de circular (al. AAAU) dos factos assentes).
100. A GNR apreendeu os documentos do veículo (al. AAAV) dos factos assentes).
101. O RZ era um Volkswagen Golf 3, 1.9 GTDI, de cinco lugares e encontrava-se conservado (al. AAAW) dos factos assentes).
102. Era guardado diariamente em garagem e nunca tendo sofrido qualquer acidente (al. AAAX) dos factos assentes).
103. As revisões eram sempre feitas a tempo e em oficina especializada (al. AAAY) dos factos assentes).
104. Tinha um valor comercial de 3.000€ (al. AAAZ) dos factos assentes).
105. Era o único veículo disponível que o autor possuía para as suas deslocações (al. AAAAA) dos factos assentes).
106. O autor teve que recorrer a boleias e à utilização de transportes públicos (al. AAAAB) dos factos assentes).
107. Teve de ficar em casa quase todos as noites e aos fins-de-semana, impedido de se deslocar para eventos festivos como queria e quando queria, sentindo-se perdido, preso e sem liberdade de movimentos (al. AAAAC) dos factos assentes).
108. O que lhe causou transtornos, frustração, incómodos, arrelias e dissabores, como ainda sofre (al. AAAAD) dos factos assentes).
109. O autor está impossibilitado de dar os seus passeios, a visitar amigos e familiares, a ir às compras aos hipermercados (al. AAAAE) dos factos assentes).
110. O aluguer diário de um veículo de iguais características ao do autor ascende a 20€/dia (al. AAAAF) dos factos assentes).
111. O autor tem de pagar à oficina a despesa pela recolha e guarda do veículo (al. AAAAG) dos factos assentes).
112. Ao aproximar-se do cruzamento, o autor imobilizou o veículo no limite da via por onde circulava (artigo 2º da base instrutória).
113. O autor verificou que, quer da direita, quer da esquerda, não vislumbrava qualquer veículo (artigo 3º da base instrutória).
114. E avançou em frente (artigo 4º da base instrutória).
115. Quando se encontrava no fim da travessia do cruzamento, surgiu da esquerda o veículo IA (artigo 5º da base instrutória).
116. E foi embater no RZ (artigo 6º da base instrutória).
117. O IA circulava à velocidade de pelo menos 50 a 60kms/hora (artigo 7º da base instrutória).
118. A responsabilidade civil relativa à circulação do veículo de matrícula ..-..-IA, encontrava-se transferida, ao tempo do acidente, para a ré mediante a celebração do contrato de seguro titulado pela apólice nº …….
119. O quantum doloris foi fixado em 4/7.
120. O autor apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos.
121. As sequelas que o autor apresenta são compatíveis são compatíveis com a actividade habitual mas implicam esforços adicionais.
122. O autor apresenta um dano estético permanente fixado em 3/7.
123. As sequelas do autor tem repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixada em 3/7.
Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão a tomar, não se provando, designadamente, que:
-O RZ circulava a uma velocidade de 40km/hora (artigo 1º da base instrutória).
- O IA seguia na sua mão de trânsito quando, no cruzamento é confrontado com o aparecimento do veículo RZ que atravessou à sua frente (artigo 8º da base instrutória).
- Sem ter parado e esperado no "STOP" pela passagem do IA (artigo 9º da base instrutória).
- O condutor do IA ainda travou para tentar evitar o embate (artigo 10º da base instrutória).
***
Nas suas conclusões 15.ª a 19.ª sustenta a recorrente ter sido cometido erro de julgamento, por errada valoração da prova produzida, ao desvalorizar o depoimento da testemunha D…, quanto à questão de prova de que o A. olhou no stop para a esquerda e para a direita. Importa, no entanto, notar que para sindicar esse suposto erro, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto está sujeita ao cumprimento do ónus de alegação consagrado no art. 640.º do NCPC. Sob pena de rejeição do recurso, o recorrente deve, obrigatoriamente, especificar os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, o sentido em que decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre a questão, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, devendo ainda indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (art. 640.º, n.º 1, do NCPC). Este ónus específico, a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, tanto se destina a possibilitar à outra parte o exercício do contraditório, como a facilitar, ao tribunal de recurso, a identificação da matéria impugnada, a sua fundamentação e o sentido da decisão que, no âmbito do recurso, deve ser proferida.
Ora, no caso vertente, desde logo, a apelantes não inclui nas conclusões do recurso a matéria de facto impugnada os concretos factos, por referência à factualidade enunciada, que considera incorrectamente julgados, bem como não localiza ou transcreve as pertinentes passagens da prova testemunhal a reapreciar. Sendo a delimitação objectiva do recurso feita através das conclusões, nas quais, de forma sintética, se devem indicar os fundamentos porque se pede a alteração ou anulação da decisão (arts.635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, ambos do CPC), a impugnação da decisão relativa à matéria de facto ficou excluída do objecto da apelação. Sem esses cuidados, não é possível saber, com rigor, o âmbito da impugnação, de modo a garantir a justa composição do litígio e a prevenir decisões surpresa.
Sendo os ditos requisitos de verificação cumulativa e a apelante não tendo cumprido tais ónus, não pode conhecer-se da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, o que determina, nessa parte, a rejeição do recurso, nos termos do disposto no art. 640.º, n.º 1, do CPC..
A recorrente insurge-se ainda contra a sua condenação ao considerar que foi excedido o "quantum pedido". Vem, por isso, imputar à sentença a nulidade da primeira parte da alínea e) do nº 1 do artigo 615.º do CPC. Afigura-se que não tem razão. Vejamos.
O Autor formulou dois pedidos cumulados: um pedido líquido - consistente no pagamento de € 23.291,10, a título de indemnização por danos patrimoniais imediatos e não patrimoniais, em que estão compreendidos os danos referentes aos sofrimentos físicos e psíquicos e o dano estético, remuneração de terceira pessoa, despesas com transportes suportadas, inutilização de peças de vestuário, valor de reposição do veículo perdido, e indemnização pela privação do uso do mesmo até 25 de Março de 2011. E um pedido ilíquido, de ressarcimento do seu dano patrimonial futuro pela perda de capacidade de ganho, resultante de IPP que venha a quantificar-se (factos 114 a 117); da quantia que se liquidará desde aquela data de 25 de Março de 2011 até à entrega efectiva de um capital que o indemnize pela perda total do veículo; e do pagamento das despesas de recolha, guarda e depósito do veículo até à data do seu levantamento, despesas cujo montante ignora porque não se encontrarem determinado e por estar em curso. A fls. 312 veio o autor ampliar o pedido anteriormente formulado referente aos danos não patrimoniais, reclamando agora a esse título o montante de 17.500 euros; e veio liquidar o pedido referente aos danos patrimoniais resultantes de perda de capacidade de trabalho e de ganho decorrentes da IPP geral de que ficou afectado no valor de 8.000 euros. Em consequência vem peticionar, para além das quantias já peticionadas, o valor de 10.500 euros acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde do dia da notificação do incidente até integral pagamento.
A douta sentença recorrida condenou a Ré no pagamento da quantia global de 52.317,96€, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento. Desse montante, € 20.000 foram fixados a título reparação dos danos não patrimoniais e 27.600€ a título de privação do automóvel desde a data do acidente à data da sentença. Foi julgado improcedente o pedido de pagamento das despesas de recolha, guarda e depósito do veículo.
Deduzidos esses 27.600€ do pertinente montante já liquidado pelo A. até 25 de Março de 2011 e já peticionado, de € 3.520, obtemos o total de € 24.080 correspondente à liquidação dos pedidos ilíquidos deduzidos pelo A., pelo que aos pedidos líquidos deduzidos corresponde o remanescente de € 28.237,96. Ora, por via da ampliação de fls. 312, o total dos pedidos líquidos passou a ascender a € 33.791,10 (23.291,10+10.500). “Encontra-se, há muito, firmado na jurisprudência o entendimento segundo o qual os limites da condenação contidos no artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, (Nota – correspondente ao actual artigo 609.º, n.º 1) têm de ser entendidos como referidos ao valor do pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra. Esta orientação tem sido assumida como válida na solução de casos em que o efeito jurídico pretendido se apresenta como indemnização decorrente de um único facto ilícito, traduzindo-se o total do pedido na soma dos valores de várias parcelas, que correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou classe de danos (v.g. danos patrimoniais e danos não patrimoniais, danos emergentes e lucros cessantes, danos presentes e danos futuros), componentes ou integrantes do direito cuja tutela é jurisdicionalmente solicitada. Compreende-se que assim seja nos casos em que, com base na descrição de uma situação de facto, se afirma a titularidade de um direito que se pretende ver tutelado mediante a declaração da sua existência e a concretização em valor único da sua dimensão global, porque, então, se trata de pedido unitário, decomposto ou desdobrado em parcelas que integram um só efeito jurídico, com a mesma e única causa de pedir. Com efeito, na definição legal (artigo 498.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção, traduzindo uma pretensão decorrente de uma causa, a causa de pedir, consubstanciada em factos concretos [artigos 467.º, alínea d), e 498.º, n.º 4, 1.ª parte, do Código de Processo Civil], sendo, pois, os dois elementos (pedido e causa de pedir) indissociáveis, como elementos identificadores da acção e delimitadores do seu objecto, do que resulta que o pedido se individualiza como a providência concretamente solicitada ao tribunal em função de uma causa de pedir. Tomado o pedido neste sentido, é permitido formular-se numa acção, contra o mesmo réu, pedidos cumulados, alternativos, secundários ou acessórios, subsidiários, ainda que os fundamentos de um ou de vários sejam diferentes, e que um deles se fundamente em diversas causas de pedir, contanto que sejam susceptíveis de basear a respectiva pretensão - cfr. Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1981, p. 157 e segs.” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-03-2010, Proc. 1052/05.2TTMTS.S1, www.dgsi.pt).
Por onde que, assim desdobradas as parcelas em que se desdobra o valor do pedido global, a condenação se conteve nos limites do pedido, ou seja, da pretensão material (artigo 609º, nº 1, do CPC), improcedendo a nulidade arguida.
Já assiste razão à Ré recorrente ao insurgir-se contra a condenação em juros de mora a partir da data da citação. Com efeito, “I - O sentido da uniformização jurisprudencial decidida no Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002 é o de que sempre que há cálculo actualizado, os juros contam-se a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação. II - Logo, se não há cálculo actualizado, os juros contam-se a partir da citação. III - Assim, e numa formulação mais sugestiva, onde há actualização não há juros; onde não há actualização, há juros”. (cfr. Ac. STJ de 02-02-2006, Revista n.º 420/05, sumariado em www.dgsi.pt). Ora, com exclusão da quantia global de 4.717,96€, soma da remuneração perdida do exercício da sua actividade profissional (1.011,01€), remuneração de uma terceira que contratou para o auxiliar (400€), despesas médicas e medicamentosas (155,45€), assento de nascimento (16,50€) peças de vestuário e objectos de uso pessoal que ficaram danificadas (135€) e valor comercial do veículo RZ destruído (3.000€) as demais parcelas condenação – danos patrimoniais futuros correspondentes à perda de capacidade de trabalho e de ganho, danos não patrimoniais e dano resultante da privação do uso do veículo foram fixadas tomando em conta todo o tempo decorrido até da sentença. Como tal, só sobre aquela parcela de 4.717,96€ são devidos juros desde a citação, vencendo o remanescente juros a partir da data da sentença.
Discorda ainda a recorrente do valor da condenação a título de privação de uso do veiculo, que considera exagerada por o mesmo ter ficado totalmente destruído e, mesmo e ao seu valor comercial, no termos da lei, deveria ter sido considerado uma perda total e, caso pudesse ser contemplada uma compensação simbólica pela perda do bem, atento o seu valor comercial, não deveria ascender aos 20€ / dia fixados, montante que dá para comprar nove carros com o mesmo valor do do recorrente Autor.
A jurisprudência divide-se no tocante aos pressupostos da obrigação de indemnizar pela privação do uso do veículo. A título de exemplo, veja-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 13-03-2007 (Proc.º 667/05.3TBGRD.C1, in www.dgsi.pt), onde se entendeu que “tal privação do uso não basta, qua tale, para fundar a obrigação de indemnizar se não se alegarem e provarem danos por ela causados; não dispondo o tribunal, porque o autor não os provou nem alegou, de elementos que permitam sinalizar a função concreta que a viatura apresentava no património ou no dia a dia do autor, não é possível arbitrar uma indemnização por essa mera privação”.
Com o devido respeito, tal orientação não se afigura de seguir. A medida da indemnização pela privação do uso é a diferença entre a situação existente e aquela que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” - art.º 562.º do C.Civil. Uma viatura automóvel é um bem duradouro, cujo custo de aquisição e custos fixos de utilização (seguros obrigatórios, impostos de circulação, taxas de inspecção periódica obrigatória) representam a exacta contrapartida da possibilidade de utilização desse bem na sua função normal, que é a de circular com o mesmo durante a sua vida útil. Vida essa que em automóveis ligeiros de série pode oscilar, grosso modo, entre os 10 e os 20 anos, dependendo de uma multiplicidade de factores, tais como a qualidade do produto, a intensidade do uso e os cuidados tidos com a sua manutenção. Encontrando-se a viatura impossibilitada de circular, por persistirem os custos da amortização do valor da viatura e os aludidos custos fixos de utilização, sofre o seu proprietário, usufrutuário ou titular de outro direito de gozo ofendido, ipso facto, e enquanto tal impossibilidade perdurar, uma diminuição patrimonial, porquanto a tais encargos deixa de corresponder a possibilidade de fruição daquele bem. Assim, nada mais necessita o titular do direito de gozo sobre a viatura que provar que ficou dela privado, para lhe ser devida indemnização pela impossibilidade da sua fruição que permita “reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Sendo certo que o simples decurso do tempo é, por si só, factor de depreciação do valor de mercado dos veículos.
A 1.a instância fixou em 3 anos, 9 meses e 15 dias contados desde a data do acidente - 30 de Setembro de 2010 – até à data da sentença o período a atender para o cômputo da indemnização pela privação do seu uso. Ora, como custos fixos de utilização, sempre teria a A. que despender, anualmente, cerca de € 300 euros anuais em prémio de seguro de responsabilidade civil, 33,83 € de imposto de circulação, e € 25 de taxa de inspecção obrigatória. Um veículo do modelo actual equivalente ao que o A. conduzia custa actualmente cerca de € 26.000 e tem uma vida útil provável de cerca de 15 anos, pelo que a diária da amortização (que não é constante, sendo a decrescente a depreciação e substancialmente maior nos 3 primeiros anos de utilização) se compreende entre os 4,75 e os 6 euros. A esse valor acrescem os referidos custos fixos de utilização, que incluem o seguro obrigatório, imposto de circulação e a taxa de inspecção obrigatória, cuja soma está num intervalo compreendido entre os 350 e os 400 euros anuais. Pode, por essa via, estimar-se a despesa do A. na disponibilidade do veículo num valor compreendido entre os 6 e os 6,5 euros diários, 180 a 195 euros mensais. Tal valor poderia ser majorado em razão das normais despesas de transporte mais oneroso (táxi, transporte aéreo, rodoviário ou caminho de ferro) que é sempre necessário suportar quando surge a necessidade de deslocar-se, e ao agregado familiar, e não se dispõe de viatura própria. Contudo, optou o A. por reclamar separadamente tais despesas (n.ºs 149 e 150 da p.i.), pelo que o valor a atribuir é tão só o da soma da diária da amortização e dos custos fixos de utilização, perfazendo 6,50 euros diários.
O montante muito elevado fixado pela 1.ª instância tem igualmente a ver com a longa duração do período de privação do uso. Mas nessa vertente não há reparo algum a fazer à douta sentença recorrida. Bastará atentar nos n.ºs 1 e 2 do art.º 42.º do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto para concluir que o legislador considerou, e muito justamente, igualmente merecedor a de reparação (através da colocação à disposição de uma viatura de substituição), quer a privação temporária em razão de reparação, quer a privação definitiva em razão da perda total, enquanto uma e outra perdurarem. Esse diploma visou, além do mais, introduzir regras e os procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas, que em sede de fixação judicial têm valor meramente indicativo. No entanto, na solução do problema não pode tal valoração do legislador deixar de ser tomada em consideração. Sobretudo constatando-se que as seguradoras sempre podem atalhar ao protelamento da privação do uso, colocando à disposição do lesado, ainda que a título condicional, o pagamento da indemnização devida pela perda total do veículo imobilizado.
Pelo exposto, para a totalidade do período de privação de 3 anos, 9 meses e 15 dias, à taxa diária de € 6,5, é devido ao autor quantitativo indemnizatório no valor de € 8.970,00. Mostra-se assim, de reduzir a tal importância o montante fixado pela 1.a instância.
Por fim, discorda a recorrente errada da decisão de 1ª Instancia quanto á atribuição da responsabilidade em exclusivo ao condutor do veículo seguro, dizendo que, não ter ficado assente a velocidade permitida no local, admitindo que era de 50 kms / h, não foi a velocidade do veículo seguro, a causa para a produção do acidente, mas sim o corte da linha de marcha por parte do A., ao ingressar no cruzamento.
Em matéria de responsabilidade civil emergente de acidentes causados por veículos de circulação terrestre, a ocorrência de uma colisão entre dois veículos pode enquadrar-se num de três tipos de situações geradoras de responsabilidade civil e da consequente obrigação de indemnizar, de acordo com as normas contidas nos arts. 483.º, 487.º, 500.º, 503.º, 505.º e 506.º do Código Civil:
- em situação de responsabilidade a título de culpa efectiva de algum ou de ambos os condutores dos veículos intervenientes na colisão, como sucede nos casos de acidentes causados pela violação culposa de alguma norma legal relativa à condução rodoviária (art. 483.º, n.º 1, do Código Civil);
- em situação de responsabilidade a título de culpa presumida do condutor de veículo por conta de outrem, a que alude o n.º 3 do art. 503.º do Código Civil, que se aplica aos casos, incluindo a colisão de veículos (Assento do STJ n.º 3/94, no D.R. I Série, de 19-03-94), em que intervém no acidente o condutor de veículo por conta de outrem no exercício das suas funções e não consiga ilidir a presunção de culpa que a lei faz recair sobre ele, provando que não houve culpa da sua parte;
- e em situação de responsabilidade pelo risco inerente à condução de veículos, a que aludem os arts. 503.º, n.º 1, e 506.º, n.º 1, do Código Civil, nos casos em que não se consegue provar a culpa efectiva de algum dos condutores dos veículos intervenientes, e nenhum dos condutores está onerado pela presunção de culpa consagrada no n.º 3 do art. 503.º do Código Civil (única presunção legal de culpa que vigora neste domínio) e o acidente não tiver sido provocado por culpa do lesado, ou por facto de terceiro, ou por causa de força maior estranha ao funcionamento dos veículos (art. 505.º do Código Civil e ac. do STJ de 14-10-97, na CJ-STJ/1997/III/61).
Em matéria de culpa, dispõe o n.º 1 do art. 487.º do Código Civil que é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa, que não ocorre, porquanto nenhum dos veículos é conduzido por conta de outrem, no âmbito de relação jurídica subsumível ao conceito de comissão. Fica, assim, a apreciação do caso vertente reduzida às hipóteses de responsabilidade a título de culpa efectiva ou de responsabilidade pelo risco.
A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente (o lesante podia e devia agir de outro modo), podendo revestir duas formas distintas: o dolo e a negligência ou mera culpa (cfr. Antunes Varela, das Obrigações em Geral, 1973, pág. 442). Sobre o conceito de culpa, prescreve o n.º 2 do referido art. 487.º do Código Civil que “a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”. Comentando esta norma, Pires de Lima e Antunes Varela escrevem que “a culpa deve ser apreciada in abstracto, ou seja, em atenção à diligência de um bom pai de família e não à diligência normal do causador do dano”. A referência da lei ao conceito de «bom pai de família» na apreciação da culpa visa acentuar, não tanto o critério puramente estatístico do homem médio, mas essencialmente o aspecto ético ou deontológico do “bom cidadão”, pelo que se incluem no conceito de culpa as práticas de desleixo, de desmazelo ou de incúria causadoras de danos, se outra for a conduta exigível dos homens de boa formação e de são procedimento (cfr. Ac desta Relação de 26-01-2000, Proc. n.º 9921420, in www.dgsi.pt).
No domínio dos acidentes de viação, a jurisprudência tem considerado que a culpa emerge, normalmente, da violação de regras legais que disciplinam a circulação rodoviária, presumindo-se (presunção juris tantum) a negligência do condutor que, por conduzir em infracção daquelas normas, dá causa a acidente, sem prejuízo de o condutor infractor poder provar a concorrência de circunstâncias concretas que justificam a infracção cometida e que excluem a sua culpa (cfr. Acs. do STJ de 28-05-80, no BMJ n.º 297/142, de 06-07-93, na CJ-STJ/1993/II/186, e de 26-06-2003, proc. n.º 02B22, in www.dgsi.pt, da Relação do Porto de 02-02-82, no BMJ n.º 314/370, de 07-11-91, na CJ/1991/V/182, e de 09-12-99, proc. n.º 9931341. in www.dgsi.pt). Inversamente, pode agir também com culpa o condutor de um veículo que, apesar de, objectivamente, não ter infringido nenhuma norma legal sobre condução rodoviária, não observa, no exercício da condução, os deveres gerais de diligência exigíveis ao “condutor médio” e faz uma condução imprudente, desleixada ou tecnicamente errada, e, por algum desses motivos, causa danos a terceiros (ac. desta Relação de 26-01-2000, proc. n.º 9921420 e do STJ de 27-03-2008, proc. n.º 08B761, ambos in www.dgsi.pt).
No caso vertente, vem apenas provado que ao aproximar-se do cruzamento, o Autor imobilizou o veículo no limite da via por onde circulava; verificou que, quer da direita, quer da esquerda, não vislumbrava qualquer veículo e avançou em frente; quando se encontrava no fim da travessia do cruzamento, surgiu da esquerda o veículo IA, que circulava à velocidade de pelo menos 50 a 60kms/hora, e foi embater no veículo do Autor. O sinal de STOP obriga o condutor a parar antes de entrar no cruzamento ou entroncamento e a ceder passagem aos veículos que transitem na via em que vai entrar (sinal B-2 previsto no art.21 do Regulamento da Sinalização de Trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar nº22-A/98 de 1/10). O sinal de STOP impõe não só a paragem, como a cedência da passagem aos veículos que circulem pela via prioritária, ou seja, para o seu cumprimento não basta o mero automatismo de parar e arrancar de seguida, sem deixar passar o veículo, cujo condutor tem direito de prioridade. Perante tal sinal, o condutor, após parar, só deve retomar a marcha e avançar depois de se assegurar que tal manobra não põe em perigo a circulação rodoviária da via prioritária, como resulta da regra geral do art.12, nº 1, do CE. Mas a amplitude da obrigação de ceder a passagem apenas se reporta aos veículos que se apresentem na via prioritária, em relação ao cruzamento ou entroncamento, a uma distância que lhes não permita gozar da sua prioridade sem perigo de acidente e sem necessidade de diminuir a velocidade, como se extrai da norma do art.29.º do CE. Neste enquadramento, resultou demonstrado que o Autor adoptou todas os comportamentos exigíveis perante a aproximação do sinal, só tendo retomado a marcha depois de se ter certificado que não avistava qualquer veículo circulando pela via prioritária. No tocante ao condutor do veículo segurado pela recorrente, apesar de, nos 50 kms/hora do termo inferior do intervalo da velocidade que a Mma. Juíza considerou provado que seguia, poder ainda considerar-se compreendia na velocidade máxima permitida dentro da localidade, ela já não é adequada ao local, porquanto nos termos do artigo 25.º, n.º 1, al. f) do CE, a velocidade deve ser especialmente moderada nas curvas, cruzamentos, entroncamentos e lombas de estrada de visibilidade reduzida. O que inequivocamente significa que em locais com tais características não pode ser praticada velocidade igual à máxima abstractamente autorizada para o local, devendo o condutor circular sempre a velocidade inferior. Acresce que o condutor do IA se encontrava onerado com a presunção de culpa estabelecida no n.º 3 do art.º 503.º do CCivil, que não a recorrente não logrou ilidir.
Perante a descrita factualidade, provando-se no caso vertente a culpa, efectiva e presumida, do condutor do veículo automóvel segurado na apelante, sem ao A. ela possa assacar-se, tem de se concluir que a responsabilidade se desloca em exclusivo para a recorrente, como considerou a douta sentença recorrida.
Passando à apreciação do recurso subordinado, improcede, como acertamente decidiu a 1.ª instância, o relativo aos danos decorrentes da paralisação, ocorridos posteriormente à data da prolação da sentença. A partir desse momento goza o A. de título executivo pelo valor correspondente à perda total do veículo, nenhum sentido fazendo aumentar, incentivando-o, pela sua eventual inércia em mover a execução, o valor da indemnização a cobrar.
Improcede ainda manifestamente o pedido relativo ao que o autor tem ou teria de pagar à oficina a título de despesa pela recolha e guarda do seu veículo. Com efeito, o veículo ficou totalmente destruído e impossibilitado de circular. Ora, nos termos do artigo 41.º, n.º 5, do Dec. Lei 291/2007, nos casos de perda total do veículo a matrícula é cancelada nos termos do artigo 119.º do Código da Estrada. A partir do momento em que ficou assente que o veículo sinistrado se destinava a perda total, poderia o ter feito entrega do mesmo num centro de abate, não mais tendo razão de ser as reclamadas despesas de parqueamento.
Em síntese e, na procedência parcial apenas do recurso principal, terá o montante da condenação proferida pela 1.a instância que reduzir-se ao valor de € 33.687,96, vencendo juros de mora desde a citação sobre 4.717,96 e sobre o remanescente a partir da data da sentença recorrida.

Decisão.
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação interposta pela Ré e improcedente a apelação interposta pelo Autor, em consequência do que alteram o montante da condenação fixada pela 1.ª instância para € 33.687,96 € (trinta e três mil seiscentos e oitenta e sete euros e noventa e seis cêntimos), acrescidos de juros de mora desde a citação sobre 4.717,96 e sobre o remanescente a partir da data da sentença recorrida, até efectivo e integral pagamento.
Custas em ambas as instâncias na proporção do decaimento.

Porto, 2015/12/16
João Proença
Maria Graça Mira
Anabela Dias da Silva