Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOÃO NUNES | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO APRENDIZ RETRIBUIÇÃO EQUIPARADA INCAPACIDADE TEMPORÁRIA INDEMNIZAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP20131014472/12.0TUBRG.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/14/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – O artigo 71.º, n.º 7, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, ao determinar que se o sinistrado for aprendiz a "indemnização” é calculada com base na retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e que exerça actividade correspondente à aprendizagem, pretende abranger quer as pensões por incapacidade permanente, quer as indemnizações por incapacidade; II – No âmbito da mesma lei, as pensões e indemnizações, independentemente do tipo de incapacidade, são sempre calculadas com base na retribuição anual ilíquida do sinistrado. III – Em conformidade com a conclusão anterior, tendo em vista o cálculo da indemnização por incapacidade, para obter a retribuição diária deverá dividir-se a retribuição anual ilíquida do sinistrado por 365 dias. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 472/12.0TUBRG.P1 Secção Social do Tribunal da Relação do Porto Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) António José Ramos, (2) Eduardo Petersen Silva. Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório Nestes autos de acção emergente de acidente de trabalho, com processo especial, em que é Autor B… (NIF ………, nascido em 05-02-1978, residente em Rua …, n.º ., …, Vila Verde) e Ré Companhia de Seguros C…, S.A. (NIPC …… do …, n.º .., ….-… Lisboa) na sequência de participação feita por aquele – dando conta que sofreu um acidente de trabalho em 19-06-2012 e que a seguradora lhe deu alta em 27-07-2012, considerando-o curado sem desvalorização, resultado de que discorda – desenvolveu-se a fase conciliatória do processo sob a égide do Ministério Público, no final da qual foi tentada a conciliação entre as partes, conciliação que não obteve êxito porquanto a seguradora não aceitou pagar a quantia de € 47,08 por aquele reclamada a título de diferença de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, por entender que a retribuição equiparada apenas se aplica ao cálculo da pensão. Em face deste resultado, deduziu o Autor, com o patrocínio do Ministério Público, petição contra a seguradora – com a qual se deu início à fase contenciosa do processo – alegando, em síntese e com interesse, que no dia 19-06-2012, quando trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização de D…, Lda, desempenhando as funções de aprendiz de marceneiro, mediante a retribuição mensal de € 485,00 x 14 meses, acrescida de € 132,00 x 11 meses ano de subsídio de alimentação, sofreu um acidente de que resultou incapacidade temporária e permanente. Acrescenta, no que aqui releva, que a responsabilidade infortunística da entidade empregadora se encontrava transferida para a Ré seguradora e que por ser aprendiz devem as indemnizações por incapacidade temporária e a pensão ser calculadas com base no subsídio de alimentação e retribuição mensal equiparada, ou seja, com base em € 550,00 x 14 + € 132,00 x 11. A Ré seguradora contestou a acção, sustentando, no que aqui importa, que sendo o Autor aprendiz de marceneiro, deve atender-se à “retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou de empresa similar e que exerça a actividade correspondente à formação, aprendizagem ou estágio” a que alude o artigo 71.º, n.º 7, da Lei n.º 98/2009, apenas para efeito de fixação da incapacidade permanente, mas já não por incapacidade temporária. Em consequência, entende ser devido ao Autor o pagamento do capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 128,13, bem como de € 15,00 por despesas de transporte, mas já não qualquer quantia a título de incapacidade temporária, uma vez que lhe pagou (ao Autor) o devido a tal título, € 373,00. Seguidamente foi proferido saneador-sentença, que julgou a acção procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor: “A.) Pelo exposto, e sem necessidade de outras considerações, julga-se a presente acção procedente, por provada e consequentemente condena-se a ré companhia de seguros “C…, S.A.” a pagar ao autor: 1) o capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de 128,13 €, devida desde o dia 28.07.2012; 2) a quantia de 47,08 € a título de diferenças nas indemnizações devidas pelos períodos de IT´s sofridos pelo autor. 3) os legais juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias referidas em 1. e 2., a contar desde o dia seguinte ao da alta médica. 4) a quantia de 15,00 € a título de deslocações obrigatórias.”. Inconformada com o assim decidido, a Ré seguradora interpôs recurso para este tribunal, tendo nas respectivas alegações formulado as seguintes conclusões: “I - Estabelece o artigo 59º n.º 1 alínea f) da Constituição da República Portuguesa que “todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:…f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional”. (o sublinhado é nosso). II- Ao estabelecer na lei comum as regras de fixação da indemnização por incapacidade temporária ou permanente por acidente de trabalho, o legislador mais não pretendeu senão conformar legalmente o critério Constitucional da “justa compensação” , atribuindo ao lesado uma quantia que compense o prejuízo efectivamente sofrido ou aquele que previsivelmente irá sofrer. III - E, ao estabelecer as regras destinadas a reparar/indemnizar o dano, o legislador não quis prejudicar o lesado, conferindo-lhe indemnização inferior ao seu prejuízo, mas também não foi seu propósito enriquecer o património da vítima à custa [] da sua entidade patronal ou sua seguradora. IV- A equiparação determinada pela norma do artigo 71º n.º 7 da Lei 09/2009 visa proteger o direito que o aprendiz tem de receber uma indemnização que o compense durante o resto da sua vida pela incapacidade permanente, o que impõe que se considere o salário que previsivelmente auferirá e não aquele que agora recebe; no fundo, quer-se acautelar a “maturidade retributiva” do sinistrado e os efeitos que a incapacidade permanente futuramente terá na sua capacidade de ganho. V- Esse objectivo do legislador era claro na redacção do artigo 26º nº7 da Lei 100/97, da qual resultava que só no que toca à pensão (por incapacidade permanente) se deveria considerar o salário equiparado; VI- Com a alteração da redacção dessa norma, operada pe[l]a entrada em vigor da Lei 98/2009, o legislador não quis alterar a regra de direito nela integrada, mantendo o propósito de restringir a sua aplicação apenas ao cálculo da pensão por incapacidade permanente. VII- Sendo essa a única interpretação da norma do artigo 71º n.º 7 da Lei 98/2009 que é conforme com a alínea f) do artigo 59º da CRP. VIII- A interpretação dessa disposição feita na douta sentença não respeita a razão de ser da norma, nem o critério constitucional do que deve ser a indemnização por acidente de trabalho. IX- E geraria, desde logo, uma gritante desigualdade de tratamento entre este sinistrado e qualquer outro trabalhador que já tenha concluído a sua formação. X- De facto, sem qualquer razão que justifique esse tratamento desigual, a interpretação que o Tribunal fez da norma levaria a que um aprendiz tivesse direito a receber indemnização por perda temporária de rendimentos baseada num salário superior ao que aufere. XI- Mas um trabalhador com a formação concluída e que auferisse efectivamente esse salário, veria, como vê, limitado o seu direito de indemnização, tão só, à perda de rendimentos efectiva, calculada com base no salário que recebe. XII- Assim, a perda salarial do A não pode ser calculada com base no salário que irá auferir daqui a alguns anos, mas sim com referência ao vencimento que obtinha na data do acidente. XIII- Isto porque as razões que subjazem à consideração de salário superior no cálculo da indemnização em capital ou pensão por incapacidade permanente não se verificam quanto às incapacidades temporárias. XIV- Qualquer outra solução conduziria a um enriquecimento injusto do sinistrado à custa da entidade responsável pela reparação, em violação dos mais elementares princípios que devem enformar um Estado de Direito como é o português em, em especial, redundaria numa afectação injustificada de direitos patrimoniais da Ré. XV- Assim, ao considerar a retribuição anual equiparada de 550,00€ x 14 meses + 132,00€ x 11 meses (9.152,00€) no cálculo da indemnização por incapacidade temporária, o Tribunal não procedeu a uma correcta aplicação do direito constante da norma do artigo 71º n.º 7 da Lei 98/2009, interpretando-a de forma que não é compatível com as regras constitucionais estabelecidas no artigo 13º e na alínea f) do artigo 59º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. XVI- Devendo antes ter-se em conta no cálculo dessa concreta indemnização a retribuição efectivamente auferida pelo sinistrado à data do acidente, ou seja, 485,00€ x 14 meses + 132 x 11 meses. XVII- Para a obtenção da retribuição diária do trabalhador tendo em vista o cálculo da indemnização por incapacidade temporária deverá dividir-se a sua retribuição anual por 365 dias e não 360; XVIII- A Lei 98/2009, de 4 de Setembro, introduziu alterações decisivas na forma de cálculo da indemnização por incapacidade temporária. XIX- Se o artigo 26º n.º 1 da Lei 100/97 se reportava à “retribuição diária ou à 30ª parte da retribuição mensal ilíquida” como base de cálculo dessa indemnização, o artigo 71º n.º1 da Lei 98/2009 manda atender para esse fim à “retribuição anual ilíquida” do sinistrado; XX- Tendo deixado, por completo, de constar da nova lei a obrigatoriedade de se calcular a retribuição diária pela divisão da retribuição mensal ilíquida por 30 dias. XXI- Conjugando as regras dos artigos 71º n.º 1, 50º n.º 1 e 3 e 48º n.º 3 alíneas d) e e) da Lei 98/2009, podemos afirmar que a indemnização por incapacidade temporária corresponderá à multiplicação de 70% da retribuição diária do sinistrado (artigo 48º n.º 3 alíneas d) e e)), calculada tendo como referência todos os dias do ano (incluindo os de descanso e feriados, ou seja, 365 dias – artigo 50º n.º 1), pelo número de dias de incapacidade, acrescida, nas situações em que a mesma seja superior a 30 dias, do proporcional dos subsídios de férias e de Natal. (artigo 50º nº. 3). XXII- A obtenção da retribuição diária do trabalhador recorrendo à divisão da sua retribuição anual por 360 dias não encontra qualquer fundamento na lei; XXIII- Essa fórmula parte do pressuposto de que todos os meses têm 30 dias, o que não é correcto, ficcionando-se que o ano tem apenas 360 dias (12 meses x 30 dias), o que é o mesmo que considerar que nos restantes 5 o trabalhador não trabalha ou não aufere retribuição. XXIV- No entanto, é de todos sabido que o ano civil tem 365 dias. XXV- E é a própria Lei (artigo 50º n.º 1) que manda atender “a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados…”. XXVI- Por outro lado, a incongruência do cálculo da indemnização nos termos operados na douta sentença evidencia-se ainda no facto de se determinar a retribuição diária com base em 360 dias anuais de trabalho, mas calcular-se a indemnização do sinistrado com base no número de dias de incapacidade com referência ao ano civil, isto é, 365. XXVII- Não pode ter sido propósito do legislador estabelecer um critério de determinação do rendimento diário do trabalhador diferente daquele que considera para efeitos de indemnização, sob pena de gritante injustiça. XXVIII- E terá sido por essa razão que se operou a alteração da norma respeitante ao cálculo da indemnização por incapacidade temporária (artigo 26º da Lei 100/97). XXIX- Esta interpretação – que redunda na consideração de que o legislador tem “dois pesos e duas medidas” – seria desconforme com a regra do n.º 3 do artigo 9º do Código Civil, que postula que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. XXX- E não pode restar a mais pequena dúvida de que a solução mais acertada para a questão em mãos passaria pela adopção de um mesmo critério para o cálculo da indemnização e da retribuição diária e nunca ter em conta 365 dias para a fixação da primeira, mas apenas 360 na determinação da segunda. XXXI- Ademais, se assim não fosse, a compensação por incapacidade temporária acabaria por ter uma função punitiva e não apenas ressarcitória, já que a consideração de um ano com 360 dias no cálculo da retribuição diária redunda em valor superior ao que efectivamente é auferido pelo trabalhador ao fim de cada ano. XXXII- A interpretação que a Ré faz das normas acima apontadas, no sentido de que o rendimento diário do trabalhador deverá ser encontrado pela divisão da sua retribuição anual por 365 dias é, por conseguinte, a única conforme com as normas dos artigos 9º n.º 3 do Código Civil e 59º n.º 1 alínea f) da CRP, por só essa representar a solução adequada e corresponder a critérios conducentes a uma justa reparação do lesado. XXXIII- Considerando os pressupostos acima anunciados, temos no caso vertente: Retribuição anual: 8.242,00€ (485,00€ x 14 + 132,00€ x 11€) Retribuição diária no caso de Incapacidade temporária inferior a 30 dias: 485€ x 12 + 132€ x 11 meses / 365 = 19,92€ Retribuição diária, no caso de incapacidade temporária superior a 30 dias: 485€ x 14 + 132€ x 11 / 365 = 22,58€ Indemnizações: ITA de 22 dias: 22,58€ x 0,7 x 22 = 347,73€ ITP de 10% 16 dias: 22,58€ x 0,7 x 0,10 = 1,58 x 16 = 25,28€ Total: 373,01€ XXXIV- A Ré já pagou ao A a quantia de 373,00€ para compensação das suas perdas salariais durante os períodos de incapacidade temporária, pelo que apenas lhe deve a importância de 0,1€. XXXV- De todo o modo, ainda que assim não se entenda, deverá a indemnização por incapacidade temporária se reduzida para o valor a que se chegou na fundamentação da douta sentença (46,93€), o qual, sem qualquer justificação, não foi transposto para a parte decisória desse documento, onde se fez constar 47,08€. XXXVI- A douta sentença sob censura violou as normas dos artigos 71º n.º 1 e 7, 50º n.º 1 e 3 de 48º n.º 3 alíneas d) e e) da Lei 98/2009, de 4 de Setembro e artigo 13º e alínea f) do artigo 59º da Constituição da República Portuguesa. Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença na parte respeitante à quantificação da indemnização por incapacidade temporária e decidindo-se antes nos moldes apontados nas presentes alegações (…)”. O Autor, ainda com o patrocínio do Ministério Público, respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência. Para tanto, nas contra-alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões: “1.ª O recurso não merece provimento, visto a sentença em crise ter feito correcta aplicação do disposto nos arts. 71, nºs 1 e 7, 48.º, n.º 3 alíneas d) e e) da Lei 98/2009 de 04.09 e 13º e alínea f) do art. 59º da C.R.P.; 2.ª O legislador quis inequivocamente considerar a mesma retribuição equiparada, no caso de sinistrados aprendizes, para o cálculo da pensão e da indemnização pelos períodos de incapacidade temporária; 3.ª Na falta de uma definição na LAT, de critério ou fórmula, para cálculo da retribuição diária, a considerar para pagamento de indemnização por incapacidade temporária superior a 30 dias há que alcançá-la dividindo a retribuição anual por 12 e subdividindo o produto obtido por 30, ou seja dividindo a retribuição anual por 360 dias; [4.ª] O entendimento sufragado na sentença “ a quo” é o mais consentâneo com a letra e o espírito do legislador, tendo em vista a satisfação do direito dos sinistrados, à justa reparação por acidente de trabalho. [5.ª] A decisão recorrida é, pois, a nosso ver, de manter nos seus precisos termos.”. Admitido o recurso na espécie própria, e remetidos os autos a este Tribunal da Relação, aqui colhidos os vistos legais, cabe, agora, apreciar e decidir. II. Objecto do recurso Sabido como é que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, no caso, tendo em conta as conclusões das alegações apresentadas pela recorrente, a questão essencial centra-se em saber se sendo o Autor/sinistrado aprendiz de marceneiro, ao cálculo das indemnizações por incapacidade temporária deve atender-se à retribuição que efectivamente auferia (€ 485,00 x 14 meses + € 132,00 x 11 meses) ou à retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar que exerça actividade correspondente à aprendizagem, retribuição equiparada (€ 550,00 x 14 meses + € 132,00 x 11 meses). Subsequentemente a tal questão importa proceder ao apuramento da indemnização temporária devida. III. Factos A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade, que se aceita, por não se vislumbrar fundamento legal para a sua alteração: 1. O Autor nasceu no dia 05.02.1978. 2. No dia 16.09.2012, pelas 09:30h, em Braga, ao descer umas escadas, escorregou e caiu. 3. Na data referida em 2., o autor trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da sociedade “D…, Lda.”, como aprendiz de marceneiro, mediante a retribuição anual de 485,00 € x 14 + 132,00 € x 11, sendo que a retribuição correspondente à categoria profissional referente àquela para a qual o autor era aprendiz era de 550,00 € x 14 + 132,00 € x 11, perfazendo uma retribuição anual de 9.152,00 €. 4. Como consequência directa e necessária do acidente descrito em 2. o autor sofreu as seguintes lesões: contusão do punho direito, fractura de falanges de dedos da mão direita e luxação dos dedos da mesma mão. 5. As lesões descritas em 4. determinaram para o autor, directa e necessariamente: - 22 dias de ITA, contados de 20.06.2012 a 11.07.2012; - 16 dias de ITP, a 10 %, contados de 12.07.2012 a 27.07.2012. 6. As lesões consolidaram-se clinicamente no dia 27.07.2012. 7. Como causa directa e necessária das lesões sofridas resultaram para o autor as seguintes sequelas permanentes: - fenómenos dolorosos na IFR de D4, ao toque (compressão) e com a flexão do dedo; - diminuição da força em D4; - dificuldade em lixar madeira e executar trabalhos minuciosas e levantar madeira com a mão direita; - a nível do membro superior direito: edema residual ao nível de IFD de D4; - instabilidade articular (na lateralização) da IFD de D4; rigidez ligeira da IFD de D4. 8. Com deslocações obrigatórias despendeu o autor a quantia de 15,00 €. 9. A sociedade entidade patronal do autor, na data referida em 2., tinha transferido a sua responsabilidade infortunística laboral sobre o autor para a ré companhia de seguros, através de contrato de seguro, na modalidade de prémio variável, titulado pela apólice n.º 0001616426, pela remuneração anual ilíquida referida em 3. (485,00 € x 14 + 132,00 € x 11), equiparada a (550,00 € x 14 + 132,00 € x 11). 10. A ré seguradora, a título de indemnização pelos períodos de IT´s sofridos pelo autor, já pagou a quantia de 373,00 €. IV. Fundamentação 1. Como resulta do que se afirmou anteriormente, não vem questionado que o Autor sofreu um acidente de trabalho e que, em consequência, tem direito à reparação do mesmo, maxime ao pagamento de despesas de transporte, indemnização por incapacidade temporária e indemnização por incapacidade permanente. A divergência das partes, tendo em conta que o Autor era aprendiz de marceneiro, centra-se na determinação da retribuição a atender para efeitos de cálculo da indemnização por incapacidade temporária, bem como posterior apuramento da mesma. A sentença da 1.ª instância, no que merece o aplauso do recorrido, decidiu que a retribuição a atender é a que auferia um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar que exerça a actividade correspondente à aprendizagem. Assim, considerando que a retribuição equiparada de um trabalhador que exercesse a actividade correspondente à aprendizagem era de € 9.152,00 (€ 550,00 x 14 meses x € 132,00 x 11 meses), foi essa a retribuição a que a decisão recorrida atendeu. Respiga-se da referida decisão a seguinte fundamentação: “(…) se não se discute no seio da jurisprudência nem da doutrina que a base de cálculo das prestações deve ter em consideração a retribuição por inteiro que o trabalhador sinistrado auferiria, se não trabalhasse como aprendiz, praticante, etc., pois que em conta se toma o princípio infortunístico da necessidade de repor, por inteiro, a capacidade de ganho da vítima, não se poderá interpretar tal preceito legal no sentido de que o legislador pretendesse excluir do critério do cálculo de ambas as prestações devidas – pensões e indemnizações – o definido no artigo 71º, n.º 7 no caso em que a vítima é aprendiz, praticante, estagiário ou se encontra em fase de formação. E nesse mesmo sentido tinha sido positivado o artigo 26º, n.º 7 da (anterior) LAT. E se esse princípio foi o que norteou e a positivação de normas que visam proteger e assegurar a protecção de trabalhadores vítimas de acidente de trabalho, princípio esse que continua a nortear o pensamento legislativo com a aprovação e publicação da Lei n.º 98/2000, considerando esta, no seu artigo 3º, n.º 1 e 3 que o regime legal se aplica tanto a trabalhadores por conta de outrem, como a praticantes, aprendizes, estagiários e ainda em situação de formação profissional. A ser assim, como é, o artigo 71º, n.º 7 da actual LAT só poderá ter uma interpretação: no caso do sinistrado ser praticante, aprendiz ou estagiário, ou nas demais situações que devam considerar-se de formação profissional, as prestações - indemnização pelos períodos de IT´s sofridos pelo autor e pensão pelo grau e natureza de incapacidade permanente de que ficou afectado em virtude das lesões sofridas por causa e como consequência do acidente objecto dos autos – são calculadas com base na retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e que exerça actividade correspondente à formação, aprendizagem ou estágio. E é essa a interpretação, de acordo com os critérios do artigo 9º do Código Civil, que este tribunal faz do citado artigo 71º, n.º 7 da LAT.”. E quanto ao concreto apuramento da indemnização por incapacidade temporária, escreveu-se na mesma sentença: “Tem ainda o autor direito a receber a indemnização devida pelo período em que esteve incapaz de trabalhar: - 22 dias de ITA, contados de 20.06.2012 a 11.07.2012; - 16 dias de ITP, a 10 %, contados de 12.07.2012 a 27.07.2012. O autor tem assim direito a receber, por força do preceituado no artigo 47º, n.º 1, al. a), 48º, n.º 1 e n.ºs 3, als. d) e e) da apontada LAT, uma indemnização diária igual a 70 % da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75 % no período subsequente (ITA) e uma indemnização diária igual a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho (ITP). Temos por assente que a retribuição anual do autor era num total de 9.152,00 €. Sabendo-se já qual o valor da retribuição anual o valor proporcional diário dos subsídios de férias e Natal obtém-se dividindo este valor global anual por 360 dias (30 d x 12 m). Adicionando estas duas parcelas, multiplica-se tal valor por 70% e pelo número de dias de ITA, obtendo-se o valor da Indemnização Diária com os proporcionais dos subsídios de férias e Natal, recorrendo-se para o efeito à seguinte fórmula: Rm x 14 m : 12m : 30 d = ID x 70% x n.º de dias ITA (ou seja, no caso dos 25,42 €) (…) Encontrando-se assim o valor da retribuição diária de 25,42 €, o valor da indemnização correspondente à ITA é de 391,46 € (25,42 € x 70% x 280), sendo o valor correspondente à ITP de 10% de 28.47 € (25,42 € x 70% x 10% x 16), num total de 419,93 €.”. A recorrente rebela-se contra tal interpretação, no essencial com a seguinte fundamentação: (i) quanto à retribuição a atender para cálculo de indemnização terá que ser a que efectivamente auferia o sinistrado como aprendiz, pois de outro modo haveria uma desigualdade de tratamento entre este sinistrado e qualquer outro trabalhador que já tenha concluído a sua aprendizagem, o que redundaria num tratamento desigual, sem qualquer razão; (ii) quanto ao concreto apuramento da indemnização, para a obtenção da retribuição diária do sinistrado deverá dividir-se a sua retribuição anual por 365 dias, e não por 360 dias. Vejamos. 2. Quanto ao valor da retribuição a atender para o cálculo da incapacidade temporária A resolução desta questão centra-se na interpretação do disposto no artigo 71.º, n.º 7, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, cuja redacção é do seguinte teor: “Se o sinistrado for praticante, aprendiz ou estagiário, ou nas demais situações que devam considerar-se de formação profissional, a indemnização é calculada com base na retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e que exerça actividade correspondente à formação, aprendizagem ou estágio”. Com vista à referida interpretação, considera-se pertinente convocar as normas que em anterior legislação regulavam a matéria. Assim, de acordo com a Base XXVIII, n.º 5, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965,“[s]e a vítima for aprendiz ou tirocinante, a indemnização e pensão terão por base a retribuição média de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e categoria profissional correspondente à aprendizagem ou tirocínio da vítima (…)”. A referida norma contemplava, pois, de forma expressa que quer a pensão quer a indemnização de um aprendiz eram calculadas pela retribuição média de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e categoria profissional correspondente à aprendizagem. Daí que, como afirma Cruz de Carvalho (Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª Edição, Petrony, 1983, pág. 125), “[a] equiparação salarial a que se refere o n.º 5 é de fazer quer nos casos de incapacidade permanente, quer na indemnização temporária, como resulta das expressões «indemnização» e «pensão», e dos trabalhos preparatórios da Lei. E quanto ao fundamento da referida equiparação, escreve um pouco adiante o mesmo autor (pág. 127): “[é] evidente que, por força da equiparação salarial prevista no n.º 5, o sinistrado pode vir a receber, de indemnização ou pensão, quantia superior ao salário que porventura estivesse recebendo na data do acidente (o que a Câmara Corporativa no seu parecer qualificou de situação anómala e incentivo à fraude). Não parece que haja nisto algo de estranhável. Por um lado, e como diz Cunha Gonçalves [] «porque não se indemniza só o salário dessa data, mas também o que o sinistrado viria a ganhar, se disso não fosse impedido pela súbita invalidez permanente»; por outro lado, pretende-se assim compensá-lo melhor do risco profissional que é maior na sua idade, enquanto aprendem, e que pode desvalorizá-los como empregados prontos para amanhã, concedendo-lhes assim protecção especial, consignada já nas leis do trabalho, e hoje mais premente, por reconhecida constitucionalmente (v. art. 70.º da Constituição da República Portuguesa)”. Já no domínio da posterior lei dos acidentes de trabalho (Lei n.º 100/97, de 13-09), no n.º 7 do artigo 26, estipula-se que “[s]e o sinistrado for praticante, aprendiz ou estagiário, a pensão a que este tem direito terá por base a retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e categoria profissional correspondente à formação, aprendizagem ou estágio.”. Assim, nesta norma, e ao contrário do que dispunha a Base XXXVIII, n.º 5, consagra-se, de forma expressa, que a retribuição equiparada no caso do sinistrado praticante, aprendiz ou estagiário é apenas atendida no cálculo da pensão. No transcrito n.º 7 do artigo 71.º da posterior lei dos acidentes de trabalho – a referida Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, aplicável ao caso – apenas se estabelece que a “indemnização é calculada” com base na retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e que exerça a actividade correspondente à do aprendiz. Como decorre do artigo 23.º da mesma lei, o direito à reparação por acidente de trabalho compreende prestações em espécie [alínea a)] e em dinheiro, o que compreende indemnizações, pensões, prestações e subsídios previstos na mesma lei [alínea b)]. O artigo 48.º, prescreve que a indemnização por incapacidade temporária para o trabalho se destina a compensar o sinistrado, durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho (n.º 1) e que a indemnização em capital e a pensão por incapacidade permanente e o subsídio de elevada incapacidade permanente são prestações destinadas a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho (n.º 2, do mesmo artigo). Pode-se, pois, ter-se por adquirido que a pensão se reporta a uma prestação por incapacidade permanente e a indemnização a uma prestação por incapacidade temporária. Ora, o n.º 7, do artigo 71.º, da Lei n.º 98/2009, alude a indemnização. Como é consabido, em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa: assim, haverá que atender ao enunciado linguístico da norma, por representar o ponto de partida da actividade interpretativa, na medida em que esta deve procurar reconstituir, a partir dele, o pensamento legislativo (n.º 1) – tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada –, sendo que o texto da norma exerce também a função de um limite, porquanto não pode ser considerado entre os seus possíveis sentidos aquele pensamento que não tenha na sua letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2 do mesmo artigo). Para a correcta fixação do sentido e alcance da norma, há-de, igualmente, presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º). No ensinamento de Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 16.ª Reimpressão, Almedina, 2007, pág. 189), o texto da norma «exerce uma terceira função: a de dar um mais forte apoio àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas»; por isso, «só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo». Visando a aplicação prática do direito, «a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica», por isso que o jurista «há-de ter sempre diante dos olhos o fim da lei, o resultado que quer alcançar na sua actuação prática; a lei é um ordenamento de protecção que entende satisfazer certas necessidades, e deve interpretar-se no sentido que melhor corresponda a estas necessidades, e portanto em toda a plenitude que assegure tal tutela» (Francisco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, traduzido por Manuel de Andrade e publicado com o Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis, do último autor, 3.ª Edição, Colecção Stvdivm, Arménio Amado – Editor, Sucessor, pág. 130). Pois bem: no caso, o sentido literal da lei, ao estabelecer “indemnização” vai claramente no sentido de abranger as prestações por incapacidade temporária. E, sendo de presumir que o legislador exprimiu o pensamento em termos adequados, não se vislumbra como pode afastar-se o estatuído na norma em causa nos casos de incapacidade temporária: se aquela alude a indemnização, e esta se reporta a prestações por incapacidade temporária, a conclusão que desde logo se impõe é que o sentido literal da norma não permite que do seu âmbito sejam excluídas essas prestações por incapacidade temporária. De outro modo, estar-se-ia a fazer uma interpretatio abrogans, na medida em que se estava a concluir que o legislador não disse (que ao cálculo da indemnização por incapacidade temporária é aplicável o disposto na norma em causa), o que afinal disse na mesma (que ao cálculo da indemnização – onde forçosamente, face à terminologia da lei, terá que se incluir a prestação por incapacidade temporária – se aplica o disposto na norma em causa). Temos, pois, que a interpretação gramatical conduz, forçosamente, à conclusão que o disposto no n.º 7, do artigo 71.º se aplica à indemnização por incapacidade temporária. Tendo em conta que, como resulta da análise supra efectuada, na Lei n.º 2127, no caso de sinistrados aprendizes se mandava atender à retribuição equiparada quer para o cálculo das pensões por incapacidade permanente quer as indemnizações por incapacidade temporária, enquanto na Lei n.º 100/97 apenas se mandava atender a tal retribuição para efeitos de cálculo por incapacidade permanente, entende-se que o elemento histórico não assume aqui particular relevância. Sem embargo, não deixa de se assinalar que se na lei imediatamente anterior (Lei n.º 100/97) o legislador restringiu expressamente a retribuição equiparada aos casos de pensão (o que nos conduz às prestações por incapacidade permanente), caso o legislador pretendesse na nova lei (Lei n.º 98/2009) manter o mesmo regime legal, não deixaria certamente de adoptar a mesma, ou idêntica, redacção: ao invés, ao aludir a “indemnização” é legítimo concluir que pretendeu abranger situações não totalmente coincidentes com as da lei anterior. Já quanto ao elemento teleológico, importa ponderar, por um lado, que a indemnização por incapacidade temporária para o trabalho se destina a compensar o sinistrado, durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho, e que a indemnização em capital e a pensão por incapacidade permanente e o subsídio de elevada incapacidade permanente são prestações destinadas a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho (cfr. artigo 48.º da lei); por outro, com a retribuição equiparada o que se pretende é compensar o sinistrado em relação não só ao que ele presumivelmente viria a ganhar, mas também ao próprio risco profissional, enquanto aprende, e que pode desvalorizá-lo como trabalhador no dia de amanhã. Este fundamento da lei, salvo o devido respeito por diferente interpretação, não se verifica apenas em caso de incapacidade permanente, mas também em caso de incapacidade temporária. Por isso, tendo em conta a interpretação da lei – não só literal, mas também teleológica – a conclusão que se impõe aponta para um sentido lato da expressão “indemnização” do n.º 7, do artigo 71.º, no sentido de prestação por incapacidade, de modo abranger quer as prestações decorrentes de incapacidade temporária, quer as prestações decorrentes de incapacidade permanente. Tal interpretação, segundo se entende, e ao contrário do que sustenta a recorrente, não configura qualquer violação do direito à justa reparação do acidente, ou qualquer tratamento desigual em relação a outros trabalhadores não aprendizes; em primeiro lugar, porquanto, embora constituindo direito fundamental o direito a “assistência e justa reparação” dos trabalhadores quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional [artigo 59, n.º 1, alínea f)], a Constituição remete para a lei ordinária a definição de acidente de trabalho e do respectivo regime jurídico de responsabilidade pelo acidente: esse regime, como se viu, é, actualmente, o que decorre da Lei n.º 98/2009; em segundo lugar, e quanto a um alegado tratamento desigual, não pode subscrever-se tal interpretação: se, pelos fundamentos que se deixaram expostos, o que a lei pretende é equiparar os aprendizes, para efeitos de reparação por acidente de trabalho, aos trabalhadores que exerçam a actividade correspondente à aprendizagem, o que está em causa com a interpretação da norma em análise é precisamente essa equiparação do aprendiz ao trabalhador não aprendiz. Não se trata de qualquer injustificado tratamento em benefício do aprendiz, mas sim de equiparar esse trabalhador – tendo em conta não só o que presumivelmente ele viria a ganhar, mas também próprio risco profissional, enquanto aprende, e que pode desvalorizá-lo como trabalhador no dia de amanhã – ao trabalhador que desempenha a actividade correspondente a essa aprendizagem. Conclui-se, por isso, tal como se concluiu na sentença recorrida, que a retribuição equiparada prevista no artigo 71.º, n.º 7, da Lei n.º 98/2009, se aplica ao cálculo da indemnização por incapacidade temporária. Por consequência é de atender, para tal efeito, à retribuição anual de € 9.152,00 (€ 550,00 x 14 meses + € 132,00 x 11 meses). 3. Quanto ao cálculo da indemnização por incapacidade temporária Como se viu, a 1.ª instância, partindo do valor anual da retribuição, obteve o valor proporcional diário dos subsídios de férias e de Natal dividindo esse valor por 360 dias (30 dias x 12). Adicionando estas duas parcelas, multiplicou o valor por 70% e pelo número de dias de ITA, obtendo o valor da indemnização diária com os subsídios de férias e de Natal, recorrendo à fórmula Rm x 14 m : 30d = ID x 70% x n.º de dias de ITA. Assim, obteve o valor da retribuição diária de € 25,42 e o valor correspondente à ITA de € 391,46 (€ 25,42 x 70% x 280 dias) e o valor correspondente à ITP de 10% de € 28,47 (€ 25,42 x 70% x 10% x 16), num total de € 419,93. E, como a Ré seguradora já havia pago ao Autor, a tal título, a quantia de € 373,00, apurou a diferença em dívida no montante de € 46,93 (€ 419,93 - € 373,00). Todavia, na parte decisória da sentença condenou a Ré, a esse título, na importância de € 47,08. Diga-se, em breve parêntesis, que face à fundamentação da sentença recorrida e ao cálculo dela constante quanto à quantia devida a título de incapacidade, € 46,93, a referência feita na parte decisória da mesma sentença, em relação à quantia de € 47,00 devida a tal título, só pode ter ficado a dever-se a manifesto lapso. Entende-se, por isso, tendo presente o disposto no artigo 667.º, n.º 1 e 2, o Código de Processo Civil, nada obstar a tal rectificação. Avancemos, então. A recorrente sustenta que para a obtenção da retribuição diária do trabalhador, tendo em vista o cálculo da indemnização por incapacidade temporária, deverá dividir-se a sua retribuição anual por 365 dias e não por 360 dias. Estabelecem os n.ºs 1 a 3, do artigo 71.º, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro: «1 – A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente. 2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios. 3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade”. Do normativo em causa retira-se que a lei manda atender, para o cálculo da indemnização por incapacidade temporária, pensão por morte e incapacidade permanente, à retribuição anual ilíquida; ou seja, e dito de outro modo, no âmbito da nova lei dos acidentes de trabalho, as pensões e indemnizações, independentemente do tipo de incapacidade, são sempre calculadas com base na retribuição anual ilíquida do sinistrado Já no domínio da anterior lei – artigo 26.º,n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13-09 – mandava atender à “retribuição diária” ou à “30.ª parte da retribuição mensal ilíquida”; e, quanto à pensão por morte ou por incapacidade permanente mandava atender à retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado (n.º 2, do mesmo artigo). A nova lei parece ter pretendido seguir o mesmo modo de cálculo quanto às pensões e indemnizações, adoptando o critério que vinha da lei anterior quanto ao cálculo da pensão por morte ou por incapacidade permanente: retribuição anual ilíquida auferida pelo sinistrado. Reconhece-se que no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20-12-2012 (Proc. n.º 474/10.1T2SNS.E1, também relatado pelo ora relator, e que se encontra disponível em www.dgsi.pt) seguiu-se um critério idêntico para o cálculo das indemnizações ao que resultava do anterior regime de acidentes de trabalho, porquanto tal matéria não era objecto de litígio entre as partes, mas tão só as prestações (nomeadamente acessórias) a atender no cálculo da indemnização e pensão. Todavia, ponderando a questão, entende-se que, efectivamente, face ao que resulta do n.º 1, do artigo 71.º a indemnização por incapacidade terá que ser calculada com base na retribuição anual ilíquida: e, considerando o padrão de dias anual – 365 – deverá obter-se a retribuição diária dividindo a retribuição anual pelos 365 dias. Ainda quanto ao modo de fixação da incapacidade temporária, o n.º 1 do artigo 50.º da mesma lei estabelece que a indemnização é paga em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados, e começa a vencer-se a seguir ao acidente; e o n.º 3 do mesmo preceito prescreve que na incapacidade superior a 30 dias é paga a parte proporcional correspondente ao subsídio de férias e de Natal, determinada em função da percentagem da prestação prevista nas alíneas d) e e) do n.º 3 do artigo 48.º. As referidas alíneas reportam-se apenas à percentagem da indemnização diária a atender: nos casos de incapacidade temporária absoluta aquela percentagem é de 70% da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75% no período subsequente; no caso de incapacidade temporária parcial, a indemnização diária corresponde a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho. Assim, tendo em conta o caso em apreço, e considerando que o Autor esteve 22 dias com incapacidade temporária absoluta (ITA) e 16 dias com incapacidade temporária parcial (ITP) de 10%, obtém-se o seguinte resultado: (i) ITA € 9.152,00 : 365 = € 25,07 € 25,07 x 70% x 22 dias = € 386,08 (ii) ITP € 9.152,00 : 365 = € 25,07 € 25,07 x 70% x 10% x 16 dias = € 28,08 Total a título de incapacidade temporária = € 414,16 (€ 386,08 + € 28,08) Considerando que a esse título a seguradora já pagou ao sinistrado a quantia de € 373,00 (cfr. facto n.º 10), é devida a este a diferença no valor de € 41,16 (€ 414,16 - € 373,00). Procedem, por isso, parcialmente, e apenas nesta parte, as conclusões das alegações de recurso. As custas da acção são suportadas, em ambas as instâncias e na proporção do decaimento, pela Ré seguradora, sendo certo que o Autor se encontra delas isento [cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil e artigo 4.º, n.º 1, alínea h) do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro]. V. Decisão Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em conceder parcial provimento ao recurso interposto por Companhia de Seguros C…, S.A., e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida na parte em que condenou aquela a pagar ao Autor B…, a quantia de € 47,08 a título de diferenças nas indemnizações devidas pelos períodos de IT´s sofridos por este [A), n.º 2), da parte decisória], que se substitui pela condenação, pelo título indicado, na quantia de € 41,16. No mais, mantém-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente, em ambas as instâncias e na proporção do decaimento, sendo que o recorrido se encontra delas isento. (Elabora-se sumário, em documento anexo) Porto, 14 de Outubro de 2013 João Nunes António José Ramos Eduardo Petersen Silva _____________ Sumário elaborado pelo relator, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do novo CPC: (i) – O artigo 71.º, n.º 7, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, ao determinar que se o sinistrado for aprendiz a "indemnização” é calculada com base na retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e que exerça actividade correspondente à aprendizagem, pretende abranger quer as pensões por incapacidade permanente, quer as indemnizações por incapacidade; (ii) – No âmbito da mesma lei, as pensões e indemnizações, independentemente do tipo de incapacidade, são sempre calculadas com base na retribuição anual ilíquida do sinistrado. (iii) – Em conformidade com a conclusão anterior, tendo em vista o cálculo da indemnização por incapacidade, para obter a retribuição diária deverá dividir-se a retribuição anual ilíquida do sinistrado por 365 dias. João Nunes |