Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOÃO NUNES | ||
Descritores: | ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES PROFESSOR RESOLUÇÃO DO CONTRATO PELO TRABALHADOR | ||
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Nº do Documento: | RP20140106571/12.9TTMTS.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/06/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - As disposições de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador; II - Por isso, não obstante as partes terem acordado uma retribuição mensal de 702,00, prevendo-se no IRCT aplicável a retribuição de € 1.118,69, é esta a devida; III - Através do regime legal de acumulação de funções docentes procurou-se estabelecer as condições em que é permitido o exercício de docência em estabelecimento de ensino particular por parte de professores do ensino público, de modo a salvaguardar interesses de ordem pública que se prendem com a qualidade do ensino e a valorização do serviço público de educação; IV - Não acarreta a nulidade da autorização de acumulação de funções concedida, o facto de no requerimento se mencionar, entre o mais, que o trabalhador vai auferir determinada retribuição, e de a acumulação ter sido deferido com base nesses elementos, mas por efeito de regras legais imperativas o trabalhador tem direito a auferir retribuição superior; V - Verifica-se justa causa de resolução do contrato de trabalho operada em Julho de 2011, no circunstancialismo em que se apura que no contrato que se iniciou em Setembro de 2010 as partes acordaram a retribuição de € 702,00 mensais, a qual foi paga pela empregadora, mas que de acordo com o IRCT aplicável o valor de retribuição devida era de € 1.118,69, constatando-se ainda que a empregadora apenas em Novembro de 2010 iniciou os descontos para a segurança social da trabalhadora e pelo valor de € 450,00 mensais; VI - Por se tratar de uma questão nova, apenas suscitada em sede de recurso, não deve o tribunal conhecer da inclusão ou não do “subsídio de almoço” na retribuição do trabalhador. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 571/12.9TTMTS.P1 Secção Social do Tribunal da Relação do Porto Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) António José Ramos, (2) Eduardo Petersen Silva. Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B… (casada, professora, NIF ………, residente na Rua …, n.º …, ….-… …) intentou no Tribunal do Trabalho de Matosinhos acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra C…, Lda (NIPC ………, com sede na Rua …, ….-… …), pedindo que: a) se reconheça o seu direito a receber a retribuição correspondente ao nível A8 da tabela salarial aplicável ao ensino particular e cooperativo, de € 1.118,69, e se condene a Ré a pagar-lhe diferenças salariais no montante de € 2.213,14, bem como a realizar os competentes descontos para a segurança social; b) se reconheça o seu (da Autora) direito à resolução do contrato de trabalho, com o consequente pagamento de uma indemnização no valor de € 3.356,07; c) se condene a Ré a pagar-lhe os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal relativos ao trabalho prestado, no valor de € 2.994,18; d) se condene a Ré a emitir e entregar-lhe (à Autora) a declaração para efeitos de contagem de tempo de serviço; e) se condene a Ré no pagamento de juros de mora. Alegou para o efeito, em síntese, que é detentora de uma licenciatura em … e profissionalizada, possuindo em 31 de Agosto de 2010 mais de 3 anos de serviço. Em 13 de Setembro de 2010 foi admitida ao serviço da Ré para desempenhar as funções de professora de … dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e ensino secundário, mediante um horário semanal de 18 horas lectivas. À relação laboral é aplicável o Contrato Colectivo de Trabalho do Ensino Particular e Cooperativo e, de acordo com a respectiva tabela salarial, deveria ter auferido a retribuição mensal de € 1.118,69 (correspondente ao referido nível A8 e ao horário de 18 horas lectivas semanais): porém, a Ré pagou-lhe valores inferiores, nunca lhe entregou os recibos relativos a esses pagamentos e só a partir de Novembro de 2010 passou a realizar descontos para a segurança social e apenas pela retribuição mensal de € 450,00. Ao serviço da Ré não gozou férias, nem recebeu o respectivo subsídio, nem subsídio de Natal. Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou a Ré, sustentando, desde logo, a sua ilegitimidade, por a Autora a ter identificado com um número de pessoa colectiva que não lhe corresponde; por impugnação alegou, muito em resumo, que acordou com a Autora a contratação, como professora, para o ano lectivo de 2010/2011, com 18 tempos lectivos semanais, pelo valor de € 38,51/hora, em regime de acumulação com o sector público, onde a Autora dava aulas. Mais alegou que cumpriu o acordado, designadamente quanto ao valor da retribuição, pelo que não são devidas à Autora quaisquer diferenças salariais, assim como não existe fundamento para a resolução do contrato de trabalho. E terminou pugnando pela procedência da excepção dilatória de ilegitimidade, ou pela improcedência da acção. Respondeu a Autora, a sustentar ser a Ré parte legítima para a acção, e que só por mero lapso indicou, em relação à mesma, um número de pessoa colectiva que não lhe corresponde. Foi dispensada a audiência preliminar, proferido despacho saneador, onde foi afirmada a legitimidade da Ré, dispensada a fixação da base instrutória e fixado valor à causa (€ 8.563,39). Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, respondeu-se à matéria de facto – a que reclamou, mas sem êxito, a Ré – após o que foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor: «Nestes termos, tudo visto e ponderado, decide-se: I -Julgar parcialmente procedente, por provada, a presente acção que B… move contra o C…, Lda, e, em consequência, condeno a ré: A) No reconhecimento do direito da A. a receber a retribuição correspondente ao nível A8 da tabela salarial aplicável ao ensino particular e cooperativo, de 1.118,69 € e a condenação da R. no pagamento de diferenças salariais no valor líquido de 2.213,14€ (dois mil, duzentos e treze euros e catorze cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento; B) No reconhecimento do direito da A. à resolução do contrato de trabalho com justa causa, com consequente pagamento da indemnização prevista no art. 396º do Código do Trabalho, equivalente a 3 meses de retribuição base, no valor de 3.356,07 € (três mil, trezentos e cinquenta e seis euros e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a notificação desta sentença e até efectivo e integral pagamento; C) No pagamento à A. dos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal relativos ao trabalho prestado, no valor de 2.915,94 € (dois mil, novecentos e quinze euros e noventa e quatro cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento; D) A emitir e a entregar à A. a competente declaração para efeito de contagem de tempo de serviço; II - Julgar parcialmente improcedente, por não provada, a presente acção quanto ao mais peticionado, absolvendo nessa parte do pedido a Ré, C…, Lda». Inconformada com o assim decidido, a Ré interpôs recurso para este tribunal, tendo desde logo arguido, expressa e separadamente, a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia sobre a validade e relevância do contrato celebrado entre as partes. E nas alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões: «1 – O acordo contratual entre as partes, após autorização da entidade administrativa competente, ficou assente a sujeito às normas especiais que regulam legalmente os contratos de acumulação prevalecendo estas e no seu âmbito sobre as normas gerais laborais. 2 – A Ré cumpriu escrupulosamente tal contrato, não havendo nada no seu comportamento que possa ser qualificado, como injustamente foi, de má fé. 3 – Ao invés, a A. actuou com manifesta má fé quando invocou justa causa de despedimento, aliás, para além da extinção do contrato. 4 - Qualquer alteração às normas essenciais desse acordo (entidade, local, carga horária, horário e retribuição), autorizado nos termos legais, sempre teria de ser objecto de novo pedido, não podendo ter qualquer efeito sem tal requisito legal. 5 - A A. não tinha direito a receber a retribuição correspondente ao nível A8 do CCT invocado na douta sentença. 6 - Sem prescindir, a A não alegou nem provou quaisquer transtornos ou consequências que a alegada falta de pagamento da retribuição devida lhe teria causado na sua vida pessoal ou familiar e as repercussões que essa pretensa violação teria tido no seu relacionamento com a Ré, pelo que inexiste justa causa para a resolução do contrato em causa. 7 – Sem prescindir, a actuação da A. sempre constituiria abuso do direito, evidenciando um claro venire contra factum proprium, procedimento de longa data condenado pelo Direito. 8 – Ainda sem prescindir, falta o requisito de culpa na invocada falta de pagamento pontual da retribuição. 9 – Ainda sem prescindir, há erro de cálculo ou erro de julgamento quando não se considera como retribuição o pagamento efectuado pela Ré e efectivamente recebido pela A. dos montantes do subsídio de almoço. 10 – A douta sentença em crise violou, directa ou indirectamente, o regime legal especial de acumulação de trabalho de funcionários públicos, muito especialmente a portaria 814/2005 de 14 de Setembro, os artigos 334º do Código Civil e 394º e 395º do Código do Trabalho». E a rematar as conclusões, pede que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, revogada a sentença recorrida. A Autora respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência. Para tanto, nas contra-alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões: «1ª A douta sentença objecto do presente recurso apreciou de forma fundamentada a matéria aprovada, nomeadamente a que respeita às condições acordadas entre as partes e à aplicabilidade da contratação colectiva do Ensino Particular e Cooperativo, não enfermando, pois, de omissão de pronúncia. 2ª A circunstância da recorrida ter exercido funções ao serviço da recorrente em regime de acumulação, como esta bem sabe, não tem a relevância que lhe pretende agora atribuir, dado que a recorrida, contrariamente ao que a recorrente afirma, não era funcionária pública, servindo o pedido de acumulação apenas para assegurar a compatibilidade de horários. 3ª Não há, pois, no presente caso, qualquer prevalência das regras relativas à acumulação sobre normas que disciplinam o contrato de trabalho celebrado entre as partes. 4ª Basta atentar no valor e data dos pagamentos realizados pela recorrente e no valor dos descontos realizados para se concluir que a recorrente não cumpriu as condições acordadas com a recorrida e, muito menos, a retribuição imposta pela contratação colectiva aplicável com realização dos competentes descontos. 5ª É sabido que o acordo das partes na fixação da retribuição de nada vale no âmbito do direito laboral quando não são respeitadas as condições mínimas impostas pela lei ou contratação coletiva. 6ª A recorrente, em função das habilitações e tempo de serviço, tinha direito a auferir a retribuição correspondente ao nível A8 da tabela do Contrato Coletivo de Trabalho do Ensino Particular e Cooperativo identificado na sentença. 7ª Não cabia à recorrida produzir prova quanto aos prejuízos causados pelo não pagamento da retribuição devida mas apenas sobre a verificação de tal requisito, o que fez. 8ª Afigura-se inteiramente destituído de sentido, e até abusiva, a invocação pela recorrente da figura de abuso de direito quando ela própria violou de forma manifesta regras fundamentais do direito laboral, nomeadamente, as respeitantes ao montante e forma de pagamento da retribuição. 9ª Resulta de forma clara e inequívoca da matéria provada que o não pagamento da retribuição devida à recorrida se deveu a culpa da única e exclusiva responsabilidade da recorrida. 10ª Não há qualquer erro de cálculo ou de julgamento da sentença sob recurso ao não considerar o subsídio de alimentação como retribuição, atento o disposto nº 2 do art. 260º do Código do Trabalho». Na 1.ª instância, o Exmo. Juiz afirmou não se verificar a arguida nulidade da sentença e admitiu o recurso, como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo, atenta a caução prestada por aquela. Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no sentido da improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. Objecto do recurso Como é sabido, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui não se detectam (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, sendo aquele aqui aplicável por força dos artigos 5.º e 7.º da respectiva lei preambular). Assim, no caso, tendo em conta as conclusões apresentadas, colocam-se à apreciação deste tribunal as seguintes questões: - se o acordo celebrado entre as partes, maxime quanto à retribuição, prevalece sobre as normas gerais laborais, designadamente sobre instrumentos de regulamentação colectiva; - se a Autora tinha jus a ser retribuída de acordo com o nível A8 do CCT referido nos autos, o que envolve também a sub-questão de saber se qualquer alteração ao contrato teria de ser objecto de novo pedido de autorização de acumulação de funções, não produzindo qualquer efeito sem tal requisito; - se (in)existe justa causa de resolução do contrato por parte da Autora; - se o comportamento da Autora ao resolver o contrato de trabalho configura abuso do direito; - se existe erro de cálculo quanto às retribuições em dívida por não se considerar como retribuição o pagamento (efectuado pela Ré) dos montantes do subsídio de almoço. Preliminarmente, tendo em conta que em requerimento autónomo a Ré arguiu e fundamentou a nulidade da sentença, importa determinar se, efectivamente, a mesma é nula. III. Factos A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade: 1. A A. é detentora de uma licenciatura em … e profissionalizada, possuindo em 31 de Agosto de 2010 mais de 3 anos de serviço. 2. A A. foi admitida ao serviço da R. em 13 de Setembro de 2010, para exercer, sob as ordens, direção e fiscalização desta, no C…, as funções correspondentes à categoria de professora de … dos 2º e 3º ciclos do ensino básico e ensino secundário, praticando um horário semanal incompleto de 18 horas lectivas. 3. A Ré acordou com a A. a sua contratação como professora da disciplina de … para o ano lectivo 2010/2011, com 18 horas de tempos semanal, pelo valor de € 39,00/hora, em regime de acumulação com o sector público, onde a A. dava aulas. 4. No início do ano lectivo 2010/2011, a A. não tinha qualquer antiguidade na Ré. 5. A A. entregou à Ré um documento com a autorização da DREN à apontada acumulação de funções. 6. A R. pagou à A. os seguintes valores líquidos: - em 19 de outubro de 2010: 700,00€; - em 15 de novembro de 2010: 700,00€; - em 16 de dezembro de 2010: 700,00€; - em 19 de janeiro de 2011: 800,00€; - em 4 de março de 2011: 1.210,32€; - em 1 de abril de 2011: 347,80€; - em 8 de abril de 2011: 541,30€; - em 13 de abril de 2011: 347,80€; - em 10 de maio de 2011: 541,30€; - em 31 de maio de 2011: 574,98€; e - em 9 de junho de 2011: 541,30€. 7. Enquanto trabalhou ao serviço da R. a A. era casada e tinha 1 filho. 8. A Ré só procedeu aos descontos para a Segurança Social a partir de Novembro de 2010, tendo declarado as retribuições mensais de 450,00 €. 9. A A. não gozou quaisquer férias enquanto esteve ao serviço da R., nem recebeu outros pagamentos para além dos identificados no item 4º. 10. Por carta de 22 de Julho de 2011, recepcionada em 25 de Julho de 2011, a A. comunicou à R. a decisão de resolver o contrato de trabalho, invocando como justa causa o facto de não lhe estar a ser paga a retribuição mínima prevista no Contrato Colectivo de Trabalho do Ensino Particular e Cooperativo nem realizados os competentes descontos para a segurança social. 11. A R. não entregou à A. a declaração para efeito de contagem de tempo de serviço. 12. A A. foi suspensa preventivamente por motivos disciplinares, e com afastamento do local de trabalho, no dia 20/06/2011. 13. A R. foi constituída em 01/09/2009. Estes os factos dados como provados. Constata-se que sob o n.º 5 consta que a A. entregou à Ré um documento com a autorização da DREN à apontada acumulação de funções. Trata-se do documento de fls. 39 e 40 dos autos, que não se mostra impugnado. Estando em causa a validade ou não da autorização de acumulação de funções, entende-se assumir relevância à decisão fazer referência ao conteúdo do documento. Assim, tendo presente o disposto nos artigos 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil, adita-se à matéria de facto, sob o n.º 5-A, o seguinte: «De acordo com o documento emitido pela DREN, que deferiu a acumulação de funções, o tempo semanal a acumular a função docente foi de 18 horas semanais, mediante a retribuição de € 39,00 hora, sendo a data do início da acumulação de 17-09-2010, e o término da mesma em 31-08-2011». Também sob o n.º 10 consta que a Autora resolveu o contrato invocando como justa causa o facto de não lhe estar a ser paga a retribuição mínima prevista no Contrato Colectivo de Trabalho do Ensino Particular e Cooperativo, nem realizados os competentes descontos para a segurança social. Sendo uma das questões essenciais a decidir saber se existe justa causa para a resolução do contrato, para melhor compreensão de tal questão, entende-se fazer constar da matéria de facto o que concretamente consta da carta de resolução em causa, sendo certo que o seu conteúdo não foi posto em causa pela Ré. Assim, com base no documento de fls. 14, e com o fundamento legal referido, adita-se à matéria de facto, sob o n.º 10-A, o seguinte: «Da referida carta consta, além do mais: “Exmos Senhores: Venho comunicar a Vossas Exas. A decisão de resolução do contrato de trabalho iniciado em 13 de Setembro de 2010, com justa causa, pelo facto de não estar a ser paga a retribuição devida (nos termos da tutela do contrato colectivo de trabalho do ensino Particular e Cooperativo) e de não serem devidamente efectuados os competentes descontos para a Segurança Social. De acordo com a tabela aplicável ao Ensino Particular e Cooperativo deveria auferir retribuição correspondente ao nível A8 (1367,29€), e ao horário praticado (18 horas lectivas semanais), no valor de 1118,69€. As retribuições pagas nunca respeitaram o devido valor […], o mesmo se passando com os descontos, realizados só a partir de 1 de Novembro de 2010 e sobre o valor de 450€ […]». Ainda no que respeita à matéria de facto, sob o n.º 13, deu-se como provado que a Ré foi constituída em 01-09-2009, com base no documento de fls. 37 e 38 (publicação on line do acto societário). O referido documento não se mostra impugnado, sendo certo que do mesmo resulta qual é o objecto social da Ré, facto que se entende assumir relevância tendo em vista apurar se a relação de trabalho se encontra abrangida por algum IRCT. Assim, nos termos legais supra referidos, o facto n.º 13 passará a ter a seguinte redacção: «A R. foi constituída em 01/09/2009 e tem por objecto social a criação, exploração e gestão de estabelecimentos de ensino particular, prestação de serviços educacionais e de formação cientifica, cultural e profissional, assim como de serviços de qualquer tipo ou natureza complementares dos anteriores». IV. Enquadramento Jurídico Delimitadas supra, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é altura de enfrentar as mesmas, começando, dada a precedência lógica, pela arguida nulidade da sentença. 1. Da arguida nulidade da sentença No entendimento da recorrente a sentença é nula pois apesar de reconhecer o acordo entre as partes (de contrato de trabalho), não se pronuncia sobre a validade, relevância e restrição da aplicabilidade das normas gerais laborais ou da contratação colectiva ou de extensão dessa contratação colectiva ao caso em concreto. Já de acordo com a recorrida não se verifica a arguida nulidade, uma vez que no ponto 2.1. da sentença se fundamenta a aplicabilidade à relação laboral da contratação colectiva do ensino particular e cooperativo. Ainda sobre esta questão, o Exmo. Juiz a quo entende não se verificar a arguida nulidade, uma vez que o acordo celebrado entre as partes não se sobrepõe às normas constantes da contratação colectiva aplicável. Cumpre decidir. Antes de mais, cabe assinalar que nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do anterior Código de Processo Civil [em vigor na data em que foi proferida a sentença e arguida a nulidade da mesma, a que corresponde no novo Código de Processo Civil o artigo 615.º, n.º 1, alínea d)], é nula a sentença quando “[o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”. A referida norma encontra-se em consonância com o disposto no artigo 660.º, n.º 2, do referido compêndio legal, de acordo com a qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Como ensina Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1984, pág. 143), não enferma da referida nulidade a sentença (ou acórdão) que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por o tribunal as reputar desnecessárias para a decisão do pleito: “[q]uando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”. Também sobre a omissão de pronúncia, escreve Antunes Varela (et alii, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 688): «Por um lado o julgador não tem que analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes; a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador. Por outro lado, não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão: essencial é que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a sentença se apoia”. Assim, o tribunal não tem que analisar e apreciar todos os argumentos, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa da sua posição: tem é que resolver todas as questões que lhe foram colocadas pelas partes (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras) no sentido da procedência ou improcedência da acção. A dificuldade centra-se, então, em determinar o que deve entender-se por «questões» para efeitos dos artigos 660.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, d), do Código de Processo Civil: ora, estas deverão ser encontradas perante a configuração que as partes deram ao litígio, tendo em conta o pedido, a causa de pedir e, eventualmente, as excepções invocadas pelo réu. Daí que, como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-09-2005 (Recurso n.º 2843/04 – 4.ª Secção, sumariado em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de acórdãos), as «questões» «[n]ão serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litigio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções». Ou ainda, no dizer do acórdão do mesmo tribunal de 10-05-2006 (Recurso n.º 481/05 – 4.ª Secção, também sumariado no sítio do STJ, referido anteriormente), «as questões a que se reportam os art.ºs 660, n.º 1, 1.ª parte, e 668, n.º 1, alínea d), do CPC são as que se centram nos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições das partes na causa, ou seja, as que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções». Pois bem: no caso estava – e está – em causa saber, entre o mais, se a Ré pagava à Autora a retribuição devida; esta sustenta que a retribuição devida era a constante do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, enquanto a Ré, ora recorrente, sustenta que a retribuição devida é a que foi acordada entre as partes. Na sentença recorrida, no n.º IV-1., delimitou-se como uma das questões a decidir a de saber se à relação laboral é aplicável o CCT do ensino particular e cooperativo. E, seguidamente, sob o n.º 2.1., analisando-se a questão, e após se afirmar que entre as partes foi celebrado um contrato de trabalho, com início reportado a 13 de Setembro de 2010, decidiu-se que por força das portarias de extensão (que se indicou na sentença recorrida) é de considerar extensiva à relação laboral em litígio a disciplina constante dos instrumentos de regulamentação colectiva. Afirmou-se para tanto, a terminar a análise da questão: «Nesta conformidade, conclui-se que à relação jurídico-subordinada objecto dos autos são aplicáveis, por força da identificada portaria de extensão, os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho para o Ensino Particular e Cooperativo, designadamente o Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 11, de 22 de Março de 2007, bem como as correspondentes alterações publicadas, respectivamente, no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 5, de 8 de Fevereiro de 2009, n.º 8, de 28 de Fevereiro de 2009, e n.º 13, de 8 de Abril de 2009, a primeira com rectificação publicada no citado Boletim, n.º 14, de 15 de Abril de 2009». Ora, em face do que se deixa descrito, verifica-se que o tribunal equacionou e decidiu a questão de saber qual a retribuição devida à Autora, concluindo ser a prevista no CCT do ensino particular e cooperativo, por força de portarias de extensão. Assim, o tribunal analisou e decidiu a questão (da retribuição devida), pelo que não se verifica omissão de pronúncia. É certo que não se detecta na sentença que o tribunal se tenha pronunciado explicitamente sobre o porquê de não ser aplicável a retribuição prevista no contrato de trabalho. Todavia, tal mais não representa que uma razão ou fundamento invocado pela parte para sustentar a retribuição que entende ser devida: mas não obstante, ainda aí, ao sustentar a aplicação de determinado CCT, e ao aplicá-lo, designadamente quanto às retribuições nele previstas, o tribunal está a afastar a aplicação da retribuição prevista no acordo das partes e, ainda assim, a conhecer e a rejeitar a argumentação aduzida pela parte. Do que fica dito, imperioso é concluir que não pode ser assacada à sentença recorrida o vício da nulidade, por omissão de pronúncia. Reconhece-se que a mesma podia ter sido mais explícita e exaustiva quanto à não aplicação da retribuição prevista no acordo das partes; contudo, como se disse e se reafirma, o que importa é que o tribunal decida a questão posta, ainda que não analise todas razões invocadas pelas partes para sustentarem a sua pretensão: e, no caso, o tribunal decidiu a questão. Nesta sequência, só nos resta concluir pela improcedência da arguida nulidade da sentença. 2. Quanto a saber se o acordo celebrado entre as partes prevalece sobre normas gerais laborais, designadamente sobre instrumentos de regulamentação colectiva Como resulta da matéria de facto (n.º 3) a Ré acordou com a Autora a sua contratação como professora da disciplina de … para o ano lectivo 2010/2011, com 18 horas de tempos semanal, pelo valor de € 39,00/hora, em regime de acumulação com o sector público, onde a Autora leccionava. Ou seja, no que ora importa, entre as partes foi acordado um regime de 18 horas de trabalho semanal, mediante o valor de € 39,00/hora. É sabido que, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver (artigo 405.º, do Código Civil). Porém, a questão que desde logo se coloca, tendo em conta que nos situamos no âmbito de uma relação laboral, consiste em saber se as partes podiam livremente estipular o valor da retribuição/hora, ou melhor, concretizando: se as partes podiam fixar um valor de retribuição/hora inferior ao previsto em IRCT. Estatui o artigo 1.º do Código do Trabalho que o contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, assim como aos usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé. Isto é: de acordo com o referido preceito, o contrato de trabalho está sujeito, em especial, às denominadas fontes imediatas, os instrumentos de regulamentação colectiva (aqui se incluindo, como resulta do artigo 2.º, as convenções colectivas, o acordo de adesão, a decisão de arbitragem voluntária, a portaria de extensão, a portaria de condições de trabalho e a decisão arbitral em processo de arbitragem obrigatória ou necessária), e às fontes mediatas, os usos laborais. As disposições de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador (artigo 476.º do Código do Trabalho). Assim, deste normativo decorre que para que o contrato de trabalho se afaste da regulamentação colectiva é necessário que seja mais favorável ao trabalhador. Aqui chegados, impõe-se então apurar se no caso existe instrumento de regulamentação colectiva aplicável. Estipula o artigo 496.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que a convenção colectiva obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associação de empregadores celebrante, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante. Ou seja, em observância ao princípio da dupla filiação, para a aplicação de uma convenção colectiva, terá que se verificar, simultaneamente, a filiação do empregador (caso não celebre a convenção directamente) e do trabalhador nas respectivas entidades outorgantes. Porém, o âmbito da convenção colectiva pode alargar-se, total ou parcialmente, por força de portarias de extensão, a entidades empregadoras do mesmo sector económico e a trabalhadores da mesma profissão ou profissão análoga, desde que exerçam a sua actividade no âmbito do sector de actividade e profissional definido na convenção colectiva. Isso mesmo resulta do disposto no artigo 514.º, n.º 1, do Código do Trabalho. No caso, a Autora, alegando ser associada do D… sustentou ser aplicável à relação laboral a convenção colectiva de trabalho do ensino particular e cooperativo, designadamente a CCT publicada no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE) n.º 5, de 08-02-2009. Porém, não se demonstrando que a Ré é associada de qualquer associação outorgante da convenção, a conclusão que se impõe é que não se verifica o princípio da dupla filiação, pelo que não pode aquele IRCT ser directamente aplicável (sendo manifesto, até pelos termos do litígio, que não se mostra provado que as partes tenham acordado na aplicação do mesmo). Resta, por isso, aferir da aplicação do CCT por virtude de portaria de extensão (PE). O artigo 1.º da portaria n.º 462/2010, publicada no DR, 1.ª série, n.º 126, de 1 de Julho de 2010, estabelece: «As condições de trabalho em vigor constantes dos contratos colectivos entre a AEEP — Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE — Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros, entre a mesma associação de empregadores e o SINAPE — Sindicato Nacional dos Profissionais da Educação, entre a mesma associação de empregadores e o SPLIU — Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades e, ainda, entre a mesma associação de empregadores e a FENPROF — Federação Nacional dos Professores e outros, publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 11, de 22 de Março de 2007, bem como as correspondentes alterações publicadas, respectivamente, no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 5, de 8 de Fevereiro de 2009, n.º 8, de 28 de Fevereiro de 2009, e n.º 13, de 8 de Abril de 2009, a primeira com rectificação publicada no citado Boletim, n.º 14, de 15 de Abril de 2009, são estendidas, no território do continente, às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior não filiados na associação de empregadores outorgante e não abrangidos pela Portaria n.º 1483/2007, de 19 de Novembro, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais neles previstas». Ora, dedicando-se a Ré, entre o mais, à exploração e gestão de estabelecimentos de ensino particular (facto n.º 13), é de concluir que por força da referida portaria, às relações de trabalho por ela estabelecidas se aplicam as convenção colectivas de trabalho publicadas no BTE, 1.ª série, n.º 11, de 22-03-2007, bem como as correspondentes alterações, designadamente a publicada no BTE n.º 13, de 08-04-2009. Assim, respondendo à questão supra equacionada, cumpre concluir que o acordo celebrado entre as partes só prevalece sobre os IRCT referidos se daquele acordo resultar um regime mais favorável ao trabalhador. 3. Quanto a saber se a Autora tinha(tem) jus a ser retribuída de acordo com o nível A8 do CCT Concluindo-se que à relação de trabalho é aplicável o IRCT referido, impõe-se agora apurar se neste se prevê uma retribuição superior à acordada entre as partes (o mesmo é dizer um regime mais favorável para o trabalhador), caso em que, nos termos do já referido artigo 476.º do Código do Trabalho, deverá prevalecer a retribuição prevista naquele IRCT. E, compulsado o CCT publicado no BTE, n.º 11, de 22-03-2007 (artigo 8.º, n.º 1 e 42.º, n.º 1), bem como o anexo V do CCT publicado no BTE, n.º 13, de 08-04-2009, e considerando que a Autora é detentora de uma licenciatura em … e profissionalizada, possuindo em 31 de Agosto de 2010 mais de 3 anos de serviço (facto n.º 1), verifica-se que a retribuição horária mínima nele prevista é de € 62,15: por isso, tendo em conta a carga horária de 18 horas lectivas semanais (facto n.º 2) a retribuição mensal seria de € 1.118,70 (€ 62,15 x 18 horas), reduzida para € 1.118,69 tendo em conta o limite do pedido. É, assim, de concluir, que a Autor tem jus à retribuição prevista no nível A8 do CCT, por ser superior (rectius, mais favorável para o trabalhador) à prevista no contrato de trabalho e, por isso, em face do disposto no artigo 476.º do Código do Trabalho a regra acordada a esse respeito no contrato de trabalho não pode prevalecer sobre aquela. Ainda relacionado com esta questão – da retribuição devida à Autora –, a Ré/recorrente sustenta, se bem se extrai da sua alegação, que uma vez que o contrato celebrado foi em regime de acumulação e necessitou da autorização da entidade competente (DREN), não sendo válida a cláusula nele estabelecida quanto à retribuição, “não há autorização, não há contrato”. Ou seja, se bem retiramos da alegação da recorrente, o contrato de trabalho seria nulo, por a autorização concedida pela DREN não ser válida, uma vez que uma das cláusulas viola o constante de IRCT. Adiante-se, desde já, que não sufragamos o entendimento da recorrente. Vejamos porquê. A portaria n.º 814/2005, de 13 de Setembro, regula o regime de acumulação de funções e actividades públicas e privadas dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário. Conforme se dá conta no respectivo preâmbulo, a cumulação das funções de docência com outras funções assume carácter excepcional e carece de autorização prévia para a generalidade dos casos em que é permitida: «[a]través do presente diploma procura-se reforçar, de modo rigoroso e equilibrado, as garantias de dedicação plena e de profissionalismo deste corpo privativo da função pública, de forma consentânea com o prosseguimento dos objectivos de fixação do docente à escola e a necessidade de fomentar a moralização e a transparência da actividade». Ou seja, com a necessidade de autorização para a acumulação de funções visa-se garantir que através desta não se crie uma situação concorrencial com as funções exercidas com a escola pública e que o docente cuja acumulação é requerida continue a dedicar-se plenamente à mesma escola pública, sem que existe qualquer conflito de interesses. Dito de outro modo: com o regime legal de acumulação de funções procurou-se estabelecer as condições em que é permitido o exercício de docência em estabelecimento de ensino particular por parte de professores do ensino público, de modo a salvaguardar interesses de ordem pública que se prendem com a qualidade do ensino e a valorização do serviço público de educação (neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-02-2006, Proc. n.º 3495/05, da 4.ª Secção). Assim, se é certo que para o processo de autorização de acumulação de funções é necessário indicar – artigo 5.º, n.º 1, da mencionada portaria – (a) o local de exercício da actividade a acumular, (b) o horário de trabalho a praticar, (c) a remuneração a auferir, (d) a indicação do carácter autónomo ou subordinado do trabalho a prestar e a descrição sucinta do seu conteúdo, (e) a fundamentação de inexistência de impedimento ou conflito entre as funções a desempenhar, já o requerimento apenas tem que ser instruído com (a) fotocópia autenticada do horário distribuído no estabelecimento de ensino ou de formação onde pretende leccionar, e (b) declaração, sob compromisso de honra, da cessação imediata da actividade em acumulação no caso de ocorrência superveniente de conflito de interesses (n.º 2 do artigo 5.º). O n.º 4 do artigo 269.º da Constituição prescreve que não é permitida a acumulação de empregos ou cargos públicos, salvo nos casos expressamente admitidos na lei. E o n.º 5 do mesmo artigo estatui que a lei determina as incompatibilidades entre o exercício de empregos ou cargos públicos e o de outras actividades. Assinalam Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, págs. 623-624), que a ratio do referido n.º 4 assenta no princípio da necessária eficácia e unidade de acção da Administração (artigo 267.º, n.º 2): «[t]rata-se de acautelar o cumprimento por parte dos funcionários e agentes das suas tarefas e de, à luz do princípio da universalidade e de igualdade (artigos 12.º e 13.º), fazer corresponder a cada emprego ou cargo um funcionário ou agente e flanquear o acesso à função pública dos que satisfaçam os correspondentes requisitos. E também factores de ordem financeira apontam nesta sentido». E logo a seguir, no respeitante à ratio do n.º 5 do artigo 269.º, escrevem os mesmos autores: «Quanto ao estabelecimento de incompatibilidades entre o exercício do emprego e cargo público e outras actividades, além desses fundamentos, visa-se preservar o princípio da imparcialidade (artigo 266.º). Trata-se de impedir que o funcionário ou agente desempenhe as suas funções dividido entre o interesse público e interesses privados ou, porventura, entre interesses públicos diversos […]». Procura-se, pois, através desta última norma, impedir que o exercício de actividades privadas possam conflituar com a necessidade de dedicação ao interesse público. Porém, como se assinala no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-03-2004 (Proc. n.º 3872/03, disponível em www.dgsi.pt), a incompatibilidade, entre a acumulação de funções públicas e privadas não é actividade proibida, salvo se a lei expressamente dispuser em contrário: o que se verifica é que a lei pode condicionar o exercício dessa acumulação, designadamente a autorização superior. E acrescenta-se no aresto: «[m]as a não verificação, no conceito, destes, não significa, à partida a invalidade dos contratos de trabalho ou de prestação de serviço que a nível privado sejam celebrados. Por regra a manifestação de vontade da Administração no sentido de não conceder a autorização, é que poderá fazer com que aqueles contratos cessem a partir daí para o futuro. Isto sem prejuízo de outros efeitos, como os de natureza disciplinar». Com efeito, como estabelece o artigo 9.º da Portaria n.º 814/2005, a violação, ainda que meramente culposa ou negligente, do disposto no diploma é considerada infracção disciplinar para efeitos de aplicação do disposto no Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local. Ora, regressando ao caso em preço, em bom rigor crê-se que não se verifica qualquer alteração decorrente de acordo das partes que afectasse o pedido de acumulação de funções: o que ocorre é uma situação diversa, que consiste na circunstância de um dos elementos (a retribuição) integrantes do requerimento de acumulação de funções ter que ser afastado por força de regras legais imperativas. Isto é: não foi qualquer acordo das partes que determinou a alteração de um dos elementos constantes do pedido de acumulação de funções, alteração essa que (em abstracto) poderia afectar os pressupostos com base nos quais foi deferida a acumulação de funções, mas antes foram regras legais imperativas que determinaram que um dos elementos constantes do pedido de acumulação tivesse que ser afastado. Por isso, não se vê como o pedido feito, e deferido, de acumulação de funções pudesse perder a sua validade durante o pedido em que foi concedido. Resulta também do que se deixou explanado, que o elemento”remuneração a auferir” a constar do requerimento de pedido de autorização da acumulação de funções não se apresenta essencial, tendo em conta o fim que se visa com o pedido de acumulação de funções. Daí que não se descortine fundamento legal para se sustentar que pelo facto de no requerimento de autorização de acumulação de funções se mencionar que o trabalhador vai auferir determinada retribuição, mas por efeito de regras legais imperativas deva auferir retribuição superior, tal possa inquinar, com o vício de nulidade, a autorização concedida; e, tendo a autorização sido concedido até 31-08-2011 (conforme resulta de fls. 39 dos autos), não se vê como, até essa data, pudesse afectar a validade e subsistência do contrato de trabalho celebrado. Nesta sequência, e mais uma vez, conclui-se que à Autora é devida a retribuição prevista no nível A8 do CCT em análise, assim improcedendo, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso. 4. Da existência ou não de justa causa de resolução do contrato Recorde-se que a Autora/recorrida resolveu o contrato de trabalho com fundamento em não lhe ter sido paga a retribuição devida por lei, e de apenas a partir de Novembro de 2010 a empregadora estar a efectuar os descontos para a segurança social, mas apenas sobre o valor de € 450,00. A 1.ª instância considerou verificada a justa causa para a resolução do contrato. Para tanto, escreveu-se na sentença recorrida: «No caso dos autos, o primeiro fundamento invocado - não estar a ser paga a retribuição devida (nos termos da tutela do contrato coletivo de trabalho do ensino particular e cooperativo) - mostra-se demonstrado, visto termos concluído que a Ré pagava à A. uma retribuição inferior às tabelas salariais estabelecidas nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho para o Ensino Particular e Cooperativo, designadamente o Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) publicado no B.T.E. n.º 13, de 8/04/2009, aplicável por força da Portaria n.º 462/2010, publicada no Diário da República, 1.ª série — n.º 126 — 1 de Julho de 2010. E, relativamente ao 2º fundamento invocado – não estarem a ser realizados, pela ré, os competentes descontos para a segurança social -, mostra-se, de facto, provado que, não obstante a Ré ter acordado com a A. a sua contratação como professora da disciplina de … para o ano lectivo 2010/2011, com início em 13 de Setembro de 2010, com 18 horas de tempos semanal, pelo valor de € 39,00/hora, equivalente a € 702,00/mês, a verdade é que a Ré só procedeu aos descontos para a Segurança Social a partir de Novembro de 2010, tendo declarado tão só as retribuições mensais de 450,00 €. A violação, por parte da ré, do dever de efectuar os descontos devidos para a Segurança Social assume acentuada gravidade. Esta conduta do empregador, traduzida na efectivação dos descontos para a Segurança Social em montante inferior não só ao legalmente devido, mas inclusivamente ao acordado entre as partes, aliada aqueloutra decorrente do não pagamento da retribuição em conformidade com o CCT aplicável – evidenciando-se da forma como a ré se defende nos presentes autos que qualquer atitude reivindicativa da trabalhadora na reposição da regularidade do pagamento dos salários e na efectivação devida dos descontos para a Segurança Social estaria inelutavelmente destinado ao insucesso – leva-nos a concluir que tais incumprimentos ou cumprimentos defeituosos das obrigações de empregador em violação de consagrados imperativos constitucionais e legais, não podem deixar de legitimar a invocada justa causa de resolução do contrato de trabalho pela demandante, com direito à correspondente indemnização. Com efeito, neste enquadramento parece-nos que a efectivação de descontos para a Segurança Social em montante substancialmente inferior ao devido, em conjunto com o não pagamento da retribuição em conformidade com o CCT aplicável, não pode deixar de ser considerado um comportamento do empregador susceptível de comprometer irremediavelmente a relação de confiança e determinar a cessação do vínculo por iniciativa do trabalhador []. Pelo que se conclui que a resolução do contrato de trabalho por iniciativa da A. foi efectuada de forma legal e com motivo fundado, o que lhe confere o direito a uma indemnização nos termos do disposto no art. 396º, n.ºs 1 e 2.». Diferente é o entendimento da recorrente, que sustenta, ao fim e ao resto, que se limitou a cumprir o acordado (designadamente quanto à retribuição) e que não era possível resolver um contrato já “extinto”, pelo que, conclui, não se verifica justa causa de resolução do contrato. Vejamos. Refira-se que a 1.ª instância fez desenvolvidas e acertadas considerações em torno da noção de justa causa de resolução do contrato de trabalho, pelo que, para evitarmos ser tautológicos em relação à sentença recorrida, nos dispensamos de repetir tais conceitos. Apenas importa deixar aqui relevado que o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo, e em razão da sua gravidade e consequências tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho; ou seja, é necessária a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral Como princípio geral, a culpa do empregador presume-se, nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, de acordo com o qual «incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o incumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua». Por isso, quando ocorra a violação de um qualquer dever contratual por parte do empregador, designadamente a falta culposa de pagamento pontual da retribuição, vale a regra ínsita no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, o que significa que, demonstrados os comportamentos que configuram, na sua materialidade, violação de deveres contratuais imputados ao empregador (cuja prova, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, compete ao trabalhador), a culpa do mesmo presume-se, havendo de ter-se por verificada, caso a presunção não seja ilidida pelo empregador. Importa também deixar assinado que sendo embora certo que a justa causa é apreciada nos termos previstos no n.º 3 do artigo 351.º, do Código do Trabalho, com as necessárias adaptações, ou seja, tendo em conta o quadro de gestão da empresa, o grau de lesão dos interesses do trabalhador, o carácter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso sejam relevantes, como adverte Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, Almedina, pág. 1011) não poderão apreciar-se tais elementos em moldes tão estritos e exigentes como no caso da justa causa disciplinar: a dissemelhança entre as figuras do despedimento disciplinar e da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador assim o impõem. Isto é, e dito de outro modo: na apreciação de justa causa de resolução pelo trabalhador o grau de exigência tem de ser menor que o utilizado na apreciação de justa causa de despedimento, uma vez que o trabalhador perante o incumprimento contratual do empregador não tem formas de reacção alternativas à resolução, enquanto este perante o incumprimento contratual do trabalhador pode optar pela aplicação de uma sanção conservatória do vínculo laboral, em detrimento da mais gravosa de despedimento. No caso, a Ré sustenta desde logo que a Autora não podia resolver um contrato de trabalho já “extinto”, uma vez que tendo a autorização de acumulação de funções sido concedida para o ano escolar, e sendo “público e notório” que este termina no final do mês de Junho, quando o contrato foi resolvido – em Julho – já o contrato estava “extinto”. Refira-se que esta argumentação colide frontalmente com a matéria de facto: com efeito, como resulta do despacho de autorização da DREN o período de acumulação de funções tem o seu término em 31-08-2011. E, assim sendo, como se entende, tendo o contrato sido resolvido em Julho de 2011, entende-se inequívoco que nessa data o mesmo ainda não tinha caducado. Quanto aos fundamentos da resolução, admite-se, e aceita-se, que o não pagamento da retribuição de acordo com o instrumento de regulamentação colectiva não assuma, por si só, particular gravidade (embora a Ré, se não conhecia, tinha pelos menos obrigação de conhecer o IRCT…!). Porém, o mesmo já não se verifica quanto à não efectivação de descontos para a segurança social: com efeito, a Ré não só não fez coincidir o início dos descontos com o início do contrato (este iniciou-se em 13-09-2010 e aqueles apenas foram efectuados a partir de Novembro desse mesmo ano), como não efectuou os descontos seja tendo em conta a retribuição constante do contrato (€ 702,00 mensais) seja tendo em conta a retribuição decorrente do IRCT (€ 1.118,69), efectuando os descontos apenas pelo valor de € 450,00 mensais de retribuição. De harmonia com o preceituado no artigo 2.º, n.º1 da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º4/2007, de 16/1), todos têm direito a segurança social, sendo tal direito irrenunciável nos termos previstos pelo artigo 3.º da mesma lei. O sistema previdencial da segurança social visa garantir as prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos de trabalho perdido (artigo 50.º da Lei de Bases); são abrangidos por tal sistema, entre outros, os trabalhadores por conta de outrem (artigos 51.º, n.º3 e 53.º), integrando a protecção social prevista no âmbito deste sistema a protecção na doença e no desemprego, entre diversas outras situações legalmente previstas (artigo 52.º da lei). Constitui, assim, um direito e uma garantia do trabalhador por conta de outrem estar inscrito na segurança social, devendo o empregador proceder ao pagamento dos descontos devidos, para que o trabalhador possa beneficiar do sistema protector previsto na Lei de Bases da Segurança Social. Não tendo a ré, enquanto empregadora, efectuado, até Novembro de 2010, o pagamento de quaisquer descontos à segurança social e, a partir daquela data, os descontos devidos, naturalmente que a mesma violou garantias legais da trabalhadora, vindo ou podendo vir a afectar a protecção social da mesma. Trata-se de um conduta que, infelizmente, assume assinalável frequência por parte dos empregadores, que afecta a outra parte na relação laboral – o trabalhador – parte essa sempre, ou quase sempre, a mais fraca. Entende-se, por isso, que no concreto circunstancialismo, a conjugação de ambas as condutas da Ré – não pagamento da retribuição devida e não realização dos descontos devidos para a segurança social –, mas particularmente pela última, tornou impossível a subsistência da relação de trabalho para a trabalhadora, e daí a existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho. Improcedem, por consequência, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso. 5. Do (alegado) abuso do direito Alega a recorrente que a recorrida agiu em violação dos princípios da boa fé, uma vez que à data da resolução do contrato nunca a mesma lhe manifestou qualquer discordância quanto ao valor retributivo acordado. Mais uma vez, e ressalvado o devido respeito pelo entendimento manifestado pela recorrente, não podemos acompanhar o mesmo. Expliquemos porquê. Decorre do artigo 334.º do Código Civil que o abuso do direito consiste no exercício ilegítimo de um determinado direito, traduzindo-se a ilegitimidade em actuação, por parte do respectivo titular, que manifestamente exceda os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito. Para que o exercício do direito seja considerado abusivo, não basta, pois, que cause prejuízos a outrem; é necessário que o titular exceda, visível, manifesta e clamorosamente, os limites que lhe cumpre observar, impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito, de tal modo que o excesso, à luz do sentimento jurídico socialmente dominante, conduz a uma situação de flagrante injustiça. Dito ainda de outro modo: para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade; quando esses limites decorrem do fim económico e social do direito impõe-se apelar para os juízos de valor positivo consagrados na própria lei (Antunes Varela, das Obrigações em geral, 10.ª edição, pág. 544 e segts.). Como ensina Galvão Teles (Direito das Obrigações, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 6), «[n]ão é necessário que o agente tenha consciência de o seu procedimento ser abusivo; basta que o seja na realidade. Exige-se, no entanto, um abuso manifesto, isto é, que o sujeito ultrapasse de forma evidente ou inequívoca os referidos liimites O abuso de direito equivale à falta de direito, gerando as mesmas consequências jurídicas que se produzem quando uma pessoa pratica um acto que não tem direito de praticar». Pessoa Jorge (Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1968, nota 166) sublinha que a orientação que fundamenta o abuso do direito não assenta na preocupação de evitar que uma lei, justa em abstracto, se torne iníqua no caso concreto, já que a relevância do abuso do direito não afecta o princípio da aplicabilidade da lei a todos os casos nela previstos, mesmo que, num ou noutro, tal aplicação se revele injusta: a reprovação do abuso do direito procura, sim, que não se desvirtue o verdadeiro sentido da norma abstracta. A manifestação mais evidente do abuso do direito é a chamada conduta contraditória (venire contra factum proprium) em combinação com o princípio da tutela da confiança (exercício dum direito em contradição com uma conduta anterior em que a outra parte tenha confiado, vindo esta com base na confiança gerada, e de boa fé, a programar a sua vida e a tomar decisões). Como figuras próximas, encontra-se a renúncia (acto de disposição jurídico-negocial que pressupõe a vontade de abdicar do direito, de o extinguir) e a neutralização do direito. No caso em apreciação, ao contrário do afirmado pela empregadora/recorrente, não detectamos que a conduta da trabalhadora tenha violado os princípios da boa fé. É certo que não resulta dos autos que já anteriormente à resolução do contrato ela tenha “reclamado” junto da empregadora pelo não pagamento da retribuição devida e pelos não descontos devidos à segurança social. Não obstante, não se poderá olvidar que é a persistência do comportamento da empregadora – e não actos isolados – que tornam impossível a subsistência da relação de trabalho. Além disso, como se deixou anteriormente afirmado, a Ré nem sequer estava a proceder aos descontos para a segurança social tendo em conta a retribuição paga; daí que fosse expectável, e legítimo, que a trabalhadora pudesse fazer valer os seus direitos, designadamente o direito à resolução com justa causa do contrato de trabalho, sem que isso envolvesse qualquer violação dos princípios da boa fé; o empregador conhece, ou deve conhecer, não apenas os seus direitos perante o trabalhador, mas também os seus deveres: se não cumpre estes, pelo menos integralmente, sujeita-se a ter que assacar com as consequências de tal conduta. Foi o que sucedeu no caso em presença, com a resolução do contrato pela trabalhadora. Improcedem, por isso, também nesta parte as consequências das conclusões das alegações de recurso. 6. Da (alegada) não inclusão como retribuição dos subsídio de refeição pagos Finalmente, sustenta a recorrente que existe erro de cálculo, por não se considerar como retribuição o pagamento que efectuou à recorrida a título de “subsídio de almoço”. Como é sabido, os recursos destinam-se, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, a apreciar as questões que tenham sido submetidas à apreciação do tribunal a quo e não a criar decisões sobre questões novas, entendendo-se estas como aquelas que, colocadas ao tribunal de recurso, não tenham merecido pronúncia por parte do tribunal a quo, sendo indiferente que essa omissão provenha de insuficiência alegatória da parte, nos seus articulados, ou do mero silêncio do tribunal a quo, desde que, nesta última situação, não tenha sido tempestivamente arguido o vício de omissão de pronúncia [vide, ente outros, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-03-2006 (Proc. n.º 3919/05) e de 22-04-2009 (Proc. n.º 2595/08), ambos da 4.ª Secção e disponíveis em www.dgsi.pt]. No caso em apreço, seja nos articulados, maxime na contestação, seja na sentença, jamais foi colocada a “questão” do pagamento de “subsídio de almoço” e a sua inclusão, ou não, na retribuição do trabalhador. Por isso, ao vir agora a recorrente, apenas em sede recursória, a sustentar que o “subsídio de almoço” que pagou à recorrida devia integrar a retribuição, está a colocar uma questão nova, estando a este tribunal vedado pronunciar-se sobre a mesma. Não se conhece, por isso, desta questão. Aqui chegados, na sequência das várias questões analisadas é, então, o momento de concluir que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Vencida no recurso, a recorrente deverá suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). V. Decisão Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto por C…, Lda, e, em consequência, confirmam a sentença recorrida. Custas pela recorrente. Porto, 06 de Janeiro de 2014 João Nunes António José Ramos Eduardo Petersen Silva _____________ Sumário elaborado pelo relator, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil: i) As disposições de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador; ii) por isso, não obstante as partes terem acordado uma retribuição mensal de 702,00, prevendo-se no IRCT aplicável a retribuição de € 1.118,69, é esta a devida; iii) através do regime legal de acumulação de funções docentes procurou-se estabelecer as condições em que é permitido o exercício de docência em estabelecimento de ensino particular por parte de professores do ensino público, de modo a salvaguardar interesses de ordem pública que se prendem com a qualidade do ensino e a valorização do serviço público de educação; iv) não acarreta a nulidade da autorização de acumulação de funções concedida, o facto de no requerimento se mencionar, entre o mais, que o trabalhador vai auferir determinada retribuição, e de a acumulação ter sido deferido com base nesses elementos, mas por efeito de regras legais imperativas o trabalhador tem direito a auferir retribuição superior; v) verifica-se justa causa de resolução do contrato de trabalho operada em Julho de 2011, no circunstancialismo em que se apura que no contrato que se iniciou em Setembro de 2010 as partes acordaram a retribuição de € 702,00 mensais, a qual foi paga pela empregadora, mas que de acordo com o IRCT aplicável o valor de retribuição devida era de € 1.118,69, constatando-se ainda que a empregadora apenas em Novembro de 2010 iniciou os descontos para a segurança social da trabalhadora e pelo valor de € 450,00 mensais; vi) por se tratar de uma questão nova, apenas suscitada em sede de recurso, não deve o tribunal conhecer da inclusão ou não do “subsídio de almoço” na retribuição do trabalhador. João Nunes |