Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MARIA GRAÇA MIRA | ||
| Descritores: | CHEQUE ENDOSSO IRREGULAR PAGAMENTO DO CHEQUE PELO BANCO SACADO RESPONSABILIDADE CIVIL | ||
| Nº do Documento: | RP201407015023/09.1TBGDM.P1 | ||
| Data do Acordão: | 07/01/2014 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | O banco sacado que pague um cheque deve verificar previamente se o endosso do mesmo é regular e não tem aspecto anormal ou suspeito incorrendo em responsabilidade civil se o não fizer. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | 5023.09.1TBGDM.P1 Acordam na Secção Cível (1ª), do Tribunal da Relação do Porto: * I – C…, sociedade comercial de direito espanhol, pessoa colectiva com o n.º ………, com sede em …, .., …, ….. … - Elche, Espanha, intentou acção de condenação sob a forma de processo sumário contra: C…, contribuinte fiscal n.º ………, com domicílio na Rua …, … – …, ….-… …; D…, S.A., sociedade comercial com sede na …, n.º …/…, ….-… Porto, pessoa colectiva n.º ……… e E…, S.A., sociedade comercial com sede na …, n.º .., Porto, pessoa colectiva n.º ………, alegando, em síntese, que: -em 2005, no exercício da sua actividade comercial, a autora contratou o 1º réu para que a representasse no território português, competindo-lhe, assim, entre outras actividades, angariar clientes, receber encomendas e pagamentos e diligenciar pela cobrança junto dos clientes da autora; -em Julho de 2008, no exercício da sua actividade, a autora estabeleceu relações comerciais, por intermédio do 1º ré, com a sociedade F…, Lda., fornecendo-lhe mercadorias no valor total de €9.904,86, sendo que, para regularização do saldo devedor da conta-corrente, aquela sociedade emitiu à ordem da autora o cheque n.º ………., sacado sobre o D…, aqui 2º réu, no valor de €9.585,13, cheque esse entregue pessoalmente ao 1º réu; -o referido cheque nunca chegou à posse da autora, tendo sido endossado em branco verificando que o mesmo teria sido endossado em branco, constando do cheque as seguintes menções manuscritas “B…”, seguida do número “………”; -o mesmo foi apresentado à compensação de Lisboa pelo 3º réu, em 09/12/2008, e creditado na conta de um seu beneficiário; -confrontado o 1º réu com a situação em apreço, este confirmou à autora que tinha ficado com o valor do cheque emitido pela F…, Lda. para se fazer pagar alegadamente de comissões pendentes, tendo em 05/12/2008 formalizado por escrito esta justificação, quantificando o valor das comissões pendentes em €6.971,70, emitindo um recibo por esse mesmo valor e um cheque da sua conta pessoal, sacado sobre a 3ª ré e à ordem da autora, no valor de €2.613,43 para acerto final de contas, mais comunicando que rescinde o contrato celebrado; -o 1º réu fez seu o valor do cheque emitido pela F…, Lda. à A. sem para tal estar habilitado; -os 2º e 3º réus são igualmente responsáveis pelo prejuízo sofrido pela autora, pois pagaram de um cheque que não foi regularmente endossado; não constando do título a assinatura de quem quer que seja, o 3º réu deveria ter recusado o mandato para cobrança do cheque aquando da sua recepção para pagamento, o mesmo se exigindo ao banco sacado, aqui 2º réu, que tem igualmente o dever de verificar a regularidade do título antes de proceder à operação de pagamento; -ao pagarem o aludido cheque, sem se certificarem da legitimidade formal do seu portador, os 2º e 3º réus não actuaram com o zelo e diligência que lhes era exigível, impedindo a autora de receber a quantia que lhe era devida. Regularmente citados todos os réus contestaram. O 1º réu, alegando, em síntese, que: -a autora deixou de pagar atempadamente e conforme o acordado as comissões, havendo comissões em dívida; -a autora autorizou que o cheque aqui em causa fosse depositado e se enviasse o remanescente para a sede da autora. O 2º réu, impugnando a matéria vertida na PI, alegando, em síntese, que: -o Banco contestante nenhuma responsabilidade tem no pagamento eventualmente efectuado de forma indevida, uma vez que o pagamento do cheque em causa foi efectuado através de operação interbancária de compensação, já que foi apresentado a pagamento pelo respectivo portador junto do E…; -a compensação ocorre e tem lugar electronicamente, através de informações prestadas ao próprio Banco de Portugal por via electrónica, procedendo este às necessárias operações destinadas ao apuramento dos saldos de cada entidade bancária integrada no sistema de compensação; -no caso dos presentes autos, o cheque foi depositado junto do E…, e por este apresentado a pagamento no sistema de compensação, sendo que o banco contestante não teve acesso à imagem do cheque em causa e, muito menos, ao próprio cheque, pelo que não pode controlar a sucessão e a regularidade dos endossos nele apostos, sendo aliás obrigação do banco tomador e não do banco sacado; -o banco contestante não omitiu, assim, qualquer dever a que estivesse vinculado ou que lhe fosse exigível no caso presente. O 3º réu, impugnando a matéria vertida na PI, alegando, em síntese, que: -o cheque a que a petição se refere foi sacado sobre conta aberta no D…; -este cheque, depois de endossado no verso, foi depositado para cobrança no E…; -enquanto banco tomador, o E… aceitou o depósito do cheque por o mesmo se encontrar endossado em branco, sendo que no seu verso do cheque, de facto, constava e consta a assinatura do endossante, sem indicação do nome do beneficiário do endosso; -porque o endosso em branco é legítimo, o Banco aceitou o endosso uma vez que a identificação da conta beneficiária, aberta no próprio E…; constava e consta do verso do próprio cheque, pelo que a actuação do E… não padece de qualquer vício ou ilicitude. -no momento em que o cheque foi apresentado a pagamento e conferido pelo funcionário do Banco que procedeu à sua verificação, não havia a menor suspeita de se estar na presença de um cheque cujo endosso procedia de pessoa diferente do tomador do cheque; -o banco tomador tem de verificar a sucessão dos endossos, mas não a assinatura dos endossantes, sendo a assinatura do endosso que consta do verso do cheque uma assinatura que corresponde a um endosso formalmente válido, pôr o Banco a verificar se ela procedia ou não do representante legal da Autora significaria estar a pôr o Banco a verificar aquilo que a Lei Uniforme expressamente estabelece que não constitui obrigação sua, enquanto banco tomador. A autora apresentou resposta, dizendo, em suma, que nunca autorizou o 1º réu a ficar com o cheque em causa por conta das comissões em dívida, reafirmando o vertido na PI. Não se realizou audiência preliminar e a fls. 92 foi proferido despacho saneador, tendo sido dispensada a fixação da base instrutória. Os autos seguiram a normal tramitação e, uma vez realizado o julgamento e assente a matéria de facto, sem reclamações, foi, oportunamente, proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condenou os réus C…, D…, S.A. e E…, S.A. a pagarem à autora B… a quantia de €4.518,55 (quatro mil, quinhentos e dezoito euros e cinquenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento. Inconformados, ambos os RR Bancos interpuseram recursos de apelação, tendo apresentado as respectivas alegações, em cujas conclusões, dizem que: O D…, S.A., 1. Do confronto do documento de fls. 13 e 14 com o documento de fls. 33 deve resultar como provado um ponto 29) com o seguinte teor: A Autora autorizou o 1º réu a utilizar o cheque que lhe foi entregue pela sociedade “F…, Lda.” para se fazer pagar por conta das comissões em dívida. 2. Em 5 de Dezembro de 2008 o 1º réu dá conhecimento à autora, através da carta referida no ponto 14), de que, “conforme falamos” havia utilizado o cheque do cliente para se fazer pagar das comissões em dívida. 3. Na resposta a esta comunicação a Autora, em momento algum faz qualquer referência à utilização abusiva do cheque do cliente limitando-se a refazer as contas das comissões. 4. Esta tomada de posição é consentânea com a existência, como alegou o 1º réu, de uma autorização da autora para que este fizesse seu o valor incorporado no cheque. 5. Da utilização não abusiva e autorizada do cheque por parte do 1º réu nunca poderia resultar qualquer responsabilidade para os bancos réus. Ainda que assim não se entenda, 6. A actuação do 1º réu resultou ratificada pela autora com o envio do fax de fls. 33. 7. A autora aceita que o 1º réu faça seu o valor do cheque, apenas discordando do montante da retenção. 8. A mesma actuação do 1º réu não pode ser vista como apta e válida para efeitos de compensação e como elemento da ilicitude consubstanciadora da obrigação de indemnizar nos termos do artigo 483º do Código Civil. 9. Ou o endosso é de todo irregular e insusceptível do produzir quaisquer efeitos, nomeadamente o de permitir que o 1ª réu se fizesse pagar por ele, ou então, se é aparentemente regular o suficiente para cobrir o valor em dívida ao 1º réu, não pode servir de fundamento à responsabilidade dos bancos réus. 10. Deverá ser feita uma interpretação correctiva e actualizada da disciplina consagrada no artigo 35º da LUCH no sentido de a adequar às regras previstas no SICOI. 11. Segundo o SICOI a obrigação de verificação da sucessão de regularidade do endosso impende sobre o banco tomador e não sobre o banco sacado que, em situações como as dos presentes autos, não tem sequer acesso à imagem do cheque. Termos em que se requer a V. Exas. se dignem revogar a decisão recorrida absolvendo o banco réu do pedido O E…, S.A., 1ª O Tribunal a quo houve por bem sentenciar que, apesar de o 1º Réu não ter feito a prova de que estava autorizado a depositar em conta sua e a fazer seu o montante do cheque dos autos, ainda assim “validou” a compensação levada a cabo por ele, por isso que apenas o condenou a pagar à Autora a quantia correspondente ao contra crédito de 4.518,55 €. 2ª Sentenciando por esta forma o comportamento do 1º Réu, a decisão sob censura sentenciou em igual condenação os dois Réus, o que fez a coberto do entendimento de que o endosso constante do cheque era irregular e, como irregular que era, constituía os dois bancos em responsabilidade civil perante o sacador – a aqui Autora. Ora, 3ª Não se pode, a um só tempo, ter por legítima a apropriação do cheque mediante a aposição nele de um endosso irregular para efeito de validar a compensação operada subsequentemente por quem, sem autorização, se apropriou do cheque e do valor por ele titulado, e, ao mesmo tempo, responsabilizar os Bancos que tomaram por bom um endosso que, do ponto de vista do falso endossante, afinal foi legítimo - tão legítimo que o Tribunal julgou legítima a compensação por ele efectuada. 4ª Se o direito é, antes de tudo, um sistema coerente de regras feitas para com coerência se ditarem as soluções dos casos concretos, não é a nenhum titulo juridicamente legítimo que, perante a irregularidade reconhecida de um endosso, se tenha o mesmo por bom para um e, no mesmo processo, se tenha, afinal, por mau, para outros. 5ª Não podendo, no quadro de um só e único processo, um endosso ser válido para um réu e inválido para outro ou outros, forçoso é concluir a validação do endosso para efeito de legitimar a compensação operada pelo 1º Réu não pode conviver com a sua ilicitude para responsabilizar os Bancos a título do art.º 483 do Código Civil. 6ª A decisão recorrida violou, entre outros, o disposto no art.º 483º do Código Civil. TERMOS EM QUE, na procedência de todas e cada uma das conclusões desta alegação, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que absolva o Recorrente do pedido. Assim decidindo, farão Vossas Excelências J U S T I Ç A Sobre o recurso interposto pelo R. D…, foram produzidas contra-alegações, quer por parte do E…, S.A, quer por parte da A. B…. O primeiro, acaba assim: … se a sentença recorrida não for revogada, contra o que se espera, em consequência do provimento do recurso do aqui Recorrido, com a consequente absolvição dos dois Bancos demandados, sempre deve ser negado provimento ao recurso do D… na parte em que sustenta a sua absolvição à luz de uma indevida interpretação actualista do art.º 35º da Lei Uniforme. Assim decidindo, farão Vossas Excelências J U S T I Ç A Já a A., nas conclusões respectivas, veio alegar o seguinte: 1. A sentença recorrida não merece qualquer censura nem quanto à decisão relativa à matéria de facto nem quanto à decisão sobre a matéria de direito. 2. O recorrente pretende através da descontextualização de factos, da desconsideração da restante matéria de facto e da demais prova que seja dado como provado um facto que resultou claramente não provado. 3. O tribunal a quo fixou a sua convicção atendendo ao conjunto da prova produzida (documental e testemunhal). 4. Não se cingiu, como pretende o recorrente, única e exclusivamente aos documentos de fls. 13, 14 e 33. 5. Da resposta à matéria de facto, que não mereceu reclamação por parte do recorrente, resulta que a prova dos quesitos 8º a 10º e 13º supra enunciados decorreu da própria posição assumida pelo 1º réu no seu articulado. 6. Para prova do quesito 14º o tribunal a quo teve em consideração não apenas os documentos de fls. 13, 14 e 33 como ainda os de fls. 30, 31 e 32. 7. No que toca ao quesito 18º (não provado) apenas resultou do depoimento das testemunhas G…, H… e I… que “pelo menos em determinado momento, existiam comissões em dívida (ou não pontualmente pagas), não se conseguiu apurar que montantes em concreto, ou perceber se existiam contas a acertar entre as partes (o que parece decorrer do fax enviado pela autora e constante de fls. 33 e 34), bem como, se na data em que o 1º réu ficou com o cheque, estariam ainda comissões em dívida ou se já estaria tudo sanado.” 8. Ou seja, não resultou minimamente provado que a autora em algum momento tenha autorizado o 1º réu a utilizar o cheque que lhe foi entregue pela sociedade “F…, Lda.”. 9. Ao contrário do que pretende fazer crer o recorrente, no fax de fls. 33, a autora não autorizou a utilização do mencionado cheque para o pagamento das alegadas comissões em divida, tendo antes se limitado a dizer ao 1º réu que não era devedora das comissões por ele referidas, mas das comissões referidas no quesito 19. 10. Em momento algum, no fax de fls. 33, a autora “ratificou” ou “aceitou” a utilização do cheque pelo 1º réu. 11. O recorrente desvirtua o teor dos documentos de fls. 13, 14 e 33 e separa-os da demais prova para com eles tentar dar como provado um facto que efectivamente foi, e bem, considerado como não provado. 12. A admissão da pretensão do recorrente constituiria uma violação, entre outros, do disposto nos art. 341 do CC, 413 e 414 ambos do CPC, o que não se aceita nem pode admitir. 13. Pretende ainda o recorrente, alegando a necessidade de uma interpretação correctiva do art. 35º da LUCH, o afastamento desta disposição em detrimento das regras que resultam do SICOI. 14. Ora, não podem de forma alguma as disposições do SICOI afastar as disposições da LUCH. 15. Se por um lado temos um regulamento dirigido exclusivamente às instituições bancárias por outro lado temos uma lei que visa conferir garantias aos clientes das instituições bancárias. 16. Não pode um regulamento interno bancário sacrificar os interesses legítimos e legalmente consagrados dos seus clientes. 17. Não podem as instituições bancárias justificar a violação das garantias dos seus clientes com fundamento na organização dos seus meios operativos. 18. A “interpretação corretiva” pretendida pelo recorrente constituiria uma clara violação do disposto no art. 35º da LUCH, o que não pode ser admissível. Termos em que e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso interposto pelo Apelante ser julgado improcedente por não provado e, por conseguinte, manter-se na íntegra a douta sentença do Tribunal a quo. II – Corridos os vistos, cumpre decidir. É, em principio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso, sem prejuízo das que são do conhecimento oficioso. Assim, face ao teor das transcritas conclusões, produzidas em ambos os recursos, temos a decidir: - da impugnação da decisão de facto; - da interpretação do artigo 35º da LUCH, tendo em conta as regras previstas no SICOI; - se o endosso irregular pode servir, ao mesmo tempo, para validar a compensação e como elemento da ilicitude consubstanciadora da obrigação de indemnizar nos termos do art.º 483º do Código Civil. * Da 1ª instância, vem dado como provado o seguinte:1) A autora dedica-se, entre outras actividades, ao comércio de couros e peles. 2) No exercício normal da sua actividade comercial a autora, no ano de 2005, contratou o 1º réu para que a representasse no território português. 3) Competindo-lhe, assim, entre outras actividades, angariar clientes, receber encomendas e pagamentos e diligenciar pela cobrança junto dos clientes da autora. 4) Em Julho de 2008, no exercício da sua actividade, a autora estabeleceu relações comerciais, por intermédio do 1º réu, com a sociedade "F…, Lda.", fornecendo-lhe mercadorias no valor total de €9.904,86. 5) Para regularização do saldo devedor da conta-corrente aquela sociedade emitiu à ordem da autora o cheque n.º ………., sacado sobre o D…, aqui 2º réu, no valor de €9.585,13 (fls. 11 e 77). 6) O aludido cheque foi entregue pessoalmente ao 1º réu, representante da autora em Portugal. 7) O referido cheque, emitido pela sociedade "F…, Lda.", nunca chegou à posse da autora. 8) Encontrando-se na sua contabilidade pendente um saldo devedor em nome empresa em causa, a autora contactou o cliente para se inteirar do motivo pelo qual a liquidação não tinha sido efectuada. 9) É nessa altura informada que, para pagamento da quantia referida, a sociedade "F…, Lda." havia entregue ao 1º réu o cheque identificado em 5º) e que o mesmo tivera boa cobrança. 10) Com a colaboração da referida sociedade a autora conseguiu obter a cópia do rosto e verso do aludido cheque, verificando que o mesmo teria sido endossado em branco, conforme doc. de fls. 12 e 77. 11) No verso do aludido cheque consta o número “………”. 12) Em 09/12/2008, o aludido cheque foi apresentado à compensação de Lisboa pelo 3º réu (E…) e creditado na conta de um seu beneficiário. 13) Confrontado com a situação em apreço, o 1º réu confirmou à autora que tinha ficado com o valor do cheque emitido pela sociedade "F…, Lda." para se fazer pagar de comissões alegadamente pendentes. 14) Em 05/12/2008, o 1º réu dirigiu à autora a carta junta a fls. 13, na qual refere "Conforme hablamos por telefono quedo em mi poder el importe del cliente F… para cubrir mis comisiones pendientes de pago. Importe del cliente: €9.585,13; mis comisiones: €6.971,70. Les mando um cheque personal de la diferencia a favor de vds y asi queda tudo cancelado, pues decicido a partir de hoy no colaborar mas com vds como agente en Portugal. (...).", tendo emitido o cheque n.º ………., no valor de €2.613,43 (fls. 13 e 14). 15) O réu celebrou um contrato verbal com a autora (prestação de serviços / comissionista), em que o réu vendia os produtos da autora e, como contrapartida, recebia uma comissão. 16) Em Outubro de 2008 a autora ainda não tinha pago um valor não concretamente apurado de comissões relativas ao mês de Abril e que o 1º réu lhe dirigiu os emails juntos a fls. 30 e 31, nos quais reclamava o pagamento das mesmas. 17) O 1º réu enviou à autora, que recebeu, o email junto a fls. 32, datado de 12/11/2008, no qual lhe disse: "Asi no podemos continuar, yo necessito de dinero para vivir toda la gente tiene despesas e trabajar e no recibir es una mierda ya recibiste: Abril, Mayo, Junio, Julio, Agosto." 18) O réu enviou o recibo n.º …, datado de 05/12/2008, no valor de €6.971,70 e o cheque no montante de €2.613,43, datado de 05/12/2008, o que perfaz o montante de €9.585,13. 19) A autora dirigiu ao 1º réu o fax junto a fls. 33, datado de 13/01/2009, enviado a 28/01/2009, com o seguinte teor: "(...) 1 - Las facturas ….. y ….. de Febrero, corresponden a una mercadoria que fue devuelta posteriormente por el cliente, por lo que los 9.896,76€ é de dichas facturas deben eliminarse del calculo de las comisiones pendientes. 2 - Las comisiones de Abril ya fueron pagadas por lo que los 30.198,15€ debem eliminarse del calculo de comisiones pendientes. 3 - Las ventas de Junio son correctas: 37.942,15 y están cobradas casi totalmente por lo que aceptamos que son exigibles por su representado. Las comisiones ascienden a 1.897,11€ para el mes de Junio. 4 - Las ventas de Julio a Diciembre no están cobradas por lo que no aceptamos ningún derecho de retención sobre una deuda que no está vencida, ya que las comisiones son exigibles cuando la mercancia es cobrada e no cuando es facturada. Así hemos trabajado com su representado desde el principio. 5 – B… no tenía ninguna intención de fnalizar sua relación com su representado. Ha sido él, que sin previo aviso, de forma sorpresiva y con mala fe, perjudicando gravemente a la empresa en su imagen y posición en el mercado portugués el que ha puesto final a nuestra relación em mitad de la campaña de Verano 2009. 6 - Después de lo que ha hecho, no queremos tener ninguna relación con su representado ni ahora ni nunca. Por ello le proponemos lo siguiente: Las comisiones totales de su representado son: a) Junio 1.897,11€; b) Julio: 749,96€; c) Agosto: 569,91€; Sept-Dic: 1.750,00€; e) total: 5.066,98€. 7 - El cheque de 2.613,43€ que nos fue enviado por su representado nos es correcto, al tener rectificaciones en la fecha. Adjuntamos fotocopia. 8 - Su representado se aproprió de 9.585,13€. Por lo tanto, exigimos una transferencia inmediata de 4.518,15€ a la cuente de B… (...).". 20) O pagamento do cheque em causa foi efectuado através de operação interbancária de compensação. 21) Foi apresentado a pagamento pelo respectivo portador junto do E…. 22) A compensação interbancária tem lugar electronicamente, através de informações prestadas ao próprio Banco de Portugal por via electrónica. 23) O cheque em causa foi depositado junto do E…, e por este apresentado a pagamento no sistema de compensação. 24) O 2º réu (D…) não teve acesso à imagem do cheque em causa, e muito menos ao próprio cheque. 25) O cheque em causa foi sacado sobre conta aberta no D…. 26) Este cheque, depois de endossado no verso, foi depositado para cobrança no E…. 27) Enquanto banco tomador, o E… aceitou o depósito do cheque por o mesmo se encontrar endossado em branco. 28) No verso do cheque constava e consta a assinatura do endossante, sem indicação do nome * Apreciando.- Quanto à impugnação da decisão de facto: Pretende o Banco D…, que se acrescente ao elenco factual supra reproduzido, um outro ponto, 29, onde fique assente que - “A Autora autorizou o 1º réu a utilizar o cheque que lhe foi entregue pela sociedade “F…, Lda.” para se fazer pagar por conta das comissões em dívida”, atendendo à avaliação que faz de parte (muito pequena) da prova produzida, mais exactamente – os documentos (cópias de documentos particulares) que constituem fls. 13, 14 e 33. Por aqui, vemos que está suficientemente respeitada a concretização exigida pelos artºs 712º, nº1, al.a) e 685º-B, nº1, als. a) e b), do CPC, o que nos leva a passar, de imediato, ao conhecimento desta questão, por forma a concluir se o Tribunal a quo andou mal, como defende o Recorrente, em não dar como provada essa matéria, ou o contrário. Compulsados os autos, o que se verifica, desde logo e também pelo conteúdo do suporte da gravação da prova que acompanha o processo (CD, na contra-capa), é que, para além da prova concretizada pelo Recorrente, foi produzida outra prova documental, como a assinalada pela Recorrida A. (nas suas contra-alegações, cujas conclusões estão acima reproduzidas), e foram ouvidas seis testemunhas, tendo a convicção do Tribunal a quo resultado, precisamente da análise conjunta feita a toda esta prova, produzida durante a audiência de discussão e julgamento, numa apreciação livre da prova testemunhal, nos termos do art.º 396º, do CC e 655º, nº1, do CPC, …, de forma critica e com recurso às regras da lógica e da experiência comum, …, tendo presentes as regras de distribuição do ónus da prova previstas no art.º 342º, do C.C.. Foi assim, que resultaram provados os 28 factos supra elencados e, no mais, e no que concerne à matéria alegada pelas partes nos seus articulados e que não foi enunciada como provada ou não provada, consignou que tal se fundamenta na circunstância de se tratar de matéria conclusiva e/ou de direito, ou mera repetição, ou matéria não relevante…” . Tendo presentes todos estes dados, o conteúdo da redacção proposta pelo Recorrente, para esse ponto 29 (que, diga-se, no confronto com os articulados juntos, apenas tem parcial correspondência com o alegado, de forma manifestamente conclusiva, pelo 1º R., no art.º 29º, da contestação, a fls. 26) e o teor dos factos que resultaram provados e constam do elenco supra transcrito, somos levados a concordar com o alegado pela Recorrida/A., em 1. a 12., das conclusões que produziu nas suas contra-alegações e estão, como já o dissemos, decalcadas atrás. Donde, e sem necessidade de mais considerações por manifestamente despiciendas, concluirmos não haver qualquer fundamento para a desejada alteração da decisão de facto que, assim, se decide manter inalterada e, com ela, constatamos que fica sem fundamento o defendido pelo Recorrente D… na sua 5ª conclusão. - Quanto ao mais, que se prende não só com a interpretação do art.º 35º, da LUCH, no confronto com as regras previstas no SICOI (DL 381/77, de 9 de Setembro e instrução do BP 3/2009), como com as consequências do endosso irregular, no caso de assim ser entendido, sobre a compensação relativa ao 1º R e como elemento da ilicitude, enquanto requisito da responsabilidade civil extracontratual, nos termos previstos no art.º 483º do Código Civil, vejamos: É indubitável (cfr. 5), 10) a 12), da f.f.) que estamos perante um cheque endossado, o que é admitido pelos artºs 14º e segs. da LUCH ( a que pertencem os restantes normativos a citar, uma vez desacompanhados doutra indicação), mediante determinadas condições para ser considerado válido. Trata-se, o endosso, de “uma declaração expressa ou implicitamente exarada no título pelo transmitente, chamado endossante, e pela qual se transfere ao transmitendo, chamado endossado, os direitos emergentes do mesmo título” (cit. Abel pereira Delgado, in LUCH anotada, 3ª ed., pág. 85), podendo “não designar o beneficiário ou consistir simplesmente na assinatura do endossante (endosso em branco)”, que, nos casos de pessoas não singulares, terá de ser a de quem tenha poderes legais ou estatutários para obrigar o transmitente. In casu, o cheque em causa foi emitido à ordem da A. (5, da f.f.) que não é pessoa singular e, do endosso em branco (10), da f.f.) que apenas ela, A., podia fazer, enquanto única beneficiária directa do cheque, somente consta, no verso do aludido cheque, o número referido em 11), da f.f, bem como a assinatura do endossante (ilegível), sem indicação do nome, como resulta assente em 28), da f.f. e nada mais. Ora, conforme e bem refere o Tribunal a quo na decisão atacada –“… De acordo com o art. 260º, n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais, “os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade”, norma de teor idêntico à que o art. 409º, n.º 4 do mesmo diploma estabelece para os administradores das sociedades anónimas. …, a prática corrente em situações semelhantes é a da aposição de um carimbo da sociedade com a menção “a gerência”. Contudo, como refere Paulo Olavo e Cunha (Cheque e Convenção de Cheque, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 645), “a Lei Uniforme tão pouco impõe que os endossantes aponham carimbo que os identifique, se forem pessoas colectivas”. Assim, tendo em conta as normas dos citados arts. 260º, n.º 4 e 409º, n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais, seria necessário para que o endosso fosse regular que nele estivesse aposta uma assinatura e a menção expressa da qualidade de gerente ou administrador. Poder-se-á equacionar aqui também, é certo, a aplicação da jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão n.º 1/2002, de 06/12/2001 (publicado no Diário da República, série I-A, n.º 20, de 24/01/2002), segundo a qual “a indicação da qualidade de gerente prescrita no n.º 4 do artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais pode ser deduzida, nos termos do artigo 217.º do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelem”. Compulsado o cheque aqui em apreço, facilmente se constata que aqueles requisitos não estão cumpridos. Na verdade, além da assinatura ser ilegível, não se conseguindo perceber o nome da pessoa que assinou o verso do cheque, sempre faltaria a menção expressa da qualidade de gerente ou administrador da pessoa a quem correspondesse a assinatura em causa, uma vez que estamos perante uma pessoa colectiva. Por outro lado, não foi alegado por qualquer um dos réus que tenha havido qualquer facto do qual pudessem ter deduzido que assim fosse, nem tal decorre dos elenco dos factos provados. Assim, …, não estamos perante um endosso válido e regular, antes havendo uma clara e manifesta irregularidade.”. É, efectivamente, assim. Não obstante, o pagamento do cheque teve lugar, devendo, por isso, colocar-se a questão da responsabilidade, à luz do disposto no art.º 483º, do CC e, no que toca aos requisitos da ilicitude na conduta de ambos os bancos RR. (chama-se a atenção para o facto que estes não terem qualquer relação contratual com a A., aqui a lesada. Daqui, a sua responsabilidade só poder ser aquilatada de acordo com os requisitos próprios da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana) e da culpa, tendo presente o comando enunciado no art.º 35º, segundo o qual: “o sacado que paga um cheque endossável é obrigado a verificar a regularidade da sucessão dos endossos, mas não a assinatura dos endossantes” – obrigação esta, adiantamos já, que consideramos comum a ambos os recorrentes, não obstante um (E…) ser o apresentante ou tomador e o outro (D…) o banco sacado (fazendo nosso o entendimento explanado pelo STJ, no Ac. de 23/02/2010, no proc. 3404/07.4TVLSB.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt), pois: “… O Banco apresentante ou tomador toma contacto com o cheque que lhe é presente pelo cliente através de atendimento pessoal de um seu funcionário, seja por atendimento ao balcão, seja no seguimento de recolha em máquina que permita o depósito para crédito na conta do cliente. Em qualquer caso, há lugar à conferência do título, pelo menos quanto ao valor e legitimidade do portador, imediato ou endossatário… A violação do dever de cuidado da instituição bancária é patente à luz do princípio de que o banco apresentante tem obrigação de só aceitar, com vista à sua cobrança, cheques de uma perfeita regularidade aparente, sendo que se o endosso tem aspecto anormal ou suspeito, o banqueiro incorre em falta por se bastar com isso (cfr. RDE, cit., 100/101). Relativamente ao cheque dos autos, uma pessoa, medianamente informada e diligente, teria notado a divergência em termos de, pelo menos, se lhe colocar dúvida determinante da suspensão do processo de pagamento, com a apresentação ao Banco sacado, sem previamente obter informação sobre a regularidade do título, objectivamente fora da normalidade…”, face ao que já dissemos atrás relativamente às exigências dum endosso em branco válido e tendo presente o que apenas consta dos pontos 10, 11 e 28, da f.f.. E, relativamente à defendida interpretação e aplicação correctiva e actualizada da disciplina consagrada no citado artigo 35º, defendida pelo R. Banco D… (mas refutada, como vimos, pelo R. Banco E…), no sentido de a adequar às regras previstas no SICOI, convém não esquecer que: (ainda seguindo de perto e citando o mesmo Aresto), “… o regime regulamentar do SICOI não afasta o regime de responsabilidade legalmente aplicável em resultado da violação de normas da LUCH ou do direito comum, ao menos nas relações das instituições bancárias com terceiros ou com clientes (externas), pela óbvia razão que tem por objecto, tão só, regular e promover o bom funcionamento no âmbito das relações interbancárias. …”. Reforçando a ideia: o referido SICOI “não constitui … uma fonte imediata de direito a ter em atenção pelo Tribunal, nem a sua existência afasta o regime de responsabilidade legalmente aplicável, uma vez que se destina primordialmente a regular as relações interbancárias, cfr AUJ nº 4/2008, de 28 de Fevereiro de 2008 (Relator Paulo Sá), in DR I Série A, de 4 de Abril de 2008, Ac STJ de 23 de Fevereiro de 2010 (Relator Alves Velho) e de 8 de Maio de 2012 (Relator Gregório da Silva Jesus), in www.dgsi.pt” (cfr. recente Ac, do mesmo Tribunal, proferido em 22/09/213, no processo 272/2001.G1.S1, acessível no mesmo sítio) Ora, como já assinalamos, o referido art. 35º, é bem claro ao impor ao sacado que paga um cheque as obrigações supra enunciadas. Donde, nos parecer manifesto que, da parte de ambos os Recorrentes, houve uma conduta negligente desrespeitadora deste comando, devendo, assim, manter-se a condenação de que foram alvo, dado que, para além da ilicitude e da culpa, resultam perspectivados todos os restantes pressupostos da responsabilidade civil extra contratual, crf. art.º 483º, do C.C. e, no mais, não tem sentido vir invocar a desconsideração da irregularidade do endosso, para efeitos da compensação (artºs 847º e segs., do CC), efectuada pelo 1º R. (e que, em parte, foi admitida como válida pela 1ª instância, retirando daí as respectivas consequências), bem como a incoerência dessa posição, por parte do Tribunal a quo, pois não se pode olvidar a relação contratual existente entre este R. e a A., com obrigações e deveres recíprocos que possibilita, uma vez provados os respectivos requisitos – como aqui sucede, a aplicação do referido instituto, para além de ser evidente que o disposto no citado artº 35º, não é aplicável ao 1º R.. Portanto, é clara a falta de razão de ambos os Recorrente. Carecem, pois, de fundamentos as apelações por eles interpostas. * III – Nestes termos, acordam em julgar os dois recursos improcedentes e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.Custas pelos Recorrentes. * Porto, 1 de Julho, de 2014Maria Graça Mira Anabela Dias da Silva Maria do Carmo Domingues |