Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
508/10.0GAMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM GOMES
Descritores: NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
Nº do Documento: RP20110112508/10.0GAMAI.P1
Data do Acordão: 01/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Se o arguido, com TIR prestado, foi pessoalmente notificado da data designada para a audiência de julgamento, nesta não comparece e é representado pelo seu Defensor, deve considerar-se notificado da data para continuação da audiência naquela, entretanto, designada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 508/10.0GAMAI.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.- RELATÓRIO

1.- No Processo Sumário n.º 508/10.0GAMAI do 2.º Juízo Criminal do Tribunal da Maia, em que são:

Recorrente/Arguido: B……….

Recorrido: Ministério Público.

foi o arguido condenado, para além das custas processuais, por sentença de 2010/Abr./09, a fls. 55-60 pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal do art. 3.º, n.º 1 e 2 do Dec.-Lei n.º 02/98, de 03/Jan., na pena de oito (8) meses de prisão.
2. O arguido interpôs recurso em 2010/Jun./04 a fls. 78-86, pedindo que se decrete a nulidade do julgamento ou então que o mesmo seja absolvido ou então que lhe seja aplicada uma pena de multa ou mesmo de prisão por dias livres e à realização do cúmulo com os processos 508/10.0GAMAI e 566/05.9GNPRT, do 2.º Juízo Criminal da Maia, concluindo resumidamente:
1.º) O recorrente não foi notificado que o julgamento tivera continuação, em 9 de Abril de 2010, onde não compareceu por desconhecimento, pois apenas tinha sido notificado da audiência de julgamento de 31/03/2010, onde não pôde estar presente por ter sido acometido de doença súbita, conforme foi atestado por médico, e consta do documento junto aos autos de fls. 32.; [1, 2]
2.º) O recorrente no dia seguinte, em 01 de Abril de 2010, apresentou requerimento a justificar, com atestado médico, a sua ausência na sessão de julgamento (fls. 31 e 32), não tendo sido a propósito proferido qualquer despacho; [3, 4]
3.º) Logo o recorrente não podia ser dado como presente para efeito do anúncio em audiência da data e hora da continuação do Julgamento, não se aplicando o disposto no n° 7 do art. 328° do C.P.P; [5]
4.º) Assim, a ausência do recorrente na audiência de julgamento, de 09/04/2010, deveu-se à falta de notificação o que constitui a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 111.º do C.P.P., que afecta a sentença e o julgamento, devendo, em consequência, repetir-se com todas as formalidades legais; [6, 10]
5.º) O recorrente trabalha por conta própria em serviços avulsos como sucateiro, sendo esta actividade essencial à sua sobrevivência e do seu agregado familiar, bem como para o cumprimento da obrigação de pagamento da quantia de €500,00, condição da suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada no âmbito da condenação proferida no processo, n° 566/05.9 GNPRT, tendo por isso agido em estado de necessidade; [7, 8, 14]
6.º) O tribunal na determinação do “quantum sancionatório” da pena não valorou, como devia, o tipo de veículo conduzido nem o tipo de via onde a condução foi levada a efeito, ou seja, o ligeiro de mercadorias, com a matricula 19-18-JS, que vinha do local onde entregara sucata e seguia para a sua residência, sendo a pena severa; [9-12]
7.º) Se este não for o entendimento do Tribunal deve a pena de multa ser reduzida a três meses e substituída por trabalho nos termos do disposto no art. 35.º, 43.º e 48.º do C.P.; [15]
8.º) E ainda, subsidiariamente, deve reduzir-se ao arguido a pena de prisão com cumprimento por dias livres, semi-detenção ou em regime de permanência na habitação, conforme o disposto nos artigos 45.º, 46° e 44° do C.P.; [16, 17]
9.º) Por último, atenta a existência de várias penas deve fazer-se o respectivo cúmulo jurídico para a fixação de uma pena única, nos Processos n°s 508/10.0 GAMAI e 566/05.9 GNPRT, ambos do 2° Juízo Criminal da Maia, nada obstando que nesse cúmulo se suspenda a sua execução por período adequado e em regime de prova, com a possibilidade de pagamento da quantia de €500,00 com plano individual de readaptação e acompanhamento dos Serviços de Reinserção Social; [18]
10.º) A sentença recorrida violou os artigos 34.º, 34.º, 40.º, 43.º, 45.º, 46.º e 48 do C. P. e 117.º, 119.º, al. c), 313.º, n.º 2 e 328.º, n.º 7 do C. P. P.; [19]
3. O Ministério Público respondeu em 2010/Jun./22 a fls. 93-108, pugnando pela improcedência do recurso, porquanto e em suma:
1.º) Não se encontra preenchido o condicionalismo previsto no art. 117.º, já que o recorrente, no dia e hora designados para a prática do acto, não comunicou a falta e respectiva justificação, a qual deveria ser acompanhada — sempre— sob pena de não justificação da falta, da indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e a duração do impedimento, mas também o motivo da imprevisibilidade; [I]
2.º) Não se verifica o Estado de Necessidade, nem o Direito de Necessidade, que possuem um mesmo denominador comum: “o do afastamento, através da prática de um facto típico, de um perigo actual que ameaça bens jurídicos do agente ou de terceiro”; [II]
3.º) O tribunal “a quo” ao aplicar pena de prisão de oito meses considerou o passado criminal do arguido, designadamente as 14 condenações prévias por crimes de idêntica natureza, que revelam um profundo desprezo e insensibilidade do arguido para a vida da sociedade, pelo que as particulares exigências de prevenção especial e geral não permitem um juízo de prognose favorável ao arguido, que por isso não beneficiou da pena de multa; [III]
4.º) Tratando-se de pena de prisão em que a substituição é possível exige-se a explicitação das razões da pena substitutiva, o que se verificou na sentença recorrida. Entendemos que constitui exigência de fundamentação excessiva e desproporcionada impor o afastamento descriminado e especifico de todas as penas de substituição; [IV]
5.º) A análise do cumulo jurídico e eventual pena única a aplicar torna-se inútil dado que a presente decisão ainda não transitou em julgado, e só após poderá gerar a necessidade do conhecimento de um concurso real de crimes, existente, por aplicação das regras — necessariamente conjugadas — dos art.°s 77 e 78 do Código Penal; [V]
4. O Ministério Público nesta Relação emitiu parecer em 2010/Out./13, a fls. 128, aderindo à resposta anterior.
5. Cumpriu-se o disposto no art. 417.º, n.º 2, do C. P. penal e foram colhidos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento do mérito do presente recurso.
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O objecto deste recurso passa pela nulidade do processo [a)], pela actuação mediante um direito ou em estado de necessidade [b)], pela medida e escolha da pena [c)], bem como se esta for de prisão, a mesma deve ou não ser executada [d)] e a realização do cúmulo jurídico [e)].
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II.- FUNDAMENTAÇÃO
2. - Os fundamentos do recurso
a) A nulidade do processo
A Constituição da República estabelece no seu art. 32.º, n.º 1 uma cláusula geral de garantia a conferir ao arguido, instituindo que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”, especificando no seu n.º 2 em que consistem essas mesmas garantias.
Uma delas é o direito de presença do arguido na audiência de julgamento, que apenas pode ser afastado em casos excepcionais.
Por sua vez, no art. 20.º, n.º 4 da Constituição também se assegura que “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham sejam objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
A noção de processo equitativo tem igualmente consagração na Convenção Europeia dos Direitos Humanos [C.E.D.H], através do seu art. 6.º, segundo o qual “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente,…”, referindo-se no seu n.º 3 que “O acusado, tem no mínimo, os seguintes direitos: Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa;” [b)], a “Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas da acusação …” [d)], o que faz incutir que o mesmo tem o direito de estar presente no decurso da audiência de julgamento.
Isto significa que, mormente no âmbito do processo penal, o acusado deve dispor de um processo equitativo, o que só é possível se lhe forem conferidas as devidas oportunidades para o mesmo se poder defender, não o colocando, de forma directa ou indirecta, numa posição de desvantagem face aos seus oponentes.(1)
Este direito a um processo equitativo, implica um tratamento leal (fair treatment) de todos os sujeitos processuais, mormente do acusado, por parte do tribunal, conferindo-se a este a possibilidade de proceder a um efectivo controlo dos procedimentos que lhe dizem respeito, de modo a assegurar todas as garantias de defesa.
O preceituado no art. 118.º, do Código de Processo Penal(2) é expresso, por sua vez, em cominar no seu n.º 1 que “A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”, logo se dizendo no subsequente n.º 2 que “Nos casos em que a lei não cominar nulidade, o acto ilegal é irregular”.
Resulta do art. 119.º, al. c), que “A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”, é uma nulidade que assume natureza insanável.
Trata-se de resto de um dos seus direitos processuais gerais, tal como decorre do art. 61.º, n.º 1, al. a), onde se diz que “O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de: Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito”.
Um desses casos, por imposição do art. 332.º, n.º 1, na redacção do Dec.-Lei n.º 320-C/2000, de 15/Dez., é precisamente a presença do arguido na audiência de julgamento, muito embora se ressalve as situações contempladas no art. 333.º, n.º 1 e 2 e 334.º, n.º 1 e 2.
Nestes casos excepcionais em que o arguido não comparece, muito embora esteja regularmente notificado da data e hora para a realização da audiência de julgamento, e caso tenha prestado TIR, o mesmo é aí representado para todos os efeitos pelo seu defensor [196.º, n.º 3, al. d)], mantendo o arguido o direito de aí comparecer e até de ser requerida a sua comparência, inclusive pelo seu defensor [333.º, n.º 3].
Tais excepções, surgiram da necessidade de estabelecer uma concordância prática entre o direito de assegurar ao arguido as suas garantias de defesa, no caso a sua presença na audiência de julgamento, com a premência de um Estado de Direito Democrático em realizar a justiça, através dos Tribunais, sendo ambas matrizes constitucionais, consagradas respectivamente nos art. 32.º e 202.º, da C. Rep..
Foi isso que levou o legislador, com a Lei Constitucional n.º 1/97, através do seu art. 15.º, a aditar o já referido n.º 6 ao art. 32.º, da C. Rep., preceituando que “A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento”.
No entanto e segundo o citado art. 333.º, n.º 1, quando o arguido “regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência”.
A jurisprudência desta Relação tem seguido o caminho de que “No caso de o arguido se encontrar preso e sendo essa situação do conhecimento do Tribunal, deve ser notificado para comparecer em julgamento mediante requisição a efectuar ao Director do Estabelecimento Prisional, sendo irregular qualquer comunicação efectuada para uma das residências indicadas no TIR, enquanto perdurar essa prisão” [Ac. 2007/Jan./01] ou então de que se “…. o arguido se encontrar preso, depois de ter sido notificado da data da audiência de julgamento, sendo por essa razão que não comparece a esta, deve o Tribunal indagar dessa situação” [Ac. de 2009/Out./21].(3)
Nestes casos não temos quaisquer dúvidas que a falta de comparência do arguido na audiência de julgamento, em virtude deste se encontrar detido em estabelecimento prisional, corresponde à nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. c) do Código de Processo Penal.
Mas não se enquadra aqui o caso em apreço, porquanto e como resulta dos autos o arguido foi pessoalmente notificado da audiência de julgamento para 2010/Mar./31, como resulta de fls. 11.
Também na ocasião em que foi detido, mais precisamente em 2010/Mar./30 o arguido prestou TIR, como se pode constatar de fls. 7, aí se consignando que “De que o cumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os factos processuais a que tenha direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333..º do Código de Processo Penal”.
A ser assim, devemos considerar que o arguido muito embora não estivesse presente na primeira sessão da audiência de julgamento, esteve para todos os efeitos representado pelo seu defensor.
De modo que devemos considerar o arguido notificado da continuação da audiência de julgamento para 2010/Abr./09, por apenas não se encontrar junto o seu CRC do arguido, porque tal despacho foi notificado ao seu defensor.
Nesta conformidade, improcede este fundamento de recurso.
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b) A actuação mediante um direito ou em estado de necessidade
O Código Penal estatui no seu art. 34.º, onde se enuncia o direito de necessidade, que “Não é ilícito o facto praticado como meio adequado para afastar um perigo actual que ameace interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, quando se verificarem os seguintes requisitos: a) Não ter sido voluntariamente criada pelo agente a situação de perigo, salvo tratando-se de proteger o interesse de terceiro; b) Haver sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado; e c) Ser razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse em atenção à natureza ou ao valor do interesse ameaçado.
Por sua vez, no subsequente art. 35.º, do Código Penal, onde se caracteriza o estado de necessidade desculpante “Age sem culpa quem praticar um facto ilícito adequado a afastar um perigo actual, e não removível de outro modo, que ameace a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade do agente ou de terceiro, quando não for razoável exigir -lhe, segundo as circunstâncias do caso, comportamento diferente. [n.º 1].
Como se pode constar dos factos provados e são estes que relevam para o conhecimento desta Relação, enquanto instância de recurso, não existe nenhum deles minimamente subsumíveis tanto ao art. 34.º, como 35.º do Código Penal, sendo, por isso, manifestamente improcedente este seu fundamento de recurso, o que dá lugar a sanção [420.º, n.º 3 C. P. P.]
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c) A medida e a escolha da pena
A todo o crime corresponde uma reacção penal, mediante a qual a comunidade expressa o seu juízo de desvalor sobre os factos e a conduta realizada por quem viola os comandos legais do ordenamento penal, estando a mesma definida no respectivo tipo legal.
O crime de condução sem habilitação legal da previsão do art. 3.º, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 2/98, de 03/Jan., estabelece uma pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
Os mínimos legais da pena de prisão situam-se, em regra, num mês [41.º, n.º 1] e os da pena de multa em dez dias [46.º, n.º 1].
Tal ilícito é um crime de perigo abstracto, onde se tutela a segurança da circulação rodoviária, mediante a imposição legal de quem conduz na via pública um veículo automóvel ou motorizado deve estar habilitado a fazê-lo, sujeitando-se previamente a exame de condução para aferição das suas capacidades para o efeito.
Estabelecida a medida legal da pena, opera-se primeiro a sua escolha e depois a determinação judicial, sendo certo que, segundo o art. 40.º, n.º 1, do Código Penal(4) “A aplicação das penas …visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente da sociedade”, acrescentando o seu n.º 2 que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Isto significa que a pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem, ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica, típica da prevenção geral, cuja graduação deve ser proporcional à culpa.(5)
Por sua vez, de acordo com o art. 70.º e relativamente aos critérios de escolha da pena, comina-se que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição”.
No caso em apreço, podemos constatar que o arguido já revela antecedentes criminais e logo pelo mesmo crime de condução sem habilitação legal, pelo que existem fortes razões de prevenção especial para que se opte pela pena de prisão, como se fez na sentença recorrida.
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De acordo com os critérios de determinação da medida da pena, fixados no art. 71.º e conjugados com aquele art. 40.º, esta, numa primeira fase, é encontrada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, quer resultem a favor ou contra o agente.
Assim, daquela primeira aproximação decorrem duas regras centrais: a primeira é que a culpa é o fundamento para a concretização da pena, devendo esta proteger eficazmente os bens jurídicos violados; a segunda é que deverá ter-se em conta os efeitos da pena na vida futura do arguido na sociedade e da necessidade desta defender-se do mesmo, mantendo a confiança da comunidade na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada.
Posto isto, podemos dizer que nesta acção a pena serve primacialmente, por um lado, para a responsabilização do arguido, atenta a sua culpa e a intensidade do bem jurídico violado, contribuindo ainda, por outro lado e ao mesmo nível, para a sua reinserção, procurando não prejudicar a sua situação social mais do que o estritamente necessário.
Também, aqui deve-se, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, sem sombra de dúvidas, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma, procurando dar satisfação ao sentimento de justiça do mundo circundante que rodeia o arguido (função de prevenção geral).
O grau de ilicitude é muito elevado, já que o arguido não se tem inibido de conduzir, apesar das condenações anteriores.
Tal conduta revela um manifesto desprezo pelos comandos legais, tendo o arguido agido ainda com dolo directo.
Daí que se justifique uma pena que se situe muito próximo dos seus parâmetros máximo e não do seu mínimos, pois estes reservam-se para os casos de culpa leve.
Atenta a culpa muito elevada do arguido a pena de 8 meses de prisão, apenas peca por defeito.
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d) Pena de prisão suspensa
Só há lugar à suspensão da execução de uma pena de prisão, atento o disposto no art. 50.º, n.º 1 do Código Penal(6) se a simples censura do facto e a ameaça daquela pena forem bastantes para afastar o arguido da criminalidade, satisfazendo simultaneamente as necessidades de reprovação e prevenção do crime.
A actual redacção deste preceito, resultante da Lei n.º 59/2007, de 04/Set, alterou de 3 para 5 anos de prisão este pressuposto objectivo ou formal, muito embora sujeite obrigatoriamente a regime de prova os períodos de suspensão superiores a 3 anos ou quando o condenado não tiver ainda completado 21 anos, à data do cometimento do correspondente crime [53.º, n.º 3].
A jurisprudência tem assim vindo a acentuar, que a suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado [Ac. do STJ de 2002/Jan./09 (Recurso n.º 3026/01-3.ª) e 2007/Out./18, (Recurso n.º 3185/07) divulgados, respectivamente, em http://www.stj.pt e www.colectaneadejurisprudência.com)].
Tal juízo deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a protecção dos bens jurídicos violados, reflectindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta “ante et post crimen” e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infracção.
Para o efeito, será de atender que a pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reacção penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vectores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva).
Porém, outros dos seus vectores é a protecção dos bens jurídicos violados e, naturalmente, a protecção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adoptar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa).
Na protecção dos bens jurídicos, será igualmente de destacar que a reacção penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, sem sombra de dúvidas, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral).
Pretende-se, assim, dar satisfação ao sentimento de justiça do mundo circundante que rodeia o arguido, através do mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica [Ac. STJ de 2007/Set./26, (Recurso n.º 2579/07), acessível em www.colectaneadejurisprudência.com].
Daí que, muitas vezes, e sobrepondo-se à ressocialização, seja necessária a execução de uma pena de prisão para defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude generalizada e consequente de não se tomar a sério o desvalor de certas condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais relevantes de um Estado de Direito Democrático(7).
Será pois nesta dupla perspectiva de ressocialização do condenado e de tutela do ordenamento jurídico, na vertente de obtenção da paz jurídica, que deverá ser perspectivado e efectuado aquele juízo de prognose favorável à suspensão da correspondente pena de prisão, sendo certo que este ponto de partida será sempre o momento da decisão condenatória e não da prática do crime [Ac. do STJ de 2001/Mai./24 [CJ (S) II/201].
E isto porque é no momento em que se procede a julgamento que se poderá antever se a suspensão poderá favorecer ou não a integração do arguido na sociedade, sem pôr em causa as finalidades político-criminais de aplicação das penas.
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O arguido já tem antecedentes criminais pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, cuja prática inicial remonta a 1998, tendo as condenações sido em número de catorze, sendo a última de 02 de Fevereiro de 2008, pelo que existem fortes razões de prevenção especial para que a pena de prisão decretada seja efectiva.
Por outro lado, existem fortes razões de prevenção geral, na vertente da defesa do ordenamento jurídico e da paz jurídico, para que se seja fortemente inibidor de condutas persistentemente violadoras dos comandos legais e que continuam a pôr em perigo o tráfico rodoviário, sabido do elevado índice de sinistralidade no nosso país, conforme as estatísticas divulgadas pela ANSR [www.ansr.pt].
Assim e existindo acentuadas motivos de prevenção especial de defesa da sociedade e de protecção eficaz dos bens jurídicos violados, seja ao nível da responsabilização do arguido, seja ao nível da prevenção geral, consideramos que é totalmente desaconselhável optar por qualquer pena substitutiva da presente pena de prisão [43.º, 44.º, 45.º e 46.º, todos do Código Penal].
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e) Cúmulo jurídico
Nas regras de punição do concurso estabelece-se no art. 77.º, n.º 1 que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”
Como pode constatar deste segmento normativo apenas se impõe a determinação de uma pena única em relação a condenações que ainda não transitaram em julgado, o que não sucede com aquelas outras condenações que o arguido pretendia, nesta fase, proceder à realização do cúmulo jurídico, pelo que é manifestamente improcedente este seu fundamento de recurso, que por isso mesmo deverá ser devidamente sancionado [420.º, n.º 3 C. P. P.]
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III.- DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao presente recurso interposto pelo arguido B………. e, em consequência, confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em quatro (4) Ucs. [513.º n.º 1 e 514.º n.º 2 do C.P. P. e art. 87.º n.º 1 al. b) do C.C.J.]

Mais condena-se o arguido na sanção de quatro (4) UCs [420.º, n.º 3 do C. P. P.]

Notifique.

Porto, 12 de Janeiro de 2011
Joaquim Arménio Correia Gomes
Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro

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(1) BARRETO, Ireneu Cabral “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem – Anotada”, Coimbra, Coimbra Editora, p. 133; ASHON, Christina & FINCH, Valerie “Humans Rights & Scots Law”, Edimburgo, Thomson & W. Green, 2002, p. 99 e ss..
(2) Doravante são deste diploma os artigos a que se fizer referência sem indicação expressa da sua origem.
(3) Ambos acessíveis em www.dgsi.pt e o segundo também em www.colectaneadejurisprudencia.com, de que fomos relator.
(4) Doravante são deste diploma os artigos a que se fizer referência sem indicação expressa da sua origem.
(5) Veja-se a propósito Claus Roxin, em “Culpabilidad y Prevencion en Derecho Penal”, p. 181; Figueiredo Dias, em “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime” (1993), p. 73 e no seu estudo “Sobre o estado actual da doutrina do crime”, na RPCC, ano I (1991), p. 22; Maria Fernanda Palma, no seu estudo sobre “As alterações da Parte Geral do Código Penal na revisão de 1995: Desmantelamento, reforço e paralisia da sociedade punitiva”, em “Jornadas sobre a revisão do Código Penal” (1998), p. 26, onde se traça as finalidades de punição deste artigo, com base no § 2 do projecto alternativo alemão (Alternativ-Entwurf).
(6) Doravante são deste diploma os artigos a que se fizer referência sem indicação expressa da sua origem.
(7) DIAS, Jorge de Figueiredo, “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime” (2005), p. 344.