Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00031238 | ||
Relator: | CÂNDIDO DE LEMOS | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO INDEMNIZAÇÃO DANOS FUTUROS CÁLCULO INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL | ||
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Nº do Documento: | RP200111060121432 | ||
Data do Acordão: | 11/06/2001 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | T J AMARANTE 3J | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 144/99 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR RESP CIV. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ART562 ART566 N3. | ||
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Sumário: | I - Não podendo o autor, motorista de profissão, trabalhar por virtude de lesões sofridas em acidente de viação, também não tem despesas com refeições fora de casa ou com deslocações; assim, só pode ter-se em consideração o valor do seu vencimento base que é o prejuízo efectivo ou real. II - A indemnização relativa à incapacidade permanente parcial deve ser calculada através da formula matemática referida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1994, in CJSTJ, Ano II, Tomo 2, Página 86, levando ainda em conta a inflação anual, os ganhos de produtividade e a progressão na carreira. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: No Tribunal Judicial da comarca de....., -.º Juízo, Manuel......, casado, motorista, residente em....., ....., da comarca, move a presente acção para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação contra Companhia de Seguros....., com sede na Avenida....., ....., pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 7 887 359$00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento, como indemnização pelos danos sofridos em acidente ocorrido em 14 de Novembro de 1997, cuja culpa imputa em exclusivo ao segurado da ré por circular fora da sua mão de trânsito. Pede ainda a condenação da ré a indemnizá-lo no que se vier a liquidar em execução de sentença pelos prejuízos da perda de vencimento desde a petição, despesas médicas e tratamentos. Foi-lhe concedido o benefício de apoio judiciário, consistente na dispensa de pagamento de taxa de justiça e custas. Citada, a ré deduziu contestação, pedindo a improcedência da acção. Elaborado o despacho saneador e a base instrutória, procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal aplicável, merecendo os quesitos as respostas constantes de fls. 129 e seguintes. Foi estão proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor a quantia de 7 837 304$00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento. Inconformada, a ré apresenta este recurso de apelação e nas suas alegações formula as seguintes conclusões: 1.ª- Ficou provado que à data do acidente o autor auferia a remuneração mensal base de 92 320$00, acrescida de subsidio de refeição de 637$00 e 20 000$00 mensais de ajudas de custo. 2.ª- Entende a Recorrente, que a indemnização das perdas salariais em causa desde a data do acidente até à data da acção em juízo - período no qual o autor não pôde trabalhar- devem ser contabilizadas mediante a remuneração base de 93 320$00 e não com base no valor de 113 300$00. 3.ª- Na verdade, quer o subsidio de refeição, quer o valor respeitante a ajudas de custo, pressupõem que o autor tivesse efectivamente trabalhado, o que não aconteceu, como ficou provado. 4.ª- Com efeito, o subsidio de refeição, destina-se a compensar - que não custear - o autor das refeições feitas fora de casa, por causa do trabalho. 5.ª- Corno o autor desde a data do acidente até à data da entrada da acção em juízo, não trabalhou, não sofreu qualquer prejuízo, susceptível de compensação, pela via do subsidio de almoço. 6.ª- No que concerne à ajuda de custo, destinadas a compensar despesas, para exercer a sua actividade profissional, como o autor, igualmente, esteve sem trabalhar, não teve qualquer despesa, nem prejuízo em tais deslocações inexistentes, pelo que não existe lugar a qualquer indemnização. 7.ª- Pelo que, a indemnização do autor pelas perdas salariais ocorridas entre a data do acidente de viação e a data da entrada da acção em juízo, são de 1 368 784$00 e não o valor sentenciado de 1 725 264$00. 8.ª- A indemnização fixada na sentença de 4 500 000$00, resultante da IPP de 15%, de que o autor ficou portador, deverá ser reduzida ao montante de 4 000 000$00, peticionada por este, em conformidade com o seu próprio sentimento de justiça, por mais conforme aos critérios jurisprudencialmente dominantes, uma vez, que o autor, receberá a totalidade da indemnização de uma só vez. Pugna pela redução da indemnização nos termos apontados. Contra-alega o autor em defesa do decidido. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Da instância vêm dados como provados os seguintes factos.: -a) No dia 14 de Novembro de 1997, pelas 7,30h, na E.M.n.º ---, no lugar de....., ....., ....., ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de Mercadorias de matrícula SL-..-.., conduzido por Paulo..... e pertença de António..... e o veículo pesado de mercadorias com a matrícula ..-..-AT, conduzido pelo autor e pertencente à Sociedade de Construções "A....., L.da". -b) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A), o veículo SL-..-.. circulava no sentido .... - ..... e o veículo ..-..-AT, em sentido contrário. -c) Na data referida em A) o tempo estava bom. -d) O Veículo SL-..-.. embateu com a sua frente na roda da frente do lado esquerdo do veículo ..-..-AT. -e) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A), o A. conduzia o veículo ..-..-AT no exercício da sua actividade laboral, de motorista de pesados, segundo ordens, fiscalização e direcção da Sociedade de Construções "A......, L.da". -f) A Sociedade de Construções "A......, L.da", relativamente aos seus trabalhadores, mediante contrato, havia transferido a responsabilidade por acidentes de trabalho Para a Sociedade Portuguesa de Seguros (SPS). -g) Em consequência do embate referido em A), o autor sofreu ferimentos e foi transportado em ambulância para o serviço de urgência do Hospital de....., ....., onde após ter sido medicado, deram-lhe alta hospitalar. -h) Durante um mês foi observado por um médico de..... e fez fisioterapia durante dois meses na Clínica....., por indicação da SPS. -i) O autor foi observado regularmente em consultas, nos serviços clínicos da SPS. -j) Por indicação da SPS, o autor esteve internado na Casa de Saúde da.... para tratamento cirúrgico, que depois não se realizou. -l) Os serviços clínicos da SPS prescreveram ao autor exame de ressonância magnética lombar, após o qual lhe deram indicação operatória. -m) A SPS atribuiu ao autor alta médica em 24.04.98. -n) A SPS pagou ao A. 292 976$00, a título de rendimentos do trabalho. -o) À data do embate referido em A) o proprietário do veículo SL-..-.. tinha a responsabilidade civil emergente da circulação daquele veículo transferido para a R., mediante contrato e seguro titulado pela apólice n.° --/-----. -p) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A), o veículo conduzido pelo autor circulava a velocidade não superior a 20 Km/h e pela metade direita da faixa de rodagem, junto à berma direita, atento o seu sentido de marcha. -q) Atento o sentido de marcha do veículo SL-..-.., a estrada desenha-se em curva à direita, fechada e a descer acentuadamente. -r) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A), o condutor do veículo SL-..--.., circulava a velocidade não superior a 45 km/h. -s) E, não conseguiu descrever a curva que se apresentava à sua direita, atento o seu sentido de marcha, dentro da sua mão de trânsito. -t) Descrevendo a referida curva com o veículo atravessado, invadiu a hemi-faixa esquerda da estrada, atento o seu sentido de marcha, e foi embater no veículo conduzido pelo autor. -u) O autor logo que se apercebeu da trajectória do veículo SL-..-.., travou e imobilizou o seu veículo. -v) O embate referido em A) ocorreu totalmente na mão de trânsito do autor, a 1,90m da berma do lado direito, atento o seu sentido de marcha. -x) O veículo SL-..-.., após o embate, ficou atravessado na faixa de rodagem, distando a retaguarda do lado direito do mesmo 50 cm da berma do lado direito e a frente do lado direito 2,40 m dessa mesma berma, atento o seu sentido de marcha. -z) A estrada referida em A), no local onde ocorreu o embate, tem 6,10m de largura e o seu piso é em paralelo. -aa) Por causa do embate, a porta do lado do condutor do veículo conduzido pelo autor abriu-se. -bb) Em consequência do embate referido, o autor sofreu traumatismo da região frontal, esquerda e traumatismo lombar. -cc) Actualmente (à data da propositura da acção), o autor ainda não consegue trabalhar, mantendo dor lombar, claudicação na marcha, menor força muscular no membro, inferior esquerdo. -dd) Por causa das lesões sofridas em consequência do embate, o autor tem francas limitações para correr, andar de bicicleta e jogar futebol. -ee) As referidas lesões determinaram para o A. uma incapacidade parcial permanente não inferior a 15%. -ff) Antes do embate, o autor era um homem saudável, forte, sem qualquer deformidade e sem qualquer limitação físico para o desempenho da sua função. -gg) À data do embate, o autor auferia, mensalmente, a remuneração base de 92.320$00, acrescida de subsídio de refeição de 637$00, por dia e de 20.000$00 mensais de ajudas de custo. -hh) Após a data referida em M) dos factos assentes, o autor, tentou retomar a sua actividade laboral sem o conseguir. -ii) No exercício da sua actividade, o autor por vezes tinha de proceder a cargas e descargas para o veículo pesado que conduzia. -jj) As sequelas que sobrevieram ao autor após o embate, afectam-no no exercício da sua profissão, o qual não exerceu qualquer actividade, trabalho ou tarefa remunerada, desde o acidente até à data da propositura da acção. -ll) Em consequência do embate, o autor despendeu em consultas médicas e medicamentosas, 44 625$00. -mm) Em exames complementares de diagnóstico- radiologia e TAC- despendeu 60 280$00. -nn) Numa cinta ortopédica lombar, despendeu 16 380$00. -oo) Em consequência do embate, o autor sofreu dores, viveu e continua a viver angústias, receios e temores pela incerteza sobre a sua situação clínica e laboral. -pp) Desde a data do embate, o autor tem vivido do auxílio de familiares. -qq) Em consequência do embate, o autor ficou com uma cicatriz na face esquerda, visível, sentindo desgosto por isso. -rr) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A) dos factos assentes, o condutor do veículo SL-..-.., fazia-o sob ordens, direcção, fiscalização e no interesse de António...... -ss) Para além do facto assente em N) a S.P.S. pagou ao Autor 6.000$00 de despesas médicas e 3.245$00 de despesas farmacêuticas, tendo a Ré reembolsado desse valor a SPS. -tt) O Autor nasceu em 28 de Dezembro de 1966. Sendo estes os factos tidos como assentes, cumpre conhecer do objecto do recurso, delimitado como está pelas conclusões das respectivas alegações (art.684.º n.º3 e 690.º n.º1 do CPC). São duas as questões colocadas: 1.ª- Valor dos salários reais não recebidos: 2.ª- Valor da perda da capacidade aquisitiva. -- I -- Entendeu o Tribunal fixar o valor das perdas salariais até 18 de Junho de 1999 (propositura da acção) em 1 725 264$00, atendendo ao salário de 111 300$00, durante 18 meses e 4 dias e ao facto de o autor haver recebido da seguradora do trabalho já 292 976$00. Entende a apelante que tal valor deverá ser reduzido a 1 368 784$00, pelo facto de não se puder considerar que integram o valor de “perdas salariais” tanto as ajudas de custo, como o subsídio de refeição. Tem razão. A nível de responsabilidade extracontratual, o princípio consagrado na nossa lei é o da teoria da diferença: quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado a lesão- art. 562.º do CC. Só o prejuízo efectivamente verificado poderá ser levado em conta. Não podendo o autor, motorista de profissão, trabalhar, também não tem despesas com refeições fora de casa ou com deslocações. Assim só se pode ter em consideração o valor mensal de 93 320$00, que é o vencimento base e o prejuízo efectivo ou real do autor. Procede, pois, esta primeira questão, sendo fixadas as perdas salariais em 1 368 784$00 indicadas pela ré. -- II -- Quanto à perda da capacidade aquisitiva, foi esta fixada em 4 500 000$00, sendo que haviam sido pedidos 4 000 000$00. Entende a apelante que este último valor é o mais ajustado. Vejamos. Dado que já foram contados os salários não recebidos até à entrada da petição inicial, é daqui que se terá de partir. Tinha nesta altura o autor 32 anos de idade. A remuneração a ter em consideração aqui terá de ser a que receberia se estivesse a laborar, que é de 111 300$00, 14 vezes por ano. A IPP que padeceu é de 15%. O limite de vida activa como motorista profissional terá de ser o usual de 65 anos e não os 70 referidos na sentença, que se consideram excessivos para a profissão do autor. O cálculo será sempre difícil, por depender de dados problemáticos- Ac do STJ de 26/5/93 in CJSTJ, Ano I, T1, 130. Sempre defendemos o primado da equidade sobre a matemática. Parece-nos ser o único critério legal- n.º3 do art. 566.º do CC. Mas equidade não será livre arbítrio e daí o auxílio das fórmulas. É usual lançar mão de fórmulas matemáticas, designadamente à que vem referida no Ac. da Relação de Coimbra de 4/4/95 in CJ Ano XX, T2, 23, a qual, por sua vez refere a utilizada pelo Ac. do STJ de 5/5/94 in CJSTJ, Ano II, T2, 86, levando ainda em conta a inflação anual, os ganhos de produtividade e a progressão na carreira. Todas elas pretendem encontrar um valor a entregar agora e de uma só vez aos lesados, que represente o rendimento perdido pela incapacidade durante o tempo provável de vida activa. Encontra-se, assim, um capital que produzirá rendimentos mensais semelhantes ao valor perdido, mas que no final se esgotará. Com os elementos referidos, durante um ano a incapacidade parcial permanente representará o valor de 233 730$00. Vamos então usar a fórmula do Ac. da Relação de Coimbra de 4/4/95 in CJ Ano XX, T2, 23. 1+r i = ------ - 1 1+ k Considerámos o factor ”k”, a taxa anual de crescimento da prestação a pagar no primeiro ano, como sendo de 3%. Tal factor diz respeito à inflação anual, aos ganhos de produtividade (1.º) e à evolução comercial (no caso). Entende-se, então para “i” o valor de 0,0146, sendo de 4,5% a taxa de juro nominal(R) e de 3% a taxa de crescimento (K). Sendo que a vida activa do autor será considerada, como é usual, até aos 65 anos, na data do acidente ainda faltavam 33 anos. Assim, para encontrar o valor do capital a entregar ao lesado, ter-se-à de calcular: (1+ 0,0146) 33 - 1 C=----------------------------- X 233 730$00 ( 1+ 0,0146)33 X 0,0146 Encontrar-se-á, assim, o valor de 4 676 742$268. Nestes termos, o valor que a sentença encontra não se afasta muito do aqui indicado, sendo que o mesmo se contém dentro do pedido global. Não há razões para baixar até aos quatro mil contos, como pretende a apelante, improcedendo a segunda questão suscitada. Não foi objecto deste recurso, tanto o valor do dano moral- 1 500 000$00- como o do dano material relativo a despesas médicas- 112 040$00. Tendo em conta o valor da perda de capacidade aquisitiva- 4 500 000$00- e as perdas salariais efectivas- 1 368 784$00, o total da indemnização ascende a 7 480 824$00. DECISÃO: Nestes termos se decide julgar parcialmente procedente a presente apelação, reduzindo-se a indemnização a 7 480 824$00, que a crescem os juros respectivos. Custas conforme o vencimento, tendo-se em atenção o benefício concedido ao autor. PORTO, 06 de Novembro de 2001 Cândido Pelágio Castro de Lemos Armindo Costa Durval dos Anjos Morais |