Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3771/12.8TBVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
ARRENDAMENTO RURAL
INDEMNIZAÇÃO
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RP201609293771/12.8TBVFR.P1
Data do Acordão: 09/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 78, FLS.283-284).
Área Temática: .
Sumário: I - O arrendamento rural não constitui um ónus da propriedade, pelo que a indemnização atribuída ao arrendatário não deve ser deduzida na indemnização fixada ao proprietário.
II - Assim, o valor da indemnização a atribuir ao arrendatário corresponde à justa indemnização a que este tem direito pela caducidade do contrato, benfeitorias e prejuízos, não devendo ser deduzida na indemnização fixada ao proprietário.
III - O destino possível do terenio expropriado tem que ser um destino que assenta tal possibilidade na realidade, um destino que recolhe na realidade existente indícios credíveis, sérios, fiáveis, de um potencial desenvolvimento imediato ou próximo no contexto de uma utilização económica normal.
IV - Os expropriados e demais interessados têm o direito de ser indemnizados pelos atrasos imputáveis à entidade expropriante no andamento do procedimento expropriativo ou na realização de qualquer depósito no processo litigioso.
V - O dever da entidade expropriante de pagar juros moratórios depende de o atraso lhe ser imputável.
VI - Para concluir se há atrasos são imputáveis à expropriante, há que verificar o cumprimento dos prazos em relação a cada um dos actos e aferir também em relação a cada um deles, se o incumprimento está ou não justificado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº3771/12.8TBVFR.P1
Tribunal recorrido: Comarca de Aveiro
St.ª M.ª da Feira – Inst Local – Secção Cível – J3
Relator: Carlos Portela (724)
Adjuntos: Des. Pedro Lima Costa
Des. Filipe Caroço
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório:
Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública em que é expropriante B..., SA e expropriados C... e mulher D..., foi adjudicada à expropriante a propriedade da parcela com o n° 1041, com a área de 5894 m2, a destacar do prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n° 2144/20020121 e inscrito na matriz predial rústica sob o art° 4304 da freguesia de ..., concelho de Santa Maria da Feira, sito no Lugar de ..., da referida freguesia, a confrontar a norte com restante prédio, a sul com restante prédio e E..., a nascente com estrada e a poente com estrada.
A expropriante procedeu ao depósito da indemnização arbitrada (cfr. 139 e 141).
Pelos expropriados proprietários foi interposto recurso da decisão arbitral, no âmbito do qual sustentam, em síntese, que:
-o prédio donde é destacada a parcela constitui uma propriedade denominada por "F...";
-a parcela situa-se numa zona relativamente central da freguesia de ... e dista cerca de .. Km da sede do concelho e dos centros urbanos de Espinho e de Vila Nova de Gaia;
-é servida por razoáveis acessos, designadamente a EN ..., a EN ... e a EN ... e as artérias que servem a parcela e parte sobrante (Alameda ... e Rua ...) estão ligadas diretamente a outras artérias estruturantes tais como a Auto estrada A..., IC..;
-na envolvente situa-se a Junta de Freguesia, Posto Médico, Centro Social, Casa do Povo, Escola Preparatória, Igreja Paroquial e as urbanizações de ..., ..., ..., ... e ...;
-a parcela localiza-se entre a Alameda ..., a poente, e a rua ..., a nascente;
-a parcela tem uma frente de .. m para a rua ..., daí distando cerca de .. m da Rua ...;
-a parcela tem uma frente de ... m para a Alameda ..., donde dista cerca de ... da Rua ...;
-a Alameda ... e a Rua ..., que confinam com a parcela e parte sobrante, possuem infraestruturas urbanísticas, dispondo de acesso rodoviário pavimentado, passeios em toda a extensão do arruamento ou do quarteirão, rede de abastecimento domiciliário de água, rede de saneamento com coletor em serviço junto da parcela, rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão, rede de drenagem de águas pluviais, estação depuradora em ligação com a rede de coletores de saneamento, rede distribuidora de gás e rede telefónica;
-de acordo com o PDM em vigor à data da G... para o prédio dos expropriados, o mesmo destinava-se à edificação de habitação, comércio, serviços e equipamentos públicos.
-o Regulamento do PDM em vigor à data da G... admitia a edificação no prédio destinada a centro comercial com serviços e habitação multifamiliar, mas também permitia a edificação destinada a shopping center, edifícios multiusos ou ainda uma zona comercial com hotel e complexo de escritórios.
-o valor da indemnização pela expropriação da parcela é € 4.131.285,10 e a desvalorização da parte sobrante ascende a € 3.323.895,00, devendo ainda os Expropriados ser ressarcidos dos danos pelo atraso do andamento do procedimento administrativo e a privação do capital.
A expropriante respondeu ao recurso interposto pelos expropriados proprietários, pugnando pela improcedência o recurso e interpôs recurso subordinado da decisão arbitral, no âmbito do qual sustenta, em síntese, que:
-a parcela localiza-se em zona abrangida pelo PDM de Santa Maria da Feira, na sua maior parte em espaço classificado como "área de urbanização condicionada" (5464 m2), a parte restante, cerca de 430 m2, situava-se em espaço classificado como "área de construção preferente";
-de acordo com o PDM o índice máximo de construção admissível era, à data da G..., de 1.2 m2 de construção por metro quadrado de terreno, sendo que este índice de aproveitamento construtivo apenas é aplicável dentro da faixa de terreno com profundidades máximas de 50 metros a contar do arruamento confinante;
-o terreno, apesar do seu efetivo aproveitamento à data da G..., deve ser classificado como "solo com aptidão construtiva";
-não se verifica danos provocados pelo processo expropriativo, tanto mais que à data da G... não havia plano, estudo, esboço ou projeto de aproveitamento construtivo para o terreno expropriado, e bem assim à data da G... o fracionamento do imóvel não seria permitido, encontrando-se o imóvel com duas situações de arrendamento que impediam a imediata destinação construção do solo;
-não existe qualquer dano de privação de capital, porquanto o terreno expropriado encontrava-se com os arrendamentos, recebendo os expropriados € 1.800,00 por ano, mais um tanto de vinho e fruta.
-o valor da indemnização pela expropriação da parcela é € 350.153,34.
Os expropriados responderam ao recurso interposto pela entidade expropriante, pugnando pela improcedência o recurso.
Pelo expropriado arrendatário foi interposto recurso da decisão arbitral, no âmbito do qual se sindica apenas o valor da indemnização.
A expropriante respondeu ao recurso interposto pelo expropriado arrendatário, pugnando pela improcedência o recurso.
Procedeu-se à avaliação prevista nos art°s 61° e 62° do Código das Expropriações, na sequência da qual foi elaborado o relatório junto a fls. 455 a 499 e esclarecimentos a fls. 519 a 524.
Procedeu-se à prestação de esclarecimentos dos Exm°s Peritos na diligência designada para o efeito, bem como à inquirição de testemunhas.
As partes alegaram, nos termos do disposto no art° 64° do Código das Expropriações.
Foi então proferida sentença na qual se julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela expropriante e expropriados e, em consequência:
Se fixou o montante indemnizatório a pagar aos expropriados proprietários em € 534.966,28 (quinhentos e trinta e quatro mil, novecentos e sessenta e seis euros e vinte e oito cêntimos) a atualizar, a partir da data da declaração de utilidade pública e até à data do trânsito em julgado da presente decisão, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação da parcela de terreno expropriada;
Se fixou o montante indemnizatório a pagar ao expropriado arrendatário em € 40.212,05 (quarenta mil, duzentos e doze euros e cinco cêntimos) a atualizar, a partir da data da declaração de utilidade pública e até à data do trânsito em julgado da presente decisão, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação da parcela de terreno expropriada.
Inconformados com a decisão recorrida, dela vieram recorrer o arrendatário expropriado, a expropriante e os expropriados, apresentando todos eles e nos termos legalemnte previstos as suas alegações.
Foi proferido despacho onde se considerou os recursos tempestivos e legais e se admitiram os mesmos como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nresta Relação emitiu-se despacho que teve os recursos por próprios, tempestivamente interpostos e admitidos com efeito e modo de subidada adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.Enquadramento de facto e de direito:
Como é consabido, o objecto dos presentes recursos e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelos apelantes em cada uma das suas respectivas alegações (cf. os artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do NCPC).
Importa pois saber qual o teor de cada uma delas.
Assim, é o seguinte o conteúdo das conclusões do arrendatário/expropriado H...:
1.O recorrente, por causa do acto expropriativo, ficou impedido de continuar A actividade exercida na exploração agrícola, ao abrigo de um contrato de arrendamento, sem prazo, de 1977; o arrendado, com a área de 12.000, 00 m2, ficou confinado a 1.593 m2, e a parte do arrendado onde desenvolvia a dita exploração ficou reduzida a 317 m2. Os documentos fotográficos juntos aos autos e apenso dão uma ideia da exploração agrícola que o recorrente desenvolveu ao longo de mais de 30 anos, cuja verdadeira valia os relatórios periciais, por inaptidão ou imperícia, não souberam discernir.
2.Para o exercício da sua actividade, o recorrente estava colectado nas Finanças como empresário em nome individual (viveiros e produtos hortícolas) e era sujeito passivo de IVA, comprovando ter rendimentos anuais líquidos médios de € 18.390, 00; está ainda comprovado nos autos que após o acto expropriativo fez declarar a cessação da sua actividade empresarial.
3.De acordo com a lei expropriativa, o recorrente tem direito a indemnização autónoma (independente da do dono da terra - art° 30 n° 1), calculada em conformidade com os princípios gerais de direito (danos emergentes e lucros cessantes) - art° 23, 30 n° 5 CEXP; art° 562, 564 e 566 CC; a jurisprudência citada é bastante elucidativa quanto à forma de indemnizar o arrendatário, sendo certo que, para cálculo desta, deve ser considerado que a forma como o recorrente exercia a sua actividade agrícola em nada o diferencia de qualquer outro empresário, comercial ou industrial. A qualidade do arrendamento (agricultor autónomo) não deve contender com o comércio dos produtos que fazia para melhor rentabilizar o arrendamento.
4.Portanto, sob pena de tratamento diferenciado, na indemnização a arbitrar ao recorrente, deverá o tribunal considerar a actividade exercida e comprovada pelo recorrente como actividade de índole comercial (venda de plantas hortícolas para plantio e de utilização imediata), ainda que exercida em terreno submetido a arrendamento rural.
5.A douta decisão recorrida, limitando-se a reproduzir secamente o laudo pericial, sem qualquer discussão, é completamente omissa quanto às diversas questões alinhadas pelo recorrente no recurso interposto do acórdão arbitral, e nas alegações oferecidas (art° 64 CEXP), designadamente quanto à área a que o arrendado ficou reduzido, efectivos custos anuais suportados com a exploração agrícola, bem como quanto ao critério a utilizar para a determi nação da perda de rendimento futuro, que aqui, para utilizar a terminologia legal, denominaremos de lucros cessantes (art° 564 CC).
6.Damos aqui por reproduzidos os factos constatados do corpo alegatório, que se referem à redução da área do arrendado (86, 70%), valor médio dos rendimentos anuais (€ 18.390, 00), custos anuais com a exploração agrícola (não superiores a 20%, por referência aos rendimentos declarados), e bem assim o prazo por que deve calcular-se o montante indemnizatório (10 anos).
7.Quanto ao prazo de 10 anos, louvamo-nos no critério expendido na obra e autor citados (VALORIZAÇÃO DE BENS EXPROPRIADOS, Eng. Alípio Guedes), cujo ensinamento não deve ser desmerecido.
8.O critério (5 anos) seguido pelos senhores peritos do tribunal e entidade expropriante é miserabilista e baseia-se em 2 factos inconsistentes: 1°, o de que deve aplicar-se o prazo renovatório da lei antiga e não o da lei nova, caso houvesse lugar à aplicação de qualquer das leis; 2°, o de que o arrendamento em causa está sujeito a prazo, o que não é verdadeiro.
9.O critério (7 anos) do prazo renovatório do senhor perito indicado pelo tribunal para os expropriados observa a lei que seria aplicável (art° 12 n° 2, 2a parte CC, DL 385/88 de 25-10 e DL 524/99 de 10-10), caso o contrato fosse sujeito a renovações consentidas; todavia, pelas razões aduzidas, tal arrendamento deve considerar-se sem prazo, havendo por conseguinte que aplicar-se o critério mais consentâneo, plasmado e definido na conclusão 7a.
10.Na verdade, se o arrendamento não era sujeito a prazo, no sentido de que não era dependente de renovações consentidas, seria uma ficção e ilógico determinar-se uma indemnização com base numa hipotética renovação, que se sabe não se verificar; esgotada a indemnização, dada a prazo, de que é que vai viver o recorrente e mulher?
11.ssim o valor indemnizatório decorrente da lesão da exploração agrícola que o recorrente fazia no arrendado deve ser o de € 127.553, 040- [(18.390 - 20%) x 86, 70% x 10] \ 5.
12.Conforme prova documentada, junta ao recurso do acórdão arbitral, o recorrente tem uma obrigação a seu cargo, reconhecida judicialmente, consistente numa pensão mensal de alimentos, paga em géneros que retirava da exploração, no valor de € 200, 00, e de que é credora a sua ex-mulher.
13.Por causa da expropriação está totalmente impedido de dar a referida pensão, pois não pode obter os géneros que antes produzia no arrendado para entregar em pagamento da dita pensão mensal.
14.Visto que continua a ser titular da obrigação, e ela só não é cumprida por impossibilidade subjectiva (falta de meios), além de que a lesada não pode obter tutela contra a entidade expropriante (art° 9 n° 1 CEXP), impõe-se à expropriante a obrigação legal de dotar o recorrente dos meios necessários para esse efeito, a menos que assuma o encargo de pagar a pensão e fique sub-rogada nos direitos da credora (art° 589 CC).
15.Utilizando o mesmo critério do prazo, atrás referido para a indemnização do recorrente, computa-se em € 24.000, 00 a indemnização referenciada a 10 anos.
16.A douta decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, as normas referidas no corpo alegatório e na parte conclusiva
E é o seguinte o teor das conclusões da expropriante B...:
1. Na sentença "o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido á sua apreciação" {artigo 60Sfl n° 2 do C.PC).
2.Tendo a sociedade expropriante suscitado, no requenmento de interposição de recurso da decisão proferida em instância de arbitragem obrigatóruia, a questão dos reflexos do ónus inerente a existência de um contrato de anendamento rural vinculativo sobre o valor da indemnização calculado na pressuposição de um imóvel livre e devoluto, não poderia essa questão deixar de ser conhecida, ponderada e resolvida na sentença sob recurso.
3.A omissão de pronúncia sobre questões que devessem ser apreciadas constitui fundamento de nulidade da sentença, nulidade invocável na presente instância de recurso (artigo 615° n* 1 alínea d) e n° 4 do C.P.C.).
4.Os critérios e cálculos conducentes á fixação de uma indemnização JUSTA devem:
a) Partir do rigoroso registo das características, das circunstâncias, das condições objectivas e das condicionantes legais, regulamentares ou contratuais que consolidam a realidade do bem objecto de expropriação;
b) Tomar como princípio a razoabilidade ou o equilíbrio económico e, para tanto assentar ou sobre o destino efectivo dado ao bem expropriado na data da declaração de utilidade pública, ou sobre um destino possível numa utilização económica normal;
c) Procurar alcançar o valor real e corrente do bem expropriado, aquele preço que sena praticado em mercado livre por compradores e vendedores prudentes, avisados e informados, por forma a garantir a concretização do princípio da igualdade.
5. Dentro destes três princípios fundamentais, com assento na disposição do artigo 23° na 1 do Código das Expropriações - principio do respeito pela verdade ou pela realidade, princípio de respeito pela razoabilidade ou pelo equilíbrio económico e princípio de respeito pela igualdade - assumirá necessário relevo a consideração e ponderação do reflexo da existência de uma situação de arrendamento rural vinculativo que constituirá um ónus susceptível de afectar a valorização do bem expropriado muito particularmente quando essa valorização parte não já do destino efectivo desse bem mas antes do seu destino possível numa utilização económica normal.
6. Reconhecendo os Senhores Peritos que o aproveitamento construtivo do terreno, com base no qual estruturaram os cálculos para determinação do seu valor, é incompatível com a manutenção do arrendamento rural existente à data da declaração de utilidade pública, então, forçoso é concluir que para alcançar aquele valor construtivo do terreno seria necessário fazer cessar a situação de arrendamento rural e suportar os inerentes custos ou encargos.
7. Os custos ou encargos para cassação da situação contratual vinculativa de arrendamento rural são aqueles que resultam traduzidos na avaliação e fixação dos danos a pagar autonomamente ao arrendatário no processo de expropriação.
8. Pelo que, ã indemnização a pagar ao proprietário da parcela expropriada, fixada ela com base num possível aproveitamento construtivo e na disposição do prédio livre e devoluto de pessoas e de encargos ou ónus, haverá que deduzir as despesas ou custos que teriam de ser suportados para a libertação do ónus decorrente dos vínculos contratuais do arrendamento rural.
9. Assim sendo, ao valor atribuido ao terreno da parcela expropriada, de € 534.966,26, haverá que deduzir o montante da indemnização que autonomamente deve ser paga ao arrendatário rural em consequência da cessação do seu contrato e da extinção dos direitos dele decorrentes - condição de libertação do terreno a de possibilitação do aproveitamento construtivo visado na avaliação.
Por fim, é este o teor das conclusões dos expropriados C... e mulher:
1ª- O recurso vem interposto da douta sentença proferida nos autos em 19­11-2015, nos termos do qual a Ma Julgadora "a quo" julgou parcialmente procedente o recurso que os expropriados/proprietários interpuseram da decisão arbitral, e, por consequência, fixou a justa indemnização a atribuir aos ora recorrentes em 534.966,28€, a actualizar.
2ª- Ao abrigo do disposto no art. 662° n°1 do C.P.C. pede-se a alteração por aditamento da matéria de facto tida por provada, por forma a nela incluir que (i) os autos sofreram atrasos de 888 dias na fase não litigiosa, por facto indeterminado e injustificado da responsabilidade da entidade expropriante, e que (ii) os expropriados estão privados do capital da justa indemnização que lhes assiste desde a data da G... de 20-8-2009 até hoje, à excepção da quantia 250.153,24€, evidenciada a fls. 360;
3ª- A divisão da parcela feita na avaliação em duas sub-parcelas, bem como o destino de logradouro da sub-parcela com 2191m2 conflitua directamente com a conclusão já obtida e facto assente de que toda a parcela é solo apto à construção, o que conduziu à desproporção obtida nos valores unitários, de €126,93 para a parcela situada a menos de 50 m do arruamento, e de €25,39 para a parcela situada a mais de 50 m do arruamento, como se vê de fls. 468 e 469, o que é causa de anulação da avaliação e da sentença que a ela adere, ao abrigo do disposto no art.662° n°2 al.c) do C.P.C.;
4ª- Ao calculo da edificabilidade na parte da parcela designada por "Área de Construção Preferente" não é aplicável o disposto no art.13° n°s 1 al.a), 2 e 3 do Regulamento do P.D.M. que os Peritos aplicaram na avaliação, outrossim o disposto no art.13° n°4 do Regulamento do P.D.M., conjugado com o disposto no art.14°, o qual admite densidades superiores, pelo menos de 2,0, e cérceas máximas de 7 pisos, desde que devidamente justificadas em planos de urbanização ou de pormenor plenamente eficazes, plano este que os expropriados tinham o direito de apresentar com a proposta urbanística que entendessem, dentro dessas regras, oferecer à aprovação camarária, e ao calculo da edificabilidade na parte da parcela designada por "Área de Urbanização Condicionada" não é aplicável o disposto no art.13° n°s 1 al.a), 2 e 3 do Regulamento do P.D.M. que os Peritos aplicaram na avaliação, outrossim o disposto no art.21° que remete para o art. 13° n°4, ambos do Regulamento do P.D.M., conjugado com o disposto no art.22° que remete para o art. 14°. também do Regulamento, o qual admite densidades superiores, pelo menos de 2,0, e cérceas máximas de 7 pisos, desde que devidamente justificadas em planos de urbanização ou de pormenor plenamente eficazes, plano este que os expropriados tinham o direito de apresentar com a proposta urbanística que entendessem, dentro dessas regras, oferecer à aprovação camarária;
5ª- A avaliação violou as disposições do Regulamento citadas na conclusão que antecede, que permitiam aos expropriados construir edificação destinada a habitação, comércio e serviços como dispõe o dito Regulamento, através de operação urbanística de loteamento com apresentação de plano de pormenor, com uma cércea até ao limite de 7 pisos, mais sótão e vão do telhado, acima do solo, excluindo caves, e densidades de 2,0, pelo que a avaliação deve ser anulada por violação dessas normas substanciais o que conduz à violação do disposto no art. 26° n° 1 do CExp99, o qual impõe o cálculo do valor da construção que seria possível edificar no prédio se não fosse a expropriação, num aproveitamento económico normal;
6ª- Por isso, a avaliação e a sentença, por àquela ter aderido, não logram obter o valor real e corrente da parcela e do prédio, pois que, nos respectivos critérios e cálculos de avaliação, ignoram os textos legais, essencialmente a construção possível de efectuar no prédio, como legalmente lhes confere o Regulamento do P.D.M. de Sta Maria da Feira, aprovado pela resolução do Conselho de Ministros n° 56/93, em violação do disposto nos art.s 1°, 23° n°s 1, 4 e 5, 25° e 26° do CExp99, 1310° do C.C. e os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade do cidadão perante a lei consagrados nos art.s 62° n° 2 e 13° n° 1 da CRP;
7ª- De igual forma, a avaliação e a sentença que a ela adere ofendem e violam o caso julgado formado pela decisão arbitral, ao adoptarem um custo de construção por metro quadrado inferior ao da decisão arbitral, ou seja, esta adoptou €587,22/m2 (cf. fls. 84) e a avaliação e a sentença adoptaram 528,50€/m2 (cf. fls 465- ultimo parágrafo e fls. 598), e na adopção de uma dedução de 15% a título de despesas de urbanização (cf. fls. 465 e fls.597 v°) que não foram consideradas na decisão arbitral;
8ª- A sentença, a fls. 596 v°- último parágrafo, diz claramente que "No que respeita a infra estruturas foram consideradas as que existiam nos arruamentos que confrontavam com a parcela expropriada e que a serviam.", pelo que não se provando, ou sequer indiciando nos autos, que o referido aproveitamento urbanístico que serve de base à determinação do valor do solo e da indemnização, constitua uma sobrecarga, e muito menos incomportável, para as mencionadas infra estruturas, inexiste, em suma, fundamento para onerar a expropriada com a percentagem de 15% a título de "despesas de urbanização", o que viola o disposto no art.26° n°9 do CExp99, o disposto nos art.s 1°, 23° n°s 1, 4 e 5 do CExp99, 1310° do C.C. e dos princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade do cidadão perante a lei consagrados nos art.s 62° n° 2 e 13° n° 1 da CRP;
9ª- Face à total ausência de concretização de riscos ou esforços, não estando também concretizados os possíveis ganhos ou mais-valias que os expropriados poderiam optar, caso executassem por sua conta o aproveitamento urbanístico, ou meramente vendessem o terreno a um promotor imobiliário, não se tendo provado, pois, que possam vir a verificar-se, ou seja, que se indicia suficientemente nestes autos que, em termos de normalidade, tais esforços, riscos e custos sobreviriam, não é de aplicar qualquer diminuição ao valor da parcela por via do disposto no art.26° n°10 do CExp99, tal como consta da avaliação e da sentença que o acolheu, com violação dessa norma e do disposto nos art.s 1°, 23° n°s 1, 4 e 5 do CExp99, 1310° do C.C. e dos princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade do cidadão perante a lei consagrados nos art.s 62° n° 2 e 13° n° 1 da CRP, assim violados;
10ª- A avaliação e a sentença atribuem a percentagem de 12% ao índice/critério a que alude o art.26° n°6 do CExp99, sem apresentarem razões/fundamentos, sendo certo que as partes devem perceber quais as razões invocadas, quais os fundamentos utilizados, enfim as premissas lógicas do raciocínio empreendido, que observe a lei (o CExp.99 e a LBA), o que é omitido na avaliação e na sentença, pelo que atento os elementos objectivos e incontroversos revelados nos autos, não resulta qualquer elemento objectivo que aconselhe a redução dessa percentagem, pelo que ela deve ser fixada em 15%, razão pela qual ocorreu violação do disposto no art.26° n°6 do CEXp99;
11ª-A respeito do custo de construção/m2 adoptado na avaliação e na sentença, para além da violação do caso julgado assinalada em precedente conclusão, o certo é que mostra-se adequado e proporcional ao tipo de empreendimento a edificar de gama média/alta o valor de €900,00/m2 do custo da construção acima do solo, e o valor de €587,22/m2 do custo da construção abaixo do solo passível de ser edificada na parcela e no prédio;
12ª- A área de construção abaixo do solo acolhida na avaliação e na sentença é de 1/3 da área de construção acima do solo, sendo certo que a avaliação e a sentença não justificam/fundamentam a adopção de uma área de construção abaixo do solo correspondente a um terço daquela acima do solo, atendendo a que as leis e os regulamentos em vigor a que se refere o art.26° n°1 do CExp99, designadamente o Regulamento do P.D.M. de Sta Ma Feira não limita a construção abaixo do solo, pelo que, dentro do aproveitamento economicamente normal a que alude o art. 26° n° 1 do CExp99, é de admitir a construção abaixo do solo, em cave, de uma área igual a metade da construída acima do solo, destinada a estacionamentos de utentes e a armazenamentos, cujo custo influi no custo final da edificação, e assim no valor real e corrente de mercado da parcela, o que a avaliação e a sentença parcialmente ignoraram em prejuízo dos expropriados;
13ª- Por mera aplicação dos elementos de cálculo objectivos, apura-se que o valor/m2 da parcela é de €551,80 = [(2,0m2/m2 x 810,00€/m2 + 1,0m2/m2 x 587,22€/m2) x 0,25], sendo o valor da parcela expropriada de €3.252.309,20;
14ª- O procedimento expropriativo em fase não judicial esteve parado por causa não justificada imputável à inércia da entidade expropriativa, num total de 888 dias 888 dias, a saber, 755 dias de atraso no prazo para promoção da arbitragem a que alude o art.35° do CExp99, a que acrescem 133 dias de atraso no prazo para remessa do processo a tribunal consagrado no art.51° n°1 do CExp99, razão pela qual a expropriante deve ser condenada a ressarcir os expropriados nos juros moratórios sobre a totalidade do capital da justa indemnização acima calculada, e pelo período da mora de 888 dias, juros esses calculados de acordo com o disposto nos art.s 70° n°s 1 e 2 do CExp99 e 559° do C.C.;
15ª-De igual forma, a expropriante deve ser condenada no pagamento de quantia a liquidar em fase de pagamento, sobre o capital da justa indemnização fixada, e por aplicação da taxa de juro anual de 4%, desde a G... de 20-08-2009 e até o efectivo pagamento, a título de danos provenientes da privação do capital indemnizatório, que em expropriação amigável são devidos e cumuláveis com a actualização do capital, o mesmo devendo ocorrer em fase litigiosa, sob pena de violação do principio da igualdade que a C.R.P. acolhe.
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Deste modo e perante o acabado de expor, resulta claro que são as seguintes as questões que nos são colocadas no âmbito destes três recursos:
A) No recurso da expropriante B... S.A.:
Omissão de pronúncia da sentença recorrida quanto às seguintes questões:
a) Qual o reflexo da existência de um contrato de arrendamento rural na valorização do terreno dos proprietários/locadores aqui expropriados;
bª) A existir tal reflexo na valorização do imóvel expropriado, como quantificar o “factor arrendamento” na fixação da indemnização a atribuir aos proprietários/expropriados;
B) No recurso dos expropriados/proprietários C... e mulher:
1ª) A alteração por aditamento da decisão da matéria de facto;
2ª) A anulação da avaliação e da sentença que à mesma adere;
3ª) A violação na avaliação e na sentença das regras previstas no Regulamento do PDM de Stª Maria da Feira, nos artigos 1º, 23º, nºs 1, 4 e 5, 25º e 26º do Código das Expropriações de 1999, 1310º do Código Civil e 62º, nº 2 e 13º, nº1 da CRP;
4ª) A violação na avaliação e na sentença do caso julgado formado pela decisão arbitral no que toca ao critério adoptado para definir o custo de construção por m2 e no que toca à adopção de uma dedução de 15% à a título de despesas de urbanização;
5ª) O ressarcimento dos expropriados nos termos do previsto nos artigos 70º, nºs 1 e 2 do Código das Expropriações e 559º do Código Civil;
6ª) A indemnização dos expropriados pelo dano proveniente da provação do capital indemnizatório.
C) No recurso do arrendatário/expropriado H...:
1ª) A da nulidade da sentença por omissão de pronúncia no que toca às seguintes questões:
a) A área efectiva (do arrendado) da qual ficou privado o apelante;
b) Os custos ou encargos imputados à exploração;
c) A perda de rendimento (lucro cessante); d) A frustração da exploração do arrendado e a consequente impossibilidade de cumprir com a obrigação de dar os alimentos estipulados em tribunal à ex-mulher.
*
Perante tal argumentação cumpre recordar aqui qual foi o teor da decisão de facto proferida.
Assim e tendo por base a prova documental produzida, foram dados como provados os seguinte factos:
1- Por despacho do Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações n° 19247/2009, publicado no Diário da República, II Série, n° 161, de 20 de Agosto de 2009, foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, a parcela com o n° 1041, com a área de 5894 m2, a destacar do prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n° 2144/20020121 e inscrito na matriz predial rústica sob o art° 4304 da freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira, sito no Lugar ..., da referida freguesia, a confrontar a norte com restante prédio, a sul com restante prédio e E..., a nascente com estrada e a poente com estrada, para a execução da obra da concessão ... – A.../IC... - Oliveira de Azeméis/IP ... (...) - trecho 3 - .../IP ... (...) - ligação a ....
2- O prédio, à data da G..., tinha uma área de 28.300 m2.
3- A parcela expropriada confrontava com a rua ... numa extensão de aproximadamente de 24 metros e com a alameda ... numa extensão de cerca de 180 metros.
4- As infra estruturas destes dois arruamentos eram as seguintes: acesso rodoviário com pavimentação em calçada, passeios em toda a extensão do arruamento, rede de abastecimento domiciliário de água, rede de saneamento, rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão, rede de drenagem de águas pluviais, estação depuradora em ligação com a rede de saneamento, rede de gás e rede telefónica.
5- De acordo com o Plano Director Municipal do Concelho de Santa Maria da Feira, a parcela localiza-se na sua maior parte (5464 m2) em "área de Urbanização Condicionada" e na parte restante (430 m2) em "Área de Construção Preferente".
6- A parte mais a nordeste, numa área triangular de cerca de 8m x 8m / 2 = 32 m2 estava abrangida por um contrato de aluguer ao "I...", sendo que esta parte estava vedada da restante da parcela, sendo a renda mensal de € 300,00 e a área total de 1080 m2.
7- A restante parcela 5862 m2 (5894 m2 - 32 m2) estava alugada (arrendamento rural) a H....
8- A parcela situa-se numa zona relativamente central da freguesia de ....
9- O terreno expropriado é classificado e avaliado como solo apto para construção, por estar em zona com aptidão construtiva no PDM de Santa Maria da Feira e por confrontar com arruamento dotado de infra estruturas.
10- As partes sobrantes não sofrem qualquer depreciação mantendo a capacidade e o valor que possuíam antes da expropriação.
11- A parcela expropriada tinha o seguinte: poço em manilhas de betão, ramadas em mau estado de conservação, muro de veação junto da Alameda ..., em blocos de betão, com 0,15 de espessura, 0,85 m de altura e 100m de comprimento, muro de vedação, junto da Rua ..., em elementos perfurados de betão, com 0,28 m de espessura, 1.05 m de altura e comprimento de 16m.
12- Os Peritos nomeados pelo Tribunal fixaram o valor global da indemnização a pagar aos expropriados proprietários em € 534.966,28 (€ 470.021,70 respeitante ao terreno da parcela expropriada situada até 50 metros a contar dos arruamentos que a marginam (3703 m2) + € 55.629,49 respeitante ao terreno da parcela expropriada situada a mais de 50 metros a contar dos arruamentos que a marginam (5894 m2 - 3703 m2 = 2191 m2) + € 9.315,00 (€ 1.440,00 referente ao aproveitamento construtivo do poço + € 7.875,00 referente à reposição de vedações).
13- O Perito nomeado pela expropriante fixou o valor global da indemnização a pagar aos expropriados em € 487.254,23 (€ 534.966,28 (valor do terreno e benfeitorias - se estivesse devoluto) - € 40.212,05 (indemnização a pagar ao arrendatário rural) - € 7.500,00 (indemnização paga ao arrendatário comercial).
14- O Perito nomeado pelos expropriados fixou o valor global da indemnização a pagar aos expropriados em € 729.666,77 (€ 720.531,77 respeitante ao terreno da parcela expropriada + € 9.135,00 (benfeitorias).
15- Os Peritos nomeados pelo Tribunal e expropriante fixaram o valor global da indemnização a pagar ao expropriado arrendatário rural em € 40.212,05 (€ 31.443,30 pela perda de rendimento + € 5.400,00 pela benfeitoria estufa + € 3.368,75 pelos frutos pendentes).
16- O Perito nomeado pela entidade expropriados fixou o valor global da indemnização a pagar ao expropriado arrendatário em € 52.789,37 (€ 44.020,62 pela perda de rendimento + € 5.400,00 pela benfeitoria estufa + € 3.368,75 pelos frutos pendentes).
Mais foi feito constar, que não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa alegados pelas partes que não se encontrem descritos como provados ou se mostrem em oposição aos provados, ou prejudicados por estes.
*
Iniciando a nossa análise pelo recurso da expropriante B... S.A., cabe dizer o seguinte:
Por força do que dispõe o art.º608º, nº2 do NCPC, na sentença “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras...”.
Também se sabe que atento o preceituado no art.º615º, nº1 alínea d) e nº4 do mesmo código, a omissão de pronúncia relativamente a questões que devessem ser apreciadas constitui fundamento de nulidade passível de invocação em sede de recurso.
Ora como antes já vimos, a expropriante B... S.A. vem, dizer que a sentença recorrida padece de tal nulidade (a da omissão de pronúncia), já que na mesma ficaram por apreciar as questões que a mesma já havia suscitado no recurso que interpôs da decisão arbitral e que no fundo se reconduzem ao seguinte:
Existindo como existe um arrendamento rural que onera a parcela expropriada, à indemnização a pagar ao proprietário da mesma parcela, haverá que deduzir as despesas ou custos que teriam de ser suportados para a libertação do ónus que decore de tal vínculo contratual.
Ou seja, se ao valor atribuído ao terreno da parcela expropriada, haverá que deduzir o montante da indemnização que autonomamente deve ser paga ao arrendatário rural em consequência da cessação deste seu contrato e da extinção de direitos dle decorrentes.
E tem inteira razão como melhor se constata do articulado onde a mesma expropriante interpõe recurso (subordinado) da decisão arbitral (cf. fls.198 e seguintes).
Assim e como se verifica do ponto B. do mesmo articulado, já ali a expropriante vem defender que “ao valor atribuído ao terreno enquanto livre e devoluto haverá que deduzir o montante necessário para que o terreno, de facto, se torne livre e devoluto”.
Ora é claro que na sentença recorrida o Tribunal “quo” não se pronunciou de todo sobre tal questão, limitando-se a decidir qual o valor global da indemnização a pagar ao expropriado rural, fixando a mesma em € 40.212.05 e a quantificar o valor do montante indemnizatório a pagar aos expropriados e que cifrou em € 534.966,28.
É certo que de tal decisão se retira que o seu entendimento é o de que não haveria que proceder a qualquer dedução entre uam e outra das referidas quantias indemnizatórias, mas faltam as razões nas quais tal entendimento se funda.
A ser deste modo, mostra-se evidente que a sentença recorrida padece efectivamente da nulidade (por omissão de pronúncia), que lhe é apontada.
De todo o modo e mesmo que se tenha por verificada, a verdade é que se impõe a aplicação no caso da regra da substituição do tribunal recorrido da previsão do art.º665º, nº1 do NCPC.
É pois e em suma o que se decide, passando a conhecer do objecto da apelação em apreço.
Como antes já vimos a questão que neste nos é colocada é no fundo a de saber se no cálculo da indemnização a atribuir aos proprietários expropriados, deveria não ter sido tomado em conta o ónus que recaía sobre o prédio expropriado pelo facto de estar arrendado.
E para responder a tal questão faremos recurso dos argumentos vertidos no acórdão deste Relação de 10.04.2014, processo nº1231/11.3TJPRT.P1, www.dgsi.pt.
Assim, a opinião que do mesmo se retira é no fundo a de que, “o arrendamento rural não constitui um ónus da propriedade, pelo que a indemnização atribuída ao arrendatário não deve ser deduzida na indemnização fixada ao proprietário” e que “o valor da indemnização a atribuir ao arrendatário corresponde à justa indemnização a que este tem direito pela caducidade do contrato, benfeitorias e prejuízos, não devendo ser deduzida na indemnização fixada ao proprietário”.
Tudo por se entender que o direito do arrendatário é obrigacional e não real, sendo um vínculo que só temporariamente o onera e não está, por conseguinte, ligado indefectível e permanentemente ao prédio arrendado.
Mais, ao considerar que só seria de ter como desvalorizado o prédio pelo facto de ele estar arrendado, fazendo impender sobre o proprietário e senhorio o encargo de indemnizar o arrendatário, se tivesse sido aquele a escolher a época da expropriação.
Deste modo, se o proprietário intenta vender devoluto um prédio que está arrendado, é evidentemente sobre ele que deve recair a obrigação de previamente resolver o contrato com o arrendatário, podendo mesmo aceitar-se a hipótese de pagamento de uma indemnização a este pela antecipação da cessação do contrato.
Mas situação bem diferente é o que ocorre com a expropriação, já que nesta, é o expropriante quem marca o timing da cessação do contrato de arrendamento.
Por isso, é sobre ele que deverá recair o encargo de indemnizar o arrendatário, por a este impor uma anómala antecipação da extinção desse contrato.
Como bem se afirma no aludido acordão, será pois esta a razão pela qual o art.º30º do Código das Expropriações dispõe, no seu nº1, que os arrendamentos dos prédios expropriados “são considerados encargos autónomos para efeito de indemnização dos arrendatários”.
Continuando a seguir a mesma decisão, “essa responsabilização do expropriante assenta, quanto a nós indubitavelmente, na etiologia da indemnização ao arrendatário. A qual é devida pelos prejuízos decorrentes da antecipação da cessação do contrato, frustrando as expectativas do arrendatário, facto exclusivamente imputável à expropriação, que não ao proprietário do prédio arrendado. Nada tendo a ver, portanto, com eventual responsabilidade deste, por via da sua posição contratual de senhorio, que se pretendesse fazer repercutir no valor do prédio expropriado”
E mais quando se refere o seguinte:
“É, aliás, nessa linha que Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., pág. 486, a propósito da consideração do arrendamento como encargo autónomo e focando-se nos efeitos que resultam da expropriação, referem que tal solução: “não lesa o proprietário, que recebe a indemnização correspondente à propriedade plena do imóvel; não prejudica o arrendatário, que recebe a indemnização adequada ao prejuízo sofrido; apenas sobrecarrega o expropriante com uma indemnização suplementar, o que é justo, uma vez que recebe o prédio imediatamente livre do vínculo contratual que sobre ele recaía”.
Em suma e concluindo como começamos, não existe fundamento para ao valor atribuído ao terreno da parecela expropriada (€ 534.966,28), fazer deduzir o montante (€ 40.212.05), da indemnização que autonomamente se fixou ao arrendatário rural em consequência da cessação do seu contrato e da extinção dos direitos dele decorrentes:
Sem mais, improcede o recurso interposto pela expropriante B... S.A.
E agora o recurso interposto pelos arrendatário/expropriado.
Ora neste e como antes já vimos, o apelante começa por dizer que a sentença recorrida porque padece de omissão de pronúncia relativamente às seguintes questões que o mesmo veio invocar no recurso quye interpôs da decisão arbitral:
a) a questão da área de que ficou privado o arrendatário; b) a questão dos custos ou encargos imputados à exploração; c) a perda de rendimento – (prazo número de anos de arrendamento); d) a questão da frustração da exploração do arrendado e a consequente impossibilidade de cumprir com a obriação de dar os alimentos estipulados em tribunal à ex-mulher.
Em relação à nulidade que decorre da omissão de pronúncia, valem também aqui as referências legais já antes feitas aquando da análise do recurso interposto pela expropriante (cf. art.º608º, nº2 e 615º, nº1 alínea d) e nº4 do NCPC).
E sendo evidente que o Tribunal “a quo” não apreciou devidamente os argumentos trazidos a juízo pelo arrendatário/expropriado e que acabamos de referir, limitando-se a a remeter para o que resulta do teor do relatório pericial maioritário, resulta para nós evidente que a sentença recorrida padece da nulidade invocada.
De todo o modo, também aqui deve valer a regra da regra da substituição do tribunal recorrido prevista no art.º665º, nº1 do NCPC.
Cumpre pois decidir da validade de cada um dos supra aludidos pontos.
Já vimos que relativamente à indemnização a atribuir ao arrendatário/expropriado, o Tribunal “a quo” subscreveu inteiramente a opinião vertida na perícia maioritária (subscrita pelos peritos nomeados pelos tribunal e pelo perito indicado pela expropriante).
Como é sabido e vem sendo desde há muito aceite, sem prejuízo da força probatória da perícia ser fixada livremente pelo tribunal (cf. o art.º 389.º do Cód. Civil), no processo de expropriação a perícia assume uma particular importância–evidenciada até pela circunstância de se tratar de diligência obrigatória, nos termos do artigo 61º, nº2 do Código das Exopropriações),
Assim, pode-se seguramente afirmar, que das conclusões apresentadas pelos peritos–unanimemente ou por maioria, preferindo-se as que provêm dos peritos nomeados pelo tribunal, pela maior equidistância relativamente às partes, só devem ser afastadas quando se constata que foram elaboradas com base em critérios legalmente inadmissíveis ou desadequados, ou quando se nos deparam erros ou lapsos evidentes, que importem correcção.
Apesar do acabado de expor, também é certo que não se pode deixar de se exigir aos senhores peritos uma atitude objectiva, consentânea com a especificidade dos factos e com os seus conhecimentos, compatível com o rigor, o pormenor e a substância que só a prova pericial é capaz de oferecer, traduzida num conhecimento susceptível de, nesta matéria, constituir um alicerce fundamental de uma decisão judicial.
Deste modo e se é certo que o tribunal não deve aceitar acriticamente os elementos fornecidos pelos Srs. Peritos, também temos por seguro que os Srs. Juízes não devem substituir-se aos peritos, cedendo à tentação de emitir juízos valorativos de carácter eminentemente técnico, para o qual não estão–nem têm de estar–vocacionados.
Tudo isto, sem prejuízo de se aceitar que há um grau mínimo de subjectividade que é inerente à apreciação de cada um dos peritos, na aplicação dos seus específicos conhecimentos científicos, e em função da sua experiência pessoal.
No caso e em face dos elementos que estão ao nosso dispor, não merece de todo reparo, o facto da Mª Juíza “a quo” ter dado prevalência ao relatório maioritário dos Srs. Peritos do Tribunal e expropriados, sendo que o relatório de avaliação em causa se mostra conforme às normas legais ao caso aplicáveis, e devidamente fundamentado, revestindo-se de cariz exclusivamente técnico.
Com efeito, como é sabido, o julgador, nos seus poderes de livre apreciação da prova, decorrentes dos artigos 655.º e 591.º do anterior Código de Processo Civil, só deverá afastar-se do laudo dos peritos, caso verifique que estes se afastaram da aplicação de critérios legalmente previstos ou que o laudo padece de erro manifesto ou que é insuficiente a fundamentação, o que não se demonstra no caso em apreço, devendo, ainda, em regra, privilegiar-se o parecer dos peritos do tribunal por oferecerem maiores garantias de imparcialidade, neste sentido.
É claramento o que aqui ocorre da leitura mais atenta do laudo perícial maioritário que esta junto a fls.455 e seguintes e mais concretamente no que a fls.478 e seguintes foi feito constar no seu ponto 6. sob o título “Indemnização Autónoma ao Arrendatário Rural”, não havendo por isso razão para adoptar uma posição diversa daquela que a tal propósito está consignada na dita perícia.
Senão, vejamos:
Segundo o artº30º, nº1 do CE, o arrendamento para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal, ou para habitação no caso previsto no nº2 do artº 9º, bem como o arrendamento rural, são considerados encargos autónomos para efeito de indemnização dos arrendatários.
Na indemnização respeitante a arrendamento rural atende-se, além do valor dos frutos pendentes ou das colheitas inutilizadas, ao valor das benfeitorias a que o rendeiro tenha direito e aos demais prejuízos emergentes da cessação do arrendamento, calculados nos termos gerais de direito (nº 5 do preceito citado).
Com a expressão “demais prejuízos emergentes” quer-se dizer que a indemnização abrange, além do mais, não só os danos emergentes, como também os lucros cessantes (artº 564º do CC) (neste sentido cf. Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, pág. 235, Elias da Costa, Guia das Expropriações Por Utilidade Pública, 2ª ed., pág. 349, e Aragão Seia, Arrendamento Rural, 4ª ed., pág. 167).
Como vem sendo entendido, ao contrário do que se passa na indemnização por expropriação em geral, em que a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, criando-lhe uma situação patrimonial de valor igual, no arrendamento, como encargo autónomo, a indemnização abrange todas as perdas patrimoniais do arrendatário, não só os prejuízos mas, também, os benefícios deixados de obter, calculados nos termos do nº2 do artº 566º do CC.
A indemnização por lucros cessantes corresponde em regra ao rendimento líquido que o arrendatário deixou de obter em consequência da caducidade do contrato de arrendamento por força da expropriação (ou seja, ao rendimento deduzido da renda e demais encargos).
Ora salvo melhor opinião, tais parâmetros foram avisadamente considerados no laudo perícial maioritário designadamente sob os intens 6.2.1 – Pela perda de rendimento; 6.2.2 – Pela benfeitoria estufa e 6.2.3 – Pelos frutos pendentes, cujo conteúdo aqui damos por inteiramente reproduzido.
E estes são os únicos que de acordo com as obrigações legais e todos os elementos de facto comprovados nos autos, importa ter em conta.
Assim e quanto à indemnização pela perda de rendimento o valor de 31.443,30 € (6.288,66 x 5 anos);
Já no que toca à indemnização pela benfeitoria (estufa) o valor de € 5.400,00 (6 m x 15 m x 60,00 €/m2);
Por último e quanto ao valor da indemnização a atribuir pelos frutos pendentes, o de 3.368,75 € (49 canteiros x 2500 pés de alfobre x 0,05 €/pé x (1-0,45).
Deste modo e por serem apenas estes os elementos de facto e de direito que face ao disposto no nº5 do art.º30 do Código das Expropriações, importa ter em conta, mostra-se adequado fixar em 40.212,05 € a indemnizar a atribuir ao expropriado/arrendatário rural H....
Impondo-se confirmar o que a tal propósito ficou decidido, mais não há do que julgar improcedente o recurso que o mesmo aqui veio interpor.
Resta por fim, apreciar os fundamentos do recurso interposto pelos expropriados C... e mulher D....
Ora como antes já vimos, os expropriados ora apelantes começam desde logo por criticar a circunstância de não ter ficado consignado na matéria de facto provada o seguinte:
“Que os autos sofreram atrasos de 888 dias na fase não litigiosa, por facto indeterminado e injustificado da responsabilidade da entidade expropriante, e que os expropriados estão privados do capital da justa indemnização que lhes assiste desde a data da G... de 20-8-2009 até hoje, à excepção da quantia 250.153,24€, evidenciada a fls. 360”.
Ora, todos nós sabemos que na condensação (da matéria de facto), não podem ser incluídas as alegações com conteúdo técnico-jurídico, normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo estão em discussão.
Salvo opinião diversa, é para nós evidente que os elementos que os expropriados pretendem agora ver aditados aos factos provados são em grande parte compostos por elementos conclusivos e por considerações jurídicas que não podem ser tidos em conta (cf. conclusões 14ª e 15ª das alegações).
Por ser deste modo e para uma eventual aplicação nos autos do regime previsto no art.º70º, nº1 do Código das Expropriações, importa apenas considerar as circunstâncias de facto que estão demonstradas nos autos autos e que são as seguintes:
- A G... foi publicada em Diário da República a 20.08.2009 (cf. fls.9).
-A vistoria ad pertpetuam rei memoriam foi realizada em 26 de Abril de 2010 (cf. fls.25 e seguintes).
-A posse administrativa ocorreu em 17.05.2010 (cf. fls. 47 e seguintes).
Em 26.10.2011 a entidade expropriante requereu a designação dos árbitros ao Senhor Presidente da Relação (cf fls.63 e seguintes).
-Por ofício do Senhor Presidente do Tribunal da Relação do Porto datado de 31.10.2011 foram nomeados os árbitros (cf. fls.72 e seguintes).
-Em dia não concretamente definido do mês de Janeiro de 2012 teve lugar a conferência de árbitros nomeados para nos termos do dispostio no art.º49º, nº1 do C.E. proceder à arbitragem da parcela expropriada.
-A expropriante não juntou aos autos informação sobre a data em que recebeu dos árbitros a decisão arbitra.
-Em 12.07.2012, foi depositada pela entidade expropriante a quantia de € 526.788,00 (guia junta aos autos a fls.139).
-Os autos foram remetidos ao Tribunal, pela entidade expropriante, em 13.07.2012.
Num segundo momento, os expropriados requerem que se proceda à anulação da avaliação e da sentença porque na sua tese, quer numa quer noutra foram violadas as regras de cálculo previstas no art.º26º, nº1 do Código das Expropriações.
E para tanto, chamam também à colação o que se prevê no art.º662º, nº2, alínea c) do CPC.
Só que incorrectamente, já que mesmo a procederem os seus argumentos, nunca estaríamos numa situação que pudesse ser sub sumida em tal disposição legal e que pela verificação dos pressupostos nela previstos levasse à anulação da decisão (de facto) proferida em 1ª instância.
Deste modo e nos termos apontados pelos expropriados ora apelantes não pode pois proceder a 2ª das suas pretensões recursivas.
Cabe pois apreciar as restantes (a 3ª, a 4ª e a 5ª).
E para tanto é essencial salientar o seguinte:
Na sentença recorrida, foi entendido que no caso em apreço, estava em causa a expropriação da parcela com o n°1041, com a área de 5894 m2, a destacar do prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n° 2144/20020121 e inscrito na matriz predial rústica sob o art° 4304 da freguesia de ..., concelho de Santa Maria da Feira, sito no Lugar de ..., da referida freguesia, a confrontar a norte com restante prédio, a sul com restante prédio e E..., a nascente com estrada e a poente com estrada, para a execução da obra da concessão ... – A../IC.. - Oliveira de Azeméis/IP ... (...) - trecho ... - .../IP ... (...) - ligação a ....
Quanto à classificação da parcela em apreço e tendo em conta o circunstancialismo de facto tido por provado, foi considerado que a parcela expropriada devia ser classificada como solo apto para construção, tudo nos termos do disposto no art.º25°, n°1, alínea a) e n°2 do C.E.
Tendo em conta a classificação atribuída à parcela expropriada e considerando-se que as partes sobrantes não sofrem qualquer depreciação mantendo a capacidade e o valor que possuíam antes da expropriação, foi entendido que o valor do solo apto para a construção se calculava por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor - art. 26°, n.°1 do citado diploma legal.
Mais, foi que o valor do solo apto para construção seria o resultado da média aritmética atualizada entre os preços unitários de aquisição, ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efetuadas na mesma freguesia e nas freguesia limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas caraterísticas, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial, corrigido por ponderação da envolvente urbana do bem expropriado, nomeadamente no que diz respeito ao tipo de construção existente, numa percentagem máxima de 10% (cfr. n°2 do preceito citado).
Tudo, sem prejuízo da eventualidade de na falta de elemento para este efeito, ser necessária aaplicação do critério estabelecido neste preceito legal, ou seja, calcular o valor do solo apto para construção em função do custo da construção, em condições normais de mercado (cfr. art° 26°, n° 5 a 12, do CE), sem esquecer que num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deveria corresponder a um máximo de 15% do custo da construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona (n°s 4 e 6 da aludida norma).
Deste modo e subscrevendo o relatório pericial maioritário, procedeu-se ao seguinte cálculo:
Quanto à terreno da parcela expropriada situado até 50 metros a contar dos arruamentos que a marginam (3703 m2) o seguinte valor unitário desta parte do terreno da parcela expropriada:
(1,2 m2/m2 x € 528,50/m2 + 0,4 m2/m2 x € 300,00/m2) x 0,22 x (1-0,15) x (1-0,10) = € 126,93/m2.
Em suma, acabou por se concluir que o valor desta parte do terreno, à data da G..., era de 3.703 m2 x € 126,93 = € 470.021,79
Já quanto ao terreno da parcela expropriada situado a mais de 50 metros a contar dos arruamentos que a marginam (5894 m2 - 3703 m2 = 2191 m2):
Tendo por base a tese vertida na perícia maioritária, entendeu-se o seguinte:
€ 126,93/m2 x 0,20 = € 25,39/m2
Assim sendo, chegou-se ao seguinte valor desta parte do terreno, à data da G...:
2191 m2 x € 25,39 = € 55.629,49
Deste modo, acabou por se considerar que o valor total do terreno expropriado era de € 525.651,28 (€ 470.021,79 + € 55.629,49).
Já relativamente às benfeitorias, foi dito que perante o que resultava da factualidade dada como provada, havia que considerar o valor da indemnização a tal título teria que ser de € 9.315,00 (€ 1.440,00 referente ao aproveitamento construtivo do poço + € 7.875,00 referente à reposição de vedações).
Assim sendo, acabou por se decidir fixar o valor global da indemnização aos expropriados proprietários na quantia global e única de € 534.966,28 (quinhentos e trinta e quatro mil, novecentos e sessenta e seis euros e vinte e oito cêntimos).
Ora é precisamente este montante indemnizatório que os expropriados/apelantes vêm agora questionar, sugerindo um valor indemnizatório de € 7.455.180,00.
Para tanto defendem que “ao cálculo da edificabilidade na parte designada por “Área de Construção Preferente” não é aplicável o disposto no art.º13º, nºs 1, alínea a), 2 e 3 do Regulamento do PDM que os Peritos aplicaram na avaliação, outrossim o disposto no art.º13, nº4 do regulamento do PDM, conjugado com o disposto no art.º14º ... e ao cálculo da edificabilidade na parte da parcela designada por “”Área de Urbanização Condicionada” não é aplicável o disposto no art.13º nºs, 1, alínea a), 2 e 3 do Regulamento do PDM que os Peritos aplicaram na avaliação , outrossim o disposto no art.º21º que remete para o art.13º, nº4 ambos do Regulamento do PDM, conjugado com o disposto no art.22º quee remete para o art.º14º também do Regulamento, o qual admite densidades superiores, pelo menos de 2,0, e cérceas máximas de 7 pisos (...)”.
Mais adiante afirmam que “a avaliação e a sentença, por àquela ter aderido, não logram obter o valor real e corrente da parecela e do prédio, pois que, nos respectivos critérios e cálculos de avaliação, ignoram os textos legais, essencialmente a construção possível de efectuar no prédio como legalmente lhes confere o Regulamento do PDM de Stª Maria da Feira (...).
Perante tal argumentação, torna-se fácil concluir que o que está em causa é a forma como deve ser interpretado no caso, o regime previsto no nº1 do art.º23º do Código das Expropriações, segundo o qual “a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em conta as circunstâncias e condições de facto existentes existentes naquela data” (sublinhado nosso).
Neste preceito, que constitui de certa forma um preâmbulo do conjunto normativo que define as regras de cálculo do montante da indemnização, de acordo com os vários critérios aplicáveis, encontra-se a tradução concretizada do princípio consagrado no artigo 62º, nº2 da Constituição Portuguesa.
Quanto ao alcance e conteúdo do conceito de justa indemnização a que o normativo citado faz apelo, deve entender-se que a obrigação de indemnização por expropriação não se confunde com o dever de indemnização correspondente à responsabilidade civil por factos ilícitos, pelo risco e pela violação de deveres contratuais.
Isto porque, enquanto esta última abrange todas as perdas patrimoniais do lesado e cobre não só o prejuízo causado, mas também os benefícios que aquele deixou de obter em consequência da lesão, tendo como objectivo colocá-lo na situação em que estaria se a intervenção não tivesse tido lugar, aquela engloba apenas a compensação pela perda patrimonial suportada e tem como finalidade a criação de uma nova situação patrimonial correspondente e de valor igual.
Assim, de uma maneira geral, é de entender que o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de uma forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado, ou, por outras palavras, ao respectivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda.
Entendem a doutrina e a jurisprudência dominantes, que a justa indemnização, correspondendo ao valor real e corrente do bem de que o titular é desapossado pelo acto expropriativo, deve ser equivalente à importância que, nas condições normais de mercado livre, o expropriado, com referência à data da declaração de utilidade pública, obteria, de modo a ser reposto no seu património valor idêntico ao do bem de que se viu privado.
Deste modo, ter-se-á, assim, por justa a indemnização que compense total e plenamente o expropriado pelo prejuízo que lhe é imposto; o expropriado deve receber pelo bem de que foi desapossado o mesmo que receberia por ele se o negociasse livremente no mercado.
Esclarece o Acórdão da Relação de Coimbra de 17.06.2008, processo nº156/05.6TBPNL.C1, www.dgsi.pt, que “a expropriação por utilidade pública confere ao expropriado o direito a uma justa indemnização e será justa desde que compense plenamente o sacrifício patrimonial suportado pelo expropriado, de modo que a perda patrimonial imposta seja suportada equitativamente por todos os cidadãos e não apenas pelo expropriado. A indemnização por expropriação deve aproximar-se tanto quanto possível do valor que o proprietário obteria pelo seu bem se não tivesse sido expropriado, tendendo a coincidir com o valor de mercado, em situação de normalidade”.
Em face de tais considerações, mostra-se pois evidente que para a obtenção de uma indemnização justa, na norma citada o legislador abriu a porta à valorização do bem expropriado a partir de um "destino possíve”.
Mas um "destino possível", tal como o legislador o concebeu (art 23° n° 1 C E.) não é um "destino de fantasia", nem um "destino de especulação", nem um "destino improvável.
Assim, bem pensa a expropriante nas suas contra alegações quando afirma que o destino possível tem pois que ser “um destino que assenta tal possibilidade na realidade, um destino que recolhe na realidade existente indícios credíveis, sérios, fiáveis, de um potencial desenvolvimento imediato ou próximo no contexto de uma utilização económica normal” ou seja, “um destino que se vislumbre num horizontes temporal próximo”.
Ora no tereno expropriado, o que temos é o seguinte:
No processo identifica-se esse destino possível como sendo o “aproveitamento do terreno para fins de construção”.
Ou seja, o imóvel expropriado, utilizado em exploração agricola (destino efectivo) poderia ser destinado a implantação de constuções, em lugar de plantação de árvores ou hortaliças (destino possível).
Dito de outra forma, o terreno objecto de expropriação observava os requisitos legalmente exigidos para o reconhecimento de aptidão construtiva, não apenas pelo facto de se encontrar dotado das infra-estruturas básicas essenciais ao apoio das edificações a constuir - acesso próprio, redes publicas de abastecimento de água e de fornecimento de energia eléctnca - mas também por se encontrar inserido numa zona para a qual o instrumento de gestão e de ordenamento do lerritòno previa a instalação de construções - Plano Director Municipal de Santa Maria da Feira, zonas de "'construção preferente" e de "urbanização condicionada".
Em suma, o terreno expropriado tinha, pois, aptidão construtiva e poderia mesmo ser classificado como foi e como como tal, nos termos do artigo 25°, nº.s 1 e 2 do Código das Expropriações.
Quanto a esta conclusão, não existem pois divergências.
Onde se diverge é na questão da viabilidade de um aproveitamento construtivo imediato ou próximo do mesmo terreno.
E a resposta negativa a tal questão resulta desde logo de um facto indesmentível:
Os expropriados não lograram provar que tinham, a data da declaração de utilidade pública, algum estudo prévio, anteprojecto ou projecto de construção ou de loteamento para o terreno expropriado.
Assim, da prova produzida o que decorre é que não existia qualquer estudo de aproveitamento construtivo para o terreno e muito menos que existiam projectos aprovados ou loteamentos licenciados pela entidade competente.
É por isso, que nenhum fundamento existe para questionar o resultado a que se chegou na perícia maioritária na qual e de uma forma correcta se chegou a um valor indemnizatório ponderado, equilibrado e justo.
Não colhe pois a argumentação da incorrecta aplicação das disposições regulamentares do Plano Director Municipal de Santa Maria da Feira, a qual a obter vencimento comportaria a possibilidade de considerar um volume de construção largamente superior aquele que havia sido admitido pelos árbitros, pelos peritos e pela Sr.ª Juiz “a quo”.
Assim, temos desde logo como correcta a classificação do solo expropriado segundo o PDM.
Vejamos, pois:
A parcela objecto de expropriação inseria-se em espaços que, segundo o Plano Director Municipal, comportavam duas classificações distintas:
Uma parte da parcela, com 430m2, localizava-se em zona classificada como “Área de Construção Preferente", destinada predominantemente à implantação de actividades residenciais, comerciais ou de serviços..."- art.6º, al. 1) do Regulamento do Piano.
Outra parte da parcela, com uma superfície de 5464m2, situava-se em zona classificada no Plano como "Área de Urbanização Condicionada", constituindo "áreas de expansão de aglomerados" e destinando-se, também, predominantemente a usos residenciais, comerciais e de serviços".
O relatório de avaliação pericial maioritário, fundamentou-se nas disposições aplicáveis do Regulamento do Plano Director, designadamente nos artigos 7º - que permite concluir pela inclusão dos terrenos na "...", uma vez que a freguesia de ... foi elevada a Vila pela Lei º46/97, de 12 de Julho - 10° - quanto ao uso dominante nas áreas de construção preferente - 13° - sobre os Índices de construção e cérceas aplicáveis - 16° - relativo ao uso dominante nas áreas de urbanização condicionada" - e 20° - sobre a edificabilida de nestas áreas.
Cabe ainda salientar que por força do disposto no n°2 do seu artigo 12º, "no caso de não existirem planos de pormenor ou de alinhamentos e cérceas no local, as características das edificações a licenciar serão genericamente determinadas pela referência aos edifícios vizinhos e envolventes, devendo sempre atender-se aos alinhamentos das fachadas e à cércea dominante do conjunto em que se inserem, não sendo invocãvel a existência de edifícios que excedam a altura dominante do conjunto".
Deste modo, o indice de construção e, bem assim, a cércea admitidos no artigo 13º correspondem a valores máximos, sem prejuízo do disposto no artigo 12°, n°2 acima referido e da limitação da área de implantação constante do artigo 13° n°3.
Perante o exposto, fácil é concluir que não têm razão os expropriados quando defendem que ao cálculo da edificabiiidade admitida nas áreas da parcela não é aplicavel o disposto no artigo 13° nºs. 1, alínea a), 2 e 3 do Regulamento do Plano Director, mas sim o disposto no artigo 13°, nº4, norma esta que permitiria um índice superior de construção e cérceas máximas de sete pisos.
Isto por sabermos todos que a valorização de um imóvel que é objecto de expropriação se tem que reportar a um determinado momento concreto, momento que a lei identifica com a data da publicação em Diário da República da declaração de utilidade pública.
É pois a esse concreto momento que se hão-de reportar as características do imóvel expropriado, as circunstâncias em que se encontra inserido e as condicionantes que interferem no seu aproveitamento efectivo ou possível.
Já quanto ao valor percentual do terreno expropriado e ao mecanismo de cálculo que está previsto no art.º 26°, n°6 do Código das Expropriações, o que se pode dizer é o seguinte:
Nunca ao terreno expropriado poderia ser aplicado o valor percentual máximo ali previsto (15%), já que temos como certo que o mesmo não está localizado em pleno centro civico, administrativo, social ou cultural do concelho de Santa Maria da Feira, mas antes a vários kilómetros das infra-estruturas locais mais relevantes.
Em conclusão, nenhum fundamento encontramos para alterar o modo como no laudo perícial maioritário foi avaliado e definido o montante indemnizatório a que têm direito os expropriados e aqui apelantes C... e mulher.
Improcede por isso também aqui o recurso que os mesmos vieram interpor.
Quanto à pretensa violação do caso julgado formado pela decisão arbitral, cabe dizer o seguinte:
É hoje pacífico que a decisão dos árbitros tem natureza jurisdicional e não é um mero laudo pericial, pelo que produz o efeito de caso julgado relativamente à parte que não recorreu, sendo o objeto de conhecimento do tribunal em sede de recurso delimitado pelas alegações do recorrente e pelo que foi decidido no acórdão arbitral; o acórdão arbitral transita então em tudo quanto seja desfavorável para a parte não recorrente envolvendo a falta de recurso concordância com o decidido pelos árbitros.
Por isso se entende que, em termos gerais e no âmbito de processo civil, o recorrente que foi condenado em parte do pedido formulado pelo autor não pode ser condenado na totalidade do pedido, quando o autor não tenha interposto recurso principal ou subordinado quanto à parte que lhe foi desfavorável.
Reportando-nos ao caso específico da expropriação, a parte que não recorreu da decisão arbitral não pode ver melhorada a seu favor, para mais ou para menos, conforme se trate de expropriado ou do expropriante, o montante da indemnização, pelo que não pode a expropriante não recorrente ver melhorado a seu favor, para menos, o montante da indemnização fixado no acórdão arbitral.
Já o artigo 684º, nº4, do Código de Processo Civil, na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, sob a epígrafe “delimitação subjetiva e efeitos do recurso”, estabelece que os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.
Esta regra consta, na redação atual do Código de Processo Civil, no nº5 do artigo 635º.
Como é por demais sabido, existe dicussão jurisprudencial quando não é impugnada a classificação do solo expropriada.
E nesta vêm sendo aceites três orientações jurisprudenciais, a saber:
a) - O que transita é apenas e tão só o valor da indemnização, logo a decisão que incida sobre a classificação dos solos não tem força obrigatória dentro do processo;
b) - Outra, no sentido de que a qualificação do solo faz caso julgado;
c) - Uma terceira posição de que a classificação do solo constituirá caso julgado na medida em que seja um pressuposto ou antecedente lógico da decisão;
Estas três posições jurisprudenciais sobre a questão específica da classificação dos solos, acabam por reflectir e concretizar a divergência, tanto ao nível jurisprudencial, como doutrinária, sobre a extensão do caso julgado – tese lata (o caso julgado abrange a causa de pedir e os pressupostos da sentença), tese restrita (o caso julgado apenas abrange a decisão) e tese mista ou ecléctica (o caso julgado incide sobre a decisão e a motivação, desde que seja um antecedente lógica dela, indispensável a reconstruir e fixar o respectivo conteúdo).
Para a tese que deve ser adoptada, (eclética ou mista), reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos.
Assim, não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.
Ora nos autos o que temos é o seguinte:
É verdade que a expropriante no recurso (subordinado) que interpôs da decisão arbitral não questiona de modo directo e expresso nem o preço unitário do metro quadrado de construção nem o valor percentual atribuído ao terreno nos termos do disposto no art.º26º, nº6 do Código da Expropriações.
No entanto, a verdade é que no mesmo não deixe de definir expressamente que são os seguintes e entre outros os aspectos sobre os quais incide o seu recurso:
“A – Valorização do terreno:
A-1 – Índice construtivo;
A.2 – Valor percentual ao abrigo do disposto no artigo 26º, nº6 do Código das Expropriações;
(...)”.
Mais, logo a seguir aborda cada um deses pontos, enumerando os fundamentos da sua discordância com o exarado no acórdão arbitral (cf. fls.227 e seguintes).
Por ser deste modo, é para nós evidente que no caso, a decisão proferida nesse mesmo acórdão relativamente a tais questões, não forma caso julgado, sendo por isso susceptível de modificação quer no laudo pericial quer na sentença ora recorrida.
Em conclusão, improcede também nesta parte o recurso que vieram interpor os expropriados/proprietários.
Restam as duas últimas questões suscitadas no mesmo recurso.
Já vimos que para os expropriados ora apelantes se impunha desde logo que a expropriante fosse condenada a ressarci-los dos prejuízos que na sua tese, decorrem do facto do procedimento expropriativo e ainda em fase não judicial ter estado parado num período total de 888 dias, (775 dias de atraso no prazo para promoção da arbitragem + 133 dias de atraso no prazo para remessa do processo a tribunal).
Para respondermos a tal pretensão impõe-se o recurso às avisadas considerações vertidas no Acórdão deste Relação do Porto de 27.05.2008. processo 0726243, www.dgsi.pt.
Assim e como ali se consignou:
“Dispõe o artº 70º nº 1 do Código das Expropriações, adiante designado por CE, aprovado pela Lei 168/99 de 18 de Setembro e alterado pelas Leis 13/2002 e 4-A 2003 respectivamente de 19 de Fevereiro de cada ano a que respeitam que: “Os expropriados e demais interessados têm o direito de ser indemnizados pelos atrasos imputáveis à entidade expropriante no andamento do procedimento expropriativo ou na realização de qualquer depósito no processo litigioso.”
Este normativo regula a mora decorrente nos atrasos do processo expropriativo imputáveis à entidade expropriante e ainda a resultante da não efectivação atempada dos depósitos no processo litigioso.
(...)
Não se confunde “expropriação”, que é figura de direito substantivo, e “procedimento expropriativo”, como o conjunto de actos a praticar, tendentes à expropriação, figura ou complexo de direito processual. “A utilidade pública legitimadora de uma expropriação concreta é, na expropriação administrativa, objecto de um acto formal – o acto de declaração de utilidade pública – emanado da autoridade administrativa a quem a lei atribui competência para expropriar. O sentido e o alcance do acto de declaração de utilidade pública são o de indicar que o fim concreto que se pretende atingir cabe no conceito abstracto de utilidade pública utilizado pela lei e, ao mesmo tempo, determinar os bens que são necessários para a realização daquele fim.A declaração de utilidade pública tem, pois, um duplo significado: declaração de utilidade pública do fim concreto da expropriação e indicação dos bens objecto deste”.
A G... é o acto basilar a génese do procedimento expropriativo, tendente à expropriação propriamente dita, a qual se traduz na ablação de um direito de propriedade de um determinado titular e no colocação de outra entidade em novo direito que incide sobre o mesmo objecto. É com a adjudicação da propriedade ou da posse ao interessado, a qual tem lugar através da emanação de um despacho judicial que ocorre a expropriação e é a partir desse momento que o processo expropriativo prossegue os seus termos apenas para fixação do quantum indemnizatório.
O processo de expropriação litigiosa, que aqui nos interessa, desdobra-se assim em duas fases distintas: uma fase administrativa, promovida pela entidade expropriante, que se inicia com a G... (art 13º) e termina com a remessa dos autos a tribunal (art 51º, nº 1) – na qual pode, no entanto, haver intervenção judicial em determinadas situações (cfr. os arts 42º, nº 2, 54º e 55º e seguintes); uma fase judicial, na qual a entidade expropriante assume a posição de parte, em igualdade de armas com o expropriado, que se inicia com a sentença de adjudicação da propriedade (art 51º, nº 5).
Foi tendo em conta a distinção entre expropriação e processo expropriativo, bem como as fases distintas que este comporta, que o art 70º, nº 1 consignou a obrigação do pagamento de juros moratórios em duas situações: a) atrasos imputáveis à entidade expropriante no andamento do procedimento expropriativo; b) atrasos imputáveis à entidade expropriante na realização de qualquer depósito no processo litigioso.
Na primeira parte daquele normativo quiseram-se cominar quaisquer atrasos imputáveis à entidade expropriante na fase administrativa do processo expropriativo, ou seja, desde a G... até à remessa dos autos a Tribunal.
O que faz sentido, pois que todos os actos praticados naquela fase (com excepção dos que a lei atribui expressamente ao juiz) são promovidos pela entidade expropriante, sendo sobre ela que impende a obrigação de cumprir os prazos previstos na lei.
E já não faria sentido na fase judicial, em que a entidade expropriante deixa de ter a direcção do processo (que passa para o juiz), assumindo a qualidade de parte: quaisquer atrasos em que incorra nesta fase são regulados pelas disposições processuais civis, em igualdade de armas com o expropriado. Por isso, nesta fase, a entidade expropriante apenas se constitui em mora se se atrasar na efectivação dos depósitos.
A inserção sistemática do artº 70º também nos leva a concluir que se pretendeu cominar com a mora todos os atrasos da entidade expropriante no processo expropriativo, uma vez que o normativo surge no Título V, sob a epígrafe “Pagamento das Indemnizações”, e não em qualquer um dos Títulos anteriores que regulam as diversas fases do processo administrativo.”
A remessa do processo a tribunal após a notificação do acórdão arbitral não é a única obrigação da entidade expropriante.
Até àquele momento e desde a G..., várias outras obrigações impendem sobre a entidade expropriante, tais como, propor ao expropriado a expropriação amigável, promover a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam e a constituição da arbitragem (artºs 35º, nº 1, 21º, nº 1 e artº 42º, nº 1), etc. – para cujo cumprimento a lei estabelece prazos.
O que sucede, é que se entendeu legislar expressamente sobre o caso de atraso da entidade expropriante na remessa dos autos a tribunal.
Nos termos do art. 51º, nº1 na sua parte final a entidade expropriante tem de remeter o processo ao tribunal no prazo de 30 dias a contar do recebimento da decisão arbitral e, se não respeitar esse prazo, tem de depositar juros moratórios correspondentes ao período de atraso conjuntamente com a quantia fixada no acórdão arbitral, “juros moratórios correspondentes ao período de atraso, calculados nos termos do nº2 do artigo 70º e sem prejuízo do disposto nos artigos 71º e 72º.”
Ora como vem sendo entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, o art.º51º, nº1 contém um comando dirigido directamente à entidade expropriante e estabelece uma presunção de culpa desta entidade no atraso da remessa dos autos. Presunção de tal maneira forte que a entidade expropriante tem de depositar logo os juros de mora conjuntamente com o depósito da quantia arbitrada, sem dependência de requerimento do expropriado ou de notificação do tribunal. Por isso, a falta do depósito dos juros pode ser conhecida oficiosamente pelo juiz que, aliás, nem sequer pode adjudicar a propriedade do bem expropriado à entidade expropriante sem que o depósito se mostre comprovado nos autos (cfr. o nº 5 do artº 51º).
A nosso ver, o estabelecimento de uma presunção tão forte tem a ver com o facto de, entre o recebimento pela entidade expropriante do acórdão arbitral e a remessa dos autos a tribunal, não terem de ser praticados quaisquer actos, a não ser as diligências necessárias à efectivação do depósito. E para estas já a lei concede à entidade expropriante o prazo de 30 dias, pelo que dificilmente esta terá justificação para atrasar a remessa dos autos.
De qualquer forma, resulta evidente que pode suceder que o atraso não seja imputável à entidade expropriante, o que ocorre por exemplo quando a mesma não dispõe de elementos suficientes para efectuar o depósito prévio e a remessa do processo a tribunal devido à falta de colaboração dos expropriados.
Mas nestes casos, cabe-lhe então alegar e provar factos tendentes a ilidir a presunção de culpa que sobre ela impede (artº 344º, nº1 do CC).
Fora do caso específico do atraso da remessa do processo ao tribunal, a lei não obriga a entidade expropriante a depositar automaticamente os juros devidos por outros atrasos havidos ao longo do processo expropriativo.
Entende-se por isso, que o depósito de juros pelos demais atrasos, ao abrigo da norma geral do artº 70º, nº1, tem de ser expressamente pedido pelo expropriado.
De acordo com o art.º70º nº1 do CE, o dever da entidade expropriante de pagar juros moratórios depende de o atraso lhe ser imputável o que está aliás em harmonia com os princípios gerais constantes do Código Civil sobre a mora do devedor (artºs 804º, 805º e 806º).
Assim, nos termos do art 804º nº 2 do Código Civil, o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada em tempo devido.
Na verdade, o devedor em regra só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir havendo porém mora, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo (al. a) do nº1 do art.º 805º do Código Civil).
De harmonia com o princípio geral fixado no nº1 do art. 799º do Código Civil, uma vez verificados os pressupostos objectivos da mora, é ao devedor que incumbe afastar a presunção de culpa que recai sobre ele sendo a culpa apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil de acordo com o art. 487º nº1 do mesmo diploma, constituindo o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor – cfr. art. 804º nº 1 do mesmo diploma.
Tratando-se de obrigação pecuniária, a lei presume “iuris et de iure” que há sempre danos causados pela mora e fixa, em princípio, à forfait, o montante desses danos fazendo corresponder a medida da indemnização aos juros a contar da constituição em mora; sendo esses juros são os legais - art.º 806º nº2 do Código Civil.
A mora da entidade expropriante é o atraso culposo no andamento do processo expropriativo, ou seja, no cumprimento das obrigações que o Códo das Expropriações pôs a seu cargo.
Deste modo, é pois à entidade expropriante que cabe provar que a falta de cumprimento daquelas obrigações não precede de culpa sua cabendo ao expropriado, alegar e provar a existência dos atrasos.
A consequência principal da mora é a obrigação do pagamento dos danos moratórios, nos termos do art. 804º, nº 1 do Código Civil, que correspondem aos juros legais.
As obrigações da entidade expropriante na fase administrativa do processo de expropriação têm prazo certo e assim esta incorre em mora com o decurso daqueles prazos, por força do disposto no artigo art. 805º nº 1 al. a) do Código Civil.
No caso está em causa a mora na prática de outros actos do processo expropriativo, que os expropriados invocaram, reclamando o pagamento de juros cujo valor não chegam a concretizar, aludindo apenas aos dias de atraso (755 + 133 = 888 dias) e às disposições legais que têm por aplicáveis (artigos 35º, 51º, nº1 e 70º, nºs 1 e 2 do C.E. e 559º do C.C).
A decisão sobre tal questão, terá, pois, de ser tomada tendo por base os elementos constantes dos autos aos quais já antes fizemos expressa referência.
Ora todos sabemos que os prazos em causa não são prazos judiciais, pelo que se contam nos termos dos arts 72º e 73º do Codigo do Procedimento Administrativo, como está expressamente previsto no o art 98º, nº 1 do mesmo diploma legal.
Das disposições dos artºs 72º e 73º do CPA, apenas releva o facto de a contagem do prazo se suspender nos sábados, domingos e feriados (art. 72º, nº 1, al. b).
Também face à natureza administrativa dos prazos, na falta de estipulação em contrário, o prazo para a prática de qualquer acto é de 15 dias (artº 71º do CPA).
O CE não prevê um prazo limite para a remessa do processo ao tribunal, a contar da G...; em segundo lugar porque no procedimento administrativo também existem obrigações de prazo certo a cumprir pelo expropriado e por terceiros, como o Presidente da Relação e os árbitros pelo que para concluir se há atrasos e são imputáveis à expropriante, há que verificar o cumprimento dos prazos em relação a cada um dos actos e aferir também em relação a cada um deles se há o incumprimento está justificado.
Os actos e prazos a considerar são os seguintes:
a) 15 dias a contar da G... para a expropriante apresentar proposta do montante indemnizatório à expropriada (art. 35º, nº 1);
b) 15 dias a contar da falta de resposta ou da resposta negativa da expropriada (que tem de ser enviada em 15 dias) para requerer ao Presidente do Tribunal da Relação a nomeação dos árbitros (arts 35º, nº 3, 38º e 45º, nº 3 e 71º do CPA);
c) 10 dias a contar da resposta do Presidente da Relação (que tem de ser dada em 5 dias – art. 45º, nº 4) para comunicar à expropriada a nomeação dos árbitros e comunicar a estes a sua nomeação (art. 47º, nº 1, als. a) e c);
d) 30 dias para remeter o processo a Tribunal após recebimento do acórdão arbitral (art. 51º, nº 1), sendo que as partes dispuseram de 15 dias para apresentar quesitos e os árbitros de 30 dias para entregar o acórdão (a contar da comunicação da sua nomeação ou da apresentação dos quesitos – artºs 48º e 49º, nº 4). Em casos justificados, o prazo pode ser prorrogado até 60 dias, a requerimento de qualquer dos árbitros, dirigido à entidade expropriante.
Os actos documentados no processo e que importa aqui considerar são os seguintes:
-A G... foi publicada em 20.08.2009 (cf. fls.9).
-A vistoria ad pertpetuam rei memoriam foi realizada em 26 de Abril de 2010 (cf. fls.25 e seguintes).
-A posse administrativa ocorreu em 17.05.2010 (cf. fls. 47 e seguintes).
Em 26.10.2011 a entidade expropriante requereu a designação dos árbitros ao Senhor Presidente da Relação (cf fls.63 e seguintes).
-Por ofício do Senhor Presidente do Tribunal da Relação do Porto datado de 31.10.2011 foram nomeados os árbitros (cf. fls.72 e seguintes).
-Em dia não concretamente definido do mês de Janeiro de 2012 teve lugar a conferência de árbitros nomeados para nos termos do dispostio no art.º49º, nº1 do C.E. proceder à arbitragem da parcela expropriada.
-A expropriante não juntou aos autos informação sobre a data em que recebeu dos árbitros a decisão arbitra.
-Em 12.07.2012, foi depositada pela entidade expropriante a quantia de € 526.788,00 (guia junta aos autos a fls.139).
-Os autos foram remetidos ao Tribunal, pela entidade expropriante, em 13.07.2012.
O teor da proposta indemnizatória apresentada aos expropriados/proprietários a que se refere o artº 35º, nº1 não consta dos autos.
No entanto, sendo a G... publicada em 20.08.2009, aquela proposta deveria ter sido enviada até 15 dias depois e se tivesse sido enviada no último dia do prazo, os expropriados poderiam responder em 15 dias, pelo que o prazo para requerer a nomeação dos árbitros ao Presidente da Relação terminaria 15 dias depois daquele mesmo prazo ou seja 45 dias úteis depois de 20.08.2009.
Ora o pedido de nomeação dos árbitros só foi formulado em 26.10.2011, verificando-se, por isso, um atraso de 755 dias.
A resposta do Presidente da Relação foi emitida em 31.10.2011.
Sabe-se apenas que a decisão arbitral foi proferida em data não concretizada do mês de Janeiro de 2012, desconhecendo-se também em que data concreta é que tal decisão chegou ao conhecimento da expropriante.
Por ser assim e mesmo sabendo-se que o processo foi remetido a tribunal em 13.07.2012, não é possível concluir como defendem os expropriados/proprietários que neste envio a expropriante incorreu num atraso de 133 dias.
Só podem pois ser considerados para este efeito os 755 dias de atraso que acima se deixaram referidos.
E quanto a estes, é certo que a expropriante não apresentou qualquer justificação para a sua ocorrência e os autos também não contêm elementos que nos permitam justificá-los.
Ou seja, a expropriante não logrou, pois, ilidir a presunção de culpa que sobre ela recaía, pelo que se constituiu em mora, estando, por isso, obrigada a indemnizar os expropriados pelos danos que lhe causou com a mora, ao abrigo do disposto no art 70º, nº 1.
Essa indemnização consiste nos juros de mora calculados à taxa legal de de 4% (cf. art.º559º do Código Civil e Portaria nº291/03 de 08.04) e incide sobre o montante definitivo (actualizado) da indemnização arbitrada nos autos.
A esta terá que ser obrigatoriamente descontado o montante já depositado nos autos pela expropriante e que foi de € 526.788,00.
Mas por aqui se ficam as pretensões dos expropriados/proprietários e aqui apelantes C... e mulher.
Isto porque, quanto ao peticionado dano da privação do capital, bem decidiu o Tribunal “a quo” quando considerou que não ficaram provados quaisquer elementos de facto que permitam concluir nos termos propostos por aqueles na conclusão 15ª das suas alegações.
Procede pois, parcialmente o recurso interposto pelos proprietários/expropriados.
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Sumário (art.º663º, nº7 do NCPC):
1.O arrendamento rural não constitui um ónus da propriedade, pelo que a indemnização atribuída ao arrendatário não deve ser deduzida na indemnização fixada ao proprietário;
2. Assim, o valor da indemnização a atribuir ao arrendatário corresponde à justa indemnização a que este tem direito pela caducidade do contrato, benfeitorias e prejuízos, não devendo ser deduzida na indemnização fixada ao proprietário;
3. O destino possível do terenio expropriado tem que ser um destino que assenta tal possibilidade na realidade, um destino que recolhe na realidade existente indícios credíveis, sérios, fiáveis, de um potencial desenvolvimento imediato ou próximo no contexto de uma utilização económica normal;
4.Os expropriados e demais interessados têm o direito de ser indemnizados pelos atrasos imputáveis à entidade expropriante no andamento do procedimento expropriativo ou na realização de qualquer depósito no processo litigioso;
5.O dever da entidade expropriante de pagar juros moratórios depende de o atraso lhe ser imputável;
6.Para concluir se há atrasos são imputáveis à expropriante, há que verificar o cumprimento dos prazos em relação a cada um dos actos e aferir também em relação a cada um deles, se o incumprimento está ou não justificado.
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III.Decisão:
Pelo exposto, decidem-se do seguinte modo os recursos aqui interpostos:
1º) Improcedente o recurso interposto pela expropriante;
2º) Improcedente o recurso interposto pelo arrendatário/expropriado;
3º) Parcialmente procedente o recurso interposto pelos proprietários/expropriados.
Deste modo e face ao referido em 3º), altera-se a sentença recorrida por forma a que ao montante indemnizatório actualizado pagar aos expropriados/proprietários pela expropriante, acresça a quantia correspondente à indemnização pelos atrasos no desenrolar do procedimento administrativo, indemnização essa calculada nos termos antes melhor referidos.
4º) No mais, mantém-se o que antes ficou decidido.
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As custas em ambas as instâncias são a cargo da expropriante e dos expropriados na proporção do respectivo decaimento (cf. art.º527º, nºs 1 e 2 do NCPC).
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Notifique.
Porto, 29 de Setembro de 2016
Carlos Portela
Pedro Lima Costa
Filipe Caroço