Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1167/12.0JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR OLIVEIRA
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
COACÇÃO AGRAVADA
ESPECIAL CENSURABILIDADE
SEQUESTRO AGRAVADO
Nº do Documento: RP201404301167/12.0JAPRT.P1
Data do Acordão: 04/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A qualificação dos crimes de ofensa à integridade física e de coacção não é automática, antes “deriva da verificação de um tipo de culpa agravado” o que obriga a que os elementos apurados revelem “uma imagem global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo de culpa tido em conta”.
II – Cometem o crime qualificado, por agirem em situação de especial censurabilidade, os arguidos que exerceram sobre os ofendidos, e particularmente sobre o assistente, advogado, um caudal de violência e de constrangimentos que, em conjunto, os dotaram de um poder total sobre os gestos, movimentos e acções dos ofendidos pois que, para além da expressão concreta deixada pelas lesões verificadas e das perturbações vividas em resultado do teor da agressividade demonstrada pelos arguidos, há a assinalar a preocupação de barrar a saída dos ofendidos, a persistência e intensidade das agressões desferidas, a reiteração de ameaças de vários tipos, a afronta (oposição) direta ao ato que os ofendidos pretendiam levar a cabo, a saber, a efetiva tomada de posse dos armazéns e, por fim, a falta de razoabilidade da pretensão dos arguidos, exigin­do uma declaração que, como os próprios agora reconhecem, nenhuma utilidade revestia para os arguidos.
III – Cometem o crime de sequestro, agravado, p. e p. pelo artigo 158º, n.º1, alínea f), por referência ao artigo 132º, n.º 2, alínea l) do Cód. Penal, os arguidos que “fechou a porta do armazém onde se encontra­vam os ofendidos, inviabilizando aos mesmos qualquer possibilidade de fuga”', e depois, anunciou: "Daqui ninguém sai", resolução que foi cumprida, ao longo de cerca de 1 hora, período de tempo durante o qual os ofendidos, sem esboçar o mínimo gesto de resistência, numa postura de completa submissão, permaneceram às ordens dos arguidos, privados da liberdade física ou corpórea de mudar de lugar, de se deslocarem de um sítio para outro, entregues por completo à deriva ofen­siva dos arguidos.
IV - O bem jurídico protegido pelo tipo de crime de Sequestro, do artigo 158.°, do Cód. Penal, é precisamente essa liberdade de movimentos, de locomoção, esse dispor de livre circulação de um lugar para o outro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA)
- no processo n.º 1167/12.0JAPRT.P1
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade,
- após conferência, profere, em 30 de abril de 2014, o seguinte
Acórdão
I - RELATÓRIO
1. No processo comum (tribunal coletivo) n.º 1167/12.0JAPRT, do Tribunal Judicial da Comarca de Macedo de Cavaleiros, em que é assistente B…, são demandantes civis o assistente e C… e são arguidos D…, E… e F…, foi proferido acórdão que decidiu nos seguintes termos [fls. 2 087 a 2 089 e retificação de fls. 2 102 (transcrição)]:
a) Julgar a acusação parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência decidem:
b) Absolver a arguida F… do crime de coação agravada pelo qual vinha acusada.
c) Condenar:
O arguido D… pela prática dos crimes perpetrados na pessoa do assistente B…:
Pelo de sequestro agravado p. e p. pelo art. 158º, nº 1 e 2 ali f), por referência ao art. 132º nº 2 alinea l) todos do C.P. na pena de 4 anos de prisão.
Pelo crime de ofensas á integridade física qualificada p. e p pelo art- 143º, nº 1 e 145º, nº 1 ali a) por referência ao art. 132º nº 2 ali h) e l) na pena de 2 anos e seis meses.
Pelo prática do crime de coação agravada p. e p. pelo art. 154º, nº1 e 155º, nº 1 ali a) e c) por referência ao art. 132º nº 2 ali l) na pena de 2 anos e 4 meses de prisão.
Pelo de sequestro agravado perpetrado na pessoa do ofendido C… p. e p. pelo art. 158º, nº 1 e 2 ali f), por referência ao art. 132º nº 2 alinea l) todos do C.P. na pena de 3 anos de prisão.
d)Condenar:
A arguida F…:
Pela prática dos crimes perpetrados na pessoa do assistente B…: Pelo de sequestro agravado p. e p. pelo art. 158º, nº 1 e 2 ali f), por referência ao art. 132º nº 2 alinea l) todos do C.P. na pena de 3 anos de prisão.
Pelo crime de ofensas á integridade física qualificada p. e p pelo art- 143º, nº 1 e 145º, nº 1 ali a) por referência ao art. 132º nº 2 ali h) e l) na pena de 2 anos e 6 meses.
Pela prática de crime de denúncia caluniosa p. e p. pelo art. 365º, nº 1 do C.P na pena de 18 meses.
Pela prática do crime de sequestro agravado perpetrado na pessoa do ofendido C… p. e p. pelo art. 158º, nº 1 e 2 ali f), por referência ao art. 132º nº 2 alí l) todos do C.P. na pena de 20 meses de prisão.
e)Condenar:
O arguido E… pela prática dos crimes praticados na pessoa do assistente B…:
Pela prática do crime de sequestro agravado p. e p. pelo art. 158º, nº 1 e 2 alinea f), por referência ao art. 132º nº 2 alinea l) todos do C.P. na pena de 3 anos de prisão.
Pelo prática do crime de ofensas á integridade física qualificada p. e p pelo art- 143º, nº 1 e 145º, nº 1 ali a) por referência ao art. 132º nº 2 ali h) e l) na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
Pelo prática do crime de coação agravada p. e p. pelo art. 154º, nº1 e 155º, nº 1 ali a) e c) por referência ao art. 132º nº 2 ali l) na pena de 16 meses de prisão.
Pela prática do crime de sequestro agravado perpetrado na pessoa do ofendido C… e p. e p. pelo art. 158º, nº 1 e 2 ali f), por referência ao art. 132º nº 2 alinea l) todos do C.P. na pena de 18 meses de prisão.
f)Do cúmulo jurídico.
Atentos os critérios plasmados no art. 77º do C.P a personalidade retratada nos autos decide-se condenar os arguidos em cúmulo Jurídico.
Assim atento o referido critério legal e a personalidade dos arguidos em cúmulo jurídico aplicar-se-ão as seguintes penas:
Ao arguido D… a pena única de 6 anos e 8 meses de prisão.
Á arguida F… a pena única de 5 anos e 3 meses de prisão.
Ao arguido E… a pena única de 4 anos e 2 meses de prisão.
g) Suspende-se a execução da pena de prisão ao arguido E… pelo prazo de 4 anos e 2 meses nos temos e para os efeitos do disposto no art. 50º nº 5 do C.Penal.
Mais de decide:
Julgar parcialmente procedentes e provados os danos de natureza patrimonial e não patrimonial e consequentemente:
Condenar os arguidos solidariamente ao pagamento da indemnização civil por danos de natureza patrimonial e não patrimonial aos ofendidos nos seguintes termos:
h) Ao requerente B… e pelos patrimoniais a quantia de €8.142,26. E pelos não patrimoniais a quantia de € 15.000,00.
i) Ao requerente C… pelos de carácter patrimonial a quantia de €200,00 e pelos de carácter não patrimonial a quantia de € 5.000,00.
E ao Hospital do Nordeste €216,00. (…)»
2. Inconformados, os arguidos D…, E… e F… recorrem, extraindo da respetiva motivação um extenso texto que designam como “conclusões” em que (i) impugnam a decisão proferida sobre matéria de facto, (ii) questionam a qualificação jurídica dos factos e, por fim, (iii) insurgem-se contra a medida concreta das penas aplicadas a cada um dos arguidos e (iv) contra os montantes indemnizatórios fixados por os considerarem excessivos, tendo, a final, redigido as seguintes pretensões [fls. 2 198 – 2 199]:
«(…) Termos em que devem V Excelências conceder integral provimento ao presente recurso, revogando-se o douto Acórdão recorrido em conformidade com o acima exposto e em consequência:
a) Ser considerada não provada a matéria de facto constante do ponto 17. dos Factos Provados com a consequente absolvição dos Recorrentes D… e E… do crime de coação agravada de que vêm condenados.
Quando assim se não entenda e sem prescindir:
b) Ser considerada não provada a matéria de facto constante do ponto 17. dos Factos Provados com a consequente absolvição do Recorrente E… do crime de coação agravada de que vem condenado.
Quando assim se não entenda e sem prescindir:
c) Ser considerada não provada a matéria de facto constante do ponto 25. dos Factos Provados com as legais consequências, nomeadamente que se tratam quanto ao Ofendido B… de crimes de sequestro, coação e ofensas à integridade física simples e anulação do Acórdão em crise nesta parte, devendo os autos baixar à 1ª Instância a fim de serem aplicadas aos Arguidos D…, F… e E… as penas correspondentes a tais ilícitos penais tendo em conta as novas molduras penais abstraias.
Quando assim se não entenda e sem prescindir:
d) Ser o crime de ofensa à integridade física perpetrado na pessoa do Ofendido B… desqualificado por referência à l) do nº 2 do art. 132º do C.Penal, devendo os autos baixar à 1ª Instância a fim de serem aplicadas aos Arguidos D…, F… e E… as penas correspondentes a tais ilícitos penais tendo em conta as novas molduras penais abstraias.
Sem prescindir:
e) Serem os Arguidos D…, F… e E… absolvidos da prática do crime de sequestro de que vêm condenados perpetrado na pessoa do Ofendido B…. Sem prescindir:
f) Ser o Arguido D… condenado, em cúmulo jurídico, numa pena única inultrapassável de 4 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período;
g) Ser a Arguida F… condenada, em cúmulo jurídico, numa pena única inultrapassável de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período;
h) Ser o Arguido E… condenado, em cúmulo jurídico, numa pena única inultrapassável de 2 anos e 8 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.
i) Ser considerado improcedente o montante de 15.000,00 € devido solidariamente por todos os Arguidos a título de ressarcimento de danos não patrimoniais ao Ofendido B…, fixando-se tal valor em montante nunca superior a 4.500,00 €, sendo 3.000,00 € a pagar solidariamente pelos Arguidos D…, F… e E…, 500,00 € a pagar solidariamente pelos Arguidos D… e E… e 1.000,00 € a pagar pela Arguida F….
j) Ser considerado improcedente o montante de 4.000,00 € devido solidariamente por todos os Arguidos a título de ressarcimento de danos não patrimoniais ao Ofendido C…, fixando-se tal valor em montante nunca superior a 1.000,00 € a pagar solidariamente pelos Arguidos D…, F… e E….
Assim se fazendo a habitual JUSTIÇA
(…)»
3. Na resposta, o Ministério Público, de forma precisa, refuta os argumentos da motivação de recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls. 2 227 – 2 258].
4. Já o assistente B… pugna para que o recurso improceda; e interpõe recurso subordinado formulando as seguintes conclusões [fls. 2 295 – 2 298]:
«(…) 1- No ponto 2 fundamentação de facto considerou-se provado que o assistente B… é advogado de profissão, tem escritório na comarca de Vila Flor e assume a qualidade de credor no processo de insolvência n.° 574/06.2TBMCD, uma vez que é sócio gerente da G…, Lda., que reclamou e viu reconhecidos créditos no processo de insolvência em causa.
2- Todavia, a este propósito, alegou nos artigos 1.° e 2.° do seu pedido de indemnização cível que é advogado de profissão, tem escritório na Comarca de Vila Flor e é mandatário de quatro credores no Processo de Insolvência n.° 574/06.2TBMCD, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Macedo de Cavaleiros, sendo que um deles integra a respectiva Comissão de Credores, o qual é aí representado pelo demandante, na qualidade de mandatário.
3- Tal matéria consta da certidão extraída daquele processo 574/06.2TBMCD, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Macedo de Cavaleiros e foi junta aos autos, a fls. 1232 e seguintes.
4- Também com relevo para essa factualidade, extrai-se do depoimento do demandante B…, obtido ao abrigo do artigo 145.° do Código de Processo Penal, que teve início às 10:57:12 horas e terminus às 12:57:51 horas da gravação áudio, e cuja transcrição consta dos autos, que, naquele processo de insolvência em que eram insolventes os pais do arguido D…, foi mandatário de quatro credores, sendo que, um deles, o Senhor H…, integrava a Comissão de Credores.
5- Do mesmo modo, reportando-se à mesma questão, também o demandante C…, cujo depoimento teve início às 11:25:45 horas e terminus às 15:01:32 horas, refere que o Dr. B… no sobredito processo era mandatário de três ou quatro credores e, apesar de não se recordar de quem integrava a comissão de credores, não teve quaisquer dúvidas em afirmar que um dos clientes do Dr. B… fazia parte da Comissão de credores.
6- De resto, sobre tal matéria, também se faz referência no douto acórdão em análise, na parte que se reporta à fundamentação da convicção.
7- Nestas circunstâncias, o ponto 2 da matéria de facto considerada provada deve substituir-se por: O demandante B… é advogado de profissão, tem escritório na Comarca de Vila Flor e é mandatário de quatro credores no Processo de Insolvência n.° 574/06.2TBMCD, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Macedo de Cavaleiros, sendo que, um deles integra a respectiva Comissão de Credores.
Dos montantes indemnizatórios. a título de danos não patrimoniais
8- Com base nos pressupostos que determinam a obrigação de indemnizar, o tribunal julgou equitativo fixar em € 15.000,00 o montante indemnizatório a pagar pelos demandados ao demandante B…, e em 5.000,00 ao demandante C…, a título de danos não patrimoniais.
9- A este propósito, o n.° 4, do artigo 496.° do Código Civil aponta para a fixação das quantias indemnizatórias devidas por danos não patrimoniais, um critério equitativo, de acordo com as circunstâncias e especificidades estipuladas no artigo 494.° do mesmo diploma, seja o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, designadamente, as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, a desvalorização da moeda e os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.
10- Considerando a factualidade provada, com relevo para esta questão, os danos sofridos pelo demandante são muito graves, prolongam-se no tempo e são muito intensos.
11- De resto, tais danos não podem ser avaliados à luz de quem, no conforto da segurança e tranquilidade os imagina, mas tal como, nas circunstâncias, se apresentaram aos demandantes e, por outro lado, como tem sido sufragado nas recentes decisões jurisprudenciais, as indemnizações não devem ser miserabilistas.
12- Nestes termos, afigura-se equitativo, em conformidade com os apontados dispositivos, fixar em pelo menos € 27.500,00 (vinte e sete mil e quinhentos euros) os danos não patrimoniais sofridos pelo demandante B…, a suportar solidariamente por todos os demandados, em consequência das suas condutas que integram os crimes de sequestro agravados, ofensas corporais qualificadas e coação agravadas; e em 5.000,00 a pagar pela demandante F…, em virtude dos danos que por esta lhe foram causados devido à sua conduta que integra o crime de denúncia caluniosa.
13- Outrossim, de acordo com os apontados dispositivos, afigura-se equitativo fixar em € 8.000,00 os danos não patrimoniais sofridos pelo demandante C…, em consequência da conduta criminosa dos arguidos.
14- Os demandantes peticionaram danos de natureza patrimonial e não patrimonial, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a notificação dos demandados até integral e efectivo pagamento.
15- O tribunal recorrido condenou os arguidos a pagarem, a titulo de danos patrimoniais, ao demandante B… a quantia de € 8.142,26 e ao demandante C… a quantia de € 200,00.
16- Como ficou expresso, também condenou os arguidos a pagarem indemnização a titulo de danos não patrimoniais, e que se defende sejam fixados em 32.500,00 ao demandante B… e € 8.000,00 ao demandante C….
17- Porém, o tribunal recorrido não os condenou no pagamento de juros, conforme fora peticonado nos respectivos pedidos de indemnização eivei.
18- A este propósito, o artigo 805.°, n.° 3, do Código Civil, sob a epígrafe «Momento da constituição em mora», determina que «Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número». Por seu turno, do n.° 2 do artigo 806.° do mesmo diploma retira-se que "Os juros devidos são os juros legais..".
19- Face ao que resulta dos apontados dispositivos, devem os arguidos ser igualmente condenados a pagarem aos demandantes juros sobre os montantes indemnizatórios a título de danos patrimoniais, desde notificação até integral pagamento.
20- Outrossim, são-lhe devidos juros sobre as quantias arbitradas a título de danos não patrimoniais, desde a notificação dos demandantes ou, assim não se entendendo, desde a data da prolação da sentença proferida em primeira instância, se se considerarem actualizados por referência aquele momento, em conformidade com o acórdão do STJ para uniformização de jurisprudência, n ° 4/2002, de 27-06, até integral pagamento.
21- Assim não tendo decidido, o Tribunal recorrido interpretou incorrectamente o disposto nos citados preceitos.
Termos em que, deve merecer provimento o presente recurso, assim se fazendo JUSTIÇA. (…)»
5. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-geral Adjunto acompanha a resposta, pugnando, contudo, para que a decisão seja anulada na parte em que não determinou que a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido E… fosse acompanhada de regime de prova [fls. 2 342 – 2 343].
6. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
7. O acórdão recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respetiva motivação [fls. 2 047 - 2 063 (transcrição)]:
«(…) Factos provados.
1- O ofendido C… exerce as funções de administrador de insolvência no processo nº 574/06.2TBMCD que corre termos no Tribunal da comarca de Macedo de Cavaleiros e no âmbito do qual veio a ser declarada a insolvência de I… e J…, pais do arguido D….
2- O assistente B… é advogado de profissão, tem escritório na comarca de Vila Flor e assume a qualidade de credor no processo supra identificado, uma vez que é sócio gerente da G…, Lda., que reclamou e viu reconhecidos créditos no processo de insolvência em causa.
3- No dia 4 de Julho de 2012, pelas 15h30, o assistente B… deslocou-se com o ofendido C…, que fazia uso de canadianas, aos armazéns da massa insolvente, sitos na Rua …, nas proximidades (traseiras) da residência de I… e mulher, sita no nº …, apreendidos na massa insolvente de I…, a fim de verificarem se os mesmos se encontravam devolutos de pessoas e de bens.
4- Ali chegados, os ofendidos entraram nos armazéns em causa usando para o efeito a chave da porta de que se tinham munido.
5- Contudo, a arguida F… chegou a um dos armazém e passados 2/3 minutos apareceram os outros dois arguidos e decidiram, de imediato e em conjunto, confrontar os mesmos com a sua presença no local do ofendido Dr. B… impedindo que levassem a cabo quaisquer actos de efectiva tomada de posse dos armazéns que integram a massa insolvente de I… e J….
6- Os arguidos ali surpreenderam os ofendidos, tendo entrado na frente a arguida F…, seguida dos arguidos E… e F…a, os quais manifestaram grande exaltação e a arguida F… tentou vedar ao ofendido B… a porta do sobredito armazém.
7- O arguido D… fechou a porta do armazém onde se encontravam os ofendidos, inviabilizando aos mesmos qualquer possibilidade de fuga.
8- De seguida, os arguidos dirigiram a sua fúria contra o assistente B…, imputando-lhe o registo da penhora de um imóvel alegadamente pertence ao arguido D…, mas indevidamente apreendido por responsabilidade do assistente, segundo os arguidos, na massa insolvente de I… e J….
9- Acto contínuo, os arguidos começaram a agredir o assistente B…, com murros e pontapés que o atingiram em várias partes do corpo, tendo o projectado para o solo onde prosseguiram com tais agressões, não obstante o ofendido não ter apresentado qualquer resistência, e ainda lhe partiram os óculos que usava.
10- A dada altura, o arguido D… ainda levantou uma botija de gás e anunciou ao assistente B… que o “esmagava”, o que não aconteceu em virtude de este ter implorado àquele que não o fizesse.
11- Após o que, o arguido D… anunciou “daqui ninguém sai”.
12- Em simultâneo, o ofendido C…, que se deslocava com apoio de canadianas, sentiu-se indisposto (trato intestinal) pela violência com que viu o assistente B… ser agredido e solicitou aos arguidos que lhe permitissem deslocar-se a um sanitário.
13- Não obstante a condição física do ofendido C…, os arguidos negaram-se a restituir o mesmo à liberdade e disseram-lhe “para fazer ali”.
14- No entanto, os arguidos acabaram, após insistência do ofendido C…, por permitir que este último se deslocasse a um sanitário anexo à habitação de I…, acompanhado pela arguida e mediante prévia entrega do seu telemóvel, que lhe foi exigida pelo arguido D… “para não contactar com terceiros”.
15- Uma vez que as roupas que o ofendido C… trajava se encontravam sujas, a arguida F… acabou por ceder ao mesmo um par de calças e cuecas para mudar as que trazia vestidas.
16- Durante o período em que a arguida e o ofendido C… se ausentaram do local (cerca de 30 minutos), o arguido D… acusou o assistente B…, que sangrava de forma abundante, de “falsificar uma assinatura” enquanto o E… continuava a desferir-lhe vários socos e pontapés.
17- Após o que, também compeliram o assistente a escrever uma declaração ditada por eles, com o seguinte teor: «quando requereu a participação do prédio à matriz para efeito de penhora fê-lo de forma ilícita, ou seja, sem autorização do pai, I…».
18- Os ofendidos permaneceram no interior do supra citado armazém e nas condições supra descritas, contra as suas vontades, cerca de uma hora até que os arguidos verificaram a gravidade do estado do assistente B….
19- Durante esse período o arguido D… dirigindo-se ao assistente B… disse-lhe que “já tinha andado atrás dele para o matar e que se quisesse continuar vivo que tinha de os matar a todos (arguido declarante, arguida e filhos)» e que «sabiam onde residia”.
20- Quando acabaram por permitir a saída dos ofendidos do local, os arguidos ainda anunciaram ao assistente B… que “se se queixasse que o matavam”, tendo a arguida F… acrescentado “ninguém lhe bateu, ninguém lhe bateu”».
21- Por via da conduta dos arguidos, o assistente B… teve necessidade de recorrer a tratamento médico no Hospital …, local para o qual foi conduzido pela arguida o que fez apenas com a pretensão de controlar a versão dos factos que o assistente viesse a apresentar naquela unidade hospitalar, tendo posteriormente sido transferido para o Hospital ….
22- Como consequência directa e necessária daquelas agressões, resultaram para o assistente B…, dores, angústia e as lesões corporais descritas no exame médico-legal, constante de fls. 417-420 e 832-834 que aqui se dão por integralmente reproduzidas, designadamente:
- Vários hematomas periorbitários bilaterais na face, um hemorragia da cónea esquerda, um hematoma localizado na região subclavicular, um hematoma localizado na região média do hemitorax direito, um hematoma localizado na região inferior do hemitorax direito, um hematoma localizado na região média posterior do hemitorax esquerdo, um hematoma localizado na região lateral externa do terço médio do braço direito, um hematoma localizado na região posterior do terço inferior do braço direito, uma escoriação no cotovelo direito, um hematoma localizado na região escapular do membro superior esquerdo, um hematoma localizado na região anterior do terço médio do braço, um hematoma localizado na região lateral externa do terço distal do braço esquerdo, um hematoma localizado na região do cotovelo esquerdo, um hematoma localizado na região nadegueira do membro inferior direito e uma escoriação localizada na região posterior do terço médio da perna esquerda; e ainda:
- Um hematoma na região malar esquerda, um hematoma na região malar direita, escoriação na face interna do lábio superior com edema, uma escoriação na face anterior do pescoço, escoriações múltiplas na região posterior do tórax, um hematoma na base da omoplata esquerda, um hematoma no hemitorax direito com dor a pressão, escoriação no cotovelo direito com hematoma no mesmo antebraço, a fractura da sétima e oitava costelas direitas, vários hematomas periorbitários bilaterais e queixas de visão turva com pontos negros no olho direito, tendo-lhe sido diagnosticadas miodesopsias pós traumáticas no olho direito, que determinaram 60 dias de afectação da capacidade de trabalho geral e da capacidade profissional.
23- Agiram os arguidos de forma concertada e em união de esforços, com o intuito, concretizado, de privar o ofendido C… da sua liberdade de movimentos e tratando-o de forma degradante, obrigaram-no a permanecer no interior do armazém e acompanhá-los nos termos descritos, bem sabendo que o faziam contra a vontade daquele e que o mesmo apenas se encontrava no local para desempenhar as funções que lhe foram judicialmente atribuídas no processo 574/06.2TBMCD.
24- Ao apresentarem-se em superioridade física e numérica perante o ofendido C…, que fazia uso de canadianas e que sofria de grandes dificuldades de locomoção, bem sabiam os arguidos que iriam impossibilitar a este último ou dificultar-lhe qualquer reacção de defesa possível.
25- Agiram os arguidos de forma concertada e em união de esforços, com o intuito, concretizado, de privar o assistente B… da sua liberdade de movimentos, obrigando-o a permanecer no supra aludido armazém nos termos descritos, bem sabendo que o faziam contra a vontade daquele e que o mesmo apenas se encontrava no local por causa das suas funções de advogado.
26- Ao apresentarem-se os três perante o assistente B… nas circunstâncias acima descritas, bem sabiam os arguidos que iriam impossibilitar a este último ou dificultar-lhe qualquer reacção de defesa possível.
27- Ao actuarem da forma descrita, trataram o assistente B… de forma cruel, com a intenção concretizada de ofender o corpo e a sua saúde, em local fechado, apesar de este não ter apresentado qualquer resistência, revelando frieza de ânimo e bem absoluta indiferença com as consequências produzidas com as agressões infringidas, designadamente as dores, a angústia e as múltiplas lesões corporais supra descritas.
28- Ao actuar nos termos descritos, os arguidos agiram ainda com o propósito alcançado de causar medo ao assistente B…, para o impedir de relatar as agressões de que fora vítima e a sua permanência contra a sua vontade e do ofendido C… no interior do armazém onde ocorreram os factos, bem sabendo que as suas condutas eram idóneas a levar este a concluir que tinham em mente vir a atentar contra a sua integridade física ou mesmo contra a sua vida, e a motivar-lhe medo ou receio de que venham a ser concretizados tais propósitos, resultado esse que representaram.
29- Com a conduta descrita, os arguidos agiram sempre livre, voluntária e conscientemente, em comunhão de esforços e intentos, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas por lei penal e que por isso incorriam em responsabilidade criminal.
30- Sucede, porém, que, na tentativa de ludibriar as autoridades policiais e judiciárias para o caso de vir a ser apresentada uma eventual queixa contra si e demais co-arguidos (seu marido e seu filho) pela prática dos factos supra descritos, a arguida F…, no dia 09-07-2012, pelas 10:53 horas (data em que foi constituída e interrogada como arguida nos presentes autos), dirigiu-se ao Posto da GNR de Macedo de Cavaleiros e queixou-se contra o assistente B…, alegando, em suma, que no dia 04 de Julho de 2012, cerca das 12:00 horas, se encontrava no interior do escritório do supra referido armazém e ao aperceber-se da chegada daquele, dirigiu-se a ele.
31-Após uma breve troca de palavras, ele segurou-a pelo pulso do membro superior esquerdo, encostou a sua face à dela e disse-lhe “é aqui que te vou comer”.
32-De seguida, agarrando-a pela blusa jogou-a para cima de um monte de areia e tentou colocar-se em cima dela, o que só não logrou conseguir em virtude da reacção de defesa dela que o impediu de levar a efeito a sua pretensão.
33- A arguida ao apresentar aquela queixa perante a autoridade policial pretendeu lançar a suspeita de que o assistente B… teria praticado contra ela factos susceptíveis de consubstanciar o crime de violação na forma tentada, p. e p. pelo art.º 164.º, n.º 1 ex vi art.º 22.º e 23.º, todos do CP.
34- A arguida bem sabia que os factos que imputou ao assistente perante aquela autoridade eram falsos e que eram idóneos para provocarem uma perseguição criminal contra ele, e não obstante, agiu de modo a que lhe fosse instaurado procedimento criminal, o que conseguiu.
34- Agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
35-Consta do C.R.C de Fls. 739 do arguido E… que é primário.
36-Consta de Fls do C.R.C de Fls 740 que a arguida F… é primária.
37-Consta do C.R.C do arguido D… de Fls 750 que foi condenado por acórdão datada de 21/03/2003 na pena de 1 ano e seis meses, suspensa por cinco anos e 120 dias de multa á taxa diária de 60,00€, perfazendo 7.200,00 por factos praticados no dia 1/1/1999.
38-Consta do Relatório Social do arguido D… que tem como habilitações literárias o 11º ano.
39-Em 2003 conjuntamente com 2 sócios criou a empresa K…, L.dª, passando a exercer as funções de sócio gerente, actividade que tem desenvolvido até hoje.
40-Para além deste processo referiu que tinha sido anteriormente condenado há cerca de 1 ano numa pena de multa pela prática do crime de falsas declarações e, ainda mais recentemente no âmbito do processo nº 828/05.5PBMAT do Tribunal Judicial de Macedo de Cavaleiros na pena de 7 anos e 6 meses de prisão decisão da qual interpôs recurso.
41-Sempre manteve uma ocupação regular dispondo de recursos familiares, económicos e sociais.
42-Consta do Relatório Social da arguida F… que concluiu o 11º ano de escolaridade.
43-É o cônjuge do arguido D… e têm em conjunto 4 filhos de 16, 18, 22 e 25 anos de idade.
44-O casal vive da exploração da empresa K… e ainda da exploração de uma empresa de limpeza “L…” por parte da arguida.
45-Vivem em casa própria mas, comprada com recurso ao crédito.
46-É uma família unida tem espírito de auto-critica e não é alvo de rejeição social.
47-Consta do Relatório Social relativamente ao arguido E… que, frequenta o 3º ano de Economia da Universidade …, vivendo na … em quarto arrendado.
48-Desde muito novo ajudou os pais na vida empresarial.
49-É actualmente accionista da empresa do pai auferindo 540,00€ mensais.
50-É recordista universitário em X….
51-Não é alvo de rejeição na sociedade.
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Matéria de facto dada como não provada.
Que os arguidos tivessem executado um plano.
Que o arguido E… soubesse que o assistente era advogado.
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Fundamentação da convicção.
Relativamente á matéria dada como não provada, por falta de elementos probatórios. Pois inexiste qualquer elemento de prova donde se possa extrair a afirmação de que os arguidos tivessem executado um plano.
Relativamente á restante matéria o Tribunal formou a sua convicção positiva com base na análise e ponderação da prova produzida e examinada em audiência conjugada com as regras da experiência comum.
Assim, nesta sede baseou-se nas declarações confessórias dos arguidos E… e F… e nos exames médicos juntos aos autos, cfr. fls. 417-420 e 832-834; relatório de exame pericial de fls. 484-490; relatório de exame pericial de fls. 700-702. Com efeito os referidos arguidos confessaram que agrediram o assistente B… a murro, a pontapé e a arguido F… com uma vassoura. Agressões que tiveram lugar mesmo quando o assistente caiu ao chão em consequência das agressões. Também todos estão de acordo que as agressões ocorreram dentro do armazém objecto da diligência em curso levada a cabo pelo ofendido C… enquanto administrador da insolvência. Diligência essa, que tinha como objectivo o saber se o dito armazém se encontrava vazio e susceptível de ser apreendido para os bens da massa insolvente. A maior divergência prende-se com o facto de se saber se o arguido D… participou nos factos e, em que termos. Diga-se em abono da verdade que a prova de que participou e nos termos descritos na matéria de facto dada como provada são as declarações dos ofendidos. Depoimentos esses que nos parecerem coerentes, credíveis e prestados de uma forma serena, esclarecedora e circunstanciada em termos de tempo modo e lugar. As declarações do assistente B… encontram-se transcritas. Através da sua análise poder-se-á verificar com bastante rigor e pormenor as circunstâncias concretas da ocorrência. Obviamente não importa aqui e agora transcrevê-las mas tão só, demonstrar que não se trata de uma qualquer efabulação ou invenção sua. Alias, o mesmo se pode dizer das declarações do Ofendido C…. Também elas convincentes e até corroboradas em partes essenciais pelos depoimentos dos arguidos. Este ofendido como administrador da insolvência solicitou ao assistente B… colaboração numa diligência de tomada de posse do armazém para a massa insolvente. Isto porque o assistente era credor e advogado no referido processo. No momento da execução dessa diligência e quando os ofendidos se encontravam dentro do armazém com a arguida F… passados escassos minutos surgem os outros dois arguidos D… e E…. Entrando no mesmo logo o arguido D… vociferou voltando-se para o assistente com a seguinte expressão “este filho da puta”, após o que correu a porta do armazém que é de fole, ficou assim fechada começando imediatamente a agredir o assistente a murro a murro e a pontapé sendo seguidos pelos restantes arguidos como a mesma atitude. Assistente que não esboçou qualquer reacção defensiva ou outra. A dada altura o arguido D… levantou uma botija de gaz a acima da cabeça e fez-se menção de a lançar sobre o assistente entretanto ainda no chão. Foi nesta altura que o ofendido C… teve uma indisposição do trato intestinal. Pelo que pedindo para se deslocar a uma casa de banho foi dito pelo arguido D… para fazer as necessidades no armazém. Permitindo que o dito ofendido se deslocasse para o exterior e para uma casa de banho nas imediações do armazém e pertencente a uma casa ao que parece do pai do arguido, retirando-lhe previamente o telemóvel obviamente para não comunicar com quer que fosse. Nessa deslocação foi acompanhado pela arguida F… que lhe forneceu umas cuecas e uma calças para se mudar. Operação muito complicada e difícil na opinião deste ofendido dado se deslocar de canadianas e a casa de banho não ter condições nem papel higiénico. Operação esta onde demorou sensivelmente e que parece mais ou menos 30 m. Isto enquanto o assistente continuava retido no armazém e onde os outros arguidos lhe fizeram assinar um papel com o teor que conta da matéria dada como assente e no art. 17º da respectiva fundamentação. A contenda terminou quando o ofendido C… regressou da casa de banho, tendo posteriormente a arguida F… transportado o assistente ao Centro de Saúde, pensamos mais com o intuito de ficar a saber se o assistente denunciaria a situação ou não. Isto porque, esta arguida depois de deixar o assistente no Centro de Saúde ali regressou passado algum tempo perguntando á funcionária de atendimento e testemunha M…, “ se tinha lá dado entrada alguém por agressão”. Expressão esta utilizada pela referida testemunha quando foi ouvida em julgamento. Na tentativa de justificar a sua actuação a arguida F… enveredou por publicitar e denunciar uma situação por si inventada. Qual seja de proceder criminalmente contra o assistente por tentativa de violação dentro do dito armazém. Situação que foi conhecida pela generalidade das pessoas dado que o assistente é pessoa conhecida e é advogado. Denuncia que deixou cair mais tarde porque era inverosímil e destituída de fundamento. Aliás, foi o que resultou das suas próprias declarações em audiência.
Indubitavelmente que os arguidos quando fecharam a porta do armazém e praticaram os factos não permitiram mais que os ofendidos saíssem ou solicitassem qualquer ajuda. O assistente na situação física e anímica em que se encontrava é notório que não tinha condições de forçar a saída do armazém. Nem se sabe ao certo se a porta do armazém se abria por dentro. O arguido D… declarou em audiência que não era possível abri-la por dentro porque danificada. Questão esta que embora não sendo despicienda não foi verdadeiramente apurada. O que é certo é que na expressão do assistente que retrata cabalmente e fielmente a situação quando lhe foi perguntado se tinha possibilidade de lá sair logo referiu “que não pois a preocupação era colaborar ao máximo com os agressores na tentativa de minimizar as consequências do mal que lhe era feito.” O que é explicável, e lógico no sentido de fazer baixar os índices de agressividade dos agressores. Isto constitui mesmo o ABC dos ensinamentos da psicologia ás vítimas em situação de violência extrema. Pois a reacção defensiva ou ofensiva da vítima pode desencadear no agressor maior agressividade. O mesmo aconteceu com o ofendido C…. Mercê e consequência das suas limitações de locomoção (deslocava-se de canadianas) não só não lhe foi possível limitar ou atenuar as consequências das agressões ao assistente como ele próprio foi sujeito também á violência de assistir a cenas que lhe provocaram a reacção orgânica ao nível do trato intestinal. Ao ponto de ter de trocar de cuecas e de caças. Note-se que não trocou só de cuecas. E a prova mais do que evidente de que também lhe foram coarctadas as possibilidades de reagir de se ausentar, enfim de que foi privado da sua liberdade é o facto de os arguidos primeiramente quando solicitou uma casa de banho lhe terem dito “faça ai”. Depois terem dito “daqui ninguém sai” e só depois, não sem antes de lhe tirarem o telemóvel lhe permitiram ir a uma casa de banho sita junto ao armazém e na companhia da arguida F… e não do arguido E… como este diz e aliás, os outros também. Assim nas circunstâncias em que este ofendido se encontrava. Nu da cintura para baixo, com a necessidade de usar canadianas para se deslocar, sem telemóvel não podia na prática mesmo que quisesse retomar a liberdade. Ainda que mesmo a arguida F… se tivesse ausentado pelo tempo indispensável para adquirir as ditas peças de roupa. Indubitavelmente que os arguidos F… e D… sabiam que o assistente era advogado de profissão e credor no referido processo de insolvência. Tal facto resulta desde logo devido ao assistente ter inscrito o armazém nas Finanças através do antigo modelo 129, assinado como gestor de negócios do pai do D…, possibilitando assim o registo da penhora e consequente apreensão para a massa. Razão porque o obrigaram a assinar o tal papel onde o assistente confessa que o fez de forma ilícita. Parece que os factos ocorreram porque os arguidos imputam a apreensão do armazém á ordem do processo ao assistente. E como o assistente já se cruzou com os arguidos D… e F… no Tribunal no âmbito do referido processo, é por demais evidente que eles sabiam que era advogado. Aliás, nestas terras os advogados são pessoas conhecidas da generalidade das pessoas. E embora o assistente nesse dia não participasse numa diligência no âmbito de uma qualquer notificação judicial. O que é certo é que a actividade dos advogados não se esgota na realização ou participação de atos determinados pelo Tribunal. Pois a sua actuação é mais abrangente como é fácil de ver. Realizando por vezes mais trabalho forense fora do espaço que são os Tribunais. Aliás como aconteceu no caso dos autos. O administrador da insolvência C… solicitando-lhe a sua presença no local para coadjuvá-lo na verificação do estado do armazém, e eventualmente a sua apreensão com a prática de atos conducentes á diligência que se propunha realizar nomeadamente com a mudança das fechaduras e se fosse caso disso com recurso a autoridade policial. Foi nesse contexto que se desenrolaram os factos dados como assentes. Estas explicações foram dadas pelo ofendido C… e corroboradas pelo assistente. As consequências das actuações dos arguidos encontram-se estribadas nos exames médicos juntos aos autos. Cfr. Fls 418 e 833 e SS, correspondente ao Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal, onde de fixam em 60 dias a consolidação das lesões com afectação da capacidade de trabalho ao assistente. Importante também no sentido da verificação das repercussões que as agressões tiveram ao nível psíquico no assistente saliente-se o Relatório da avaliação psicológica de Fls 905 e SS. Onde se acaba por concluir que o mesmo sofre de Perturbação Pós-Stress Traumático Crónico. Estabelecendo-se o nexo causal entre o diagnóstico e as agressões de que foi vítima. Note-se que os pareceres de psicologia forense solicitado pelos arguidos de Fls. 1091 e 1049 não conseguiram inverter e por em causa o vertido nos restantes Relatórios médicos juntos. Até porque e estes pareceres se basearam ao que parece em consulta de algumas peças processuais sem recurso a uma visualização directa ou consulta do assistente. Ao contrário dos restantes. Aliás, o último teve mesmo a pretensão de por em causa infundadamente o Relatório de Perícia Medico-Legal elaborada pelo Gabinete num ponto importante como é o período de cura. Apontando para um período de 21 a 30 dias quando tal período já tinha sido fixado pela Perícia em 60 dias. Sendo que a Perícia médica referida só poderia ser posta em causa por uma outra e não por qualquer parecer ou exame médico por mais qualificado que fosse o clínico a realizá-lo.
Importantes no sentido da formação da convicção se revelaram entre outros: As fotografias de Fls. 8-12; os recibos emitidos pelas Unidades de Saúde constantes a Fls. 12-13; Registos clínicos de Fls 28-29, 159-165; fotografia de Fls 31; Exame médico-legal de fls. 417-420 e 832-834; Relatório de exame pericial de fls. 484-490; Relatório de exame pericial de fls. 700-702. No que ainda concerne a documentos: Auto de busca e apreensão de fls. 63; Auto de busca e apreensão de fls. 75-77; Auto de apreensão de fls. 120 e fotografias de fls. 121-123; Certidões de fls. 136-137, 147-158, 166-243, 244-260, 261-301;Auto de apreensão de fls. 412 e fotografias de fls. 413-414; Certidões de assentos de nascimento de fls. 539-542; e Auto de reconstituição constante de fls. 704-735. Neste pode ver-se e constar-se que a versão dos factos trazida pelos ofendidos foi sempre a mesma mais coerente e consentânea com as provas carreadas. Ao contrário da versão trazida pelos arguidos, nomeadamente no ponto de maior divergência que é o envolvimento e participação do arguido D… na sua execução. Os elementos de prova periciais, as apreensões, as fotografias, os registos clínicos e as certidões não foram postos em causa pelos arguidos na sua forma ou conteúdo. Pelo que se revelaram importantes e com força probatória idónea corroborando a alicerçando a prática dos factos por parte dos arguidos tal qual se encontram provados.
Finalmente e relativamente aos factos atinentes á denuncia caluniosa baseamo-nos na confissão livre, integral e sem reservas feita pela própria arguida F….
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Matéria de facto alegada e provada pelos ofendidos requerentes no âmbito dos pedidos de indemnização:
Relativamente ao formulado pelo B… dá-se aqui como reproduzida a matéria provada e constante da fundamentação de facto. Isto não só porque pelo mesmo foi alegada, mas também porque além de provada tem repercussão no pedido de indemnização civil quer ao nível dos danos de natureza patrimonial quer ao nível dos danos de natureza não patrimonial.
No que concerne aos primeiros:
As importâncias documentadas a Fls. 925, 926, 927, 928, 930, 931, 935, 948. Referentes a despesas médicas, consultas, episódios de urgência, taxas moderadoras, óculos, medicamentos etc. etc. As quais perfazem a importância de € 940,26. A esta importância ter-se-á que descontar € 216,00 correspondente aos episódios de urgência reclamados pela Unidade de Saúde do Nordeste a Fls 945 e 946 dos autos, directamente aos arguidos. Dos referidos elementos podemos constatar as seguintes e susceptíveis de ser ressarcidos civilmente:
-Deslocações em carro próprio aos hospitais € 138,00; pela destruição da camisa que trazia vestida no momento dos factos € 80,00.
-Em consequências das agressões deixou de poder trabalhar durante 60 dias no ano de 2012 cfr. a Perícia.
-Atenta a informação oriunda da Autoridade Tributária de Fis. 1321 o Valor Base auferido pelo Contribuinte B… é de € 36713,49. Significa que no referido ano o rendimento mensal se cifrou em € 3.671,34.
-Pelo que é de atender ao pedido neste particular e alegado no PIC, ou seja a quantia total de € 7.200,00.
-Perfazendo assim os danos patrimoniais a quantia de: € 8.142,26.
-Queixou-se a requerida F… de tentativa de violação por parte do requerente, alegando que este a tinha segurado pelo pulso e encostado á parede e dizendo-lhe” é aqui que vou comer”, só não conseguindo por se defendeu.
-Ora, a requerida bem sabia que não era verdade.
- Tudo isto foi conhecido e comentado pelas pessoas causando ao requerente preocupação, incómodos e mal-estar.
-O D… disse ao requerente no interior do armazém que já tinha ido á sua procura com uma pistola para o matar e que sabia onde ele morava.
-Ainda lhe disse que se queixasse que o matava, tendo a requerida F… dito em voz alta á saída do armazém “ninguém lhe bateu”, ninguém lhe bateu.
-Em consequência das agressões teve o requerente de recorrer aos hospitais, para ser tratado das mazelas físicas e a psicóloga para tratamento das mazelas psíquicas.
O que lhe causou além da incapacidade de trabalho referida dores físicas durante o período da cura, perturbações de visão, sentindo-se humilhado perante as pessoas que o inquiriam acerca das marcas das agressões visíveis no rosto.
O medo pela possibilidade da concretização das ameaças impediu-o de fazer as coisas que normalmente fazia e que gostava corno andar de bicicleta, dar passeios e de cultivar um apequena horta.
-Foi-lhe diagnosticado perturbação pós-stress traumático crónico.
-Tudo isto provocou alarme social e notícias em jornais e na televisão.
-Tendo o demandante acedido a dar entrevistas na tentativa de desmotivar os requeridos a concretizar as ameaças.
Os danos de natureza patrimonial encontram-se provados por meio de documentos como vimos.
Os danos de natureza não patrimonial para além dos documentos de natureza clínica nomeadamente as perícias que descrevem as lesões os sintomas e as repercuções psíquicas, também foram ouvidas testemunhas sobre esta matéria, que narraram e descreveram ao Tribunal o sofrimento e comportamento do requerente não só após os factos como nos dias subsequentes. Assim, neste particular saliente-se o depoimento da psicóloga Drª N… que consultou o requerente e lhe deu apoio psicológico, além de elaborar Relatório acerca do seu estado. Diagnosticando-lhe perturbação pós stress traumático depois de descrever com conhecimento directo porque o consultou o seu estado psíquico. Falando em mal-estar psicológico, pesadelos, ansiedade, medo. O que se repercutiu negativamente em termos laborais. Este testemunho estabeleceu nexo de causalidade entre as agressões de que foi vítima e o diagnóstico que lhe foi feito. O sofrimento o medo, inquietação foi descrito pela testemunha O…. A qual não obstante ser esposa do requerente prestou um depoimento bastante esclarecedor e credível pelo que passou o requerente de dia e de noite em consequência das agressões de que foi vítima. Conhecedora da actividade laboral e pessoal do requerente descreveu ao Tribunal a inactividade porque passou o requerente quer em termos laborais quer em termos das actividades de lazer que costumava usufruir. Neste particular realcemos os testemunhos da Dr.ª P… e Drª Q…, a primeira Juiz de direito e o segunda Procuradora Adjunta, ambas a exercer na Comarca de Vila Flor na altura da prática dos factos e onde o requerente exercia a actividade de Advogado. Após a prática dos factos tiveram oportunidade de visitar o requerente e a palavra que começou por proferir a primeira foi “ fiquei chocada com o que vi”. Descreveram como encontraram o requerente em termos físicos ainda com os ferimentos bem visíveis e em termos psíquicos abalado e com medo. A testemunha S… advogada falou com o requerente e nas duas vezes “ ele chorou”. T… e U… dois advogados que testemunharam em Tribunal fazendo um retrato bastante fiel e realista como o encontraram após os factos e as expressões que utilizaram foi abatido, humilhado, revoltado e com medo de que as ameaças de morte que os arguidos lhe profetizaram se concretizassem.
-Não obstante a onda solidariedade manifestada por advogados e magistrados e pelas pessoas em geral, dado ser um profissional de levado brio, leal e muito estimado sentiu-se humilhado e abalado física e psiquicamente.
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Relativamente ao pedido de indemnização formulado pelo requerente C…:
Dá-se também aqui como reproduzida a matéria dada como provada em sede de motivação de facto da parte criminal. Isto porque também tal matéria foi alegada pelo requerente no sentido de suportar a indemnização.
Assim,
-O requerente que se deslocava com apoio de canadianas sentiu-se indisposto (trato intestinal) pela violência com que viu o assistente ser agredido solicitando aos requeridos que lhe permitissem deslocar-se a um sanitário.
-O demandado D… anunciou “daqui ninguém sai”, logo acrescentado dirigindo-se ao demandante “faça aí, recusando restitui-lo á liberdade.
-Após insistir os demandados acabaram por permitir que o demandante se deslocasse a um sanitário anexo á habitação de I… na companhia da requerida F… e depois de lhe retirarem o Telemóvel onde esteve cerca de 30 m.
-Aqui teve de mudar de cuecas e de calças porque sujas pelas fezes, situação originada porque sujeito a presenciar as referidas cenas.
-As quais lhe foram fornecidas pela F….
-Depois de se mudar regressou na companhia da F… ao armazém não lhe sendo permitido outra atitude ou ausentar-se.
- O demandante ali se encontrava no âmbito de realização de uma diligência judicial enquanto administrador de insolvência.
-Sentiu-se assim humilhado, vexado, ao ser-lhe dito para fazer as necessidades fisiológicas no armazém, depois por ser acompanhado pela requerida F… ao WC e por lhe terem tirado o Telemóvel impossibilitando-o de qualquer contacto com o exterior.
-Sentiu-se stressado e abalado psiquicamente, durante alguns dias teve dificuldade em dormir, de andar sozinho na via pública.
-Por isso numa deslocação posterior a Macedo de Cavaleiros teve necessidade de contratar um segurança privado pagando-lhe 200,00 €.
Esta matéria resultou provada conforme salientamos e pelas razões expendidas em sede de formação da convicção.
O requerente C… quando pretendia realizar uma diligência no âmbito do processo de Insolvência de que é administrador foi obrigado a assistir sem poder fazer nada a cenas de violência que lhe originaram a reacção orgânica referida sem que lhe fosse permitido ausentar-se sozinho ou contactar com terceiros no sentido de pedir ajuda. Porque lhe retiraram o telemóvel antes de se dirigir ao WC, que ficava a escassos metros do armazém, sendo acompanhado pela requerida F…. Mas mesmo que pretendesse pedir ajuda não lhe seria possível dado o seu estado como ele afirma nu da cintura para baixo.
De facto esta situação que viveu é objectivamente humilhante para qualquer pessoa, mormente para ele que não podendo socorrer o outro ofendido, ou, impedir as agressões que foi obrigado a presenciar, ainda lhe aconteceu aquele desarranjo intestinal com as incidências que se conhecem e abundantemente relatadas nos autos.
De facto na expressão das testemunhas V… e na W… suas funcionárias “ficou com medo e envergonhado a ponto de ter de contratar segurança privado”. “Passando doravante a efectuar as diligências acompanhado de colegas de trabalho ou das autoridades policiais”.
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No que concerne ao pedido de indemnização civil da Unidade de Saúde do Nordeste, verificamos que se encontra provado atenta a prova produzida nos autos, de Fls. sendo do montante de € 216,00 Cfr. 945 e SS.
Saliente-se que não obstante os arguidos terem apresentado as suas contestações quer na parte criminal, quer na parte civil, não obtiveram acolhimento as suas pretensões, á excepção daquele segmento da acusação que referia que os arguidos tinham actuado de acordo com um plano previamente traçado e de que o arguido D… não conhecia o assistente B… bem como desconhecia a sua profissão.
A prova produzida pela acusação e pelos demandantes dos pedidos de indemnização cíveis foi mais consistente, credível, coerente e com produção de prova pericial, documental irrefutáveis e até com o teor da prova testemunhal conforme e pelas razões em cima expendidas. (…)»
II – FUNDAMENTAÇÃO
8. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objeto dos recursos, importa decidir as seguintes questões:
1 - Recurso principal [dos arguidos D…, F… e E…]:
Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto;
Qualificação jurídica dos factos;
Medida da pena;
Valores das indemnizações por danos não patrimoniais;
2 - Recurso subordinado [dos demandantes civis B… e C…]:
Valores das indemnizações e juros de mora.
1 - Recurso dos arguidos D…, F… e E…
Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto
9. (i) Os recorrentes insurgem-se contra a decisão de dar como provado o facto 17, invocando, para tanto, fragilidades e inconsistências do depoimento do assistente B… (o único que fundamentou a decisão do tribunal coletivo), em excertos que transcreve. Está em causa o facto de os arguidos D… e E… terem compelido o assistente B… a escrever uma declaração por eles ditada com o seguinte teor: «quando requereu a participação do prédio à matriz para efeito de penhora fê-lo de forma ilícita, ou seja, sem autorização do pai, I…». No entender dos recorrentes “não é plausível, de acordo com as regras da experiência” [conclusão D)] que alguém com as habilitações literárias do ofendido a redija “em nome de terceiro (…), na terceira pessoa” [idem]; nem é “crível que uma pessoa com as habilitações literárias do Arguido D… – 11º ano de escolaridade – e sem qualquer tipo de formação jurídica (…) haja ‘ditado’ uma declaração com o teor constante do ponto 17” [conclusão E)]. Por outro lado, afirmam que as declarações do assistente “não revelam coerência” [conclusão G)], “não relevam também esclarecimento” [conclusão H)] e que ”não se alcança, de acordo com as regras da experiência comum qual é a motivação dos arguidos para obtenção de tal documento” [conclusão J)]
10. Não têm razão. Sobre a credibilidade atribuída às declarações do assistente [conclusão L)], importa lembrar que se tem decidido, de forma uniforme e reiterada, que “I – A convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando seja obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou, então, quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum. II – Desde que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador” [Ac. RP de 12 de Maio de 2004 (Élia São Pedro), processo 0410430, disponível em www.dgsi.pt].
11. É essa, aliás, a orientação do Tribunal Constitucional ao contrariar a tendência para a inversão da posição das personagens no processo: “A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão” [Ac. n.º 198/2004].
12. Por isso, se o julgador revela o quadro geral das impressões determinantes da sua convicção e estas não se mostram contrárias à razoabilidade das coisas comuns, então, nada lhe pode ser assacado em termos de produzir uma alteração da convicção formada a partir deles [Nesse sentido, tb. Ac. STJ, de 15/07/2008, Proc. n.º 418/08 (Conselheiro Souto de Moura): “I - Uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se faz da prova e outra é detetarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório. II - Por outro lado também não pode esquecer-se tudo aquilo que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite: basta pensar no que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reações do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir. III - O trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizados em 1.ª instância, e da fundamentação feita na decisão por via deles, traduz-se fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado como provado o que se deu por provado – cf. Acs. de 15-02-2005 e de 10-10-2007, Procs. n.ºs 4324/04 - 5.ª e 3742/07 - 3.ª, respetivamente.” – disponível em www.dsgi.pt]
13. É o que resulta do acórdão recorrido: a convicção do tribunal mostra-se apoiada na prova produzida e a leitura que dela foi feita é plausível e ajustada às regras da experiência comum [artigo 127.º, do Cód. Proc. Penal]. Da análise feita nada nos permite fazer um pronunciamento de censura quanto ao juízo de credibilidade atribuído a cada um dos intervenientes em audiência e, em particular, ao assistente B…, cujas declarações se revelaram consistentes e pormenorizadas [ver Ac. RC de 12.5.2010 (Orlando Gonçalves)]: “(…) 5. O preceituado no art.127.º do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objeto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova” - disponível em www.dgsi.pt.
14. Depois, os termos da declaração ditada não revelam um especial conhecimento de direito que não seja acessível ao cidadão comum e, particularmente, a um empresário. São usadas expressões vulgares, comuns à atividade de qualquer proprietário, remetendo para a participação de um prédio à matriz para efeitos de penhora, alegadamente realizada de forma ilegal ou ilícita. Do mesmo modo, nada há a estranhar que o assistente a tenha redigido na terceira pessoa, tanto mais que foi “ditada” pelo arguido D….
15. Quanto à alegada falta de “coerência” (por o assistente ter referido que a declaração ditada “foi assinada na frente de sete testemunhas” - conclusão G)) e falta de “esclarecimento” (porque muitas das afirmações do assistente foram “meras reiterações das perguntas do seu mandatário” [conclusão H)), importa lembrar que, por um lado, a indicação das 7, depois 5, testemunhas foi feita pelo arguido D… [“(…) disseram-me para escrever (…) este documento foi assinado na presença de 7 testemunhas (tosse) depois passou de sete para cinco, depois fez umas chamadas (…)” (a partir de 28’ 20’’)]. Com ela, já se vê, pretendia o arguido reforçar (blindar) a credibilidade da declaração. Por outro lado, a indicação genérica de falta de “esclarecimento” é negada pela extensão das declarações prestadas pelo assistente, particularmente a instâncias do Ministério Público, sendo certo que o defensor teve oportunidade de aclarar aspetos que considerasse confusos – e que não se identificam.
16. Mas há mais: como bem salienta o Ministério Público, na Resposta à motivação de recurso, o ofendido C… referiu, em audiência, que quando regressou ao armazém o assistente estava sentado a uma secretária, tinha um papel à frente, os arguidos D… e E… estavam por detrás dele e o arguido D… disse: “está a ver, a minha mulher tem aqui um documento que prova que realmente há uns anos o doutor B… criou um artigo neste armazém para depois o meter na massa insolvente”.
17. Os recorrentes mencionam, ainda, que não foi feita prova do envolvimento do arguido E… na ação correspondente à coação: [D]e tudo quanto declarou o Assistente B… é patente que o suposto comportamento (redação da declaração) lhe foi única e exclusivamente imposto, determinado, pelo Arguido D…, não se podendo bastar o Coletivo com a menção de que ‘O E… estava ali presente e colaborava’ desacompanhada de qualquer outra imputação concreta de comportamento a tal Arguido para prova do Facto constante de 17 dos Factos Assentes no que ao Arguido E… diz respeito [conclusão R)].
18. Não é verdade: o assistente referiu, de forma particularmente impressiva, que, após a saída da arguida F… e do ofendido C…, os arguidos D… e E… o constrangeram a escrever e assinar a declaração ditada pelo D…. Nesse período em que a F… o C… estiveram ausentes “(…) ele [D…] fazia-me essas acusações [a “falsificação” relacionadas com a inscrição do prédio na matriz] e simultaneamente ao filho davam-lhe uns ataques de fúria e agredia-me com mais um murro mais um pontapé (…) quem bateu sempre foi o E… (…)” [a partir de 21’ 40’’]. A circunstância de o arguido E… agredir o assistente quando o pai (D…) o acusou da “falsificação” da inscrição do prédio na matriz e o obrigou a escrever a declaração que ele próprio lhe ditou é, por si só, reveladora do grau de comparticipação e de colaboração que aquele teve na ação concretizada. A agressão é contemporânea das diligências com vista à elaboração da declaração. Mais do que contemporânea, foi o meio eficaz de garantir que o assistente aceitasse, sem mais, escrevê-la e assiná-la. Ou seja: confirmado que o arguido D…, nesta fase, não agrediu o assistente, a obtenção da declaração foi assegurada pela intervenção violenta e reiterada do arguido E…, que respondia às acusações do pai com “ataques de fúria” e agressões físicas ao assistente.
19. Improcede, pois, este primeiro fundamento da impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto.
20. (ii) Em segundo lugar, os recorrentes impugnam a decisão de dar como provado o ponto 25, no segmento em que se afirma que eles sabiam que o assistente B… “se encontrava no local por causa das suas funções de advogado” [conclusão V)]. Apontam, para tanto, as suas próprias declarações e bem assim as do assistente e do ofendido C…, que reproduzem, concluindo que os autos não contêm elementos que permitam tal conclusão.
21. Voltam a não ter razão. Dúvidas não há que o assistente exerce a profissão de advogado e que, como advogado, teve desempenhos diretos e ativos no processo de insolvência à ordem do qual se encontra apreendido o armazém. De facto, o assistente representa vários credores, entre eles, uma sociedade de que é sócio gerente. E foi como advogado que o assistente logrou inscrever o armazém nas Finanças, possibilitando, assim, o registo da penhora e a consequente apreensão para a massa insolvente [pontos 1, 2, 3, 5, 8, 16 e 17].
22. Resulta destes factos, e de acordo com as regras da experiência [artigo 127.º, do Cód. Proc. Penal] que a presença do assistente no dia e local dos factos, a convite do administrador da massa insolvente “a fim de verificarem se os mesmos [armazéns] se encontravam devolutos de pessoas e bens” [ponto 3], tem unicamente a ver com o desempenho profissional que teve no processo, em representação de credores. Mais: as razões objetivas por que foi invetivado e agredido pelos arguidos prendem-se com a participação que teve, enquanto advogado, na inscrição matricial do prédio que depois veio a integrar a massa insolvente [pontos 8 e 16]. Ou seja: toda a agressividade dos arguidos para com o assistente teve como única origem um facto de relevância processual que este havia firmado na qualidade de advogado e como mandatário judicial dos credores que representava.
Pelo que improcede a totalidade da impugnação deduzida [art. 431.º, al. a), do CPP].
Qualificação jurídica dos factos
23. (i) Os recorrentes insurgem-se contra a agravação dos crimes de sequestro, ofensa à integridade física qualificada e coação, no que respeita ao ofendido B…, pela circunstância da alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º do Cód. Penal [conclusões FF) a NN)]. Partem, naturalmente, do pressuposto da procedência da impugnação da decisão proferida sobre matéria de quanto à intervenção do assistente na qualidade de advogado. Pressuposto que, como vimos, não se verificou – mantendo-se, pois, o quadro factual descrito, designadamente o facto de os arguidos saberem que o assistente se encontrava no local por causa das suas funções de advogado [ponto 25].
24. É verdade que a qualificação decorrente do n.º 2 do artigo 132.º do Cód. Penal não é automática, antes “deriva da verificação de um tipo de culpa agravado” o que obriga a que os elementos apurados revelem “uma imagem global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo de culpa tido em conta” [Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª ed., p. 49. Na jurisprudência, por todos, Ac. STJ de 21.10.2009, processo n.º 589/08.6PBVLG.S1: “(…) A ocorrência destes exemplos não determina, todavia, por si só e automaticamente, a qualificação do crime; assim como a sua não verificação não impede que outros elementos possam ser julgados como qualificadores da culpa, desde que sejam substancialmente análogos aos legalmente descritos. (…) IV -O cerne do referido ilícito está, assim, na caracterização da ação letal do agente como de especial censurabilidade ou perversidade face às circunstâncias em que, e como, agiu, ou dito de outro modo, está nas circunstâncias reveladoras ou não de especial censurabilidade ou perversidade que integram a ação letal do agente (…)” – disponível em www.dgsi.pt].
25. Ora, os factos dados como provados demonstram, de forma muito eloquente, um tipo de culpa agravado que define, ele próprio, uma imagem global do facto igualmente agravada e, por isso, reveladora de especial censurabilidade [artigo 132.º, n.º 1, do Cód. Penal]. Na verdade, os arguidos exerceram sobre os ofendidos, e particularmente sobre o assistente B…, um caudal de violência e de constrangimentos que, em conjunto, os dotaram de um poder total sobre os gestos, movimentos e ações dos ofendidos. Além da expressão concreta deixada pelas lesões verificadas e das perturbações vividas em resultado do teor da agressividade demonstrada pelos arguidos [pontos 22 e 12 a 15], há a assinalar a preocupação de barrar a saída dos ofendidos [pontos 7 e 11], a persistência e intensidade das agressões desferidas [pontos 9 e 10], a reiteração de ameaças de vários tipos [pontos 19, 20 e 21], a afronta (oposição) direta ao ato que os ofendidos pretendiam levar a cabo, a saber, a efetiva tomada de posse dos armazéns [pontos 3, 4 e 5] e, por fim, a falta de razoabilidade da pretensão dos arguidos, exigindo uma declaração que, como os próprios agora reconhecem, nenhuma utilidade revestia para os arguidos [fls. 2 119]. Este quadro de excecional violência, que se prolongou por cerca de 1 hora [ponto 18], exercido sobre pessoas no exercício das suas funções e por causa delas (no caso do assistente, funções ligadas ao exercício da advocacia) e que só terminou quando os arguidos se consciencializaram da gravidade do estado de saúde do assistente [idem] tem dois momentos especialmente representativos do descontrolo, da perturbação e da negação da realidade que os arguidos assumiram: o primeiro, quando o arguido D… levantou uma botija de gás e anunciou que ia “esmagar” o assistente, levando a que este lhe tivesse “implorado” que não o fizesse [ponto 10]; o segundo, quando a arguida F…, já em jeito de despedida, se dirigiu ao assistente e lhe disse: “ninguém lhe bateu, ninguém lhe bateu” [ponto 20].
26. Com o que resulta inequívoca a especial censurabilidade do caso [art. cit.] decorrente da verificação de um tipo de culpa agravado reportado às funções que a vítima desempenhava e à comparticipação de três arguidos, em coautoria [alíneas h) e l)]. Pelo que improcede mais este fundamento do recurso.
27. (ii) Num segundo momento, os recorrentes consideram que “não resulta da factualidade provada que alguma vez hajam pretendido praticar o crime de sequestro na pessoa do ofendido B…” [conclusão AAA)]. E assim, pugnam pela correspondente absolvição da prática do crime de sequestro, agravado (artigo 158.º, n.º 1, alínea f) por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l) do Cód. Penal) [conclusão DDD)].
28. Não podemos concordar. Ao contrário do que os recorrentes alegam, a intenção de cercear a liberdade de locomoção dos ofendidos, e em particular do assistente B…, surge logo no início da ação, antes mesmo de tomarem a resolução de agredir o assistente [pontos 7, 11, 13, 14, 18, 23, 25 e 28]. Na verdade, resultou provado que o arguido D… “fechou a porta do armazém onde se encontravam os ofendidos, inviabilizando aos mesmos qualquer possibilidade de fuga”; e depois, anunciou: “Daqui ninguém sai”. Resolução que foi cumprida, ao longo de cerca de 1 hora, período de tempo durante o qual os ofendidos, sem esboçar o mínimo gesto de resistência, numa postura de completa submissão, permaneceram às ordens dos arguidos, privados da liberdade física ou corpórea de mudar de lugar, de se deslocarem de um sítio para outro, entregues por completo à deriva ofensiva dos arguidos.
29. Ora, o bem jurídico protegido pelo tipo de crime de Sequestro, do artigo 158.º, do Cód. Penal, é precisamente essa liberdade de movimentos, de locomoção, esse dispor de livre circulação de um lugar para o outro [ver Comentário… p. 644]. Pelo que é inequívoco que, face aos factos dados como provados, os arguidos lograram, intencionalmente, confinar os ofendidos, e em particular o assistente B…, a um determinado espaço físico, impedindo-os de se movimentar de forma livre no interior do armazém e, mais ainda, de saírem para o exterior.
30. E não se diga, como os recorrentes, que o “período de tempo em que o assistente B… permaneceu no armazém contra a sua vontade foi o estritamente necessário à consumação por parte dos arguidos dos restantes crimes” pelo que “só haverá lugar à autonomização do sequestro se este se mantém para além do necessário à consumação dos ofensas e da coação” [conclusões VV) e WW)]. Em primeiro lugar, no quadro da ação desenvolvida pelos arguidos, a restrição da liberdade de locomoção do assistente B… tem absoluto autonomia. Como vimos, foi a primeira decisão assumida pelos arguidos e perdurou muito para além da consumação das ofensas à integridade física e da coação exercida [pontos 7 a 20]. Com ela, visaram os arguidos um objetivo claro e preciso, qual seja o de impedir que os ofendidos se deslocassem livremente e pudessem abandonar o local. A que acresce a função intimidatória e inibidora que permitiu a concretização das restantes condutas – sem contudo, nelas se esgotar.
31. Ora, nos termos do disposto no artigo 30.º, n.º 1, do Cód. Penal, “o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos (…)”. Para que tivesse ocorrido uma relação de consunção necessário seria que a privação da liberdade [sequestro] se constituísse como meio indispensável e estritamente necessário à consumação dos crimes de ofensas à integridade física qualificada e coação. O que não ocorreu, como vimos.
32. Assim, improcede mais este fundamento do recurso.
Medida das penas
33. Dizem os recorrentes que as penas parcelares aplicadas pela prática dos crimes de sequestro agravado, ofensa à integridade física qualificada, coação agravado e denúncia caluniosa, atinentes ao ofendido B… e pela prática do crime de sequestro agravado, atinente ao ofendido C… são manifestamente severas e exageradas [conclusão III)]. Dizem, ainda, que, de acordo com os relatórios médicos disponíveis nos autos, “as lesões físicas do ofendido [são] superficiais, correspondendo a derramamentos de sangue de vasos capilares de pequenas dimensões, limitados ao tecido subcutâneo” [conclusão PPP)]. E rematam, afirmando que o Relatório em que o tribunal coletivo se baseou “não poderá, por qualquer forma o documento de fls. 905 e ss constituir meio de prova idóneo quanto à verificação do dano a que se alude, qual seja o de o Ofendido padecer em consequência das condutas dos arguidos de perturbações pós stress traumático crónico” [conclusão UUU)]. Alegam, ainda, que o tribunal desconsiderou o facto de os arguidos entenderem que foram vítimas de um ato ilícito praticado pelo assistente [participação do prédio à matriz] e de se terem oposto a que o assistente entrasse no armazém [conclusões XXX) e YYY)].
34. Não têm razão. A caracterização e dimensão dos danos verificados não foi objeto de impugnação e encontra-se espelhada, de forma clara e objetiva, nos factos provados. A questão vem, também, tratada com frontalidade, na Motivação do acórdão recorrido, apresentando, o coletivo, justificação abundante para a credibilização dos vários relatórios apresentados. Do ponto 22 dos Factos Provados resulta uma extensa lista de lesões que determinaram, direta e necessariamente, 60 dias de afetação da capacidade de trabalho geral e da capacidade profissional. O que não é compatível com a categoria de “lesões superficiais” achada pelos recorrentes.
35. Por outro lado, nem a circunstância de os recorrentes considerarem que foram vítimas de um ato ilícito praticado pelo assistente, nem o facto de a arguida F… ter tentado vedar, num primeiro momento, a passagem ao assistente B… têm qualquer relevância em termos de atenuação da culpa ou de diminuição da intensidade do dolo. Lembrar, apenas, aos recorrentes a intensidade, variedade e duração das agressões. O mesmo se diga das circunstâncias de não terem usado objetos para agredir [conclusão AAAA)] ou de não terem amarrado os ofendidos [conclusão DDDD)].
36. Os recorrentes insurgem-se por, alegadamente, o tribunal recorrido ter valorado “outras condenações dos arguidos D… e G…” [conclusão KKKK)]. A única condenação tomada em linha de conta foi a que consta do ponto 37 dos factos provados [ver acórdão a fls. 2 077]. Quanto à pena do arguido E…, sustenta-se que esta deveria ter sido especialmente atenuada, nos termos do disposto no artigo 72.º, n.º 2, alínea c), do Cód. Penal: Ter havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados [conclusão KKKKK)]. Ora, o único ato de arrependimento conhecido são as palavras que proferiu em audiência, o que, sem pôr em causa a genuinidade intencional que as motiva, é, ainda assim, insuficiente para “demonstrar” arrependimento sincero. É entendimento uniforme da jurisprudência e da doutrina que a atenuação especial da pena deve abranger apenas aqueles casos em que se verifique a ocorrência de circunstâncias que se traduzam numa diminuição acentuada da culpa ou da necessidade da pena – casos verdadeiramente excecionais em relação ao comum dos casos previstos pelo legislador ao estabelecer a moldura penal correspondente ao respetivo tipo legal de crime [Ac. STJ de 8.10.2009 (Cons. Rodrigues da Costa) e Ac. RP de 22.6.2011 (Artur Vargues), disponíveis em www.dgsi.pt; – Figueiredo Dias: “(…) Quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global do especialmente atenuada, relativamente ao complexo ‘normal’ de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respetiva (…)” – in Direito Penal Português, Parte Geral, II - As Consequências Jurídicas do Crime, § 444]. O que não é o caso, pois nada existe que atenue a imagem global dos crimes praticados.
37. Em todos os casos, foram levadas em linha de conta as considerações dos respetivos relatórios sociais, sendo certo que nenhum dos dados deles respigados pelos recorrentes impõe a aplicação de penas próximas dos limites mínimos.
38. Como se sabe, o recurso dirigido à medida da pena visa o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação – atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso – e não a concretização do quantum exato da pena aplicada [Ac. RP de 2.10.2013 (Joaquim Gomes)]: a intervenção corretiva do tribunal superior no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada [Figueiredo Dias, ob. cit. §§ 254 e 255].
39. Assim, uma vez que não são meritórias as observações trazidas pelos recorrentes D… e E…, atentas as molduras abstratas previstas para cada crime e atentas as circunstâncias específicas do caso – o grau elevado da ilicitude dos factos e da intensidade do dolo, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, as condições pessoais dos arguidos e das suas situações económicas e as exigências de prevenção geral – entendemos que as penas parcelares fixadas pelo tribunal coletivo, tal como as penas conjunta do concurso determinadas não merecem censura por serem excessivas ou desproporcionadas.
40. Já no que concerne à pena conjunta do concurso aplicada à arguida F…, cremos que a mesma deve ser reduzida. Está em causa a pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, em resultado das seguintes penas parcelares:
- 3 anos de prisão, pela prática de um crime de Sequestro, agravado [B…], p. e p. pelo artigo 158º, nº 1 e 2 alínea f), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do Cód. Penal;
- 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de Ofensas á integridade física qualificada, p. e p pelo artigo 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alíneas h) e l), do Cód. Penal;
- 18 meses de prisão pela prática de um crime de Denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365.º, n.º 1, do Cód. Penal; e
- 20 meses de prisão pela prática de um crime de Sequestro, agravado [C…], p. e p. pelo artigo 158º, nº 1 e 2 alínea f), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do Cód. Penal.
41. A moldura penal do concurso tem, assim, como limite máximo a pena de 8 anos e 8 meses de prisão e como limite mínimo a pena de 3 anos de prisão. Pois bem: considerando que a gravidade do ilícito global é fortemente determinada pela atuação (especialmente violenta) dos outros dois arguidos, restando para a arguida F… uma participação e um envolvimento de menor dimensão – basta recordar que esteve ausente do armazém cerca de trinta minutos, período de tempo em que acompanhou o ofendido C… [ponto 16]; e considerando que os autos nada revelam, ao nível da avaliação da personalidade, que permita afirmar (ou sequer admitir) a existência de uma tendência criminosa, decidimos fixar a pena conjunta do concurso em 4 anos e 9 meses de prião [artigo 77.º, n.º 1 e 2, do Cód. Penal].
42. Esta pena de prisão é passível de ser substituída pela pena de suspensão da execução da prisão [artigo 50.º, n.º 1, do Cód. Penal]. Atendendo à personalidade da arguida (denotando, segundo o relatório social, vivências de adequação às normas vigentes), ao facto de ser mãe de 4 filhos (um deles menor), não ter antecedentes criminais, ter confessado os factos e apresentar uma perfeita integração social, familiar e laboral concluímos pela formulação de um juízo de prognose favorável de não reincidência, uma vez que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Pelo que se determina a suspensão da execução da prisão [art. cit.].
Valores das indemnizações por danos não patrimoniais
43. Por último, os recorrentes impugnam os valores fixados a título de indemnização pelos danos não patrimoniais verificados, que consideram “exagerados, desadequados e indevidos solidariamente” [conclusão HHHHHH)].
44. Não têm razão. O acórdão recorrido fixou a seguinte condenação, referente à matéria civil [ver supra]:
“(…) Condenar os arguidos solidariamente ao pagamento da indemnização civil por danos de natureza patrimonial e não patrimonial aos ofendidos nos seguintes termos:
h) Ao requerente B… e pelos patrimoniais a quantia de €8.142,26. E pelos não patrimoniais a quantia de € 15.000,00.
i) Ao requerente C… pelos de carácter patrimonial a quantia de €200,00 e pelos de carácter não patrimonial a quantia de € 5.000,00.
45. Estão em causa os danos direta e necessariamente decorrentes da atuação dos arguidos (demandados civis) que constitui a prática dos crimes de sequestro [do B… e do C…] e de ofensas à integridade física qualificada [B…], pelos quais vêm condenados [artigo 483.º, n.º 1, do Cód. Civil e pontos 27 e 28 dos Factos Provados]. Não faz sentido, por isso, sentido proceder à distinção reclamada pelos recorrentes entre danos resultantes da prática do crime de coação e do crime de denúncia caluniosa [conclusão MMMMMM)]
46. Como se sabe – e o acórdão recorrido refere – a avaliação dos danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito (como no caso presente) faz-se equitativamente, em função do grau de culpabilidade do agente, da situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso [artigo 494.º, ex vi do artigo 496.º, n.º 3, do Código Civil]. A indemnização deste tipo não visa reparar os danos efetivamente sofridos pelo lesado, nem reveste as características próprias de um castigo ou punição infringido ao agente: visa, isso sim, proporcionar ao lesado uma compensação ou benefício de ordem material capaz de atenuar o mal sofrido. Ainda recentemente esta Relação decidiu: “No cômputo equitativo de uma compensação por danos não patrimoniais atender-se-á à extensão e gravidade dos prejuízos, ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso” [Ac. RP de 2.12.2010 (Melo Lima), disponível em www.dgsi.pt].
47. Por outro lado, em matéria de julgamento segundo a equidade, os tribunais de recurso devem limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida” [v.g., Ac. STJ de 13/07/2006, de 17/06/2004 e de 29/11/2001, disponíveis em www.dgsi.pt].
48. Atento a elevada gravidade dos danos (dores decorrentes lesões físicas sofridos pelo demandante B…, forte angústia, medo e vexame suportado por ambos – ver pontos 9, 10, 11, 13, 15, 18, 22, 27 e 28), o elevado grau de culpa atribuído aos demandados (que atuaram em coautoria) e à situação económica destes e dos lesados, concluímos que os montantes fixados a título de indemnização por danos não patrimoniais não merecem censura por serem exagerados ou excessivos. Com o que improcede mais este fundamento do recurso.
2 - Recurso (subordinado) dos demandantes civis B… e C…
49. Os demandantes civis pugnam (i) pela consignação, nos factos provados, da menção de que o B… tem escritório na Comarca de Vila Flor e é mandatário de quatro credores no processo de insolvência referido [conclusão 7]; (ii) pelo incremento dos valores indemnizatórios fixados [conclusões 12 e 13]; e (iii) pela fixação de juros de mora, por si peticionados [conclusão 19].
50. A pretensão de aditamento do facto que revele o número de credores representado pelo demandante B…, no processo de insolvência, releva-se inócua e desnecessária, uma vez que resulta dos autos – como os próprios arguidos reconhecem [conclusão Z)] – que ele representa mais do que um credor. O número preciso de credores representados pelo demandante é irrelevante para a decisão da causa [artigo 368.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal].
51. Quanto aos montantes indemnizatórios fixados pelo acórdão recorrido, reiteramos as considerações feitas aquando do conhecimento do recurso dos arguidos – que aqui damos por reproduzidas. Atentas as circunstâncias concretas do caso e os parâmetros de determinação estabelecidos pela lei [artigo 494.º, ex vi do artigo 496.º, n.º 3, do Código Civil], entendemos que os montantes fixados se revelam justos e equilibrados, pelo que não merecem censura (por serem insuficientes).
52. Já a questão dos juros de mora peticionados tem procedência imediata, face ao disposto no artigo 805.º, n.º 2, alínea b) e 3, do Cód. Civil.
53. Uma última nota: como refere o Parecer do Ministério Público, a pena de suspensão da execução da prisão aplicada ao arguido E..., porque em medida superior a 3 anos, deve ser acompanhada de regime de prova (também assim no caso da arguida F…). Uma vez que se trata de uma imposição legal [artigo 53.º, n.º 3, do Cód. Penal], entendemos que não é caso de anulação do acórdão [ver Parecer], podendo e devendo ser suprida, agora, a omissão verificada.
A responsabilidade pela taxa de justiça
Os arguidos D… e E… são responsáveis pelo pagamento da taxa de justiça [art. 513.º, do CPP], cujo valor é fixado entre 3 e 6 UC [artigo 8.º, n.º 5 e Tabela III, do RCP]. Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 4 UC para cada um. Custas civis na proporção do decaimento [art. 446.º, do CPC e 523.º do CPP].
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os Juízes acordam em:
● Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida F…, fixando a pena conjunta do concurso em 4 [quatro] anos e 9 [nove] meses de prisão, que se substitui por suspensão da execução da prisão, de igual duração, acompanhada de regime de prova;
● Negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos D… e E…, mantendo, quanto a eles, o decidido no acórdão recorrido – e determinando que a pena de suspensão aplicada ao D… seja acompanhada de regime de prova;
● Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos demandantes B… e C…, condenando os demandados em juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a notificação até efetivo e integral pagamento.
No mais, mantém-se o acórdão recorrido.
Taxa de justiça: 3 [três] UC, a cargo dos recorrentes D… e E….
Custas do pedido civil: na proporção do vencimento e do decaimento.
[Elaborado e revisto pelo relator – em grafia conforme ao Acordo Ortográfico de 1990]

Porto, 30 de abril de 2014
Artur Oliveira
José Piedade