Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | VIEIRA E CUNHA | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO APARCAMENTO DE VEÍCULO AUTOMÓVEL DENÚNCIA DO CONTRATO NRAU | ||
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Nº do Documento: | RP201304095566/10.4TBMTS.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/09/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA. | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O legislador das normas transitórias do NRAU não teve presente que dantes, ao lado dos arrendamentos comerciais e dos arrendamentos habitacionais, havia uma espécie de "tertium genus", os arrendamentos elencados no art° 5° n°2 RAU, arrendamentos esses sujeitos ao regime geral da locação civil, levando em conta as normas interpretativas do direito de pretérito consagradas nas normas da al.e) do n°2 do art° 5° e do n°1 do art° 6° do RAU. II - Para o arrendamento de um espaço de parqueamento automóvel em logradouro de prédio urbano, vale tão só o disposto no art° 59° NRAU, cujas normas supletivas apenas se aplicam aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor "quando não sejam em sentido oposto ao da norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa a norma aplicável" - art° 59° n°s 1 e 3 NRAU. III - No caso do arrendamento citado, considerando a globalidade dos regimes legais, a denominada oposição à renovação do contrato de arrendamento não habitacional do NRAU opõe-se, por seu turno, à denúncia pelo senhorio, no regime da geral da locação., da redacção original do Código Civil, quer atendendo ao prazo supletivo do contrato, quer atendendo à antecedência necessária para a denúncia (art° 1055° n°1 al. d) CCiv). | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | • Rec. 5566/10.4TBMTS.P1. Relator – Vieira e Cunha. Decisão recorrida de 02/11/2012. Adjuntos – Desembargadores Maria Eiró e João Proença Costa. Acórdão do Tribunal da Relação de Porto Súmula do Processo Recurso de apelação interposto na acção com processo comum e forma sumária nº 5566/10.4TBMTS, do 4º Juízo Cível da Comarca de Matosinhos. Autor – B...... Réus – C.....e marido D….., E…. e mulher F….., G…… e marido H….. e I…... Pedido Que se decrete a manutenção da posse sobre o lugar de garagem de que o Autor é arrendatário, e se condenem os RR. a lhe entregarem as chaves novas do portão e dos aloquetes e a absterem-se de praticar qualquer acto que impeça, dificulte ou diminua o direito do Autor de estacionar, entrar, sair e aceder ao local arrendado, bem como condenar solidariamente os RR. a pagar ao Autor a quantia de € 1 500 por danos de natureza não patrimonial e € 12,47 por cada mês de privação do uso do lugar de garagem, com início em 25/3/2010 e até à cessação definitiva da sua conduta. Tese do Autor Em 1/1/79, celebrou verbalmente com Francisco Patrício e mulher um contrato de arrendamento para aparcamento de veículo automóvel. Entretanto, em 3/3/2010, os 1º a 3ºs RR. compraram o imóvel aos senhorios. Em 29/3/2010, o 4º Réu, procurador dos actuais proprietários, colocou dois aloquetes no portão de acesso à garagem e, mais tarde, mudou a fechadura do portão, com vista a intimidar e impedir o Autor de aí aceder. Tese dos Réus O arrendamento foi efectuado mediante a condição de o Autor retirar a sua viatura assim que os RR. necessitassem de utilizar o logradouro. O contrato foi celebrado pelo prazo de um ano, com renovações também anuais. Já em Dezembro de 2008 o Autor fora informado pelo anterior proprietário de que deveria retirar o seu veículo do local de aparcamento até Dezembro de 2009, facto que consubstanciou denúncia do contrato. Também o procurador dos AA. informou o Réu de que, após fosse celebrada a escritura, necessitava do logradouro para depósito de materiais, pelo que este teria que retirar o veículo daquele espaço. Sentença Recorrida Na sentença proferida pela Mmª Juiz “a quo”, a Ré foi absolvida do pedido, no pressuposto de que o acordo contratual foi celebrado mediante a condição de o Autor retirar o seu veículo assim que os senhorios necessitassem do logradouro para a realização de obras, ou quando vendessem o prédio. Conclusões do Recurso de Apelação do Autor: 1 - O Tribunal fez uma errada apreciação da prova, o que exige a necessária alteração à resposta que o Tribunal deu aos n.º 30, 32, 34, 35, 36 e 37 dos factos provados. 2 - A alteração à resposta à matéria de facto resulta da apreciação dos depoimentos das testemunhas J….. (sessão de julgamento de 28/05/2012 - tempo: 10:02:50 (início da gravação) a 10:48:56 (fim da gravação); K….. (sessão de julgamento de 28/05/2012 - tempo: 11:46:37 (início da gravação) a 12:34:51 (fim da gravação) e L….. – sessão de julgamento de 4/06/2012 - tempo: 10:23:48 (início da gravação) a 11:00:57 (fim da gravação), cuja reapreciação se requer e cujos testemunhos se encontram gravados através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática. 3 - Na verdade, colhe-se do depoimento da testemunha L..... que a mesma ofereceu ao Recorrente o valor de € 3.000,00 para a cessação amigável do contrato de arrendamento. 4 - Por outro lado, na qualidade de procuradora e filha dos anteriores proprietários do imóvel em causa nos autos a mesma assume nestes autos um interesse próprio na defesa da improcedência da lide. 5 - De facto, a mesma fez constar da escritura de compra e venda que constitui o documento 5 junto com a p.i. que o imóvel era transmitido livre de ónus e encargos. 6 – Assim, a procedência da presente lide iria acarretar contra si e contra os seus pais consequências civilísticas, seja via da anulação do contrato de compra e venda, seja pela via da acção indemnizatória. 7 - Nesse sentido, andou mal o Tribunal a quo ao dar como provados os factos n.º 30, 34 e 35, conducentes à declaração de caducidade do contrato. 8 - Repare-se que as testemunhas J..... e K..... referiram que em momento algum tomaram conhecimento da existência de qualquer acordo no sentido aludido pelos Recorridos. 9 - De resto, é a inexistência daquela condição resolutória que explica que o 4.º R. já depois de realizada a escritura de compra e venda tenha voluntariamente entregue ao Recorrente uma cópia da nova chave, possibilitando que este voltasse a sair e a entrar no lugar do aparcamento (n.º 11 dos factos provados). 10 - A inexistência daquela condição resolutória explica ainda a compreender que o outro utilizador do espaço de aparcamento, Sr. M....., continue a utilizar o espaço para esse fim. 11 – De resto, os Recorridos, apesar de devidamente notificados do primeiro depósito de renda efectuado pelo Recorrente (n.º 7 e 8 dos factos provados), não impugnaram os depósitos que se iniciaram em Março de 2010. 12 - Sendo assim, impõe-se dar como não provados os factos ínsitos sob os n.º 30, 34, 35, 36 e 37 e responder ao n.º 32 da forma descrita na motivação, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida. 13 – Relativamente aos quesitos 36 e 37 deverão os mesmos serem dados com não provados, atento o testemunho prestado por J...... 14 - Tendo em conta a imperiosa alteração à resposta à matéria de facto, impõe-se que se dê a acção por provada na totalidade. 15 - Desse modo, o Tribunal, além de ter procedido a uma incorrecta interpretação e valoração da prova, violou o disposto no artigo 1037.º do CC. Por contra-alegações, os Réus pugnam pela confirmação do julgado. Factos Provados 1. Em 1 de Janeiro de 1979, o Autor celebrou verbalmente com N..... e mulher, O....., um acordo para aparcamento de veículo automóvel no prédio da propriedade destes sito à Rua …., n.º …, freguesia da …., concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º 3406/20091006. 2. Mediante a retribuição então convencionada de 200$00 (€ 1,00), N..... e mulher cederam ao Autor o gozo temporário de um espaço no prédio identificado em 1.1., para aparcamento de veículo automóvel, entregando-lhe uma chave do portão que dava para o interior e exterior do n.º … da Rua …., permitindo assim que o Autor entrasse e saísse com o veículo automóvel. 3. Actualmente, a retribuição ascende a € 12,47. 4. Na sequência do acordo a que se alude em 1. e 2., o Autor, até data não concretamente apurada mas não posterior a 07.04.2010, utilizou ininterruptamente o espaço identificado em 2. para aparcamento de veículo automóvel, entrando e saindo a pé e de carro conforme a sua conveniência, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém. 5. Mediante escritura pública outorgada no dia 03.03.2010, junta aos autos a fls. 21 a 33, cujo teor aqui se dá por reproduzido, N..... e mulher O....., declararam vender aos 1ºs, 2ºs e 3ºs Réus, os quais declararam aceitar a venda, o prédio identificado em 1. 6. Por cartas datadas de 08.03.2010, juntas aos autos a fls. 40 a 48, cujo teor aqui se dá por reproduzido, o Autor solicitou aos 1ºs, 2ºs e 3.ºs Réus que o informassem do modo pretendido para o pagamento da retribuição mensal. 7. O Autor procedeu ao primeiro depósito (e subsequente) da retribuição mensal na CGD. 8. Mediante cartas datadas de 07.04.2010, juntas aos autos a fls. 51 a 57, cujo teor aqui se dá por reproduzido, o Autor notificou os 1ºs, 2ºs e 3ºs Réus de que, face à ausência de resposta à carta identificada em 6., procedeu ao primeiro depósito referenciado em 7. 9. Em data não concretamente apurada, o 4º Réu, agindo na qualidade de procurador dos 1ºs, 2ºs e 3ºs Réus, mudou a fechadura do portão de acesso ao espaço identificado em 2., sem que tenha imediatamente entregue ao Autor cópia da nova chave. 10. O Autor ficou com o seu veículo automóvel de matrícula ..-..-QF no espaço identificado em 2. e viu-se assim impedido de sair com o mesmo, bem como de a ele aceder. 11. Posteriormente, o 4º Réu entregou ao Autor uma cópia da nova chave do portão de acesso ao espaço a que se alude em 2., possibilitando que este voltasse a sair e entrar no mesmo. 12. Em momento posterior ao que se refere em 11., o Autor, que antes tinha saído do espaço identificado em 2. com o ..-..-QF, ao pretender aceder ao mesmo, viu-se impedido de o fazer em face da existência de um depósito de terra no referido espaço. 13. A terra relacionava-se com umas obras que estavam a ser realizadas no prédio identificado em 1., a mando dos 1ºs, 2ºs e 3ºs Réus, representados pelo respectivo procurador, o aqui 4º Réu. 14. O depósito de terra manteve-se no local durante dias. 15. Durante os dias referidos em 14., o Autor viu-se impossibilitado de aparcar o seu veículo automóvel no espaço identificado em 2. 16. Quando o Autor verificou que a terra tinha sido removida, dirigiu-se ao portão de acesso ao espaço identificado em 2., com o propósito de o abrir para entrar com o ..-..-QF. 17. Não o conseguiu fazer, dado que o 4º Réu, agindo na qualidade de procurador dos demais Réus, colocou ou mandou colocar 2 aloquetes no portão de acesso ao local identificado em 2. 18. Fê-lo numa altura em que o veículo automóvel do Autor não se encontrava no espaço identificado em 2. 19. O Autor, ao pretender abrir o portão para aceder ao espaço identificado em 2. viu-se, assim, impossibilitado de o fazer. 20. O 4º Réu não entregou ao Autor uma cópia da chave dos aloquetes, pelo que este ficou impedido de entrar com o ..-..-QF no espaço identificado em 2., pelo que o mesmo continuou a permanecer na rua. 21. O 4º Réu, agindo na qualidade de procurador dos 1º, 2º e 3º Réus, voltou a mudar, em data não concretamente apurada mas anterior a 21.04.2010, a fechadura do portão de acesso ao espaço identificado em 2., não tendo entregue ao Autor qualquer cópia da nova chave. 22. Mediante cartas datadas de 21.04.2010, juntas aos autos a fls. 61 a 66, cujo teor aqui se dá por reproduzido, o Autor interpelou os 1ºs, 2ºs e 3ºs Réus para em 5 dias lhe entregarem cópia da nova chave do portão e chave dos aloquetes. 23. Até à data nenhum dos Réus entregou qualquer chave ao Autor. 24. O ..-..-QF permanece na rua. 25. Os 1ºs, 2ºs e 3ºs Réus permitem que uma outra pessoa, M....., aceda ao espaço identificado em 2. 26. Mediante acordo verbal celebrado há mais de 20 anos, N..... e mulher, O....., cederam a M..... o gozo temporário de um espaço no prédio identificado em 1., para aparcamento de veículo automóvel, mediante o pagamento de uma retribuição mensal. 27. O Autor sofreu e sofre de perturbação e nervosismo pelo facto de ter sido privado da utilização do espaço identificado em 2. para aparcamento do seu veículo. 28. O sono do Autor ficou alterado, acordando sobressaltado várias vezes durante a noite, em virtude do abalo criado pelos Réus. 29. O espaço identificado em 2. situa-se no logradouro do prédio identificado em 1. 30. (excluído, conforme fundamentação infra). 31. N..... encontra-se acamado desde 2006. 32. Em Dezembro de 2008, L....., em representação dos seus pais, informou verbalmente o Autor de que existia um potencial comprador do prédio a que se alude em 1. pelo que o Autor teria que retirar a sua viatura do espaço a que se alude em 2 (alterado, conforme fundamentação infra). 33. L..... referiu ao Autor que lhe era permitido continuar a aparcar a sua viatura no espaço a que se alude em 2. até à realização da escritura de compra e venda. 34. (excluído, conforme fundamentação infra). 35. (excluído, conforme fundamentação infra). 36. Em data não concretamente apurada, o 4º Réu, na qualidade de procurador dos restantes Réus, informou o Autor de que iria efectuar obras no prédio identificado em 1., pelo que o Autor teria de retirar o seu veículo do espaço identificado em 2. 37. Na data a que se alude em 5. L..... comunicou ao Autor que tinha que retirar o carro do espaço referido em 2. 38. O espaço a que se alude em 2. tem um portão de acesso e é ladeado, de um lado, pela parede da casa existente no prédio e, do outro, por um muro. Fundamentos As questões colocadas pelas doutas alegações de recurso consistem em conhecer: - do bem fundado das respostas aos pontos da matéria de facto nºs 30, 34, 35, 36 e 37 (que se propor sejam respondidos “não provados”) e do ponto nº 32 (que se propõe seja respondido “em Dezembro de 2008, L....., em representação de seus pais, informou verbalmente o Autor de que existia um potencial comprador do prédio a que se alude em 1, pelo que o Autor teria que retirar a sua viatura do espaço a que se alude em 2”), considerando a prova testemunhal efectuada em audiência e a não impugnação dos depósitos de renda a que o Autor procedeu; - das consequências das alterações propostas para a procedência da acção. Apreciemos tais questões. I Apreciemos, em primeiro lugar, a impugnada fixação da matéria de facto, para o que ouvimos, na íntegra os suportes áudio relativos ao julgamento realizado.Pretende-se “não provado” o facto 30, onde positivamente se consignou: “o acordo identificado em 1. e 2. foi celebrado sob condição de o Autor retirar a sua viatura assim que N..... e mulher, O....., necessitassem de utilizar o seu logradouro, mormente para a realização de obras, ou aquando da venda do prédio”. A douta sentença recorrida considerou, para o efeito, a exclusiva prova decorrente das declarações da testemunha L...... Todavia, acompanhamos as doutas alegações de recurso, no sentido de que tais declarações se encontram inquinadas do interesse que, naturalmente, a depoente teria em vender o edifício ou edifícios que compunham o prédio onde se situava a parcela de logradouro arrendada livres de qualquer encargo. A citada testemunha, com o devido respeito, possui um interesse quase directo nos factos em discussão, pois que, em representação de seus pais, impossibilitados, foi ela que procedeu à venda do prédio em questão, venda essa que despoletou o litígio dos autos. Daí que até haja declarado que, para si, o contrato dos autos nada mais era que simples “cedência”, obviamente precária, segundo deixou entender. Por outro lado, o citado depoimento não encontra suporte documental, como facilmente poderia ter ocorrido, caso os outorgantes do arrendamento, seriamente, almejassem colocar uma condição de resolução do contrato. Acresce que, das pessoas presentes no momento da respectiva celebração, não depuseram em audiência (por razões quiçá compreensíveis, mas de todo o modo não depuseram) o irmão e a cunhada da depoente que, segundo o que esta declarou em audiência, também estiveram presentes no momento em que se formalizou o acordo com o Autor. Por fim, o valor probatório do depoimento da testemunha citada é, pelo menos, simétrico ao da testemunha J….. (mulher do Autor), que respondeu negativamente à matéria – acrescendo ainda que a testemunha K....., ex-marido da depoente L….., e frequentador da casa dos Réus, pelo menos durante os três anos em que foi casado, de 85 a 88 (segundo declarou), nada ouviu sobre condições apostas ao contrato. O depoimento da testemunha M....., que aparcava o seu veículo no mesmo logradouro, pagando aos RR. uma compensação, foi claro no sentido de nada saber sobre condições apostas ao contrato entre Autor e Réus – embora, no seu caso, nem pedisse ou recebesse recibos de renda, tendo sido com ele combinado que a qualquer momento poderia sair. Estas declarações mostram que existiu, desde o princípio, uma postura diversa no exercício do contratado com o citado depoente, desde logo a inexistência de recibos emitidos pelos Réus e a concordância do depoente em sair logo que lhe pedissem. No caso do Autor, desde o início que se verificou o pedido e a emissão de recibo, acrescendo que o Autor nunca anuiu a pedidos no sentido de sair do lugar de aparcamento. Por fim, este depoente tinha uma confiança com os RR. que nunca teve o Autor – segundo declarou, as suas filhas foram educadas por uma das senhoras que habitavam as traseiras do prédio (irmã e/ou mãe de um dos Réus) e, apesar da mudança de proprietário, continuou até com a chave do edifício-mãe, para dele tomar conta, na ausência dos proprietários na Suíça. Por este acervo de razões, concordamos que a matéria de facto em causa resultou “não provada”. Para o efeito procedemos já supra à alteração da factualidade provinda de 1ª instância. Na mesma linha de raciocínio, procede a peticionada supressão da expressão “conforme acordado”, que constava, a final, do facto nº 32. Por idêntica ordem de razões, procede a impugnação dos factos provados nºs 34 e 35, embora este sem curarmos do mérito do acordado com um terceiro M..... – razão pela qual, em boa verdade, a resposta positiva ao facto 35º se mostra prejudicada pelas respostas aos factos nºs 30 e 34. Nos factos 36 e 37 consignou-se que: “Em data não concretamente apurada, o 4º Réu, na qualidade de procurador dos restantes Réus, informou o Autor de que iria efectuar obras no prédio identificado em 1., pelo que o Autor teria de retirar o seu veículo do espaço identificado em 2” (36) e “na data a que se alude em 5. L..... comunicou ao Autor que tinha que retirar o carro do espaço referido em 2” (37). Não vemos aqui razão para qualquer alteração. O facto 37 foi confirmado, na sua substância, pela própria testemunha J….., mulher do Autor (foi também confirmado o facto por L.....). Quanto às obras a que alude a resposta ao facto 36, e à substância do que aí ficou consignado, foi confirmada pelo depoimento, em matéria de obras realizadas e “pedido do sr. I….”, da testemunha P….. que das mesmas citadas obras tomou conta. Confirma-se a resposta adoptada quanto a tais dois pontos de facto. II Vejamos agora a solução juscivilística da causa, em face dos factos agora provados, e designadamente de não podermos continuar a considerar, como considerou a douta sentença recorrida, a existência de uma condição de resolução do contrato, aposta ao mesmo. O Autor pretende fazer valer na acção os meios possessórios facultados ao arrendatário pelo disposto no artº 1037º nº2 CCiv. Os Réus senhorios, por sua vez, discutem a subsistência do arrendamento, que, na respectiva tese, teria validamente cessado pela denúncia do contrato – artº 1079º CCiv. Em causa assim, do ponto de vista dos RR., encontra-se a denúncia do contrato de arrendamento de um espaço de logradouro, para parqueamento de um veículo automóvel, que celebraram, enquanto senhorios, em 1979, com o Autor, este enquanto arrendatário.A denúncia aparece como forma autónoma de extinção dos contratos (sobretudo vocacionada para os contratos estabelecidos por tempo indeterminado), possui carácter unilateral e exprime uma vontade discricionária, não vinculada a qualquer justa causa que a lei estabeleça (por todos, Prof. Pessoa Jorge, Dtº das Obrigações, lições policopiadas, 75/76, pg. 212). Sendo, como regra, uma figura própria dos contratos de duração indeterminada, alguns Autores entendem que, em rigor, nos encontramos neste caso perante uma figura de “revogação unilateral” (cf. Profª Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano Anotado, 2012, pg. 81). O NRAU distingue as figuras da “oposição à renovação”, própria dos contratos com prazo certo, da figura da “denúncia”, própria dos contratos de duração indeterminada. Em primeiro lugar, a matéria do direito transitório. O contrato dos autos foi constituído em 1979 e discute-se a respectiva subsistência em 2010, por denúncia operada no mês de Dezembro de 2008 e, mais tarde, renovada na data da escritura de compra e venda do bem locado, em Março desse ano de 2010. Como todas as vicissitudes contratuais relatadas nos autos, relativas à denúncia do contrato, ocorreram no decurso da vigência da redacção inicial do NRAU (Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro), desde a celebração do contrato até à respectiva denúncia, é a essa redacção que nos iremos ater, por força do disposto no Código Civil em matéria de direito transitório – artº 12º nºs 1 e 2 2ª parte CCiv (ignoramos assim quer a as alterações introduzidas ao regime do arrendamento urbano pelo disposto na Lei nº 31/2012 de 14/8, entretanto já em vigor). O arrendamento dos autos não se demonstra ter sido sujeito a prazo. Ora, de acordo com o regime das normas de direito transitório do NRAU, isto é, normas aplicáveis aos contratos que, no início da vigência do NRAU, se encontrassem em vigor e tivessem sido celebrados em data anterior, e segundo o artº 26º nº4 Lei nº 6/2006 (ex vi artº 28º, pois que estamos perante um contrato “não habitacional”, celebrado antes do D-L nº 257/95 de 30/9), os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada. Em consequência, em matéria de denúncia aplicar-se-ia ao caso dos autos o disposto quanto ao arrendamento para habitação (artº 1110º nº1 CCiv). Isto significa, no mesmo caso dos autos, percorridas as várias alíneas do normativo do artº 1101º CCiv, que o senhorio apenas poderia ter denunciado o contrato caso visasse a demolição ou a realização de obra de remodelação ou restauro profundos. O regime da denúncia do NRAU, para contratos anteriores a 95, não habitacionais e celebrados sem prazo, é, como adequadamente concluiu o Ac.R.C. 15/11/2011 Col.V/13, relatado pelo Desemb. Barateiro Martins, do tipo “vinculístico”. Do mesmo modo, acompanhando este douto aresto da Relação de Coimbra, somos levados a concluir que “o legislador das normas transitórias da Lei nº 6/2006 não terá tido presente que dantes, ao lado dos arrendamentos comerciais e dos arrendamentos habitacionais, havia uma espécie de “tertium genus”; havia os arrendamentos elencados no artº 5º nº2 RAU, arrendamentos esses também sujeitos ao regime geral da locação civil” (…) “não sujeitos a um regime imperativamente vinculístico”. E prosseguindo: “As normas transitórias da Lei nº 6/2006 colocaram de lado os anteriores recortes conceituais – sem se dar conta, seguramente olvidaram a existência dos arrendamentos elencados no artº 5º nº2 RAU, sujeitos ao regime geral da “locação civil” – acabando, com tal razia, por conceder-lhes, sem se dar conta, o tratamento transitório concebido para os arrendamentos até ali sujeitos a um regime vinculístico.” “É por tudo isso que se impõe uma leitura e interpretação (cf. artº 9º CCiv) correctiva/teleológica do direito transitório e do artº 59º da Lei nº 6/2006, o que, em síntese, significa, em linha com o que vimos dizendo, tendo presente a finalidade e intuito legislativos que presidiram ao NRAU – que o direito transitório, designadamente os artºs 26º a 29º Lei nº 6/2006 não foram pensados, nem contêm qualquer preceito que vise o contrato de arrendamento sub judice (…) razão pela qual tal direito transitório é, ao caso, inaplicável.” Justifica-se assim a conclusão de que, para o arrendamento sub judice de um espaço de parqueamento automóvel em logradouro de prédio urbano, vale tão só o disposto no artº 59º NRAU. A norma em referência manda aplicar o NRAU às relações contratuais subsistentes à data da respectiva entrada em vigor, mas (nº3) as respectivas normas supletivas apenas se aplicam aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor “quando não sejam em sentido oposto ao da norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa a norma aplicável” – artº 59º nºs 1 e 3 NRAU. III A questão deve, por força da norma legal citada, analisar-se assim, desde logo, à luz “da norma supletiva vigente, aquando da celebração” – a qual data do dia 1 de Janeiro do ano de 1979.Suscitava-se a dúvida, à época, na exegese do disposto no artº 1083º CCiv, nos seus diversos incisos, sobre se este tipo de contrato visando o estacionamento e recolha de veículos automóveis, quando não conexo com outro tipo de arrendamento, seja para habitação, comercial ou até para o exercício de profissão liberal, se encontrava sujeito à proibição de denúncia pelo senhorio, a que se reportava o disposto no artº 1095º CCiv. Nesta matéria, o Ac.S.T.J. 6/7/00 Bol.499/302, relatado pelo Consº Barata Figueira, dá-nos conta do amplo debate sobre a natureza do contrato, concluindo, a respeito do disposto na al.e) do nº2 do artº 5º e no nº1 do artº 6º RAU (que, em substância, obrigam à aplicação do regime geral da locação à denúncia do arrendamento para parqueamento de viaturas ou outros fins limitados), tratar-se de normas interpretativas do direito de pregresso. Assim o escreveu com apoio na doutrina firmada pelo Prof. Menezes Cordeiro e pelo Dr. Castro Fraga, RAU Anotado, 1990, artº 5º, notas 6 e 7, segundo a qual “a al.e) do nº2 contém matéria nova, embora surja no seguimento de dúvidas ocorridas, quer na doutrina, quer na jurisprudência, a propósito fundamentalmente da proibição da denúncia nos casos de arrendamento de paredes ou telhados para painéis publicitários, espaços em garagens para aparcamento de viaturas, etc.; entendia-se que nenhuma razão de interesse público justificava a aplicação, a esses casos, da disciplina proteccionista existente para os arrendamentos chamados “vinculísticos” (habitação, comércio, indústria, profissões liberais); o legislador veio pôr cobro à discussão, excluindo do regime geral os arrendamentos de espaços não habitacionais para a afixação de publicidade, armazenagem, parqueamento de viaturas, ou outros fins limitados, desde que não sejam realizados em conjunto com arrendamentos para habitação ou comércio – e, embora o legislador não o diga expressamente, também para a indústria ou o exercício de profissão liberal”. Esta doutrina foi reafirmada pelo Prof. Menezes Cordeiro, em artigo publicado na Revista da Ordem dos Advogados, 1994/III/pgs. 847 a 849. Como se exprimia o Acórdão do Venerando S.T.J., “a solução do direito anterior era controvertida, ou pelo menos incerta; e a solução definida pela nova lei encaixa nos quadros da controvérsia e é tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei” – isto bastaria para conformar as normas do RAU como interpretativas do direito anterior. Integrando-se a lei interpretativa na lei interpretada, de acordo com o disposto no artº 13º nº1 CCiv, será também ela de aplicar aos arrendamentos celebrados em momento anterior à vigência do RAU, e designadamente na vigência do disposto no artº 1083º CCiv, pelo que, em resumo, o contrato dos autos deveria ser interpretado, à luz do regime em vigor na data da respectiva celebração (ex vi artº 59º nº3 NRAU), em matéria de denúncia do contrato, como sujeito ao regime geral da locação civil. Defendeu igualmente esta natureza interpretativa do RAU, face ao Código Civil, o Ac.R.L. 7/12/94 Col.V/124 (relatado pelo Desemb. Américo Marcelino). IV Conjugando o citado nº3 do artº 59º NRAU com o regime legal vigente à data da celebração do arrendamento dos autos, verificamos que o exercício do direito de denúncia do contrato dos autos, à data da entrada em vigor do NRAU, não sofria qualquer restrição, e o contrato poderia ser livremente denunciado pelo senhorio findo o prazo do contrato ou da respectiva renovação – artºs 1051º al.a) e 1055º CCiv.Se assim era, à luz da interpretação proposta, não podem as normas supletivas do NRAU, caso se afigurassem de sentido oposto, retirar tal possibilidade ao senhorio. Das normas supletivas do NRAU resulta hoje que o contrato de arrendamento para fins não habitacionais, na falta de estipulação, considera-se celebrado por prazo certo, pelo período de 10 anos – artº 1110º nº2 CCiv, sendo que o senhorio, não gozando do direito de denúncia (por todos, Consº Pinto Furtado, Manual, II/4ª ed./pg. 956), pode todavia opor-se à renovação desde que comunique tal intenção ao arrendatário com antecedência não inferior a um ano (artº 1097º CCiv ex vi artº 1110º nº1). Este regime relativo à oposição à renovação do contrato é, apesar de tudo, oposto à situação colocada às partes, por força do regime supletivo da denúncia, aplicável à data da celebração do contrato. Nesta data da celebração do contrato, encontrávamo-nos perante um contrato a que se deveria aplicar o regime geral da locação civil, fugindo assim ao disposto nos artºs 1083ºss. CCiv e ao regime vinculístico dos arrendamentos. Pelo regime geral da locação, o gozo da coisa cedido mediante retribuição era necessariamente temporário – artº 1022º CCiv. E, na falta de estipulação de um prazo para o contrato, considerava-se que o respectivo prazo era igual à unidade de tempo da retribuição fixada, no caso dos autos, um mês – artº 1026º CCiv. A então chamada denúncia do contrato de arrendamento teria de ser efectuada com a antecedência mínima de 10 dias – 1/3 do prazo (artº 1055º nº1 al.d) CCiv). Ou seja: pelo regime geral da locação do Código Civil, aplicável ao arrendamento dos autos, não apenas o prazo do contrato era substancialmente inferior (1 mês, contra 10 anos), como também o prazo para denúncia/oposição à renovação o era (10 dias, contra 1 ano). A comunicação efectuada pela filha e procuradora dos senhorios, ao Autor, em Dezembro de 2008 e, mais tarde, renovada na data da escritura (3/3/2010), no sentido de que o Autor deveria retirar o seu veículo do espaço de parqueamento consubstanciaram uma denúncia válida do contrato de arrendamento, efectuada com a antecedência legal, pelo menos à luz do regime legal vigente à data da celebração do contrato. Este regime legal é o que se aplica à hipótese dos autos, por força das normas finais de aplicação no tempo do NRAU – artº 59º nº3 NRAU. Tendo o contrato cessado pois pela respectiva denúncia, na terminologia da lei aplicável, o Código Civil de 67, não justifica o Autor o recurso aos meios possessórios conferidos ao arrendatário pelo disposto no artº 1037º nº2 CCiv. A douta sentença recorrida merece assim confirmação, pese embora a alteração na apreciação da matéria de facto a que procedemos e a subsequente alteração da solução juscivilística. A fundamentação poderá ser resumida desta forma: I – O legislador das normas transitórias do NRAU não teve presente que dantes, ao lado dos arrendamentos comerciais e dos arrendamentos habitacionais, havia uma espécie de “tertium genus”, os arrendamentos elencados no artº 5º nº2 RAU, arrendamentos esses sujeitos ao regime geral da locação civil, levando em conta as normas interpretativas do direito de pretérito consagradas nas normas da al.e) do nº2 do artº 5º e do nº1 do artº 6º do RAU. II - Para o arrendamento de um espaço de parqueamento automóvel em logradouro de prédio urbano, vale tão só o disposto no artº 59º NRAU, cujas normas supletivas apenas se aplicam aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor “quando não sejam em sentido oposto ao da norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa a norma aplicável” – artº 59º nºs 1 e 3 NRAU. III – No caso do arrendamento citado, considerando a globalidade dos regimes legais, a denominada oposição à renovação do contrato de arrendamento não habitacional do NRAU opõe-se, por seu turno, à denúncia pelo senhorio, no regime da geral da locação, da redacção original do Código Civil, quer atendendo ao prazo supletivo do contrato, quer atendendo à antecedência necessária para a denúncia (artº 1055º nº1 al. d) CCiv). Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República, decide-se neste Tribunal da Relação: Julgar improcedente, por não provado, o recurso interposto, desta forma confirmando na íntegra a douta sentença recorrida. Custas pelo Apelante. Porto, 09/IV/2013 José Manuel Cabrita Vieira e Cunha Maria das Dores Eiró de Araújo João Carlos Proença de Oliveira Costa |