Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0652688
Nº Convencional: JTRP00039239
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: TAXA DE JURO
LIVRANÇA
Nº do Documento: RP200605290652688
Data do Acordão: 05/29/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 262 - FLS 80.
Área Temática: .
Sumário: Tem sido predominante o entendimento jurisprudencial que a taxa de juros dos títulos cambiários é a que sucessivamente vigorar, nos termos do art. 559º do Código Civil, e não aquela prevista no § 3º do art. 102º do Código Comercial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B………., C.RL., cooperativa de crédito agrícola mútuo de responsabilidade limitada, pessoa colectiva n° ………., intentou, em 24.11.1999, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia – .º Juízo Cível – Execução Ordinária Para Pagamento de Quantia Certa, contra:

C………. e mulher, D………..

Alegando:

-a exequente é dona e legítima portadora de uma livrança ao diante junta e que aqui se dá por reproduzida para os efeitos legais, emitida em 04.12.98, do montante de 1.111.064$00;

- tal livrança encontra-se subscrita pelos executados e venceu-se em 15.0.1999;

- a livrança foi directamente entregue pelos emitentes, aqui executados, à exequente, e resultou de um contrato de mútuo havido entre a exequente e estes referidos emitentes contrato esse celebrado no âmbito da actividade comercial da exequente;

- do contrato de mútuo celebrado em 04.12.98, do montante de 1.000.000$00, nada foi pago quanto a capital;

- sendo assim, do montante da livrança ajuizada de 1.100.000$00, relativos ao capital em dívida, 27.616$00 relativos aos juros contratuais vencidos e não pagos, e ainda 83.448$00 relativos aos juros moratórios do mútuo vencidos desde a data em que a prestação do mútuo e respectivos juros deveriam ter sido pagos (04/03/99), até à data de apresentação do título a pagamento (15/09/99);

- a livrança não foi, apesar de ter sido atempadamente apresentada a pagamento, paga tempestivamente, nem posteriormente, apesar de várias insistências da exequente;

- tal livrança é, nos termos dos arts. 46° Código de Processo Civil título exequível, razão pela qual pretende a exequente dá-la à execução para haver dos executados a quantia de 1.111.064$00, acrescida dos juros de mora à taxa de 10% ao ano, desde 15/09/99 (data de vencimento), calculados apenas sobre 1.027.616$00 (montante do capital mutuado e respectivos juros contratuais vencidos durante a vigência e não pagos) até integral e efectiva liquidação, os quais até à data de propositura da presente acção, perfazem já a quantia de 17.127$00, o que eleva o total, ao momento em dívida, para 1.128.191$00.
***

Por despacho de 14.12.1999 foi indeferido, parcialmente, o requerimento executivo, no que se refere à taxa de juros pedida, considerando-se que é de 7% e não 10% como peticionou a exequente.
***

Inconformada recorreu a exequente que, alegando, formulou as seguintes conclusões:

a) Na presente execução está em causa uma livrança;

b) O art. 559° do Código Civil, e a Portaria 263/99 de 12/04 estipulam juros moratórios de 12% ao ano para as obrigações comerciais;

c) O art. 2° do Código Comercial considera actos objectivos de comércio as livranças;

d) Aos actos comerciais aplica-se a legislação comercial;

e) Às livranças aplica-se a taxa moratória de 12% ao ano;

f) Outra interpretação da Portaria 263/99, que não nesse sentido, é ilegal, por violar uma norma hierarquicamente superior (uma Lei): o art. 2° do Código Comercial;

Assim:

g) Deve a douta decisão recorrida ser revogada, substituindo-se por outra que declare ser a aplicável, a taxa peticionada de 10% ao ano e não 7%, já que;

h) Foram violados os arts. 553° do Código Civil, 2° do Código Comercial e a Portaria 263/99, de 12/4.

Assim decidindo farão a costumada Justiça.

O Senhor Juiz sustentou o seu despacho.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que releva factualmente o que consta do Relatório.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso, importa saber se, tendo a livrança exequenda como data do vencimento de 15.9.1999, os juros de mora são devidos à taxa de 7% como se decretou, ou de 10% (o recorrente pediu juros a essa taxa mas, nas alegações, sustenta que são devidos à taxa de 12%).

Vejamos.

Estamos em face e execução em que se invoca como título executivo uma livrança que teve o seu vencimento na referida data, sem que tivesse sido paga pelos executados seus subscritores que se acham em mora.

Nos termos do art. 48.2º da LULL, aplicável ex-vi do art.77º, às livranças o portador pode reclamar daquele contra quem exerce o seu direito de acção cambiária “juros à taxa de 6% desde a data do vencimento”.

Depois de longa controvérsia sobre se a taxa de juros constante da LULL podia ser alterada, como foi pelo Estado Português, alegadamente, em violação de um tratado internacional, a Convenção de Genebra que aprovou a LULL, por tratado de 7.6.1930, [aprovada pelo Decreto-Lei nº23 721, de 29.03.1934], de que é signatário, e considerando que o direito internacional prevalece sobre o direito interno, o STJ tirou o Assento nº4/92 de 13.7, in D.R. nº290-I Série-A, de 17.12.1992 do seguinte teor:

“Nas letras e livranças emitidas e pagáveis em Portugal é aplicável, em cada momento, aos juros moratórios a taxa que decorre do disposto no artigo 4° do DL. nº262/83, de 16 de Junho, e não a prevista nos nºs 2 dos arts. 48º e 49° da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças”.

Tal Assento tem hoje força de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência – art. 17º-2 do DL 329-A/95, “os assentos já proferidos têm o valor de acórdãos proferidos nos termos dos artigos 732.°-A e 732. °-B”.

Aquele DL 262/93 estipula no seu art. 4º:

“O portador de letras, livranças ou cheques, quando o respectivo pagamento estiver em mora, pode exigir que a indemnização correspondente a esta consista nos juros legais”.

O art. 559º do Código Civil estabelece:

“1. Os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são os fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e Plano.
2. A estipulação de juros a taxa superior à fixada nos termos do número anterior deve ser feita por escrito, sob pena de serem apenas devidos na medida dos juros legais”.

Nos termos do art. 559º do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pelo DL 200-C/80, de 24 de Junho, com referência à Portaria nº 263/99, de 12 de Abril, os juros legais são devidos, in casu, à taxa de 7% ao ano.

Tem sido predominante o entendimento jurisprudencial que a taxa de juros dos títulos cambiários é a que sucessivamente vigorar, nos termos do art. 559º do Código Civil, e não aquela prevista no § 3º do art. 102º do C. Comercial – cfr. por todos, Ac. da Relação de Lisboa de 22.6.1995, in BMJ 448-423; Ac. da Rel. de Coimbra de 21.1.1997, BMJ, 463 – 650 e Ac. da Relação de Guimarães de 3.07.2002, in CJ, 2002, IV, 265.

No mesmo sentido José Simões Patrício, in “Direito Bancário Privado”, 2004, pág. 306.

Assim, tendo em conta a data do vencimento da livrança exequenda e tendo em conta, ainda, a data da instauração da execução e a do vencimento, a taxa de juros de mora é de 7%, nos termos da Portaria 263/99, de 12.4.

Ademais os juros comerciais previstos no § 3ºdo art. 102º do C. Comercial só são de atender em acções declarativas se o credor for uma empresa comercial – cfr. Ac. da Relação de Évora de 18.3.1999, in CJ 1999, II, 264.

Decisão

Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido.

Custas pelo agravante.

Porto, 29 de Maio de 2006
António José Pinto da Fonseca Ramos
José Augusto Fernandes do Vale
António Manuel Martins Lopes