Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0446185
Nº Convencional: JTRP00038057
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
RETROACTIVIDADE DA LEI
Nº do Documento: RP200505090446185
Data do Acordão: 05/09/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC DE REVISÃO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: Nos termos do artigo 3º, nº 2 do DL nº 433/82, de 27 de Outubro, a lei mais favorável ao arguido é retroactivamente aplicável às contra-ordenações, mesmo depois de transitada em julgado a decisão condenatória, desde que a respectiva decisão condenatória não esteja ainda executada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

No processo de contra-ordenação, que correu termos na Delegação do IDICT do Porto, foi o Banco X.......... condenado numa coima no valor de 1.750.000$00, por infracção ao disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro.
Tendo a arguida impugnado judicialmente esta decisão, o Tribunal do Trabalho do Porto negou provimento ao recurso, confirmando a coima de 1.750.000$00 (€8.728,96).
Inconformada de novo, recorreu a arguida para esta Relação que, por acórdão de 2003-06-23, transitado em julgado, rejeitou o recurso, confirmando a sentença recorrida.
Em 2004-07-28 veio a arguida interpor o presente recurso de revisão, desta decisão, com fundamento no Art.º 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro e na circunstância de ser mais favorável à arguida o regime sancionatório dos factos imputados, emergente da entrada em vigor, em 2003-12-01, do Código do Trabalho, formulando a final as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos de contra-ordenação foi a ora Recorrente condenada, por decisão administrativa proferida pelo Exmo. Sr. Delegado da Delegação do IDICT do Porto, numa coima no valor de 1.750.000$00 (€ 8.728,96 Euros), por infracção ao disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 421/83.
2. O Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 3132/02, da 1.ª Secção, já transitado em julgado, tirado sobre recurso da Sentença do Tribunal de Trabalho do Porto que havia mantido a condenação na coima aplicada pelo IDICT, negou total provimento ao recurso, mantendo a coima aplicada.
3. De acordo com o disposto no artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (aprova o Código do Trabalho), o mesmo entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003.
4. A legislação ao abrigo da qual a Arguida foi condenada, foi expressamente revogada pela alínea i) do n.º 1, do artigo 21.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
5. As normas referidas encontram correspondência no artigo 204.º n.º 1 do Código do Trabalho e o artigo 663.º, n.º 2, do mesmo Diploma Legal, qualifica a violação do referido preceito como contra-ordenação grave, à qual é abstractamente aplicável, no caso de empresa com volume de negócios igual ou superior a 10.000.000 de euros, coima entre 15 UC a 40 UC, ou seja, calculada com base no valor da Unidade de Conta fixado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro (€ 79,81), entre € 1197,15 e € 3192,4.
6. Verifica-se, deste modo, que a legislação agora em vigor é mais favorável à Arguida.
7. Estatui o artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro que, "Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada."
8. Resulta assim claro que, no âmbito do ilícito contra-ordenacional, ao contrário do que sucede no âmbito do Direito penal, o limite temporal para a aplicação da Lei mais favorável ao Arguido é, não o trânsito em julgado da decisão final condenatória, mas a execução da coima.
9. No caso sub judice, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que condenou, a final, a Arguida no pagamento de uma coima no valor de € 8.728,96 Euros, já se encontra transitado em julgado, encontrando-se ainda em prazo para pagamento a Guia de Liquidação n.º 972... do Tribunal do Trabalho do Porto.
10. Nestes termos, deve ser revista a decisão condenatória, reapreciando-se a infracção à luz do novo regime sancionatório previsto no Código do Trabalho, concretamente mais favorável à Arguida, nos termos do artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, declarando-se o procedimento contra-ordenacional extinto, por prescrição, nos termos supra invocados.
11. Da conjugação do disposto nos artigos 80.º, n.º 1 e 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro resulta, ao impor o segundo artigo referido a aplicação da lei mais favorável ao Arguido mesmo após o trânsito em julgado da decisão final condenatória, a admissibilidade do presente Recurso de Revisão.
A Exmª. Magistrada do Ministério Público, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que deve ser admitido e merece provimento o presente recurso de revisão, devendo ser reapreciada a infracção à luz do actual regime sancionatório, por ser mais favorável à arguida.
Foi admitido o recurso e correram os vistos legais.

Cumpre decidir.

Previamente, importa referir que a expressão final constante da conclusão 10.ª - declarando-se o procedimento contra-ordenacional extinto, por prescrição, nos termos supra invocados - se deveu certamente a lapso, pois o conjunto do recurso, nomeadamente, as alegações, bem como as restantes conclusões e, ainda, a outra parte da referida conclusão 10.ª, reportam-se apenas à aplicação da lei mais favorável à arguida, no que ao montante da coima diz respeito. Na verdade, trata-se do único passo do recurso onde se invoca a prescrição, mas sem nada alegar ou provar com vista à sua demonstração que, de resto, nem sequer foi aludida, anteriormente, no recurso interposto para o Tribunal do Trabalho. Assim, tratando-se de mero lapso, descurar-se-á como objecto do recurso a questão da prescrição.
Passemos, então, a conhecer do objecto deste recurso de revisão.
O Código do Trabalho entrou em vigor em 2003-12-01, como decorre do disposto no Art.º 3.º, n.º 1 da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto que, no seu Art.º 21.º, n.º 1, alíneas i) e aa), revogou expressamente o Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro e a Lei n.º 116/99, de 4 de Agosto, diplomas estes aos quais pertenciam as normas fundamento da infracção cometida pela arguida, constituindo esta, então, uma contra-ordenação muito grave, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos Art.ºs 10.º, n.ºs 1 a 3, e 11.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro e dos Art.ºs 7.º, n.º 4, alínea d) e 9.º, n.º 1, alínea d), ambos do regime geral das contra-ordenações laborais, anexo à Lei n.º 116/99, de 4 de Agosto, a que corresponde a coima de 1.400.000$00 a 9.000.000$00.
No Código do Trabalho, os factos imputados à arguida, que tem um volume de negócios superior a € 10.000.000, integram uma contra-ordenação grave, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos Art.ºs 204.º, n.º 1, 620.º, n.ºs 1 e 3, alínea e), e 663º, nº 2, a que corresponde uma coima variável entre 15 UC e 40 UC, no caso de negligência, como ocorre in casu.
Fixando o valor da coima em cerca de ¼ acima do mínimo da moldura prevista - tal como na punição correspondente pelo anterior regime - atenta a definição legal de UC e do seu actual montante, de € 79,81, nos termos do disposto nos Art.ºs 5.º e 6.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho e 3º do Decreto-Lei n.º 323/01, de 17 de Dezembro, chegamos ao valor de € 1.500,00 que é, em consequência, muito mais favorável do que a coima aplicada pelo anterior regime legal, de 1.750.000$00, ou seja, € 8.728,96.
Resulta assim claro, como se afirma no Acórdão desta Relação de 2004-09-27 [Machado da Silva], proc. n.º 0341732, in www.dgsi.pt, [cujo sumário se transcreve: Nos termos do artigo 3, n. 2 do Decreto-Lei n.433/82, de 27 de Outubro, a lei mais favorável ao arguido é retroactivamente aplicável às contra-ordenações, mesmo depois de transitada em julgado a decisão condenatória, desde que a respectiva decisão condenatória não esteja ainda executada] que aqui acompanhamos de perto que, no âmbito do ilícito contra-ordenacional, ao contrário do que sucede no âmbito do direito penal, o limite temporal para a aplicação da lei mais favorável ao arguido é, não o trânsito em julgado da decisão final condenatória, mas a execução da coima [Cfr., no entanto, o Acórdão n.º 572/2003, do Tribunal Constitucional, de 2003-11-19, in DIÁRIO DA REPÚBLICA, II SÉRIE, n.º 40, de 2004-02-17, que julgou inconstitucional, embora sem força obrigatória geral, a norma constante do Art.º 2.º, n.º 4 do Cód. Penal na interpretação de que veda a aplicação da lei penal nova que descriminaliza o facto típico, imputado ao arguido, já objecto de sentença condenatória transitada em julgado.].
In casu, o Acórdão desta Relação que condenou, a final, o arguido no pagamento de uma coima no valor de € 8.728,96, já se encontra transitado em julgado, encontrando-se ainda em prazo para pagamento a Guia de Liquidação n.º 9723..., da ...ª Secção do ...º Juízo do Tribunal do Trabalho do Porto.
Ora, perante estes factos, a pretensão da arguida, de obter a requerida revisão, tem fundamento.
Pois, dispõe o Art.º 80.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro [Na redacção que lhe foi dada pelo Art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro]:
A revisão de decisões definitivas ou transitadas em julgado em matéria contra-ordenacional obedece ao disposto nos artigos 449º e seguintes do Código de Processo Penal, sempre que o contrário não resulte do presente diploma.
Tal norma tem de ser conjugada com a prevista no Art.º 3.º, n.º 2, do mesmo diploma legal [Que dispõe, na redacção que lhe foi dada pelo Art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro: Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada] que, ao impor a aplicação da lei mais favorável ao Arguido, mesmo após o trânsito em julgado da decisão final condenatória ainda não executada, implica a admissibilidade deste tipo de Recurso, para além dos casos previstos no Art.º 449.º do Cód. Proc. Penal.
Daí que deva ser revista a decisão condenatória, reapreciando-se a infracção à luz do novo regime sancionatório previsto no Código do Trabalho que, in casu, é concretamente mais favorável à arguida.
Assim e dado o disposto no Art.º 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, ex vi do disposto no Art.º 615.º do Cód. do Trabalho, importa alterar a decisão recorrida, por forma a substituir a coima aplicada de € 8.728,96 pela coima de €1.500,00.

Decisão.

Termos em que se acorda em conferência em, autorizando a revisão, alterar a decisão recorrida, condenando-se a arguida na coima de € 1.500,00
Sem custas.

Porto, 9 de Maio de 2005
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais
António José Fernandes Isidoro
Maria Fernanda Pereira Soares
José Carlos Dinis Machado da Silva