Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP00032388 | ||
Relator: | NARCISO MACHADO | ||
Descritores: | PROPRIEDADE HORIZONTAL DESPESAS DE CONDOMÍNIO ARRENDAMENTO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP200106040150683 | ||
Data do Acordão: | 06/04/2001 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | 2 V CIV PORTO | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 771-A/00-2S | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR REAIS. DIR OBG. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ART1424 N1. RAU90 ART40. DL 149/95 DE 1995/06/24 ART10 N1 B. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - Em princípio, o pagamento dos encargos referentes à conservação e fruição das partes comuns de um prédio em regime de propriedade horizontal é da responsabilidade dos respectivos condóminos. II - Se a fracção estiver locada e, por acordo com o senhorio, o arrendatário assumir a responsabilidade pelo referido pagamento, tal convenção é inoponível aos restantes condóminos, pelo que o pagamento só pode ser exigido do senhorio/proprietário, sem prejuízo do direito de regresso contra o locatário. III - Isto é aplicável mesmo ao caso de o gozo da fracção se basear em contrato de locação financeira. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto Por apenso à execução que lhe é movida pelo Condomínio do Edifício S..... veio M....., S.A. deduziu embargos de executado, alegando, em resumo, que é parte legítima, em virtude de Ter celebrado um contrato de locação financeira com a também “Mo....., S.A.”, sendo esta quem responde pelo pagamento dos encargos do condomínio, por força das normas que regem esse tipo de contratos, ilegitimidade essa que também resulta de a ora embargante não constar no título dado à execução. O embargado contestou, sustentando, em síntese, que a embargante não pode invocar a sua relação contratual de natureza obrigacional, por ser vinculativa “inter partes”, sendo certo que a existência desse contrato – que não lhe foi comunicado pela embargante e do qual só veio a Ter conhecimento após Ter requerido uma certidão da conservatória do registo predial – não liberta a ora embargante das obrigações que emergem da sua qualidade de condómina. Mais, alegou que em caso de incumprimento da locatária, a embargante/condómina terá que assumir as suas responsabilidades. No despacho saneador, o Tribunal “a quo”, julgou a embargante parte ilegítima, absolvendo-a da instância. Inconformada com a decisão dela apelou a embargada que nas suas alegações conclui do seguinte modo: 1. A Douta Decisão recorrida fez incorrecta e inexacta aplicação da Lei, nomeadamente do artigo 10 nº 1 al. b) do DL. nº 265/97, de 2 de Outubro; 2. Não respeitando a diferente natureza dos direitos em causa o que originaria a derrogação de direitos reais por direitos obrigacionais; 3. Não foi considerado o âmbito de aplicação dos arts. 1420 e 1424 ambos do C.C., quanto aos direitos e deveres dos condóminos. Assim, 4 . Atento o supra exposto, deve a douta decisão recorrida ser revogada pois fez incorrecta aplicação da Lei aos factos apurados. Nas suas contra-alegações, a embargante pugna pela manutenção da sentença recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância: - A embargante é proprietária das fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “I” “1” “L” “K” “M” “BJ” BK” “BL” “BM” “BN” “BO” “BP” “OE” “OF” “OO” “OH” “O1” “O1” “OK” “OL” “OM” “ON” “OO” “OP” “OQ”, “OR”, “OS” e “OT”, cuja soma de permilagem totaliza 75,9080 do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal denominado “Edifício S.....”, sito na Rua ....., Rua ..... e ....., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do ....., sob o nº .../......, da freguesia de ..... (doc. Fls. 6 a 90, junto aos autos principais, cujo teor se considera aqui inteiramente reproduzido). - Por contrato celebrado em 30 de Dezembro de 1997, a embargante deu de locação financeira à executada “Mo....., S.A.” as referidas fracções, nos termos e condições constantes do documento de fls. 8 a 17, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido. - Pela Ap. 28, de 12/2/98, foi inscrita a favor da sociedade “Mo....., S.A.” o direito emergente desse contrato de locação financeira, tendo pela Ap. 26, da mesma data, sido inscrita a aquisição das fracções a favor da embargante (doc. fls. 6 a 90) - No dia 6 de Abril de 1999 reuniu a assembleia geral ordinária dos condóminos do edifício “S.....”, na qual esteve presente a executada “Mo....., S.A.”, tendo sido aprovado o orçamento para o ano de 1999, no valor de 50.033.145$00 (doc. fls. 91 a 96, junto aos autos principais, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido); - Em função da permilagem atribuída às aludidas fracções, competiria o pagamento da importância anual de 3.797.916$00. - No dia 13 de Dezembro de 1999, reuniu a assembleia geral extraordinária dos condóminos do edifício “S.....”, tendo sido deliberado reduzir para 45.269.267$00 o orçamento para 1999 (doc. fls. 98 a 106, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido), cabendo às fracções dos autos a importância de 3.610.586$00, importância esta que se encontra em débito. - Nas actas das referidas assembleias de condóminos não consta o nome da ora embargante, tendo sido a executada “Mo....., S.A.” quem esteve presente na assembleia de 6/4/99 (e ausente na extraordinária). Descritos os factos dados como assentes pelo Tribunal “a quo” analisemos agora o objecto do recurso. Das conclusões da alegação do apelante “Condomínio do Edifício S.....” resulta ser apenas uma questão suscitada para apreciação e decisão, isto é, saber se a sociedade “M.....” proprietária das identificadas fracções autónomas dadas de locação financeira à executada “Mo....., S.A.” é ou não parte ilegítima na execução. A sentença recorrida, com base no preceituado no art. 10º nº 1º alínea b) do DL 149/95, de 24.06 (com a redacção introduzida pelo DL 265/97, de 02.10), entende que se está perante um regime excepcional e que se trata de uma obrigação legal do locatário e não da embargante locadora financeira, suportar o pagamento das referidas despesas de condomínio. E, por isso, concluiu pela ilegitimidade da embargante, absolvendo-a da instância. Vejamos. Nos termos do art. 1424 nº 1º do CC. O pagamento dos embargos referentes à conservação e fruição das partes comuns de um edifício em regime de propriedade horizontal, salvo disposição em contrário, está a cargo dos respectivos condóminos, na proporção do valor das suas fracções. Para que a divisão dos encargos comuns passa obedecer a critério diferente do consagrado na citada disposição legal, isto é, na proporção do valor das respectivas fracções, é necessário que o título constitutivo disponha de modo diverso ou haja acordo de todos os condóminos, reduzido a escritura pública (art. 1419 nº 1º do CC). Relativamente às despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício, como refere M. Henrique Mesquita (Propriedade Horizontal –Ver Dir. Est. Sociais, ano XXIII, 1976, 130), as obrigações referidas no art. 1424 do CC constituem exemplo típico de obrigações “propter rem” ou “ob rem”, isto é, de obrigações impostas, em atenção a certa coisa, a quem for titular do direito desta. Deste modo, face à conexão funcional existente entre a obrigação e o direito real, a pessoa do obrigado é determinada através da titularidade da coisa, o que significa que será obrigado quem for titular do direito real, havendo, portanto, uma sucessão no débito fora dos termos normais da transmissão das obrigações (cf. A. Varela – Obrigações, 1º Vol., 5ª ed., pag. 194). Do exposto, haver-se-á de concluir que se a fracção estiver locada e o arrendatário tiver acordado com o senhorio assumir a responsabilidade de suportar a quota parte deste nas despesas do condomínio, tal convenção é inoponível aos restantes condóminos, pelo que o senhorio continuará a responder directamente por esse pagamento e só dele pode ser exigido. Neste caso, porém, o senhorio terá direito, por via de regresso, de haver do locatário o que tiver pago. No caso “sub judice” dá-se a particularidade de estarmos em presença de um contrato de locação financeira em que é locatária a executada “Mo....., S.A.” e proprietária e locadora das fracções autónomas a embargante “M.....”. Ora, o art. 10º nº 1º alínea b) do DL 149/95, de 24.06 dispõe que são obrigações do locatário pagar, “em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum”. Assim, enquanto o art. 1424 nº 1 do CC dispõe que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções, o citado art. 10 nº 1º alínea b) do DL 149/95 estipula que, no caso de contrato de locação financeira, tais despesas estão a cargo do locatário. Quid juris?. Se bem atentarmos na natureza das duas aludidas normas legais, logo se verifica estarmos em presença de normativos diferentes. Enquanto a norma do art. 10º nº 1º al. b) é de natureza obrigacional, vinculativa “inter – partes”, a norma do art. 1424 nº 1 do CC é de natureza real, vinculativa “erga omnes”, pois, como vimos, existe conexão funcional entre a obrigação e o direito real: é obrigado quem é titular do direito real. Mas as duas disposições são conciliáveis entre si, estando numa relação de lei geral e lei especial. Se a uma lei geral se sucede uma especial, normalmente aquela fica de pé, visto poder coexistir com a outra. E tratando-se de relações distintas, a norma especial não influenciará a geral. Ora, sendo as relações entre os condóminos de natureza real, os preceitos legais que regulam as relações de natureza obrigacional são-lhe inaplicáveis. Daí que à semelhança do que acontece em sede de contrato de arrendamento quando as partes convencionam que as aludidas despesas ficam a cargo do arrendatário (art. 40 do RAU), também no caso de contrato de locação financeira a obrigação resultante do art. 10º nº 1º alínea b) do DL 149/95 é inoponível aos restantes condóminos, continuando o condómino-locador a responder directamente por esse pagamento e só dele poderá ser exigido. Efectuando esse pagamento pelo condómino-locador poderá este exigir do locatário, por via de regresso, o que tiver pago. Alega a apelada que nas actas das assembleias de condóminos não consta o nome da recorrida, pois quem esteve representada na referida assembleia foi a executada “Mo....., S.A.”, pelo que o recorrente não tem qualquer título que o torne credor da recorrida. Nos termos do art. 6º do DL 268/94, de 25.10, a “acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio (...) que não devem ser suportadas por este, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota parte”. Saliente-se que referindo expressamente a citada norma que a acta constitui titulo executivo contra o “proprietário”, reforça a interpretação que acima defendemos. Por outro lado, verifica-se que a cata para servir de titulo executivo apenas tem que mencionar o montante das contribuições devidas ao condomínio, sendo irrelevante, a menção se o exequente esteve ou não presente na respectiva assembleia. O que resulta da lei é que a acta constitui titulo executivo contra todos os proprietários das fracções, independentemente de terem ou não assistido às reuniões. Não releva, portanto, para a decisão do recurso as considerações que a apelada faz nas conclusões 1ª, 2ª e 3ª da sua alegação. Assim sendo, ao contrário do decidido, a embargante é parte legítima na execução. Termos em que se acorda em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, na parte impugnada, para em sua substituição se julgar a embargante parte legítima. Custas pela apelada. Porto, 4 de Junho de 2001 Narciso Marques Machado Rui de Sousa Pinto Ferreira Manuel José Caimoto Jácome |