Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
479/14.3GAILH.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: DESPACHO DE PRONÚNCIA
RECURSO
PRAZO
INÍCIO
LEITURA
Nº do Documento: RP20161215479/14.3GAILH.P1
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 702, FLS.395-397)
Área Temática: .
Sumário: O prazo de interposição de recurso de uma decisão instrutória, lida na presença de todos os sujeitos processuais, inicia-se na data da sua leitura (artigo 307º,nº 1, do Código de Processo Penal), independentemente da disponibilização de cópia da ata, caso a mesma não tenha sido solicitada.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 479/14.3GAILH.P1
Data do acórdão: 15 de Dezembro de 2016

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem: Comarca de Aveiro
Instância Central | 1ª Secção de Instrução Criminal

Sumário:
O prazo de interposição de recurso de uma decisão instrutória, lida na presença de todos os sujeitos processuais, inicia-se na data da sua leitura (artigo 307º,nº 1, do Código de Processo Penal), independentemente da disponibilização de cópia da ata, caso a mesma não tenha sido solicitada.

Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

nos presentes autos, em que figura como recorrente o assistente B….
I – RELATÓRIO
1. Por decisão sumária datada de 9 de Novembro de 2016, foi rejeitado o recurso interposto pelo ora reclamante, por motivo de falta de tempestividade, uma vez que foi apresentado além do prazo legal (artigos 414º, nº 2, 417º, nº 6, al. b) e 420º, nº 1, al. b), todos do Código de Processo Penal).
2. Inconformado com tal decisão, o assistente reclamou da mesma para a conferência, concluindo a respetiva motivação nos seguintes termos:
A Douta Decisão Instrutória foi lida no dia 15-04-2016, não tendo sido nesse dia concluída/disponibilizada a respectiva Ata.
A Ata da Douta Decisão Instrutória apenas foi concluída e junta ao processo em 26-04-2016.
A referida Ata foi enviada para o escritório do mandatário do recorrente e por este recebida em 02-05-2016.
Tal envio não encerrou cortezia do Douto Juízo de Instrução, mas antes o reconhecimento de uma falha/atraso que tinha que ser suprida.
O atraso na conclusão da Ata e sua inserção no processo físico (termo de recebimento de 26-04-2016, de fl. 277) e no sistema Citius (com a necessária assinatura digital da Meritíssima Juiz de Instrução Criminal) no dia 26-07-2016, são completamente alheios ao recorrente, que, por isso, não pode ser prejudicado no seu direito ao prazo para apresentar o recurso em crise.
A Douta Decisão Sumária ora reclamada, salvo o muitíssimo respeito, observou erradamente a questão ao considerar que o que está em causa é a leitura da decisão instrutória, que considerou ter sido feita na integra, no dia 15-­04-2016, e com isso considerar que o recorrente foi devidamente notificado da mesma.
Ora, salvo na mesma o muitíssimo respeito, a questão é outra, qual seja a da disponibilização da Ata da leitura da Douta decisão instrutória, a qual não ocorreu no dia 15-04-2016, mas apenas no dia 26-04-2016, como está comprovado no processo.
Há, assim, uma contradição insanável da Douta Decisão Sumária reclamada ao considerar "a decisão instrutória integral e validamente notificada ao assistente e aos arguidos, todos presentes no ato da sua leitura, em 15 de Abril de 2016", quando antes se deu como provado que a Ata de tal decisão só foi concluída e junta ao processo em 26-04-2016, e notificada por correio simples ao mandatário do recorrente em 02-05-2016.
Nunca tal notificação poderia ser considerada validamente efectuada uma vez que apenas foi feita a leitura da decisão e não foi disponibilizada a respectiva Ata.
É de todo impossível recorrer de uma Decisão ou Sentença que apenas foi transmitida oralmente.
Considerar notificado o recorrente no dia 15-04-2016, nas circunstâncias verificadas viola o seu direito ao respectivo prazo de recurso, pois, ao mesmo não foi disponibilizada a Ata que contem os fundamentos da decisão, condição essencial para a análise da mesma e para o seu questionamento.
Ao negar-se ao recorrente que o prazo de interposição do recurso se iniciou em 03-05-2016, quando o texto da decisão foi notificado ao seu mandatário, está-se a violar o disposto no n.° 2 do artigo 20.°, 206.° da CRP, e nos artigos 113.°, n.° 10, 307.°, n.° 1 (a contrario), 372.°, n.° 5 (com referência ao art. 4.°, no sentido da contagem do prazo só começar quando a decisão está disponível), 399.°, 411.°, n.°1, a) e b) do CPP.
A presente situação encerra uma questão de pura e sã Justiça Material, que suplanta toda e qualquer vertente adjectiva que se procure esgrimir, facto que a Douta Conferência não deixará de ter em conta.
Face ao exposto, deve a douta Decisão Sumária ser revogada e ser o recurso interposto considerado apresentado em prazo e por via disso ser admitido por essa Douta Conferência do Venerando Tribunal da Relação do Porto, com isso se fazendo a devida, serena e costumada Justiça!

3. Tendo em conta o teor da reclamação, compete ora, aferir, em conferência, a validade de tais argumentos, acompanhando ou, pelo contrário, alterando o entendimento expresso na decisão sumária reclamada.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Confirma-se o teor da fundamentação da decisão sumária (segue a sua transcrição):

«Em 27 de Maio de 2016[1], o assistente B… requereu a interposição de recurso da decisão instrutória proferida, publicamente[2], no dia 15 de Abril de 2016[3] .
A decisão recorrida encontra-se documentada na ata da respetiva leitura, que apenas foi concluída e junta aos autos em 26 de Abril de 2016, com a necessária assinatura (digital) da Mma. Juíza de Instrução Criminal.
No dia 2 de Maio de 2016, o Exmo. Mandatário recebeu uma cópia da ata, contendo a decisão instrutória, por correio simples, enviada pelo tribunal.
O recurso foi admitido na primeira instância, por despacho datado de 31 de Maio de 2016[4].
O Ministério Público nas duas instâncias e o arguido C… propugnaram a rejeição do recurso, por falta de tempestividade.
O assistente respondeu ao parecer do Ministério Público, argumentando que na data da leitura da decisão instrutória, a mesma apenas lhe foi comunicada oralmente e por súmula, tendo por isso aguardado pela elaboração da ata, para ficar a conhecer os fundamentos da decisão, que apenas ficou a conhecer em 2 de Maio de 2016, após ter recebido cópia da decisão. Conclui, assim, que apenas a partir dessa data se iniciou a contagem do prazo de interposição do recurso e, consequentemente, o recurso é tempestivo.
Cumpre apreciar e decidir (artigo 417º, 6 e 7, do Código de Processo Penal).
II - FUNDAMENTAÇÃO
A decisão recorrida é uma decisão instrutória, prevista no artigo 307º do Código de Processo Penal, a qual é logo ditada para a ata, considerando-se notificada aos presentes, nos termos do disposto no número 1 do citado preceito legal.
O assistente que requereu a interposição de recurso alegou na resposta ao parecer do Ministério Público que a mesma apenas lhe foi comunicada oralmente e por súmula, tendo aguardado pelos fundamentos da decisão que apenas lhe foram comunicados quando recebeu cópia da ata em 2 de Maio de 2016, por correio simples.
Porém, analisado o teor da ata, constata-se que da mesma consta que "(…) pela Mma. Juiz de Direito foi declarada aberta a audiência, tendo de seguida procedido à leitura da seguinte: (…)", seguindo-se a decisão recorrida na íntegra.
O assistente não arguiu a falsidade da ata no prazo estabelecido no artigo 451º, nº 2, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal, devendo, por conseguinte, considerar-se processual e definitivamente adquirido o que da mesma consta.
Nestes termos, à luz do disposto no artigo 307º, nº 1, do Código de Processo Penal, considera-se a decisão instrutória integral e validamente notificada ao assistente e aos arguidos, todos presentes no ato da sua leitura, em 15 de Abril de 2016.
Por força do disposto no artigo 411º, 1, c) do Código de Processo Penal, o prazo de interposição do recurso – que é de trinta dias – começou a ser contado a partir de 15 de Abril de 2016.
Tendo o assistente requerido a interposição de recurso, somente, em 27 de Maio de 2016, é manifesto que o recurso foi interposto muito além do prazo legal, mesmo contando com a possibilidade legal de praticar o ato até ao terceiro dia após o decurso do prazo, nos termos do disposto no artigo 107º-A, do Código de Processo Penal.
Apesar do recurso ter sido liminarmente admitido em primeira instância, essa decisão não vincula este Tribunal (artigo 414º, nº 3, do Código de Processo Penal).»
*
O recorrente reclamou da decisão sumária, alegando, no essencial, que apesar de ter tido conhecimento integral da decisão recorrida em 15 de Abril de 2016, através da sua leitura pública, apenas em 26 de Abril de 2016 a ata da sua leitura foi concluída e integrada no processo físico, tendo o ora recorrente recebido cópia da mesma em 2 de Maio de 2016.
Conclui, assim, que o recurso interposto em 27 de Maio de 2016 foi tempestivo e, ao não ser entendido assim, considera ter sido violado o disposto no n.° 2 do artigo 20.°, 206.° da CRP, e nos artigos 113.°, n.° 10, 307.°, n.° 1 (a contrario), 372.°, n.° 5 (com referência ao art. 4.°, no sentido da contagem do prazo só começar quando a decisão está disponível), 399.°, 411.°, n.°1, a) e b) do CPP.
Porém, salvo o devido respeito pelo entendimento do reclamante, sem razão.
O assistente presenciou a leitura da decisão instrutória – assim como os demais sujeitos processuais -, estando devidamente acompanhado pelo seu mandatário forense. Essa circunstância determina, nos termos do disposto no artigo 307º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo tenha de se considerar notificado do seu teor para todos os efeitos legais, iniciando-se a contagem do prazo peremptório para a interposição de recurso em 15 de Abril de 2016.
Pretendendo o assistente interpor recurso dessa decisão e entendendo o mesmo carecer, por isso, da disponibilização de cópia da ata da leitura da decisão, competia-lhe requerer a sua disponibilização – através de requerimento oral, na audiência onde a decisão instrutória foi proferida ou, mais tarde, por escrito -.
A falta de elaboração e disponibilização da ata no prazo legal integra uma mera irregularidade que não foi arguida pelo assistente em tempo útil (artigo 123º, nº 1, do Código de Processo Penal) tendo ficado, por isso, sanada.
Se o assistente pretendia recorrer da decisão instrutória e entendia necessitar de uma cópia da mesma para o efeito, deveria ter manifestado tal no decurso do prazo de interposição de recurso, cuja contagem se iniciou, nos termos legais, com a leitura daquele despacho. Não podia era ter o comportamento que teve, aguardando, passivamente, pela cópia da decisão instrutória - que nem sequer solicitou -, deixando expirar o prazo peremptório de interposição do recurso previsto no artigo 411º, 1, c) do Código de Processo Penal.
Tendo-se iniciado a contagem do prazo de interposição de recurso da decisão instrutória – que é de trinta dias – em 15 de Abril de 2016, por força do disposto no artigo 411º, 1, c) do Código de Processo Penal e tendo o recurso sido interposto em 27 de Maio de 2016, é manifesto que o mesmo é intempestivo, mesmo contando com a possibilidade legal de praticar o ato até ao terceiro dia após o decurso do prazo, nos termos do disposto no artigo 107º-A, do Código de Processo Penal, pois não ocorreu, in casu, qualquer facto interruptivo e suspensivo da sua contagem.
Pelo exposto, impõe-se confirmar a decisão recorrida, com fundamentação acrescida, julgando a reclamação não provida.
*
Das custas processuais:
Sendo a reclamação julgada improcedente, o reclamante suportará o pagamento das custas respetivas, fixadas entre 1 e 3 unidades de conta (artigos 513º, nº 1, do Código de Processo Penal e 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal).
Considerando a simplicidade mediana da reclamação, fixa-se a taxa de justiça em 2 (duas) unidades de conta.
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento à reclamação do assistente B….
Custas a cargo do reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) unidades de conta.
Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 15 de Dezembro de 2016.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
_______________
[1] Conforme documentado a folhas 317.
[2] Em audiência na qual compareceram - pessoalmente e devidamente acompanhados pelos seus Exmos. mandatários forenses - os arguidos e o próprio assistente.
[3] Conforme resulta da ata de leitura da decisão constante dos autos a folhas 266-276.
[4] Despacho junto aos autos a folhas 318.