Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1250/10.7TBPFR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: MÚTUO
TAXA DE JURO
ALTERAÇÃO
COMISSÃO
Nº do Documento: RP201206211250/10.7TBPFR-A.P1
Data do Acordão: 06/21/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A proibição de cobrança de comissões pelo art.º 3.º, n.º 1 do DL n.º 171/2008, de 26/8, aplica-se às situações de alteração do regime de taxa de juro, previstas nos contratos de crédito à habitação celebrados antes da sua entrada em vigor e subsistentes nessa data, abrangendo as alterações que dependam quer da exclusiva vontade do cliente, quer do acordo da instituição bancária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1250/10.7TBPFR-A.P1 – 2º Juízo do Tribunal de Paços de Ferreira
Rel. F. Pinto de Almeida (R. 1404) – Após redistribuição
Adj. Des. Teles de Menezes; Des. Mário Fernandes

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
B… e mulher C… vieram propor a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra D…, S.A..

Pediram que a ré seja condenada a:
a) Reconhecer o direito dos Autores a verem alterada nos 4 contratos de empréstimo alegados a taxa de juro fixa para variável – EURIBOR a 3 meses apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período trimestral de vigência dos contratos (média essa designada por indexante), com arredondamento para a milésima do ponto percentual mais próximo, e acrescida do diferencial que então vigorava nos termos contratuais - a partir de 7 de Janeiro de 2009;
b) Recalcular, com efeitos desde 7 de Janeiro de 2009, as prestações de reembolso dos 4 empréstimos supra alegados às taxas variáveis neles previstas – EURIBOR a 3 meses apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período trimestral de vigência dos contratos (média essa designada por indexante), com arredondamento para a milésima do ponto percentual mais próximo, e acrescida do diferencial que então vigorava nos termos contratuais – e aplicá-las para o futuro e enquanto estiverem em vigor os contratos de empréstimo;
c) Pagar aos Autores a quantia de € 40.175,94, referente ao diferencial de juro pago a mais por eles, suportado nas prestações de reembolso pagas desde 7 de Janeiro de 2009 até à instauração desta acção, acrescida de juros à taxa dos juros comerciais, actualmente de 8%, que montam a € 2.403.95, bem como dos vincendos desde a interposição desta acção até seu integral pagamento;
d) Pagar aos Autores a quantia de € 3.600,00 referentes às rendas que os Autores tiveram de continuar a suportar durante o período em que não conseguiram concluir as obras de construção da sua casa;
e) Pagar aos Autores a quantia de €12.500,00 a título de danos não patrimoniais;
f) Pagar aos Autores a quantia que vier a ser liquidada referente ao diferencial de juro que por eles vier a ser suportado nas prestações de reembolso pagas desde a interposição desta acção até à data em que a Ré passe a calcular as prestações de reembolso pelas taxas variáveis contratualmente previstas;
g) Pagar em partes iguais aos Autores e ao Estado a quantia de € 300,00 diários a título de sanção pecuniária compulsória desde a data da citação até àquela em que a Ré recalcular o plano de amortização da dívida dos 4 empréstimos à taxa variável nos termos contratuais, exigindo prestação mensal nesses exactos e reduzidos termos.

Como fundamento, alegaram que celebraram quatro contratos de mútuo com a ré, pelos quais ficaram a pagar uma taxa de juro variável.
Posteriormente, autores e ré acordaram em alterar o regime da taxa de juro para um regime de taxa fixa, acordando ainda que “A parte devedora poderá, mediante comunicação à D…, fazer cessar antecipadamente o período de taxa de base fixa (…), sendo devida, em tais casos, a comissão para o efeito estabelecida no preçário divulgado em todas as Agências da D…, nos termos legais, actualmente de dois por cento, a calcular sobre o saldo devedor do empréstimo (…)”.
Sucede que em 25.08.2008 entrou em vigor o DL 171/2008 que vedou a cobrança de qualquer comissão pela análise da renegociação das condições do crédito, nomeadamente do spread ou do prazo da duração do contrato de mútuo (art. 3º).
Os autores, pretendendo fazer cessar antecipadamente o período de taxa de base fixa e prevalecer-se desta norma, portanto, sem que por essa alteração tivessem que pagar a comissão acordada, em 09.01.2009 informaram disso mesmo a ré.
A ré, no entanto, recusou-se a proceder a essa alteração, alegando que se os autores quisessem proceder a essa alteração teriam que pagar a comissão acordada de 2%.
Caso a ré tivesse procedido à alteração da taxa de juros, tal como devido, os autores não teriam pago o montante de juros acrescido, o que acabou por lhes provocar diversos danos patrimoniais, que especificam, além de angústias, aflições e incómodos.

Contestou a ré alegando, em suma, que a norma do artigo 3º nº 1 do DL 171/2008 não é aplicável aos contratos celebrados entre a ré e os autores.

No saneador, por se entender que o processo continha os elementos necessários, passou a conhecer-se do mérito, no que respeita a três dos pedidos formulados, decidindo-se:
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, condena-se a ré D…, SA a:
a) reconhecer o direito dos Autores a verem alterada nos 4 contratos de empréstimo alegados a taxa de juro fixa para variável – EURIBOR a 3 meses apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período trimestral de vigência dos contratos (média essa designada por indexante), com arredondamento para a milésima do ponto percentual mais próximo, e acrescida do diferencial que então vigorava nos termos contratuais - a partir de 7 de Janeiro de 2009;
b) recalcular, com efeitos desde 7 de Janeiro de 2009, as prestações de reembolso dos 4 empréstimos referidos às taxas variáveis neles previstas – EURIBOR a 3 meses apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período trimestral de vigência dos contratos (média essa designada por indexante), com arredondamento para a milésima do ponto percentual mais próximo, e acrescida do diferencial que então vigorava nos termos contratuais – e aplicá-las para o futuro e enquanto estiverem em vigor os contratos de empréstimo;
c) condenar a ré a pagar em partes iguais aos Autores e ao Estado a quantia de € 300,00 mensais a título de sanção pecuniária compulsória desde do trânsito em julgado desta decisão até àquela em que a Ré recalcular o plano de amortização da dívida dos 4 empréstimos à taxa variável nos termos contratuais, exigindo prestação mensal nesses exactos e reduzidos termos.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso a ré, tendo apresentado as seguintes

Conclusões:
1) As cláusulas contratuais, constantes dos factos provados I) 1) 9) - T) 1) 9) – AI) 1) 9) – AQ 1) 9), inseridas nos contratos de mútuo, vigentes entre AA e R, consagram o exercício de um direito potestativo: se e quando os AA quiserem e mesmo contra a vontade da Ré podem ver alterada a taxa de juros fixa para variável.
2) O DL 171/2008 de 26/Agosto, que entrou em vigor após a outorga daqueles contratos e na vigência daquelas cláusulas é apenas aplicável aos casos em que exista uma renegociação dos contratos, nomeadamente do spread ou do prazo de duração do contrato de mútuo e em que o banco, não podendo embora cobrar qualquer comissão pela exame e aceitação da proposta do mutuário, é inteiramente livre de a aceitar (ou não) e, evidentemente, só o fará se daí não advier prejuízo sensível para os seus interesses.
3) Para além da clara destrinça entre renegociação e exercício de um direito potestativo, a ratio daquele preceito legal (art 3, nº 1 do DL 171/2008) não impõe, antes exclui a sua aplicação a normas contratuais idênticas às referidas na 1ª conclusão, que fixam um direito potestativo ao mutuário para alterar a taxa de juro, pois que nas hipóteses previstas naquele diploma, o banco seria livre de aceitar ou não a mudança de taxa e estava ciente de que se a aceitasse, nenhuma comissão poderia cobrar, já em caso de exercício do direito potestativo, pelo cliente, consagrado naquelas cláusulas, a posição do banco era de sujeição, ou seja, obrigado a aceitar a decisão do mutuário para mudar para taxa variável
4) Quando ambas as partes acordaram semelhantes cláusulas, por parte do banco estava ínsito o pressuposto de que os inconvenientes ou prejuízos que pudessem advir dessa “sujeição” estariam, pelo menos parcialmente, compensados ou minorados com a possibilidade de cobrança da comissão.
5) A retirada do direito à cobrança dessa comissão e a manutenção do direito potestativo criaria um insustentável desequilíbrio contratual, lesando gravemente uma das partes.
6) Por conseguinte, situações distintas que justificam soluções diferentes!
7) A entender-se que o diploma a que temos vindo a fazer referência impedia a cobrança de comissões em quaisquer condições então, uma vez que a cobrança da comissão visava mitigar os custos, para o banco, inerentes à taxa de juro fixa deveria considerar-se extinta ope legis a cláusula que concedia ao mutuário o direito potestativo de optar pela mudança de taxa, na medida em que esta só tinha razão de ser contratual enquanto se mantivesse a sua contrapartida, ou seja, a cobrança, pelo banco, de uma comissão (art.s 437 e segs do C Civil)
8) Uma vez afastado esse entendimento a que o tribunal “ a quo” aderiu, deverá determinar-se que os autos prossigam para posterior conhecimento, em audiência de discussão e julgamento, dos factos alegados pela Ré nos art 21 a 47 da contestação, determinantes para a procedência da acção
9) Decidindo de outro modo, o tribunal a quo violou o disposto no art 3, nº 1 do DL 171/2008 e artºs 405 e 406, nº 1 do C Civil
Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão recorrida na parte em que julgou já de mérito e determinando-se o prosseguimento dos autos para posterior julgamento dos factos alegados pela A e com interesse para o conhecimento dessa questão.

Os autores contra-alegaram, concluindo pela improcedência da apelação.
Requereram ainda a ampliação do objecto do recurso, tendo, neste âmbito, formulado as seguintes conclusões:
1. Com o exercício do direito potestativo os Autores alteraram a forma de cálculo de taxa de juros que de fixa passou para variável.
2. A Ré estava obrigada a acatar a modificação da taxa fixa efectuada pelo exercício do direito potestativo, independentemente de qualquer direito subjectivo (cobrança de uma comissão) que pudesse passar a deter em face daquela.
3. A alteração do cálculo de taxas de juros de fixa para variável corresponde a uma alteração do contrato firmado entre as partes – uma alteração contratual.
4. O preçário da Ré em vigor ao tempo do exercício do direito potestativo não previa a cobrança de qualquer comissão pelas alterações contratuais realizadas em contratos de crédito à habitação, em correspondência com o seu teor, aceite por acordo das partes nos articulados e documentalmente provado e que é o seguinte: “a alteração de taxa fixa para outro tipo de taxa durante o período de taxa fixa, em operações contratadas em data anterior a 18 de Junho de 2008 era permitida e isenta”, assim se aditando os factos assentes.
5. Qualquer consumidor médio em face do teor da cláusula em crise que concedia o direito a alterar o contrato prevendo a cobrança de uma comissão a calcular em função do precário da Ré, interpretaria que a remissão aí efectuada para o preçário da Ré era efectuada para o campo “Crédito à habitação – alteração contratual”.
6. Nenhuma comissão era assim devida em função do preçário da Ré pela alteração contratual efectuada pelos Autores.
7. Independentemente da comissão que a Ré lhe entendesse ser devida pela alteração contratual efectuada, a Ré estava obrigada a recalcular as taxas de juro dos contratos de crédito à habitação dos Autores pelo simples exercício do direito potestativo por eles exercido.
8. Subsidiariamente e caso o recurso da Ré mereça provimento e não sejam alterados os factos assentes no sentido propugnado nas conclusões anteriores nem mantida douta sentença recorrida pelas razões aduzidas também nestas conclusões, então, deverá ser ordenado o aditamento à base instrutória – factos assentes e factos controvertidos – dos que foram alegados pelos Autores, em integração da sua causa de pedir e que possibilitaram a procedência do pedido formulado ainda que noutra solução de direito diversa da encontrada na douta sentença recorrida.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

Discute-se no recurso se a norma do art. 3º nº 1 do DL 171/2008, de 26/8, é aplicável aos contratos de mútuo referidos nos autos.

Na ampliação do objecto do recurso requerida pelos apelados, estes defendem que:
- em função do preçário da Ré, nenhuma comissão era devida pela alteração contratual efectuada pelos Autores;
- deve ser ampliada a matéria de facto.

III.

Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
A) A ré é uma sociedade que tem por objecto o exercício da actividade bancária nos mais amplos termos permitidos por lei.
B) A 15 de Fevereiro de 2006, por escritura pública celebrada na agência da ré em Paços de Ferreira, os autores e a ré celebraram um acordo pelo qual aquela entregou aos autores, a título de empréstimo, a quantia de € 330.166,11 que estes receberam e aceitaram.
C) Ficando os autores obrigados a devolver a referida quantia à ré acrescida de juros e oferecendo em garantia do cumprimento do contrato então celebrado hipoteca sobre o prédio urbano, sito no …, freguesia …, Concelho de Paços de Ferreira, descrito na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o número 1714-Ferreira.
D) Nos termos do acordo referido em B), a quantia emprestada foi entregue, naquela data, aos Autores através de crédito lançado na conta de depósito à ordem número, …, zero, aberta na agência da Autora, em Paços de Ferreira, em nome dos Autores.
E) O financiamento foi concedido para efeitos de transferência de um outro empréstimo concedido aos Autores por outro banco, destinando-se desta forma à liquidação dos empréstimos contraídos em onze de Outubro de dois mil e um, trinta de Maio de dois mil e três e oito de Novembro de dois mil e quatro no Banco E…, para financiamento à construção do imóvel atrás hipotecado, que se destinava a ser habitação própria e permanente dos Autores.
F) Sendo que na cláusula 4ª do documento complementar a essa escritura, elaborado nos termos do número dois do artigo 64º do Código do Notariado, ficou estipulado que:
“1- O empréstimo vence juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a seis meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período semestral de vigência do presente contrato (média essa designada por indexante), arredondada para o um quarto por cento imediatamente superior, e acrescida de um spread meio por cento, o que se traduz actualmente na taxa de juro nominal, para pagamentos mensais, de três vírgula duzentos e cinquenta por cento a que corresponde a taxa efectiva de três vírgula duzentos e noventa e nove por cento. (…)”
G) Estipulado foi ainda que, o empréstimo vigoraria pelo prazo de quarenta e dois anos, a contar da data da celebração daquele contrato, sendo os primeiros cento e oito meses de carência de capital e os restantes, até ao final, de amortização.
H) A 20 de Agosto de 2007, Autores e Ré, acordaram, por documento particular subscrito por ambos, em alterar o regime de taxa de juro então em vigor no referido empréstimo para um regime de taxa fixa.
I) Nos termos desse documento, convencionaram as partes que a cláusula 4ª do contrato acima identificado passaria a dispor que:
“1- Durante um período de 40 anos, o empréstimo vence juros a uma taxa de base fixa de 4.850 por cento, ao ano, acrescida de um diferencial de 0,25 pontos percentuais, o que se traduz actualmente na taxa de juro nominal, para pagamentos mensais, de 5,1 por cento, a que corresponde a taxa efectiva de 5,221 por cento (…)
9- A parte devedora poderá, mediante comunicação à D…, fazer cessar antecipadamente o período de taxa de base fixa estabelecido no número um, ou outros que tenham sido entretanto convencionados na vigência do presente contrato, sendo devida, em tais casos, a comissão para o efeito estabelecida no preçário divulgado em todas as Agências da D…, nos termos legais, actualmente de dois por cento, a calcular sobre o saldo devedor do empréstimo em trinta e um de Dezembro do ano imediatamente anterior ao da cessação, ou, se ocorrer no ano da celebração do presente contrato, sobre o montante total do empréstimo.
10- Na situação prevista no número anterior, se não for convencionado entre as partes outro período de taxa de base fixa ou outro regime de taxa, aplicar-se-á o regime de taxa de juro previsto no número dois, a partir do início do período mensal de contagem de juros seguinte à comunicação efectuada à D… pela parte devedora.”
J) Também em 15 de Fevereiro de 2006, por escritura pública celebrada na agência da Ré em Paços de Ferreira, os Autores e a Ré celebraram um acordo pelo qual aquela entregou aos Autores, a título de empréstimo, a quantia de € 175.000,00 que estes receberam e aceitaram.
L) Ficando os Autores obrigados a devolver a referida quantia mutuada à Ré acrescida de juros e oferecendo em garantia do cumprimento do contrato então celebrado hipoteca sobre o prédio urbano identificado em C).
M) Nos termos do acordo referido em J) naquela data foi entregue aos Autores a quantia de setenta e cinco mil euros, através de crédito lançado na conta de depósito à ordem número, …, aberta na agência da Autora, em Paços de Ferreira, em nome dos Autores.
N) Sendo que a parte do capital emprestado que ficou retida, no valor de cem mil euros, seria também creditada na conta de depósitos à ordem acima referida, por uma ou mais vezes, na sequência de vistorias a efectuar por parte da Ré e em função do grau de realização do investimento financiado, apurado em tais vistorias e segundo o critério da Ré.
O) Sendo ainda que a importância correspondente aos últimos 5% da quantia emprestada não seria entregue sem que a parte devedora fizesse prova de haver sido feito o averbamento da construção no registo.
P) Posteriormente à celebração deste contrato a Ré entregou aos Autores todas as quantias que haviam ficado retidas, o que fez através de movimentos a crédito na conta bancária acima mencionada.
Q) O empréstimo destinava-se à construção do imóvel supra identificado para habitação própria dos Autores.
R) Sendo que na cláusula 4ª do documento complementar aquela escritura, elaborado nos termos do número dois do artigo 64º do Código do Notariado, ficou estipulado que:
“1- O empréstimo vence juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a seis meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período semestral de vigência do presente contrato (média essa designada por indexante), arredondada para o um quarto por cento imediatamente superior, e acrescida de um spread meio por cento, o que se traduz actualmente na taxa de juro nominal, para pagamentos mensais, de três vírgula duzentos e cinquenta por cento a que corresponde a taxa efectiva de três vírgula duzentos e noventa e nove por cento (…).”
S) A 20 de Agosto de 2007, Autores e Ré, acordaram, por documento particular subscrito por ambos, em alterar o regime de taxa de juro então em vigor no empréstimo referido em J) para um regime de taxa fixa.
T) Nesses termos, convencionaram que a cláusula 4ª do contrato acima identificado passaria a dispor que:
“1- Durante um período de 40 anos, o empréstimo vence juros a uma taxa de base fixa de 4.850 por cento, ao ano, acrescida de um diferencial de 0,25 pontos percentuais, o que se traduz actualmente na taxa de juro nominal, para pagamentos mensais, de 5,1 por cento, a que corresponde a taxa efectiva de 5,221 por cento (…)
9- A parte devedora poderá, mediante comunicação à D…, fazer cessar antecipadamente o período de taxa de base fixa estabelecido no número um, ou outros que tenham sido entretanto convencionados na vigência do presente contrato, sendo devida, em tais casos, a comissão para o efeito estabelecida no preçário divulgado em todas as Agências da D…, nos termos legais, actualmente de dois por cento, a calcular sobre o saldo devedor do empréstimo em trinta e um de Dezembro do ano imediatamente anterior ao da cessação, ou, se ocorrer no ano da celebração do presente contrato, sobre o montante total do empréstimo (…).”
U) No dia 7 de Março de 2007, por escritura pública celebrada na agência da Ré em Paços de Ferreira, os Autores e a Ré celebraram um acordo pelo qual aquela entregou aos Autores a título de empréstimo a quantia de € 100.000,00 que estes receberam e aceitaram.
V) Ficando os Autores obrigados a devolver a referida quantia mutuada à Ré acrescida de juros e oferecendo em garantia do cumprimento do contrato então celebrado hipoteca sobre o prédio urbano supra identificado.
X) Com efeito, nos termos do contrato referido em U), foi naquela data entregue aos Autores a quantia de sessenta mil euros, através de crédito lançado na conta de depósito à ordem número …, aberta na agência da Ré de Paços de Ferreira, em nome dos Autores.
Z) A parte do capital emprestado que ficou retida, no valor de quarenta mil euros, seria também creditada na conta de depósito à ordem acima indicada, por uma ou mais vezes, na sequência de vistorias a efectuar por parte da Ré e em função do grau de realização do investimento financiado, apurado em tais vistorias e segundo o critério da Ré.
AA) Sendo que, a importância correspondente aos últimos cinco por cento da quantia emprestada não seria entregue sem que os Autores fizessem prova de haver sido feito o averbamento da construção no registo.
AB) Posteriormente à celebração deste contrato a Ré entregou aos Autores todas as quantias que haviam ficado retidas, o que fez através de movimento a crédito na conta bancária acima mencionada.
AC) O empréstimo destinava-se à conclusão da construção de moradia no imóvel atrás hipotecado para habitação própria permanente dos Autores.
AD) Sendo que na cláusula 5ª do documento complementar elaborado nos termos do número dois do artigo 64º do Código do Notariado ficou estipulado que:
“1- O empréstimo vence juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a três meses, apurada, com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período trimestral de vigência do presente contrato (média essa designada por indexante), arredondada para a milésima do ponto percentual mais próximo, e acrescida de um spread de zero vírgula cinco por cento, o que se traduz actualmente na taxa de juro nominal, para pagamentos mensais, de quatro vírgula trezentos e dezoito por cento, a que corresponde a taxa efectiva de quatro vírgula quatrocentos e quatro por cento. (…)”
AE) Sendo que estipulado ficou que durante o prazo de utilização do empréstimo, os juros, calculados dia a dia, sobre a totalidade do capital emprestado, seriam liquidados e pagos no final de cada mês e que posteriormente, seriam calculados e pagos nos termos referidos na Cláusula Décima daquele documento complementar.
AF) Acordado foi também que o empréstimo seria feito pelo prazo de quarenta e um anos, a contar da data da celebração do contrato.
AG) E que, nos termos da cláusula 10ª do documento complementar elaborado nos termos do número dois do artigo 64º do Código do Notariado:
“1- Uma parte do empréstimo, no montante de setenta mil euros, será amortizada em prestações mensais constantes, de capital e juros, vencendo-se a primeira no mês seguinte ao da última utilização, no dia correspondente ao deste contrato, e as restantes em igual dia dos meses seguintes.
2- A restante parte do empréstimo, designada por Capital com Pagamento Diferido, no montante de trinta mil euros, será amortizada em conjunto com a última das prestações de capital e juros referidas no número anterior da presente Cláusula; os juros do mesmo capital serão liquidados e pagos no final de cada mês, em conjunto com cada uma das prestações de capital e juros aí referidas.
3- O montante das prestações será oportunamente comunicado pela credora.
4- No caso de virem a ser alterados o regime da amortização, o prazo de duração do empréstimo, a taxa de juro ou o montante do Capital com Pagamento Diferido, bem como no caso de a parte devedora proceder antecipadamente ao reembolso parcial do empréstimo, a credora fará novo cálculo das prestações a pagar, cujo montante comunicará à parte devedora.”
AH) A 13 de Agosto de 2007 Autores e Ré acordaram, por documento particular subscrito por ambos, em alterar o regime de taxa de juro então em vigor no referido empréstimo para um regime de taxa fixa.
AI) Nesses termos, convencionaram que a cláusula 5ª do contrato acima identificado passaria a dispor que:
“1- Durante um primeiro período de 40 anos, o empréstimo vence juros a uma taxa de base fixa de 5,2 por cento, ao ano, acrescida de um diferencial de 0,25 pontos percentuais, o que se traduz actualmente na taxa de juro nominal, para pagamentos mensais, de 5,450 por cento, a que corresponde a taxa efectiva de 5,909 por cento (…)
9- A parte devedora poderá, mediante comunicação à D…, fazer cessar antecipadamente o período de taxa de base fixa estabelecido no número um, ou outros que tenham sido entretanto convencionados na vigência do presente contrato, sendo devida, em tais casos, a comissão para o efeito estabelecida no preçário divulgado em todas as Agências da D…, nos termos legais, actualmente de dois por cento, a calcular sobre o saldo devedor do empréstimo em trinta e um de Dezembro do ano imediatamente anterior ao da cessação, ou, se ocorrer no ano da celebração do presente contrato, sobre o montante total do empréstimo (…).”
AJ) No dia 14 de Agosto de 2007, por escritura pública celebrada na agência da Ré em Paços de Ferreira, os Autores e a Ré celebraram um acordo pelo qual aquela entregou aos Autores a título de empréstimo a quantia de € 75.000,00 que estes receberam e aceitaram.
AL) Ficando os Autores obrigados a devolver a referida quantia mutuada à Ré acrescida e oferecendo em garantia do cumprimento do contrato então celebrado hipoteca sobre o prédio urbano identificado em C).
AM) Naquela data foi entregue aos Autores a quantia de cinco mil euros, através de crédito lançado na conta de depósito à ordem número …, aberta na agência da Ré de Paços de Ferreira, em nome dos Autores.
AN) Sendo que a parte do capital emprestado que ficou retida, no valor de setenta mil euros, seria também creditada na conta de depósito à ordem acima indicada, por uma ou mais vezes, na sequência de vistorias a efectuar por parte da Ré e em função do grau de realização do investimento financiado, apurado em tais vistorias e segundo o critério da Ré.
AO) E sendo ainda que, a importância correspondente aos últimos cinco por cento da quantia emprestada não seria entregue sem que os Autores fizessem prova de haver sido feito o averbamento da construção no registo.
AP) Ficou estipulado que o empréstimo destinava-se à conclusão da construção de moradia no imóvel supra identificado para habitação própria e permanente dos Autores.
AQ) Sendo que na cláusula 5ª do documento complementar elaborado nos termos do número dois do artigo 64º do Código do Notariado ficou estipulado que:
“1- Durante um primeiro período de quarenta anos, o empréstimo vence juros a uma taxa de base fixa de cinco vírgula dois por cento, ao ano, acrescida de um diferencial de zero vírgula vinte e cinco pontos percentuais, o que se traduz actualmente na taxa de juro nominal, para pagamentos mensais, de cinco vírgula quarenta e cinco por cento, a que corresponde a taxa efectiva de cinco vírgula quinhentos e oitenta e oito por cento (…).
9- A parte devedora poderá, mediante comunicação à D…, fazer cessar antecipadamente o período de taxa de base fixa estabelecido no número um, ou outros que tenham sido entretanto convencionados na vigência do presente contrato, sendo devida, em tais casos, a comissão para o efeito estabelecida no preçário divulgado em todas as Agências da D…, nos termos legais, actualmente de dois por cento, a calcular sobre o saldo devedor do empréstimo em trina e um de Dezembro do ano imediatamente anterior ao da cessação, ou, se ocorrer no ano da celebração do presente contrato, sobre o montante total do empréstimo.
10- Na situação prevista no número anterior, se não for convencionado entre as partes outro período de taxa de base fixa ou outro regime de taxa, aplicar-se-á o regime de taxa de juro previsto no número dois, a partir do início do período mensal de contagem de juros seguinte à comunicação efectuada à D… pela parte devedora.”
AR) Mais estipulado ficou que, durante o prazo de utilização do empréstimo, os juros, calculados dia a dia, seriam liquidados e pagos no final de cada mês e posteriormente seriam incluídos nas prestações adiante referidas naquele contrato.
AS) Como acordado foi que o prazo para amortização do empréstimo seria de 40 anos, a contar da data de celebração do contrato.
AT) E ainda que, nos termos da cláusula 10ª do documento complementar elaborado nos termos do número dois do artigo 64º do Código do Notariado que:
“1- Uma parte do empréstimo, no montante de cinquenta e dois mil e quinhentos euros, será amortizada em prestações mensais constantes, de capital e juros, vencendo-se a primeira no mês seguinte da última utilização no dia correspondente ao deste contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes (…).”
AU) Em 07 de Janeiro de 2009 os Autores, pretendendo fazer cessar antecipadamente o período de taxa de base fixa de todos os quatro empréstimos contraídos com a Ré, passando os empréstimos a vencer juros às taxas EURIBOR a 3 meses acrescidas de um diferencial nos termos contratuais acordados, dirigiram-se ao balcão da Ré na agência de Paços de Ferreira onde solicitaram verbalmente aos funcionários da Ré a alteração da taxa de juro nos quatro empréstimos nos termos acima referenciados, tendo-lhes sido dito pelos funcionários da Ré que a referida alteração tinha de ser formalizada por escrito.
AV) Pelo que os Autores elaboraram e entregaram nos serviços da Ré o documento onde solicitaram a alteração da taxa de juros incidente sobre os seus empréstimos à habitação acima alegados para o “indexante de taxas variáveis a 3 meses acrescida de um diferencial de 0,25 pontos percentuais”, tendo solicitado ainda e no mesmo documento a “anulação ou suspensão da comissão de dois por cento a calcular sobre o saldo devedor”, isto é, a não cobrança pela Ré da comissão.
AX) A Ré, porém, não respeitou nem aceitou a solicitação/comunicação dos Autores, tendo-lhes respondido por carta enviada em 02/02/2009 que: “Analisado o pedido de alteração de indexante de taxa fixa para taxa variável, informamos que a D… não está disponível para renegociar as condições contratadas. Caso V. Exa pretendam usar a faculdade prevista nas cláusulas relativas a taxas de juro, fazendo cessar antecipadamente o período de taxa fixa, a D…, como contrapartida, cobrará a comissão prevista naquela cláusula.”
AZ) A Ré continuou e continua até à actualidade, como vinha fazendo, a cobrar juros calculados às taxas fixas constantes dos 4 contratos supra identificados e cobrando directamente por débito da conta de depósitos à ordem dos Autores as prestações de reembolso dos referidos empréstimos as quais eram calculadas com base nas referidas taxas fixas constantes dos quatro contratos referidos em B), J), U) e AJ).
BA) Pelo acordo referido em B) e desde Janeiro de 2009 a Julho de 2010, pagaram os autores, pelo menos, 3.896,29€ de amortização de capital e 23.623,53€ de juros.
BB) Pelo acordo referido em J) e desde Janeiro de 2009 a Julho de 2010 pagaram os autores, pelo menos, 2.045,75€ de amortização de capital e 12.403,59€ de juros.
BC) Pelo acordo referido em U) e desde Janeiro de 2009 a Julho de 2010 pagaram os autores, pelo menos 796,83 € de amortização de capital e 8.104,11 € de juros.
BD) Pelo acordo referido em AJ) e desde Janeiro de 2009 a Julho de 2010 pagaram os autores, pelo menos, 130,26€ de amortização de capital e 4.985,95€ de juros.

IV.

Entre os autores e a ré foram celebrados os quatro contratos de mútuo juntos aos autos (cfr. arts. 1142º e seguintes do CC e arts. 362º e 394º a 396º do CComercial).
Foi estipulada inicialmente uma taxa de juros variável, sendo depois acordada, em cada um dos contratos, a alteração para o regime de taxa fixa, estabelecendo-se nesses acordos a seguinte cláusula:
A parte devedora poderá, mediante comunicação à D…, fazer cessar antecipadamente o período de taxa de base fixa estabelecido no número um, ou outros que tenham sido entretanto convencionados na vigência do presente contrato, sendo devida, em tais casos, a comissão para o efeito estabelecida no preçário divulgado em todas as Agências da D…, nos termos legais, actualmente de dois por cento, a calcular sobre o saldo devedor do empréstimo em trinta e um de Dezembro do ano imediatamente anterior ao da cessação, ou, se ocorrer no ano da celebração do presente contrato, sobre o montante total do empréstimo.

Foi entretanto publicado o DL 171/2008, de 26/8, que veio introduzir medidas de tutela do mutuário no crédito à habitação, respeitantes à renegociação das condições dos empréstimos e à respectiva mobilidade (art. 1º), vedando às instituições de crédito a cobrança de quaisquer comissões em tais situações (art. 3º, nº 1).
E a questão que se discute consiste precisamente em saber se o regime deste diploma, ou seja, a proibição de cobrança de comissões, se aplica às situações de alteração do regime de taxa de juro, tal como foram previstas na cláusula acima transcrita[1].

Na sentença recorrida, circunscrevendo-se o cerne da questão – à definição do que seja a "renegociação" do crédito e se a comunicação dos autores a operar a alteração nos termos dessa cláusula pode definir-se como renegociação – respondeu-se afirmativamente, no essencial, com o argumento de que a cláusula supra citada consagra precisamente uma renegociação do contrato, renegociação essa pela qual se atribui aos autores o direito potestativo de fazer cessar antecipadamente o período de taxa de base fixa.
A cláusula em discussão, embora atribuindo um direito potestativo aos autores, não olvida o facto de ter sido negociada entre autores e réu. Isto é, a própria cláusula consagra a possibilidade de renegociação que operará por vontade dos mutuários (…).
Temos assim que a cláusula em discussão, embora atribuindo um direito aos autores de por um acto unilateral da sua parte, operarem uma modificação jurídica no contrato, qualifica-se como uma renegociação contratual.
Neste ponto, a crítica da Recorrente é ajustada, na medida em que o argumento parece confundir negociação com renegociação, ou seja, negociação do que foi anteriormente acordado e ficou consignado no contrato e a renegociação posterior desse acordo (ou de elementos dele).

Segundo dispõe o art. 2.º do DL 171/2008, este diploma é aplicável às relações contratuais de crédito para, designadamente, aquisição e construção de habitação própria permanente, quando ocorra renegociação do crédito ou transferência para instituição de crédito diversa.
Nos termos do art. 3º:
1. Às instituições de crédito está vedada a cobrança de qualquer comissão pela análise da renegociação das condições do crédito, nomeadamente do spread ou do prazo da duração do contrato de mútuo.
2. Às instituições de crédito está vedado fazer depender a renegociação do crédito da aquisição de outros produtos ou serviços financeiros.
Aparentemente, cingindo-nos à letra da norma, esta não parece favorecer a tese dos autores: o termo "renegociar", significa "negociar de novo", "voltar a negociar", implicando um novo encontro de vontades das partes no sentido da alteração dos termos dos contratos, situação que não ocorre no caso em apreço, uma vez que a cessação antecipada do período de taxa de base fixa e a alteração para uma taxa variável é uma faculdade conferida aos autores, traduzindo-se – nisto as partes estão de acordo – no exercício de um direito potestativo que a ré deveria simplesmente acatar, apenas tendo sido prevista, como contrapartida, a cobrança por esta da comissão para o efeito estabelecida no preçário.

É sabido, porém, que a interpretação não se esgota na letra da lei.
Com efeito, nos termos do art. 9º nº 1 do CC, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2).
Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3).

O elemento literal é, assim, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa: eliminar aquele sentido que não tenha qualquer apoio ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei[2].
A apreensão do sentido literal deve, por isso, ser acompanhada de uma actividade de interligação e valoração em que intervêm elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.

Pois bem, na ponderação destes elementos assume claro relevo o teor do preâmbulo do citado diploma, onde se afirma:
Tendo em vista erigir um enquadramento jurídico em matéria de crédito hipotecário à habitação em que, sem prejudicar a eficiência e competitividade deste sector, seja assegurado um nível elevado de protecção do consumidor, vem o presente decreto-lei eliminar obstáculos comerciais à renegociação das condições dos empréstimos, nomeadamente do spread ou do prazo da duração do contrato de mútuo, e reforçar as condições de mobilidade destes empréstimos.
No contexto recente de agravamento das taxas de juro, urge a adopção de medidas legislativas que possam resultar numa efectiva diminuição do peso deste encargo no orçamento familiar, nomeadamente através da eliminação de barreiras económicas ou legais que ainda subsistam quer à renegociação das condições dos empréstimos quer à respectiva mobilidade, num quadro de promoção da concorrência no sistema financeiro.
Neste sentido, o presente decreto-lei para assegurar a efectiva tutela do consumidor no âmbito da renegociação das condições do empréstimo à habitação vem, por um lado, vedar às instituições de crédito a cobrança de qualquer montante para esse efeito, nomeadamente a título de análise do processo, e, por outro, clarificar a aplicação neste domínio da proibição da prática de tying, já em vigor no âmbito da celebração dos contratos de empréstimo. Nesta medida, passa a constituir uma prática comercial vedada fazer depender a renegociação do crédito de exigências adicionais, nomeadamente, do investimento em produtos financeiros ou da observância de determinadas condições de utilização de cartão de crédito. (…)
O presente decreto-lei concentra-se, assim, especificamente, na eliminação de barreiras injustificadas que dificultavam a efectiva mobilidade dos consumidores no domínio do crédito hipotecário à habitação.

Um dos objectivos do diploma foi, assim, o de permitir uma efectiva diminuição do peso dos encargos resultantes da taxa de juro acordada com o banco numa assumida perspectiva de defesa do consumidor, eliminando barreiras económicas ou legais, quer à renegociação das condições dos empréstimos, quer à respectiva mobilidade.
Mas, então, sendo esta a finalidade prosseguida pelo legislador – flexibilizar o mercado do crédito à habitação, facilitando a alteração das cláusulas dos respectivos contratos e, bem assim, das entidades mutuantes, favorecendo a concorrência em favor dos consumidores – não se compreenderia que não abrangesse no âmbito de previsão da norma os contratos em que as partes estipularam, desde logo, a possibilidade de alteração e consignaram a taxa que passaria a ser cobrada em consequência desta (cfr. ponto 10º das alterações ao contrato).
É evidente que, nestes casos, estando já prevista a nova taxa a aplicar, a alteração não exigiria uma efectiva negociação. Mas, como parece indiscutível, não deixam de se sentir igualmente nestas situações as preocupações que constituem a razão de ser da norma em questão.

Assim, tendo em consideração a ratio da norma e a finalidade prosseguida pelo legislador, o termo "renegociação" não pode ser entendido com o seu significado estrito ou literal, devendo ser-lhe atribuído o sentido mais amplo de "alteração das condições negociais", abrangendo, mais precisamente, todos os procedimentos que conduzam ou possam conduzir a esta alteração.
O legislador pretendeu, pois, proibir a cobrança de qualquer tipo de comissão nas alterações dos contratos de crédito à habitação, quer nos casos em que essa alteração está condicionada a simples pedido do cliente, quer nos demais casos em que a alteração envolva uma efectiva renegociação e um novo acordo entre as partes.

Como se diz na Carta-circular nº 61/2008/DSB, de 30.09.2008, do Banco de Portugal[3], o objectivo do diploma é o de proibir a cobrança de qualquer comissão associada ao processo de revisão das condições do contrato de crédito, desde a análise até à respectiva formalização das renegociação.
A renegociação do crédito engloba a alteração de cláusulas contratuais, relativas ou não à revisão das condições financeiras do mesmo, que ocorra durante a vigência do contrato, não sendo portanto permitida a cobrança de qualquer montante aquando da sua alteração. (sublinhado nosso)

Esse parece ter sido também o entendimento da própria ré ao aprovar o preçário junto a fls. 172 e segs., onde se encontra previsto o seguinte:
7.5. Comissão por alterações contratuais
(…)
7.5.3 – Crédito à habitação
- Alteração da maturidade e/ou alteração de taxa fixa para outro tipo de taxa, durante o período de taxa fixa, em operações contratadas:
- Em data anterior a 18 de Junho de 2008
referindo-se, noutra coluna, relativamente a esta operação: permitida mas isenta.
Acrescenta-se, em nota (43), que as alterações contratuais, no âmbito do Crédito à Habitação, deixaram de ser cobradas de acordo com o Decreto-Lei nº 171/08, de 28 de Agosto, e o entendimento do Banco de Portugal sobre esta matéria (sublinhe-se que o documento emana da ré, que não o impugnou, tendo até confessado a matéria de facto alegada pelos autores a este respeito, nos termos dos arts. 38º, 39º e 56º da contestação).

A divulgação do preçário, completo e devidamente actualizado, constitui um dos instrumentos com que se pretende promover a transparência e a concorrência no mercado bancário, mal se compreendendo que possam não estar aí incluídas operações pelas quais são cobradas comissões pela instituição bancária (pois que é para publicitação destas que o preçário existe). Esta situação é, aliás, actualmente proibida (art. 6º nº 4 a) do Aviso nº 8/2009, de 29/9).
Assim, a própria ré passou a referir-se no seu preçário, simplesmente, a "alterações contratuais", sem mencionar e exigir uma efectiva renegociação das condições contratuais. E, no âmbito dessas alterações, concretizou, quanto ao crédito à habitação, justamente, a alteração da taxa fixa para outro tipo de taxa, permitindo esta operação e estabelecendo a isenção de qualquer comissão.

É certo que, como diz a ré, a alteração do regime de taxa fixa para taxa variável não implica, no caso, rigorosamente, uma alteração do contrato, na medida em que, quer o pedido de alteração formulado pelos autores, quer a substituição de uma taxa por outra, quer a nova taxa aplicável constituem elementos já anteriormente previstos no contrato, traduzindo, no fundo, uma aplicação e execução deste. Mas não há qualquer dúvida de que essa mudança envolve uma alteração dos termos em que o contrato estava a ser cumprido, alteração essa que foi especificamente contemplada no preçário.
Assim, perante a isenção aí prevista, não se compreende bem a posição depois assumida pela ré.

Conclui-se, por conseguinte, que o legislador pretendeu proibir a cobrança de qualquer comissão nas alterações dos contratos de crédito à habitação, abrangendo as alterações que dependam, quer da exclusiva vontade do cliente, quer do acordo da instituição bancária[4].

Sustenta ainda a Recorrente que, a adoptar-se o entendimento exposto, deveria considerar-se extinta ope legis a cláusula que concedia ao mutuário o direito potestativo de optar pela mudança de taxa, na medida em que esta só tinha razão de ser contratual enquanto se mantivesse a sua contrapartida, ou seja, a cobrança, pelo banco, de uma comissão – art. 437º do CC.
A aplicação ao caso do regime previsto neste normativo não parece, porém, adequado.

De entre os requisitos aí exigidos para a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, importa salientar que a manutenção do contrato ou dos seus termos tem de envolver lesão para uma das partes e afectar gravemente o princípio da boa fé.
A prestação de uma das partes há-de tornar-se "demasiado onerosa"[5] ou provocar-lhe "danos de vulto"[6]; a alteração há-de "atingir, de modo insuportável, o equilíbrio contratual"[7], sendo assim necessária a verificação de um "dano grave, considerável ou mesmo descomunal"[8].
Não será esta, evidentemente, a situação que se verifica no caso em apreço, em que se discute uma comissão de apenas 2% sobre o saldo devedor do empréstimo.
Aliás, mesmo a admitir-se o prejuízo invocado pela ré, será de sublinhar que se tratou de uma opção do legislador, por forma a assegurar um "nível elevado de protecção do consumidor", de claro e assumido favorecimento deste, num contexto de agravamento da sua situação económica e perante uma situação de real desigualdade contratual no extenso período temporal em que, normalmente, estes contratos são cumpridos.

Concluindo-se pela improcedência da apelação, não há que conhecer da ampliação do objecto do recurso, requerida pelos apelados, já que o foi a título subsidiário.

V.

Em face do exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 21 de Junho de 2012
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
________________
[1] No caso, não se discute que os empréstimos em questão satisfaçam a finalidade prevista no aludido diploma e que este seja (temporalmente) aplicável, o que parece evidente, tendo em conta o disposto no seu art. 2º e, bem assim, a norma do artigo 12º nº 2, 2ª parte do CC (quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor).
[2] Baptista Machado, Introdução ao Direito e Discurso Legitimador, 10ª Reimp., 182.
[3] Publicada no site do Banco de Portugal – www.bportugal.pt (portal do cliente bancário/ crédito à habitação/legislação).
[4] Neste sentido, para situação similar, o Acórdão da Relação de Lisboa de 16.11.2011, em www.dgsi.pt.
[5] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª ed., 339.
[6] Menezes Cordeiro, Da Alteração das Circunstâncias, 68 e 69.
[7] Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, Vol. II, 227.
[8] Carvalho Fernandes, A Teoria da Imprevisão no Direito Civil Português, Reimpressão com nota de actualização, 287 e 288, Autor que considera ajustado este grau de exigência, acrescentando exemplos esclarecedores da jurisprudência. Exemplos mais recentes encontrámo-los nos Acórdãos do STJ de 18.01.96, CJ IV, 1, 52 ("excessivamente onerosa"), de 10.12.96, BMJ 462-412 ("prestação excessiva" ou "desmedidamente onerosa") e de 27.09.2001, CJ IX, 3, 46 ("irremediável desconformidade" com "proporções perfeitamente distorcidas e altamente desequilibradas").