Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | AMARAL FERREIRA | ||
Descritores: | INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA CONHECIMENTO OFICIOSO CONTRATO ADMINISTRATIVO | ||
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Nº do Documento: | RP20110331147/09.8TBVPA.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/31/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | INCOMPETÊNCIA COM REMESSA. | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A competência do tribunal afere-se pelos termos em que a acção foi proposta e pelo pedido do autor. II - A incompetência absoluta em razão da matéria deve ser conhecida oficiosamente em qualquer estado do processo, enquanto não houver decisão com trânsito em julgado sobre ela ou sobre o mérito da causa. III - Os tribunais judiciais comuns são incompetentes em razão da matéria para conhecer de uma acção que tenha por objecto a concessão e exercício do direito de ocupação de postos de venda em mercados municipais, por pertencer à jurisdição administrativa. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | TRPorto. Apelação nº 147/09.8TBVPA.P1 - 2011. Relator: Amaral Ferreira (594). Adj.: Des. Deolinda Varão. Adj.: Des. Freitas Vieira. Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO. 1. B… instaurou, no Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar, acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra Município de …, formulando os seguintes pedidos: a) Deve o R. ser condenado a pagar-lhe a quantia de € 66.375, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, sendo: I - € 24.375, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos e alegados nos artigos 10º a 12º, 15º, 19º, 20º, 28º a 40º da petição inicial; II - € 27.000, a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos e alegados nos artigos 13º a 15º, 19º, 20º, 32º, 41º a 43º da petição inicial; III - € 15.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos e alegados nos artºs 33º a 35º, 37º, 38º, 43º a 45º e 47º da petição inicial; b) Deve o R. ser condenado a pagar-lhe a quantia a liquidar em execução de sentença pelos danos materiais futuros previsíveis enquanto não entregar um novo espaço ou as duas bancas para comércio de fruta e produtos hortícolas a si e alegado no artº 43º da petição inicial; c) Deve o R. ser condenado a pagar-lhe juros de mora, de natureza comercial, à taxa supletiva legal, contados desde a citação até integral pagamento, a incidir sobre as quantias mencionadas em a) e b). Alegou, para tanto, que o R. é dono do mercado municipal de … e que ele (A.) era, juntamente com a falecida esposa, comerciante de peixe, exercendo tal actividade predominantemente com trabalho próprio e do agregado familiar, constituído por ambos e três filhos, exercendo também o comércio de legumes, fruta e demais produtos hortícolas; no desenvolvimento dessa actividade, no início do Verão de 1980, tomou de arrendamento, para fins comerciais, ao R., uma loja sita no denominado Mercado Municipal pela renda mensal que, após alterações, atingiu o valor de € 7.600$00, loja que se destinava ao comércio de peixe e se encontrava mobilada com balcão e duas câmaras frigoríficas, onde instalou um estabelecimento comercial de venda de peixe ao público, durante todos os dias da semana, excepto ao domingo; cerca de três meses mais tarde, tomou de arrendamento ao R., duas bancas, com cerca de 5 m de comprimento cada e câmara frigorífica, uma destinada à venda de frutas outra destinada à venda de produtos hortícolas, mediante renda mensal, actualmente de 4.300$00; quer a loja quer as bancas situavam-se no interior do mercado municipal acima mencionado; a partir de meados da década de 1990, a Tesouraria do Município decidiu juntar num único recibo as duas rendas referentes aos aludidos contratos de arrendamento; em consequência da execução de obras de requalificação ou reabilitação do mercado municipal, efectuadas pelo R., em 15-07-2003, por imposição do mesmo, viu-se obrigado a suspender os contratos de arrendamento referidos e, consequentemente, a sua actividade de comerciante de peixe, frutas e produtos hortícolas no velho mercado municipal de …; o prazo inicialmente previsto para tais obras foi de 6 meses, tendo-se estas prolongado por cerca de 2 anos e 6 meses, ficando concluídas em finais de 2004; aquando da suspensão forçada pelo R. dos alegados contratos de arrendamento, e desocupação dos locados, o R. obrigou-se a pagar-lhe uma indemnização mensal de € 750, pelos prejuízos emergentes do encerramento da peixaria e bancas, durante todo o período em que se mantivesse o encerramento do estabelecimento em consequência das obras e não fosse realojado no novo mercado, mais se tendo obrigado a ceder e a entregar-lhe, no final dessas obras, duas lojas dentro do espaço do novo mercado municipal, uma destinada à venda de peixe e outra destinada à venda de fruta e produtos hortícolas; ficou impossibilitado de exercer a sua actividade de comerciante no mercado municipal até 03-03-2006, devido à actuação do R. que, apesar de lhe ter entregue uma loja destinada à venda de peixe, só na data mencionada terminou a montagem de um balcão frigorífico e câmara de frio na mesma, não lhe tendo ainda entregue duas bancas idênticas às acima mencionadas nem, em sua substituição, uma loja destinada à venda de produtos hortícolas e fruta, pelo que a actividade de venda desses produtos ainda se mantém suspensa; durante cerca de 6 meses do período em que as obras foram executadas, vendeu peixe como vendedor ambulante na via pública, ficando sujeito às intempéries, cessando a sua actividade por impossibilidade de a exercer; o R. tratou-o de modo diferente dos demais comerciantes instalados no mercado municipal, a quem disponibilizou espaços em prédios da Vila à sua custa, sem justificação; em consequência da actuação do R., sofreu uma quebra de, pelo menos, 2/3 da venda de peixe, o que lhe acarretou prejuízo mensal não inferior a € 750; devido à suspensão da sua actividade no mercado municipal e ao exercício da mesma na via pública nos termos mencionados, teve prejuízo que só pode ser ressarcido com a importância de € 24.375; foi, ainda, obrigado a cessar a venda de fruta e produtos hortícolas, pois não tinha câmara frigorífica para conservar os produtos que revendia, tendo perdido toda a clientela de fruta, o que lhe acarretou prejuízo mensal não inferior a € 500, correspondente ao valor do lucro previsível com tal actividade; sofreu, por isso, prejuízo correspondente a 54 meses, no montante global de € 27.000; o comportamento do R. tem-lhe causado grande ansiedade, incómodo e preocupações psicológicas, o que lhe causou danos irreversíveis na sua saúde e bem-estar, incluindo um acidente vascular cerebral, o que o forçou a um internamento hospitalar prolongado para tratamento, o que constitui dano não patrimonial a compensar com quantia não inferior a € 15.000; em 19-12-2005, recebeu do R. ofício a notificá-lo de que, no concurso para atribuição da loja de comércio de frutas e hortícolas lhe havia sido adjudicada a loja n.º 8, pelo valor de € 620, cujo pagamento deveria efectuar em 5 dias; por carta do dia seguinte, comunicou ao R. que pretendia ser dispensado do pagamento de tal quantia porquanto a mesma poderá ser compensada ou entrar no acerto de contas final com os créditos de que é titular contra o mesmo, emergentes da indemnização a que se julga com direito, nos termos dos arts 847º e 848º do CC; também comunicou ao R. que pretendia reduzir a escrito o velho contrato de arrendamento para comércio de frutas e produtos hortícolas, que foi suspenso para possibilitar a execução das obras mencionadas; dispõe o artº 13º do RAU, em vigor à data dos factos, que, com a realização de obras de conservação extraordinária e de beneficiação ficam ressalvados todos os direitos que o senhorio e arrendatário tenha perante terceiros, sendo o actual regime, consagrado pelo NRAU idêntico - cfr. artº 1111º do CC; preceitua o artº 5º, nº1, da Lei nº 2 088, de 03-06-1957, em vigor à data dos factos, que o inquilino sujeito a despejo na execução de obras no arrendado tem direito a recuperar as dependências que tinha no edifício simplesmente ampliado ou ocupar as que lhe são destinadas no edifício alterado ou construído de novo e receber, em qualquer caso, uma indemnização pela suspensão do arrendamento, solução actualmente consagrada nos arts 9º e 10º, nº4, do DL n.º 157/2006, de 08-08; o dever de indemnizar do R. também se funda nos arts 483º, nº1, 564º, nº1 e 2, 566º, nº1, 2 e 3 do CC. 2. Citado, contestou o R. que, sustentando a sua absolvição do pedido, além de impugnar parcialmente a factualidade alegada pelo autor, aduz que o contrato celebrado com o R. está sujeito ao regime jurídico consagrado no DL nº 340/82, de 25/08, e ao Regulamento Municipal do Mercado de …, que junta; que o A. nunca utilizou as duas bancas do mercado, o que importa a caducidade do direito de as ocupar, como expressamente prevê o diploma e regulamento mencionados; que o A. recusou a sua proposta de utilização de uma loja situada à menor distância possível do mercado municipal, ficando os encargos por sua (do R.) conta, tendo preferido a venda ambulante, conforme permissão que lhe solicitou para o efeito e que, pelo menos a partir de Novembro de 2004, o A. podia ter ocupado a nova loja que lhe foi adjudicada no mercado, destinada a peixaria, pois que a colocação do equipamento de frio na referida loja tratou-se de uma mera liberalidade da sua parte e que não assiste ao A. o direito à compensação de créditos que invoca. 3. Após resposta do A. a sustentar a improcedência do que denominou de excepções invocadas pelo R., reafirmando o alegado e concluindo como na petição inicial, foi proferido despacho saneador que, depois de afirmar de forma tabelar a validade e regularidade da instância, declarou a matéria assente e elaborou base instrutória, que se fixaram sem reclamações. 4. Instruída a causa, procedeu-se a julgamento com gravação e observância do formalismo legal e, sem que as respostas dadas à matéria de facto controvertida constante da base instrutória tivesse sido objecto de censura, veio a ser proferida sentença cujo dispositivo é do seguinte teor: - Nos termos e pelos fundamentos expostos, decido julgar a acção improcedente e, em consequência, absolvo o R., Município de …, do pedido formulado pelo A., B…, por não estar demonstrado nos autos que entre as partes tenha sido celebrado qualquer contrato de natureza privatística, designadamente de arrendamento urbano, nem o direito do A. a ser ressarcido pelo R. com fundamento em normas jurídicas de direito privado. 5. Inconformado, apelou o A. tendo, nas pertinentes alegações, formulado as seguintes conclusões: 1ª: Salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, a douta sentença recorrida não elege a questão da interpretação da vontade negocial das partes como a questão nuclear a debater. 2ª Impõe-se indagar a vontade real e declarada das partes aquando da celebração do negócio jurídico titulado pelo documento escrito pelo Réu Município em papel timbrado seu e assinado pelo Senhor Presidente do mesmo município e pelo Autor apelante B… que aqui se dá como integrado e reproduzido e cuja junção aos autos foi requerida para acta pelo Autor recorrente na 1ª sessão de julgamento realizada em 24-03-2010 e admitida pelo Exmº Juiz “a quo” consoante flui do seu despacho ditado para a mesma acta de audiência de julgamento e que aqui também se dá como integrada e reproduzida. 3ª: É, pois, em busca do concreto sentido das declarações emitidas pelo Autor apelante e pelo Réu Município e corporizadas nesses documento que titula o referido contrato que constitui fls. dos autos que se deve partir, pois será o sentido querido pelas partes o sentido decisivo da declaração contratual, dado que a solução distinta dessa seria, por certo, contrária aos interesses das duas partes. 4ª: Esta é a solução legalmente consagrada, ao dizer-se que a declaração vale de harmonia com a vontade real do declarante sempre que esta seja conhecida do declaratório (artº 236º, nº 2, do Código Civil). 5ª: No caso concreto decisivo é o sentido que as partes, na posição de declaratários, pudessem ter considerado querido pelo respectivo declarante. 6ª: Para esta tarefa interpretativa é, portanto, lícito recorrer, entre outros, á letra do negócio jurídico a interpretar, às circunstâncias que precederam a sua celebração, às que sejam contemporâneas desta ou mesmo às que lhe são posteriores, desde que com ela se relacionem e que sejam susceptíveis de indicar a intenção do declarante e aos interesses em jogo. 7ª Ora da análise do teor do documento escrito pelo Réu Município em papel timbrado seu e assinado pelo seu Presidente Dr. C… e pelo Autor apelante B… constata-se inequivocamente que a vontade real e declarada das partes foi a de celebrarem um CONTRATO DE ARRENDAMENTO. 8ª: Antes de mais esse documento cuja letra e assinatura foi aceite pelo Réu Município faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu Autor nos precisos termos do disposto no artº 376º, nº 1, do Código Civil e os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrárias aos interesses do declaratário - nº 2 do artº 376º do Cód. Civil. 9ª: Na epígrafe desse documento junto aos autos na 1ª sessão de julgamento de 24-3-2010 as partes outorgantes qualificam o negócio jurídico que ele corporiza de “CONTRATO DE ARRENDAMENTO”. 10ª: Tal contrato de arrendamento foi celebrado entre o Réu Município como 1º outorgante e representado pelo seu Presidente C…, no uso de poderes que lhe são conferidos por lei e o Autor recorrente B…, como segundo outorgante e arrendatário. 11) Lê-se no texto desse documento datado de 15-11-2004 e que titula o contrato de arrendamento alegado pelo Autor apelante na sua petição inicial: “Entre os outorgantes é celebrado o presente contrato de arrendamento que se regerá pelas cláusulas seguintes: Cláusula 1ª: O primeiro outorgante declara que é dono e legítimo proprietário da loja nº 13 do Mercado Municipal.Cláusula 2ª: O primeiro outorgante, nessa qualidade, dá de arrendamento ao segundo outorgante a loja nº 13 do Mercado Municipal.Cláusula 3ª: O direito ao arrendamento definitivo da ocupação e exploração da loja do mercado municipal, foi adjudicado ao segundo outorgante em reunião da Câmara de 11 de Agosto de 1987 e de 4 de Junho de 1991.Cláusula 4ª: O local arrendado destina-se á instalação do ramo de actividade de “Peixaria”.Cláusula 5ª: A renda anual é de €453,84 (quatrocentos e cinquenta e três Euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida de I.V.A. á taxa legal, a pagar em mensalidades de € 37,82 (trinta e sete Euros e oitenta e dois cêntimos) acrescido do I.V.A. á taxa legal, até ao oitavo dia do mês anterior aquele a que respeitar.Cláusula 6ª: No termo do contrato, o local arrendado será entregue em perfeito estado de conservação e limpeza, com todas as chaves.As partes aceitam o presente contrato, nos precisos termos em que está exarado. …, 15 de Novembro de 2004 (seguem-se as assinaturas dos dois outorgantes). 12ª: Ora do teor desse documento que corporiza o negócio jurídico celebrado pelas partes outorgantes - aqui Autor e Réu Município - resulta claramente que tal negócio deverá de ser qualificado juridicamente como contrato de arrendamento urbano para fins comerciais (peixaria), já que contem todos os elementos essencialmente constitutivos do conceito legal de contrato de arrendamento, 13ª: E o direito ao arrendamento que tal contrato corporiza é o direito ao arrendamento definitivo de ocupação e exploração da loja do mercado municipal de … que foi adjudicado ao segundo outorgante B… em reunião da Câmara de 11 de Agosto de 1987 e de 4 de Junho de 1991 (cfr. cláusula 3ª constante do contrato de arrendamento). 14ª: Acresce que nesse contrato foi fixada pelas partes uma renda anual de € 453,82, a pagar em duodécimos mensais de € 37,82 pelo arrendatário, até ao dia 8 do mês anterior àquele a que respeitar, ou seja a renda anda adiantada - cfr. cláusula 5ª do mencionado contrato. 15) Finalmente as partes outorgantes declaram expressamente que aceitavam esse contrato de arrendamento nos precisos termos em que está exarado (cfr. cláusula 6º, 2ª parte, do contrato). 16ª: No desenvolvimento desse contrato de arrendamento o Autor vem ocupando desde há cerca de 25 anos (cfr. Alíneas B) e C) dos Factos Assentes) uma loja no mercado municipal de … e duas bancas para venda de fruta, pagou as rendas mensais ao Réu Município - cfr. documentos juntos a fls 48 e segs e mencionadas na Alínea G) da matéria de facto assente, onde se lê, no lugar destinado a observações: “Renda da loja int. e 2 bancas do mercado, mês de Abril” - aí desenvolveu a sua actividade de venda de peixe e frutas - cfr. documentos de fls 75 e 76 até ao início das obras de requalificação total do aludido mercado municipal que se iniciaram em 16 de Julho de 2003 - cfr. artº 25º da contestação do Réu Município onde ele reconhece expressamente esse facto -, altura em que o Autor apelante devido a essas obras, que se prolongaram pois dois anos e meio, foi obrigado a interromper a sua actividade de venda de peixe na loja mencionada - Respostas aos quesitos 8º, 9º, 10º e Alíneas B), C), D), E), G) e H) da matéria de Factos Assente. 17ª: Resulta á saciedade da interpretação do citado documento que titula o referido contrato de arrendamento em apreço e do comportamento posterior dos outorgantes que o sentido da declaração de vontade de ambos foi o de dar (para o 1º outorgante Município) e de tomar (para o 2º outorgante) de arrendamento a mencionada loja no mercado municipal de …, tanto mais que declararam expressamente no documento em apreço que “as partes aceitam o presente contrato nos precisos termos em que está exarado” (sic). 18) É esta a solução legalmente consagrada ao dizer-se que a declaração vale de harmonia com a vontade real do declarante sempre que esta seja conhecida do declaratário - artº 236º, nº 2, do Código Civil. 19ª: No caso concreto, decisivo será o sentido que as partes, na posição de declaratários, pudessem ter considerado querido pelo declarante, pois isso mesmo impõe o nº 1 do artº 236º do Código Civil: a declaração vale com o sentido (objectivo) que um declaratário normal colocado na situação do declaratário real (tendo por conseguinte á mão, para interpretação do negócio, todos os elementos informativos de que dispõe) puder deduzir do comportamento do declarante. 20ª: No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade contratual, o qual determina que dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no Código Civil ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver - artº 405º do Código Civil. 21ª: Este normativo concede às partes, tanto a liberdade de celebração ou conclusão dos contratos, como a liberdade de fixação do seu conteúdo e este princípio está intimamente ligado ao valor da auto-determinação humana, devendo combinar-se com outros, como por exemplo, o princípio da protecção das expectativas de confiança do destinatário e o princípio da protecção e da segurança no tráfico jurídico - neste sentido, Ac. do S.T.J. de 9-7-98, in B.M.J. 479-580. 22ª: A liberdade contratual encerra em si mesma responsabilidades para os contraentes, e sendo o princípio da liberdade contratual apanágio do direito das obrigações e as partes livres de celebrar ou não acordos que bem entenderem, devem fazê-lo nos termos do artº 405º e 227º, nº 1, do Cód. Civil, com respeito dos deveres de protecção, informação e lealdade. 23ª: Na douta sentença recorrida o Mº. Juiz “a quo” decidiu “não estar demonstrado nos autos que entre as partes tenha sido celebrado qualquer contrato de natureza privatística, designadamente de arrendamento urbano, nem o direito do Autor a ser ressarcido pelo Réu com fundamento em normas jurídicas de direito privado” mas, salvo sempre o devido respeito e melhor opinião, tal decisão não está correcta pois, consoante alegado foi, não interpretou devidamente a vontade negocial e declarada das partes e não tratou em termos adequados essa vontade negocial constante do aludido documento que titula o contrato de arrendamento junto aos autos pelo Autor na 1ª sessão de julgamento do dia 24-03-2010, consoante melhor se vê da respectiva acta de julgamento que aqui se dá como integrada e reproduzida, 24ª: O Mº. Juiz “a quo” ao qualificar o contrato em apreço como um contrato de natureza administrativa, e salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, interpretou incorrectamente a vontade declarada pelos contraentes no supra mencionado documento datado de 15 de Novembro de 2004 que corporiza o contrato de arrendamento definitivo celebrado por estes. 25ª: De resto e consoante alegado foi pelo Autor nos artºs 1º, 2º, 3º e 4º da petição inicial aquele intentou em 7 de Julho de 2006 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela a acção administrativa comum contra o aqui Réu Município de … alegando as razões de facto e de direito constante da p.i. dessa acção que foi junta como Doc. nº 1, tendo o réu contestado por excepção e impugnação nos termos constantes da sua contestação que constitui Doc. nº 2 junto também com a petição da presente acção, alegando, além do mais, a incompetência daquele TAF em razão da matéria, tendo o Mº. Juiz do TAF de Mirandela por seu douto despacho que constitui Doc. nº 4 junto com a p.i., julgado procedente aquela excepção e o TAF incompetente em razão da matéria. 26ª: Nesse seu douto despacho o Exmº Juiz do TAF de Mirandela escreve a fls 2: “… o que significa que é da competência dos TAF a apreciação de actos da administração quando se trata de actos de gestão pública, ou seja quando o Estado ou Pessoa Colectiva pública agem munidos do seu jus imperii, no exercício de um poder público, no exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público, diferentemente do que acontece nos actos de gestão privada, em que intervindo o Estado ou pessoa colectiva pública numa veste de simples particular, a competência para dirimir litígio se radica nos Tribunais Comuns. Neste sentido cfr. Ac. do S.T.J. nº 018/05, de 14-3-06 que se acompanha, in www.dgsi.pt, aqui parcialmente transcrito”. Pergunta-se: O Réu agiu com jus imperii, no exercício dum poder de autoridade que se possa impor aos particulares? Não. “(sic). 27ª: A douta sentença recorrida ao decidir qualificar o contrato em apreço como um contrato de natureza administrativa está em conflito com a anterior decisão do TAF de Mirandela consoante alegado foi no número X desta minuta de recurso e que aqui se dá como integrado e reproduzido e havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão cumprir-se-á o que passou em julgado em primeiro lugar - nº 1 do artº 675º do Código de Processo Civil. 28ª: A supra alegada questão da interpretação da vontade negocial das partes é pois essencial e fulcral e, salvo sempre o devido respeito por toda a opinião contrária, não foi tratada em termos adequados na sentença recorrida que não qualifica a natureza do negócio jurídico em apreço correctamente ao declarar que não pode ser considerado um contrato de arrendamento, mas sim um contrato de natureza administrativa, entendendo a sentença recorrida que “deverá ser á luz das normas jurídicas administrativas, de direito público, portanto, que o exercício do direito á ocupação dos referidos postos de venda pelo Autor deverá ser aferido, o mesmo sucedendo com o alegado direito de ressarcimento pela privação de tal exercício, matéria cujo conhecimento integra a Jurisdição Administrativa e que se mostra vedada a este Tribunal” - cfr. fls 14, parágrafo 4º da sentença recorrida. 29ª: A sentença recorrida devia ter julgado procedente a acção e condenado o Réu Município na indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença, tudo de harmonia com o preceituado pelo nº 2 do artº 661º do Código de Processo Civil. 30ª: Ora consoante alegado foi pelo Réu Município no artº 25º da sua contestação este reconhece que em 16 de Junho de 2003 iniciou obras de total requalificação do mercado, e no artº 26º da mesma contestação o réu apelado reconhece que para que tais obras de requalificação total do seu mercado fossem possíveis tornou-se obviamente necessária a total desocupação do mercado municipal. 31ª: Também o Réu Município alega e reconhece nos artºs 29º e 30º da sua contestação que o prazo inicialmente previsto para a realização das referidas obras de requalificação do mercado municipal foi de seis meses; contudo, por razões atinentes á complexidade das mesmas, só em Setembro de 2004 é que puderam ser concluídas, ou seja cerca de 14 (catorze) meses após o início daquelas obras é que as lojas ou postos de venda do mercado podiam ser de novo ocupadas pelos titulares do respectivo direito, embora ainda sem as melhores e mais desejadas condições que só no mês de Novembro de 2004 é que foram conseguidas. 32ª: Ora o Tribunal “a quo” deu como provado que em 2003 - que deverá ser cotejado com o dia e mês (16 de Junho) alegado e aceite pelo Réu Município no citado artº 25º da sua contestação -, devido á realização das obras mencionadas na Alínea H) da matéria de facto assente, o Autor foi obrigado a interromper a sua actividade de venda de peixe na loja mencionada na Alínea C) da matéria de facto, interrupção essa que se prolongou por dois anos e meio - Respostas aos quesitos 8º, 9º e 10º. 33ª: A interrupção das suas actividades de venda de peixe e fruta na loja e bancas do mercado municipal acarretou ao Autor apelante, por evidência racional, prejuízos materiais e morais só determináveis em execução de sentença já que não se provou o montante exacto do prejuízo sofrido por si - neste sentido Ac. do S.T.J., de 16-5-1969, in B.M.J., 187º - 84 e nº 2 do artº 661º do Código de Processo Civil. 34ª: Dispõe o nº 3 do artº 13º do RAU (Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Dec. Lei nº 321-B/90, de 15/10), em vigor á data dos factos, que com a realização de obras de conservação extraordinária e de beneficiação ficam ressalvados todos os direitos que o Senhorio e o arrendatário tenham perante terceiros, sendo certo que o NRAU (Novo Regime de Arrendamento Urbano), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27/2, contempla a mesma solução jurídica e dispõe o nº 1 do artº 5º da Lei nº 2088, de 3/6/1957, em vigor á data dos factos, que o inquilino sujeito a despejo na execução de obras no arrendado “tem direito de recuperar as dependências que tinha no edifício simplesmente ampliado ou ocupar as que lhe são destinadas no edifício alterado ou construído de novo e receber, em qualquer dos casos, uma indemnização pela suspensão do arrendamento”. 35) É também certo que o novo regime jurídico das obras em prédios arrendados, aprovado pelo Dec. Lei nº 157/2006, de 8 de Agosto, consagra nos seus artºs 9º e máxime 10º, nº 4, a mesma solução jurídica de o arrendatário receber uma indemnização pela suspensão do arrendamento e essa indemnização compreende não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, tendo essa indemnização como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e que teria nessa data se não existissem os danos - nº 1 do artº 564º e nºs 1 e 2 do artº 566º, ambos do Código Civil. 36ª: A douta sentença recorrida viola, por incorrecta interpretação, as supra citadas disposições legais, designadamente o preceituado pelos artºs 236º, nºs 1 e 2, 376º, nºs 1 e 2, 405º e 227º nº 1, todos do Código Civil, artº 13º, nº 3 do R.A.U. aprovado pelo Dec. Lei nº 321-B/90, de 15/10 em vigor á data dos factos, artº 5º, nº 1 da Lei nº 2088 de 3/6/1957, em vigor á data dos factos, artºs 9º e 10º, nº 4, do Dec. Lei nº 157/2006 de 8 de Agosto, artº 661º, nº 2 e artº 675º nº 1, estes do Código de Processo Civil. 37ª: Não tanto pelo alegado, como pelo doutamente suprido, Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, dando provimento ao recurso, revogando a douta sentença recorrida, julgando a acção procedente e condenando o Réu Município a pagar ao Autor a indemnização justa cuja liquidação deverá ser relegada para execução de sentença, farão, como sempre a melhor Justiça. 6. Não foram oferecidas contra-alegações. 7. Ouvidas as partes sobre a possibilidade de ser declarada a incompetência, em razão da matéria, dos tribunais comuns para apreciar o litígio em causa nos autos, e tendo-se o A. pronunciado no sentido da sua competência, mais invocando o trânsito em julgado do despacho saneador proferido nos autos e o caso julgado formal formado na acção que propôs no Tribunal Administrativo de Mirandela, requerendo ainda a remessa dos autos a este Tribunal para aí seguir termos, e o R. no sentido da incompetência dos tribunais comuns, colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO. 1. Na decisão recorrida constam como provados os seguintes factos: Constantes da matéria de facto assente: 1) O R. é dono e legítimo possuidor do Mercado Municipal de …, sito nessa Vila, e que se destina a instalar comerciantes que se dediquem à venda de produtos de alimentação, designadamente, frutas, legumes, peixes, carne, fumados e outros - (A); 2) O A. era comerciante de peixe e exercia também o comércio de legumes, fruta e demais produtos hortícolas - (B); 3) Há cerca de 25 anos, o A. começou a utilizar, para fins comerciais, uma loja sita no mercado referido em 1) - (C); 4) Entregando ao R. o montante de 3.000$00, que após várias alterações, foi alterado para 7.600$00 - (D); 5) A loja referida em 3) destinava-se ao comércio de peixe, era mobilada com balcão e duas câmaras frigoríficas (uma para peixe congelado e outra para peixe fresco) e o A. aí instalou um estabelecimento comercial de venda de peixe ao público - (E); 6) Posteriormente ao referido em 3), o A. requereu e obteve deferimento de concessão de duas bancas, uma destinada à venda de frutas e outra à venda de produtos hortícolas - (F); 7) O R. começou a emitir documentos idênticos aos que se encontram juntos aos autos a fls. 48 e ss., dos quais consta: “Câmara Municipal de … Praça do Município Guia de Receita Nome: B… Designação de Receitas: Mercados e Feiras Receitas Orçamentais: 11.647$00 Observações Renda da loja int. e 2 bancas do mercado, mês de Abril (…)” - (G); 8) No ano de 2003, o R. deu início à execução de obras de requalificação do referido mercado, tendo sido demolida a construção onde estava instalado o mercado e procedeu à reconstrução de um novo edifício, no mesmo local, destinado a comércio municipal - (H); 9) O prazo inicialmente previsto para a conclusão das obras era de seis meses - (I); 10) Em 16-12-2005, o R. enviou ao A. o ofício n.º 305/CJ/05, através do qual lhe comunicou que, no concurso para atribuição da loja de comércio de frutas e produtos hortícolas lhe havia sido adjudicada a loja nº 8, sita no novo mercado municipal, pelo valor de € 620,00, devendo proceder ao pagamento do respectivo preço de licitação no prazo de cinco dias (cfr. fls. 84 e ss.) - (J); 11) O A. não ocupou a loja referida em 10 - (L); 12) O A., por carta de 20-12-2005, respondeu ao R, comunicando-lhe, além do mais, que: “pretende, por um lado, ser dispensado do pagamento dessa quantia, porquanto a mesma poderá ser compensada ou entrar em acerto de contas finais com os créditos de que ele é titular sobre essa (…) Câmara Municipal e emergentes da indemnização a que se julga com direito para ressarcir os prejuízos por ele sofridos (…) Acresce que o requerente B… pretende reduzir a escrito o velho contrato de arrendamento para comércio de frutas e produtos hortícolas que tinha celebrado com a Câmara Municipal (…) contrato esse que foi tão só suspenso para possibilitar à Câmara Municipal a execução coerciva de todas as obras de reabilitação do velho mercado municipal (…)” (v. doc. de fls. 33) - (M); 13) O A. requereu à Câmara Municipal de … que lhe fosse concedida licença para a ocupação de duas bancas do mercado para venda de frutas e hortaliças, o que lhe foi deferido (v. doc. 4 e 5 juntos à contestação) - (N); 14) Em 24-10-2000, o A. requereu à Câmara Municipal de … que “se digne mandar passar o aluguer da peixaria que tem no mercado municipal para o nome da sua filha D… (v. doc. n.º 6 junto à contestação) - (O); 15) Tendo a Câmara respondido por carta de 27-11-2000, além do mais, que: “deverá indicar discriminadamente as razões/motivos que o levaram a abandonar a actividade, devendo, ainda, juntar o nome do interessado na concessão e respectivos documentos de identificação do mesmo (…)” (v. doc. n.º 7 junto com a contestação) - (P); Resultantes das respostas dadas à base instrutória: 16) O A. destinava a loja referida em 3) à venda ao público de peixe entre terça e sexta-feira - (1º); 17) O referido em 6) ocorreu no início de 1983 - (2º); 18) As bancas referidas em 6) tinham, pelo menos, cerca de três metros de comprimento, cada - (3º); 19) As duas bancas situavam-se no interior do antigo edifício do mercado referido em 1) - (6º); 20) Pelo menos a partir de Dezembro de 2000, os serviços da Câmara Municipal de … passaram a emitir um documento como os de fls. 36, 48 a 50, intitulado guia de receita, onde liquidou os valores referidos em 4) e os devidos pela utilização das duas bancas acima mencionadas - (7º); 21) Em 2003, devido à realização das obras mencionadas em 8), o autor foi obrigado a interromper a sua actividade de venda de peixe na loja mencionada em 3) - (8º/9º/14º); 22) Que se prolongaram por dois anos e meio - (10º); 23) Os serviços da Câmara Municipal de … acordaram com o A. que, após conclusão das obras mencionadas em 8), este poderia voltar a utilizar uma loja no mercado municipal para peixaria - (12/13º); 24) Após conclusão das obras mencionadas em 8), os serviços da Câmara Municipal de … entregaram ao A. a loja mencionada em 23) - (15º/31º); 25) Após, depois de solicitação do A., os serviços da Câmara Municipal de … acederam em colocar equipamento de frio na referida loja, o que efectuaram em data não apurada - (15º/31º); 26) Devido ao referido em 21) e porque o A. recusou a proposta dos serviços da Câmara Municipal de … de passar a vender peixe numa loja disponibilizada a custo dos mesmos serviços, o A. passou a vender peixe e fruta na via pública, numa carrinha, como vendedor ambulante - (16º); 27) Sujeito às intempéries climáticas, de grande intensidade, no Verão e no Inverno - (17º); 28) Foi no seguimento do concurso aberto em 20-07-1981, pelo Edital com o n.º 1/81, cuja cópia de fls. 72 e 73, que o A. deu início à utilização referida em 3) - (27º); 29) Apesar de o A. utilizar as duas bancas acima mencionadas como apoio à sua actividade, procedia à venda de fruta e produtos hortícolas na via pública, junto ao mercado municipal, numa carrinha - (28º / 29º); 30) Antes da realização das obras mencionadas em 8), os serviços da Câmara Municipal de … instalaram um frigorífico e uma câmara de frio no mercado municipal para uso de todos os comerciantes, a fim de lhes facilitar a manutenção e conservação dos produtos - (30º); 31) O R., na altura do início das obras referidas em 8) disponibilizou ao A. uma loja no lugar denominado de “…”, ficando por conta do Município todo os encargos inerentes - (32º) 32) Mas o A. recusou aquele realojamento e optou pela venda ambulante dos produtos do seu comércio, tendo solicitado permissão à Câmara Municipal para tanto - (33º); 33) O A. não ocupou a loja n.º 8 porque o R. recusou-se a entregar-lhe a chave sem que ele pagasse o valor da licitação de € 620,00 - (34º) 2. Como é sabido, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. Entre as matérias de conhecimento oficioso por parte do Tribunal de recurso inclui-se a excepção dilatória da incompetência absoluta em razão da matéria, que deve ser suscitada oficiosamente em qualquer estado do processo enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa, desde que não tenha sido conhecida expressamente no despacho saneador, na sentença ou em qualquer outro despacho autónomo e que tivesse feito caso julgado formal, e cuja consequência é a absolvição do R. da instância ou a remessa do processo ao tribunal em que a acção devia ser proposta, desde que o autor o requeira e as partes estejam de acordo - cfr. artºs 66º, 101º a 107º, 493º, nºs 1 e 2, 494º, al. a), 495º e 672º todos do Código de Processo Civil e, no apontado sentido, José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Vol. 2º, págs. 370 e 371, e acórdãos da RC de 25/01/2005, www.dgsi.pt., e de 29/01/2008, CJ, Tomo I/2008, pág. 21, e deste Tribunal de 8/7/2004 e de 6/5/2010, ambos em www.dgsi.pt. Tendo presentes os factos que foram dados como provados na 1ª Instância e bem assim os constantes do presente relatório, ouvidas que foram as partes, apreciemos então da excepção em apreço, em que importa averiguar se os tribunais comuns - no caso o Tribunal recorrido e este Tribunal - são, ou não, competentes em razão da matéria para apreciar o litígio dos autos, assente que se encontra que a questão não foi conhecida expressamente no processo e que o caso julgado formal da decisão proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, onde o A. instaurou anteriormente acção idêntica, não tem valor fora desse processo - citados artºs 106º e 672º. A competência dos tribunais em geral é a medida da sua jurisdição, o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional, que tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais - cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, págs. 88 e 89. Desta definição, podemos passar para uma classificação de competência, a qual em sentido abstracto ou quantitativo, será a medida da sua jurisdição, ou seja a fracção do poder jurisdicional que lhe é atribuída, ou a determinação das causas que lhe cabem; em sentido concreto ou qualitativo, será a susceptibilidade de exercício pelo tribunal da sua jurisdição para a apreciação de uma certa causa - cfr. Manuel de Andrade, obra e local citado, e Miguel Teixeira de Sousa, A Competência e Incompetência dos Tribunais Comuns, pág. 7. Dito de outro modo, a incompetência de um tribunal para conhecer de determinada acção é uma situação de nexo negativo que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência lhe não atribuírem a medida de jurisdição suficiente para o efeito. Assim, a incompetência será a «insusceptibilidade de um tribunal apreciar determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência não lhe concederem a medida da jurisdição suficiente para essa apreciação. Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a preterição do tribunal arbitral» - cfr Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, 128. Entre a incompetência absoluta figura a incompetência em razão da matéria, que, como se referiu, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa e constitui excepção dilatória, cuja consequência é a absolvição da instância ou a remessa ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta - artºs 101º, 102º, nº 1, 493º, nºs 1 e 2, e 494º, al. a), todos do Código de Processo Civil. A Constituição da República Portuguesa, estabelece que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” - artº 211º, nº 1 - e que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas ou fiscais” - artº 212º, nº 3. Segundo J.C. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina, 1998, pág. 16, este preceito constitucional, introduzido na revisão de 1989, e mantido, com diferente numeração, com a revisão constitucional operada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, explica-se historicamente pela intenção de consagrar a ordem judicial administrativa como uma jurisdição própria, ordinária, e não como uma jurisdição especial ou excepcional em face dos tribunais judiciais, na linha de alteração do artº 211º (actual 209º), que deixou de considerar os tribunais administrativos como tribunais facultativos. E Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição Anotada, 3ª ed., pág. 814, afirmam que os tribunais administrativos são agora os tribunais ordinários da justiça administrativa. Na senda destes princípios programáticos, também o legislador ordinário, nos artºs 66º do Código de Processo Civil e 18º nº 1, da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - LOFTJ), ainda aqui aplicável, porquanto a presente acção foi instaurada em 1/4/2009 e, nessa data, a Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto, apenas se aplicava, nos termos do seu artº 187º, nºs 1 a 3, às comarcas piloto referidas no nº 1 do artº 171º, nas quais se não inclui o Tribunal recorrido, estabeleceu que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. Como se afirma no Ac. deste Tribunal de 28/6/2005, www.dgsi.pt., “a competência material dos tribunais comuns é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual. Segundo o critério de atribuição positiva, pertencem à competência do tribunal comum todas as causas cujo objecto é uma situação jurídica regulada pelo direito privado, civil ou comercial. Segundo o critério da competência residual, incluem-se na competência dos tribunais comuns todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum tribunal judicial não comum ou a nenhum tribunal não judicial. Isto é: os tribunais judiciais são os tribunais com competência material residual e, no âmbito dos tribunais judiciais, são os tribunais comuns aqueles que possuem essa competência residual”. Constituem, pois, os tribunais judiciais a regra dentro da organização judiciária e, por isso, gozam de competência não discriminada (competência genérica), enquanto os restantes tribunais, constituindo excepção, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas. Será, portanto, através da consulta das disposições determinativas da competência dos tribunais administrativos - e da verificação do enquadramento ou não da situação em apreço no âmbito dessa competência - que se há-de concluir pela afirmação positiva da competência dos tribunais administrativos ou pela negativa competência residual dos tribunais comuns. À semelhança do que acontece quanto aos demais pressupostos, tem entendido a doutrina e a jurisprudência, que a competência do tribunal se afere, por regra, pelos termos em que a acção foi proposta e pelo pedido do autor (cfr., v.g., o Ac. STJ, CJ/STJ, 1997, I, 125), ou que a competência material depende do thema decidendum concatenado com a causa de pedir (acórdão deste Tribunal de 07/11/2000, CJ, Tomo V/2000, pág. 184). Está em causa, como referido, saber se está atribuída aos tribunais administrativos a competência para apreciar o litígio em causa nos autos e que o recorrente entende estar-lhes subtraída. O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19/2, na redacção emergente da Lei nº 107-D/2003, de 31/12, definindo genericamente a competência dos tribunais administrativos, acolhe e reproduz, no seu artº 1º, nº 1, a norma da Constituição da República Portuguesa (artº 212º, nº 3), declarando-os “os órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas”. Depois, o artº 4, em cujo nº 1 se insere a al. f), elenca a título exemplificativo vários tipos de litígios cujo objecto os insere na esfera de competência da justiça administrativa, do mesmo passo que, em seus nºs 2 e 3, exclui outros, tudo agora sem qualquer referência ao critério de definição de competências, adoptado pelo anterior ETAF (Dec. Lei nº 129/84) - artºs 3º, 4º e 51º -, a assentar em actos de gestão pública ou de gestão privada, ou a acções que tivessem por objecto questões de direito privado. Dispõe a citada alínea f), que compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação dos litígios que tenham nomeadamente por objecto «Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público». Como é afirmado no Ac. do STJ de 21/9/2010, www.dgsi.pt., constata-se, assim, que o critério em causa, de conteúdo material, entronca agora em conceitos como a relação jurídica administrativa e a função administrativa, havendo que deparar-se com uma relação jurídica em que um dos sujeitos, pelo menos, seja ente público (Administração, intervindo com poderes de autoridade, com vista à realização do interesse público), regulada por normas de direito administrativo. Isso mesmo também se retira do teor da alínea f) do nº 1 do artº 4º do ETAF. Segundo Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo”, 2ª Edição, págs. 101/102, são neste âmbito três as situações a distinguir: 1ª: A dos contratos de “objecto passível de acto administrativo” - que os mesmos autores referem serem aqueles “que determinem a produção de efeitos que também poderiam ser determinados através da prática, pela entidade pública contratante, de um acto administrativo unilateral” -, apresentando adiante como excluídos desse campo os casos em que esteja “apenas em causa a previsão da possibilidade do exercício de direitos meramente potestativos, passíveis de serem estipulados no âmbito de relações de natureza puramente privada. Com efeito, a mera estipulação, por exemplo, de um direito de rescisão sem outra referência que especifique que esse direito pode ser exercido por acto administrativo, não faz com que a entidade pública fique titular de um poder público, mas apenas de um direito potestativo, a exercer nos mesmos moldes em que o seria por um privado. Tem, pois, de ser expressamente assumida, de forma inequívoca, a atribuição ao contraente público do poder de praticar actos administrativos no âmbito da relação”. A propósito, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos - Volume I - Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados”, pág. 21, referem estarem aqui previstos como administrativos, por terem objecto “passível de acto administrativo”, os contratos “que (celebrados ao abrigo da autonomia pública contratual) versam sobre a produção de efeitos jurídicos que a lei previra serem atingidos mediante a prática de um acto administrativo, incluindo naturalmente aqui aqueles acordos pelos quais a Administração e o interessado põem fim a um procedimento administrativo já iniciado (ou que a Administração ameaça iniciar) substituindo o acto administrativo - a cuja prática aquele tendia - pelo concerto negociado do conteúdo da relação jurídica em causa”, autores que acrescentam, a fls. 48 e segs. que “a opção tomada nesta alínea f), que constitui a grande revolução do Código na matéria, traduziu-se na adição à jurisdição dos tribunais administrativos do conhecimento dos litígios relativos a contratos precedidos ou precedíveis de um procedimento administrativo de adjudicação, independentemente da qualidade das partes nele intervenientes - de intervir aí uma ou duas pessoas colectivas de direito público ou apenas particulares - e independentemente de, pela sua natureza e regime (ou seja, pela disciplina da própria relação contratual), eles serem contratos administrativos ou contratos de direito privado (civil, comercial, etc.). A segunda situação respeita a “contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo”, ou seja, os contratos administrativos típicos. A terceira situação é relativa a “contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público”. Ou seja, comum a todas as situações previstas no artº 4º, nº 1, al. f), do ETAF, é a indispensabilidade de intervenção nos contratos de uma entidade pública. Podemos assim concluir que os contratos cuja interpretação, validade ou execução pertence à jurisdição dos tribunais administrativos, nos termos da citada alínea e), são quaisquer contratos administrativos ou não - com excepção dos de natureza laboral, por força da alínea d) do artº 4º nº 3 do ETAF - que uma lei específica submeta, ou admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito administrativo. O que significa que para esses litígios contratuais ficarem sujeitos à jurisdição administrativa não é necessário que o respectivo contrato seja celebrado na sequência de uma pré-contratação administrativa, desde que haja uma lei que admita que sejam submetidos a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito administrativo. Perante o que se deixa exposto, apreciemos o caso dos autos. O A., sustentando a outorga de dois contratos de arrendamento urbano entre ele e o R., tendo por objecto uma loja destinada à venda de peixe e duas bancas destinadas à venda de frutas e produtos hortícolas, situadas no mercado municipal de …, pertencente ao R., alegou, para sustentar a sua pretensão indemnizatória, a privação de rendimentos decorrente da impossibilidade do exercício de tais actividades nos referidos espaços, por força das obras de remodelação do mercado onde os mesmos se situam e de outras actuações do R. Atentemos na matéria de facto provada e constante dos itens 3) a 6), 13), 17) a 19) e 28) da decisão recorrida: - Há cerca de 25 anos, o A. começou a utilizar, para fins comerciais, uma loja sita no mercado referido em 1); - Entregando ao R. o montante de 3.000$00, que após várias alterações, foi alterado para 7.600$00; - A loja referida (em 3) destinava-se ao comércio de peixe, era mobilada com balcão e duas câmaras frigoríficas (uma para peixe congelado e outra para peixe fresco) e o A. aí instalou um estabelecimento comercial de venda de peixe ao público; - Posteriormente ao referido no ponto 3), o A. requereu e obteve deferimento de concessão de duas bancas, uma destinada à venda de frutas e outra à venda de produtos hortícolas; - O A. requereu à Câmara Municipal de … que lhe fosse concedida licença para a ocupação de duas bancas do mercado para venda de frutas e hortaliças, o que lhe foi deferido (v. doc. 4 e 5 juntos à contestação), o que ocorreu no início de 1983; - As bancas referidas tinham, pelo menos, cerca de três metros de comprimento, cada; - As duas bancas situavam-se no interior do antigo edifício do mercado referido no ponto 1); - Foi no seguimento do concurso aberto em 20-07-1981, pelo Edital com o n.º ./81, cuja cópia de fls. 72 e 73, que o A. deu início à utilização da loja, referida no ponto 3. Importa, ainda, atentar em que o documento nº 5 junto com a contestação, a que se faz referência no ponto 13 da matéria de facto provada, consta de fls. 76, mostra-se datado de 15-12-1982 e tem o seguinte teor: “A Câmara, em reunião de 18/11, analisou o requerimento apresentado, tendo deliberado por unanimidade conceder duas bancas para venda de frutas e hortaliças, desde que ainda existam algumas vagas. Para tanto o Senhor B… deverá dirigir-se à Secretaria da Câmara a fim de legalizar a situação. (…).” O edital nº ./81, a que se faz referência no ponto 28, cuja cópia consta de fls. 72 e 73, mostra-se emitido pela Câmara Municipal do R., tem o seguinte teor, com interesse para a decisão: “E…, Presidente da Câmara Municipal do Concelho de …: Faz saber que, por deliberação tomada em sua reunião ordinária realizada no dia 16 do corrente mês, esta Câmara resolveu, de acordo com o art. 27º do Regulamento do Mercado Municipal, arrematar, em hasta pública, no próximo dia 30 de Julho, pelas 14,30 horas, o direito à ocupação pelo prazo de cinco anos dos seguintes lugares no Mercado Municipal de …: Lojas Exteriores Nºs. 1, 2, com 28 m2 de área. Nestas lojas pode efectuar-se a venda de quaisquer artigos mediante autorização prévia da Câmara, se se tratar de géneros que não sejam alimentícios. Base de licitação: 50.000$00 Taxa mensal de ocupação: 150$00/m2 ou fracção. Lojas Interiores N.º 1, com 20 m2 de área, destinada a talho. N.º 2, com 20 m2 de área, destinada a talho. N.º 3, com 20 m2 de área, destinada a peixaria. Base de licitação: 50.000$00 Taxa mensal de ocupação: 150$00/m2 ou fracção. (…). Em qualquer das licitações não são permitidos lanços inferiores a 1.000$00. A Câmara reserva-se o direito de não fazer a adjudicação se verificar que há conluio entre os licitantes ou quando o preço oferecido não lhe convier. O produto da arrematação, que é passível de imposto de selo do art. 15º, primeira parte, da Tabela Geral do Imposto de Selo (4%), será cobrado no acto da praça, salvo se o arrematante declarar que deseja efectuar o pagamento em prestações, devendo neste caso, satisfazer de imediato a importância correspondente a metade do valor oferecido e o restante a partir do mês seguinte, em seis prestações mensais seguidas, com vencimento no dia oito de cada mês. A falta de pagamento do preço total da arrematação, ou da sua primeira prestação, torna nula a adjudicação, cobrando-se coercivamente a segunda prestação vencida ou qualquer das que se seguirem juntamente com as que estiverem por vencer se o arrematante não a liquidar no prazo fixado no parágrafo anterior. Em caso se insolvência do arrematante, cessará para todos os efeitos a concessão a partir da data do julgamento em falhas. O arrematante é obrigado a iniciar a ocupação e a abertura do público da loja no prazo que a Câmara lhe determinar, sob pena de lhe ser anulada a concessão sem direito ao reembolso das importâncias já pagas. Findo o prazo da concessão cessará imediatamente e obrigatoriamente a ocupação, podendo a Câmara, se assim o julgar conveniente, proceder a nova praça, caso em que terá direito de preferência, em igualdade de licitação, o anterior concessionário. Nenhuma pessoa singular ou colectiva poderá ocupar ou explorar mais do que um lugar no mercado, ainda que seja por intermediário. Dado o interesse público desaconselhar a exclusividade de fornecimento, a loja interior n.º 1 e 2 não poderão ser ocupadas por quem fora do mercado venda carnes verdes em estabelecimento próprio. Os lugares do mercado só podem ser ocupados e explorados pela pessoa, singular ou colectiva, beneficiária da adjudicação, seus mandatários e empregados, e tratando-se de pessoa singular, pelo seu cônjuge ou descendentes. O ocupante de um lugar não pode exercer nele comércio de produtos diferentes daqueles a que o local se destina, nem dar-lhe uso diverso daquele que lhe foi concedido. É proibido ao ocupante transferir para outrem o lugar do mercado a título gratuito ou oneroso, total ou parcialmente, bem como conceder a sua posição contratual. (…)” Destes elementos de facto verifica-se que a utilização, pelo A., da loja e das bancas situadas no Mercado Municipal de …, decorre de decisão do órgão executivo do R., Câmara Municipal, de adjudicação precedida de hasta pública, quanto à primeira, e de concessão após requerimento formulado pelo A., quanto às segundas. Ambas as situações se mostram reguladas pelo regime jurídico aprovado pelo DL nº 340/82, de 25/08 (e anteriormente pelo DL nº 220/76, de 29/3, para o qual remete o Regulamento Municipal junto a fls. 65 e seguintes - artº 1º -, e que foi revogado pelo DL nº 340/82), que define alguns aspectos da ocupação e exploração dos mercados municipais, visando o “interesse público” da defesa do consumidor e de uma maior profissionalização e especialização do abastecimento, no âmbito da competência das autarquias locais de desenvolver e adaptar à sua própria realidade comandos genéricos, como se refere no preâmbulo do diploma em referência. Em tal diploma ressalva-se a competência da assembleia municipal na definição, em regulamento próprio, e sem prejuízo do disposto no mesmo, das condições gerais sanitárias dos mercados municipais, bem como as de efectiva ocupação dos locais nele existentes para exploração do comércio autorizado - cfr. artº 1º («Compete à assembleia municipal definir, em regulamento próprio e sem prejuízo do disposto no presente diploma, as condições gerais sanitárias dos mercados municipais, bem como as de efectiva ocupação dos locais neles existentes para exploração do comércio autorizado»). As duas situações em referência mostram-se, ainda, enquadradas pelo Regulamento do Mercado Municipal de …, nº 1/81, de 20-07-1981, a que se faz referência no edital acima mencionado, cujos termos constam de fls. 65 a 71 dos presentes autos. Importa ainda reter que a ocupação da loja destinada à venda de peixe se mostra, também, regulada pelos termos do edital supra aludido. Como pertinentemente se afirma na decisão recorrida, não obstante alguma similitude entre a atribuição de postos de venda nos mercados municipais (loja e bancas) com o contrato de locação (de que o contrato de arrendamento é uma espécie), aquela encontra-se sujeita a normas especiais, designadamente, as constantes do diploma e regulamento municipal mencionados, estando excluída do âmbito de aplicação do regime privatístico do contrato de arrendamento, incluindo o regime do arrendamento urbano. Na verdade, é no acervo normativo consagrado nos referidos DL e Regulamento que se contempla a atribuição e sujeição do direito de ocupação dos postos de venda ao pagamento do preço da respectiva arrematação e de uma taxa (artºs 2º, 4º, 5º e 9º do DL 340/82, de 25-08, 22º a 27º, 40º a 44º do regulamento municipal) e se define o modo de exercício do mesmo direito (artºs 3º a 8º do diploma e 3º a 7º, 12º a 21º, 26º a 33º do regulamento), direito de ocupação cuja cedência a terceiros tem que ser sempre autorizada pela respectiva câmara municipal, nas situações previstas no artº 5º do DL nº 340/82. Por outro lado, no artº 10º do referido diploma remete-se para despacho do Ministro da Administração Interna a resolução de dúvidas que se suscitem sobre a aplicação do regime nele consagrado. Tudo soluções jurídicas que se afastam do regime privatístico do arrendamento urbano, não permitindo a sua aplicação, e que conferem natureza jurídica administrativa à concessão e exercício do direito de ocupação de postos de venda em mercados municipais, independentemente de tal concessão derivar de um acordo de vontades ou de acto unilateral da administração, natureza jurídica essa que não é passível de ser afastada pela actuação do R. no sentido de denominar de rendas as taxas mensais devidas pela ocupação dos postos de venda, invocada pelo A. e demonstrada nos autos - cfr. itens 7) e 20) dos factos provados -, nem pelas cláusulas que constam do contrato junto a fls. 148 e 149, denominado contrato de arrendamento, sabido que os contratos não são definidos pelo nome que as partes lhes atribuem. Por outro lado, é inquestionável que um dos outorgantes, no caso o R., é um ente público. Daí que, por força do disposto no artº 4º, nº 1, al. f) do ETAF, não pode deixar de se concluir que os tribunais judiciais são incompetentes, em razão da matéria, para conhecer do objecto dos autos. Aliás, nos termos do artº 178º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo, constitui contrato administrativo o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa, e nos termos do seu nº 2, al. c), são contratos administrativos, designadamente, os contratos de concessão de serviços públicos, como sucede no caso dos autos (cfr. artºs 1º e 2º do DL nº 340/82). Constituindo consequência da verificação da excepção dilatória de incompetência da razão da matéria, a absolvição do R. da instância, na sequência da audição das partes a que se procedeu, requereu o A., ao abrigo do disposto no artº 105º, nº 2, do Código de Processo Civil, a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela. Nos termos desse preceito legal, se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que, estando as partes de acordo sobre o aproveitamento, o autor requeira a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ser proposta. Ora, o R., notificado que foi daquele requerimento do A., nenhuma oposição deduziu pelo que se defere o requerido ordenando-se a remessa àquele Tribunal. III - DECISÃO. Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, desta em julgar incompetente o foro judicial comum para conhecer do objecto presente acção, que é competência do foro administrativo mas, deferindo o requerido pelo A., ordenar a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela. * Custas pelo recorrente Autor.* Porto, 31/3/2011António do Amaral Ferreira Deolinda Maria Fazendas Borges Varão Evaristo José Freitas Vieira |