Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1347/09.6TBBGC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
CÔMPUTO DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP201402251347/09.6TBBGC.P1
Data do Acordão: 02/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O denominado dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral, devendo a situação ser apreciada casuisticamente, de modo a verificar se a lesão origina, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho.
II - Casos há em que, apesar da comprovada desvalorização do lesado no plano físico em consequência do acidente, se justifica que o dano correspondente seja ressarcido apenas no plano não patrimonial, por este não se repercutir, directa ou indirectamente, na sua situação profissional, tanto em termos de remuneração como de carreira.
III - Porém, se o lesado, em consequência de um acidente de viação, ficou afectado por uma IPP (incapacidade permanente parcial) de 26% que lhe permite exercer a actividade que tinha antes do acidente embora com esforços acrescidos, tal constitui dano de natureza patrimonial, nos termos do art. 564º, nº 2 do Cód. Civil, devendo a respectiva indemnização corresponder ao acrescido custo do trabalho que ele, por esse motivo, tem de suportar para exercer tal actividade laboral.
IV - O cálculo desta indemnização, a fim de se evitar um excessivo subjectivismo, deverá ser efectuado com base em tabelas normalmente utilizadas para o efeito, recorrendo-se à equidade como factor de correcção e adequação às circunstâncias específicas do caso concreto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1347/09.6 TBBGC.P1
Tribunal Judicial de Bragança – 2º Juízo
Apelação
Recorrentes: B… e Gabinete Português da Carta Verde
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Pinto dos Santos

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
O autor B…, residente na Rua …, nº …., …, Amarante, instaurou a presente acção declarativa condenatória emergente de acidente de viação contra os réus Gabinete Português de Carta Verde, com sede na Rua …, .., Lisboa e C… S.A, Companhia de Seguros, com sede no …, .., Lisboa.
Pediu a condenação solidária dos réus na proporção da responsabilidade que lhes couber relativamente à quantia de 353.576,18€ acrescida de juros moratórios legais desde a citação até integral pagamento e ainda no montante de danos de natureza patrimonial e não patrimonial que se vierem a liquidar em execução de sentença relativamente ao acompanhamento médico, consultas, perdas de tempo e despesas.
Contestou o réu Gabinete Português de Carta Verde, alegando que lhe pagou a quantia de 12.629,37€ de indemnização, tendo ainda impugnado os relatórios médicos quanto aos períodos de incapacidade arbitrados a título de IPP e rebate profissional. Alegou também que o acidente é de trabalho e impugnou a necessidade de terceira pessoa e a cessação da exploração do estabelecimento que sustenta o pedido indemnizatório.
Contestou igualmente a ré seguradora, alegando que o causador do acidente não foi o BX mas sim o DPB, porque este efectuou uma manobra de ultrapassagem sem o poder fazer vindo a colidir com o veículo seu segurado na faixa de rodagem que lhe estava destinado atento o seu sentido de marcha - Bragança/Vila Real. Em consequência desta manobra e do embate entre o veículo DPB e o BX este despista-se e vem a embater no veículo conduzido pelo autor. Já no que concerne aos danos impugnou-os por desconhecimento.
Procedeu-se à realização da audiência preliminar onde se saneou o processo, se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória.
Efectuou-se depois, com observância do legal formalismo, audiência de julgamento, tendo-se respondido, sem reclamações, à matéria da base instrutória através do despacho de fls. 686 e segs.
Seguidamente proferiu-se sentença que:
1- Absolveu a ré “C… Companhia de Seguros S.A.”;
2- Condenou o réu Gabinete Português de Carta Verde a pagar ao autor:
a) A título de indemnização por danos de natureza patrimonial a quantia de 21.668,81€, relativamente à qual haverá que descontar o já pago pelo réu nesta sede;
b) A título de danos de natureza não patrimonial a quantia de 60.000,00€;
c) E ainda no montante de danos de natureza patrimonial e não patrimonial que se vierem a liquidar em execução de sentença, relativamente ao acompanhamento médico, consultas, perdas de tempo e despesas que se verificarem para além das mencionadas nos autos até ao momento.
d) Os juros de mora desde a condenação até integral pagamento.
Inconformado com o decidido, interpôs recurso o autor que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
I (Âmbito do recurso)
O presente recurso vem interposto da aliás douta decisão do Tribunal de Bragança que:
c) Não atribuiu ao A. qualquer indemnização, por danos patrimoniais, relativa à Incapacidade Parcial Permanente Geral, ou desvalorização, de 26%, atribuída nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil, provado que está que para desempenhar a sua profissão o A. necessita de despender esforços acrescidos;
d) Fixa juros moratórios apenas a partir da prolação da sentença e não desde a citação.
II – Quanto à primeira das discordâncias, observa-se por um lado que o meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” considera que não há para o A., em consequência da sua incapacidade, perda de rendimentos efetivos [para o A].
III – Porém, se bem atentarmos na prova e na resposta ao quesito 71 verificamos que se deu por provado que por não poder acompanhar e gerir pessoalmente o seu estabelecimento comercial, em consequência das incapacidades que sofreu com o acidente, o A. cessou a sua exploração desde 31.3.2008.
IV – Estabelecimento esse em que o A. vinha obtendo proventos de que obviamente passou desde então deixou de auferir. [sic]
V – Por outro lado, na fundamentação da resposta aos quesitos, ouvida a prova, o Mº Juiz apreciou que o A. deixou também de efetuar o trabalho que antes vinha fazendo, consistente na distribuição de peças automóveis pelo nordeste transmontano, por conta própria, e passou a trabalhar como fiel de armazém passando, na sua nova atividade, a auferir apenas o salário mínimo nacional de 498€.
VI – Daqui se alcança, pois, sem grande esforço que de um rendimento mensal global de cerca de 2.000€ auferidos globalmente em virtude das suas atividades de titular de um estabelecimento comercial e do trabalho de distribuição de peças automóveis o A. passou a auferir exclusivamente aquele salário mínimo, ainda que catorze vezes ao ano.
VII – E daí resulta, com mediana clareza uma perda efetiva de rendimentos mensais na ordem dos 1.500€ que é o diferencial entre aqueles 2000€ mensais e os cerca de 500€ agora exclusivamente auferidos como fiel de armazém.
VIII – É também o que resulta do IRS apresentado pelo A. nos anos subsequentes ao acidente (anos 2009 a 2012).
IX – O Mmº Juiz não ponderou, analisou ou colocou, sequer em equação esta perda real e efetiva de rendimentos do Autor e ao não atribuir qualquer montante violou o disposto no artigo 564-1 do Código Civil.
X – Perda essa que a ser tida em conta gera uma perda real de rendimentos para o A., a reclamar de uma indemnização global a este nível, que a esgotar-se no fim da vida ativa não deveria ser inferior a 250.000€,
XI – Mas mesmo que assim se não entendesse sempre o Autor deverá ser indemnizado pelos esforços acrescidos no desempenho da sua profissão, em conformidade com a melhor interpretação legal, com a melhor justiça e com a esmagadora maioria da nossa jurisprudência, nomeadamente a mais recente.
XII – Com efeito, ora vem suficientemente provado nos autos que o A. sofreu extensas e graves lesões com diversíssimas intervenções cirúrgicas, com fraturas graves e múltiplas ao nível dos membros superiores e inferiores que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais, as quais determinaram uma incapacidade permanente geral de 26%, as quais lhe determinaram esforços acrescidos no exercício da sua profissão; que o A. nasceu em 2.8.1970, tendo, portanto, 36 à altura do acidente.
XIII – É expectável que o A. trabalhasse, pelo menos, até aos setenta anos de idade. E que pudesse viver até cerca dos 80 anos (esperança de vida), altura em que o dano biológico se mantém.
XIV – Ficou ainda provado que auferia rendimentos de 2.000€ mensais à altura do acidente (quesitos 62 e 63) e que a culpa exclusiva na produção do acidente pertenceu ao «Segurado» na R., mostrando-se claro que o A. em nada para ele contribuiu e que, pelo contrário, nada pôde fazer para o evitar.
XV – Pelo que, atenta a idade do A., a incapacidade permanente geral com graves e extensas sequelas funcionais, a possibilidade de se manter ativo até pelo menos aos setenta anos, de poder viver até aos 80, a de receber a entrega do capital por uma só vez (fatores a que a jurisprudência tem lançado mão na fixação equitativa da indemnização) o A. deve ser indemnizado a este título em montante não inferior a 125.000€.
XVI – De facto, o Acórdão do STJ, já citado de 21.3.2013 nº 565/10.9 6ª secção, fixou para um indivíduo de 48 anos, com um salário anual de 17.575€ e uma incapacidade parcial permanente de 15% (com esforços acrescidos) a indemnização a esse nível de 60.000€.
XVII – Comparativamente com o caso em apreço constata-se que o Autor, ora recorrente é mais novo 12 anos; auferia um salário anual superior (cerca de 24.000€) e ficou a padecer de uma incapacidade de quase o dobro do caso em apreço. Três fatores, portanto, a valorar cada um de “per se”, ou seja, constituindo uma majoração a avaliar e sopesar globalmente.
XVIII – Ao não fixar qualquer montante indemnizatório a título patrimonial fez o Mº Juiz menos correta interpretação do disposto nos artigos 564 -1-2, 483º, nºs 1 e 3, 562º, 563º, 566º, nºs 1, 2 e 3 todos do Código Civil.
XIX – (Dos juros)
A segunda discordância prende-se com a questão de saber a partir de que altura são devidos os juros moratórios.
XX – Na verdade, verifica-se que o Mmº Juiz considerou a fixação da indemnização atualizada à data da prolação da sentença, sendo fácil verificar – pelo menos relativamente aos danos patrimoniais – que assim não é, pois que ao fixar o preço do km do gasóleo em 1€, reporta-se, explicitamente ao preço da gasolina ou do gasóleo de 2007 (sic). E para fixar os valores de ITA e ITP recorre exclusivamente aos valores auferidos pelo A. à altura do acidente.
XXI – Da mesma forma, na determinação do salário auferido pela ajuda de terceira pessoa remete para o salário mínimo da altura do acidente, fazendo referência expressa ao «DL 2/2007 que (o) fixou em €403,00/mês».
XXII – O mesmo se diga no que concerne ao valor de 893,84€ que o A. gastou com terceiros em medicamentos e transportes por causa do acidente, sendo evidente que esse montante, provado documentalmente, corresponde, sem qualquer atualização, a valores de 2007 e 2008.
XXIV – O Julgador teve, pois, em conta os valores e preços da altura dos factos, os quais têm todos mais de cinco anos, sem que os tenha atualizado, sendo certo que os mesmos só ficariam atualizados se tivesse recorrido aos valores e preços mais próximos da sentença, eliminando o desfasamento temporal de cerca de 5 anos.
XXV – Socorrer-se de valores daquela altura, sem a devida atualização equivale a dizer que tais valores estão desatualizados. E não basta afirmar a atualização se utilizarem critérios que o infirmem, como é o caso dos autos.
XXVI – Aliás, salvo o devido respeito, tal decisão é mesmo contrária à letra e espírito do invocado Acórdão, pelo que deveria o Mº Juiz condenar em juros desde a citação até integral pagamento.
XXVII – Não o fazendo, violou o disposto nos artigos 805º e 806º do Código Civil.
Pretende pois que a sentença recorrida seja parcialmente revogada e o réu Gabinete Português da Carta Verde condenado, para além do já fixado, na quantia de 250.000€ por danos patrimoniais efetivos ou, se assim não se entender, no montante de 120.000€ pela incapacidade parcial permanente de 26%, com esforços acrescidos e ainda em juros moratórios legais desde a citação até integral pagamento sobre todos os montantes fixados.
O réu Gabinete Português da Carta Verde veio, por seu turno, interpor recurso subordinado da sentença proferida pela 1ª Instância, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Os presentes autos fundam-se na responsabilidade civil do Gabinete Recorrente emergente de acidente de viação.
2. Entende o ora recorrente que o Meritíssimo Tribunal “a quo” não procedeu a uma correcta fixação dos montantes indemnizatórios para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo A.
3. Entende o recorrente que, no momento da quantificação dos danos e atribuição dos respectivos montantes indemnizatórios, o Meritíssimo Tribunal “a quo” aplicou critérios e quantias demasiado elevados, desproporcionados e severos que não correspondem, salvo o devido respeito, nem aos factos assentes, nem a critérios equitativos, reais e objectivos.
4. Tendo em consideração a culpa e a factualidade dada como provada, com especial relevo para a penosidade dos tratamentos médicos a que se submeteu o A., todos os incómodos das deslocações para hospitais e fisioterapia, as lesões sofridas e dores associadas, e ainda a IPG de 26% que ficou a padecer em consequência das lesões sofridas por causa do evento, atendendo ainda à idade do lesado, e sua situação profissional e sócio económica, a douta sentença proferida em 1ª instância entendeu fixar-lhe, a título de indemnização por danos não patrimoniais, o montante indemnizatório no valor de Euro 60.000,00.
5. Ora, o Gabinete R. não questiona a ressarcibilidade dos danos que resultaram provados mas, contudo, não se pode conformar com o valor compensatório a este título arbitrado, e que se afigura excessivo face aos critérios jurisprudenciais mais recentes.
6. Atendendo à factualidade considerada provada e relevante para a apreciação e fixação quantitativa do dano não patrimonial sofrido pelo A. afigura-se-nos justo, adequado e suficiente a fixação compensação por danos não patrimoniais, e merecedores de tutela jurídica, em montante nunca superior a Euro 25.000,00.
7. A douta sentença proferida deverá, pois, ser revogada nos termos supra expendidos, na medida em que incorreu em verdadeira violação do disposto nos arts. 483º, 494º, 496º, 562º, 563º e 566º do Cód. Civil.
O autor, quanto ao recurso subordinado, apresentou contra-alegações.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito dos recursos, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que neles foram apresentadas e que atrás se transcreveram.
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As questões a decidir são as seguintes:
1. Apurar se há que atribuir ao autor indemnização por dano patrimonial futuro em virtude de, como consequência do acidente, ter ficado com uma IPP (Incapacidade Permanente Parcial) de 26%;
2. Apurar se deve ser reduzida a importância (60.000,00€) atribuída pela 1ª Instância a título de indemnização por danos não patrimoniais;
3. Apurar se, relativamente à indemnização pelos danos de natureza patrimonial considerados na sentença recorrida, os juros devem ser contados a partir da condenação ou da citação.
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OS FACTOS
É a seguinte a matéria de facto dada como provada pela 1ª Instância:
1- No dia 16 de Fevereiro de 2007, cerca das 16h e 30 m, no Itinerário Principal 4, abreviadamente designado e mais conhecido por IP4, ao Km 201,9, nas proximidades da cidade de Bragança, ocorreu um embate, que envolveu os veículos automóveis de matrícula ….DPB e ..-BX-.. e o ..-BQ-... (A)
2- No local do acidente aquele IP 4 configura uma recta, ali composta por três faixas de rodagem, sendo que as duas faixas de rodagem da direita, atento o sentido Vila Real/Bragança, e destinadas ao trânsito que circula nesse sentido, são divididas entre si por linha longitudinal descontínua. (B).
3- O autor conduzia o veículo automóvel, de matrícula ..-BQ-.., no sentido Vila Real/Bragança, pela faixa que se desenha mais à direita. (C).
4- Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em A), o veículo BX circulava no sentido de marcha Vila Real-Bragança, pela fila de trânsito afecta ao seu sentido de marcha, situada mais à direita da via, atento aquele sentido, imprimindo ao veículo velocidade de cerca de 60/70 km/h, devido à chuva que caía e ao piso que se encontrava molhado. (D).
5- Imediatamente atrás do BX, e conforme descrito em C), circulava o BQ. (E).
6- Segundos antes do embate, o veículo do autor foi ultrapassado pelo veículo automóvel de matrícula ..-BX-.., na circunstância propriedade e conduzido por D…. (F).
7- O qual utilizou a hemi-faixa de rodagem à sua esquerda (a do meio relativamente às três existentes). (G).
8- Em sentido contrário (Bragança/Vila Real) circulava o veículo de matrícula ….DPB, na circunstância propriedade de E… e conduzido por F…. (H).
9- O qual procedia, também, à manobra de ultrapassagem. (I).
10- Transpondo a linha longitudinal e invadindo a hemi-faixa de rodagem do meio, por onde circulava o..-BX-... (J).
11- Ocorrendo o embate entre aqueles dois respectivos veículos. (K)
12- Nas circunstâncias descritas em A) o piso encontrava-se molhado porque chovia. (L).
13- A responsabilidade civil estradal do veículo ….DPB estava transferida para a Companhia de Seguros Espanhola G…, pela apólice …………. (M).
14- Veículo esse que se encontrava registado e tinha estacionamento habitual em Espanha. (N).
15- A responsabilidade civil estradal pelos acidentes ocorridos com o veículo de matrícula ..-BX-.. estava transferida para a segunda ré, pela apólice ………. (O).
16- Após alta hospitalar, o Autor iniciou tratamentos diversos, uma vez que a Seguradora G… não tinha ainda assumido a responsabilidade no sinistro que teve que averiguar. (P).
17- O autor nasceu em 02/08/1970. (Q).
18- O Autor recebeu do Centro Regional de Segurança Social, a título de baixa por doença, a quantia de €1.713,10. (R).
19- E, pelo menos, recebeu do réu Gabinete, por conta da indemnização a que viesse a ter direito, a quantia de €12.629,37. (S).
20- Em 27/10/2008, os serviços clínicos do R. atestaram a alta médica do autor, tendo-lhe sido atribuído os seguintes valores de avaliação do dano corporal:
JJ IPP = 24 PONTOS
JJ QD – 6
DE – 5
ITA – 16/02/07 a 15/09/08
ITP – 50% de 16/09/08 a 27/10/08 (T).
21- As faixas de rodagem id. em B) apresentam, ambas, cerca de 6,2 metros de largura, fora a berma. (U).
22- A faixa de rodagem oposta (e destinada ao trânsito Bragança/Vila Real) tem cerca de 4 metros de largura e é delimitada por linha mista. (V).
23- O autor circulava, nas circunstâncias descritas em C, imprimindo ao veículo a velocidade de cerca de 70 Km/h). (X).
24- Nas circunstâncias descritas em G), o veículo de matrícula ….DPB, conduzido por F…, procedeu à ultrapassagem de um outro veículo automóvel. (Z).
25- Transpondo a linha longitudinal mista. (AA).
26- Ocorrendo o embate frontal entre o ….DPB e o BX. (AB).
27- O local do embate situa-se numa das faixas afectas ao trânsito no sentido Vila Real – Bragança. (AC).
28- Na sequência do embate, em AB) e AC) o BX entrou em despiste e percorreu, desgovernado, a faixa de rodagem central. (AD).
29- Invadindo a faixa de rodagem por onde circulava o autor. (AE)
30- E com o qual colidiu, projectando-o para a sua direita (atento sentido Vila Real/Bragança). (AF).
31- Todos os veículos ficaram imobilizados, após o embate, nas faixas de rodagem que se destina[m] ao trânsito Vila Real/Bragança, sendo que o conduzido pelo Autor se imobilizou, na berma, contra os rails de protecção que delimitam, pela direita (sentido Vila Real/Bragança) aquele IP4. (AG).
32- O R. Gabinete já pagou a título de transportes as seguintes quantias, liquidadas directamente às entidades em causa:
04/04/2007- 124,60 transportes
19/03 a 04/06/2007 856,36 transp. BV de …
23/04/2008 23,00 transportes
30/03/2008 29,70 transportes
20/06/2008 59,70 transportes
05/06/2008 63,42 transportes
26/03/2008 53,43 transportes
09/04/2008 65,03 transportes
02/04/2008 73,03 transportes
30/04/2008 81,03 transportes
08/05 a 04/06/2008 834,48 transportes
13/08/2007 60,00 transportes
TOTAL 2.353,78 Transportes. (AH).
33- Em sentido contrário ao dos veículos BQ e BX, ou seja, no sentido Bragança/Vila Real, circulavam vários veículos em marcha moderada, de cerca 40/50 Km/h, à frente dos quais circulava um veículo automóvel pesado de transporte de passageiros (um autocarro).
34- O referido autocarro, que até à data não foi possível identificar, circulava àquela velocidade especialmente moderada, de cerca 50 km/h, já que no local e atento o seu sentido de marcha, a via tem uma ligeira inclinação descendente e o piso estava molhado e escorregadio, o que impunha aos condutores um particular cuidado na condução e contenção na velocidade que imprimiam aos veículos.
35- A certa altura, o veículo automóvel que circulava imediatamente atrás e no sentido de marcha do autocarro, conduzido pela testemunha H… identificada no auto da GNR, iniciou a ultrapassagem deste veículo.
36- Para o que passou a circular temporariamente pela meia faixa afecta ao sentido de marcha contrário, mais próxima da linha longitudinal contínua.
37- Acontece que, quando este veículo já tinha iniciado a ultrapassagem do autocarro, o condutor do DPB inicia uma manobra de ultrapassagem aos veículos que circulavam à sua frente na via, incluindo o autocarro e o veículo que já iniciara a ultrapassagem deste.
38- O condutor do DPM actuou conforme perguntado em 17º), com a marcha lenta dos veículos que seguiam à sua frente e atrás do autocarro, decidindo ultrapassá-los.
39- Ao aperceber-se que um veículo que seguia no seu sentido de marcha e à frente na via ocupava a meia faixa afecta ao sentido de marcha oposto mais próxima do eixo da via, no decurso da ultrapassagem ao autocarro, o condutor do veículo DPM decide ultrapassar o veículo que ultrapassava o autocarro.
40- Para o que imprimiu maior velocidade ao seu veículo.
41- Quando no IP4 a velocidade máxima permitida é de 90 Km/h.
42- E passou a circular temporariamente pela fila de trânsito mais à esquerda da via, atento o seu sentido de marcha, e afecta ao trânsito de veículos em sentido oposto, ou seja, Vila Real/Bragança.
43- Por onde circulava o BX e, imediatamente atrás deste, o BQ, conduzido pelo autor.
44- O condutor do DPB em plena ultrapassagem embateu com a parte lateral do seu veículo na parte lateral e frontal do mesmo lado do BX.
45- Com o embate, o condutor do BX perdeu o controle da marcha do veículo no piso molhado.
46- E, despistando-se, rodopiou sobre si.
47- Indo embater no BQ, em plena fila de trânsito direita, atento o sentido Vila Real/Bragança.
48- Em consequência do supra aludido embate, sofreu o autor:
a) Fractura exposta cominutiva supra e intercondiliana do úmero esquerdo.
b) Ferida perfurante na face postero-externa do terceiro distal da coxa esquerda, e fractura a este nível do fémur esquerdo.
c) Fractura segmentar de ossos da perna esquerda.
d) Feridas perfurantes a nível do joelho direito com fractura cominutiva da rótula e dos pratos tibiais.
e) Fractura cominutiva do pilão tibial direito.
f) Fractura bimaleolar direita.
g) Fractura das apófises transversas lombares à direita.
h) Hemoperitoneu.
i) Laceração esplénica.
j) contusão hepática.
k) hematoma retroperitonial.
48*[1] - Socorrido no Hospital de Bragança, o autor foi, no mesmo dia, e com carácter de urgência, sujeito a:
a) lavagem e desinfecção das feridas.
b) imobilização das fracturas com talas gessadas.
c) análise de bioquímica.
d) análise hematológica.
e) oito incidências radiográficas.
f) seis TAC.
49- O autor foi ainda sujeito, naquele mesmo dia, a intervenção cirúrgica para:
a) esplenectomia total.
b) laparatomia exploradora.
c) redução fechada do úmero, sem fixação interna.
50- Em 17-02-2007, o Autor foi transferido do Hospital de Bragança, para o Hospital Geral de Santo António onde realizou as diversas osteossinteses.
51- Ali foi feito encavilhamento do fémur esquerdo, com vareta estática SCN retrógrada, e encavilhamento da tíbia esquerda com vareta estática SCN.
52- Ali foi também realizada patelectomia (perda da rótula) parcial do pólo inferior da rótula e inserção do tendão rotuliano, com duas âncoras.
53- Ali foi também submetido:
- a redução aberta do úmero distal com osteosíntese com dois parafusos canulados e osteotaxia com fixador externo orthofix.
- redução fechada do pilão tibial direito e osteotaxcia com fixador externo AO.
54- Em 4-3-2007 fez remoção do fixador externo do cotovelo e em 6-3-2007 removeu fixador externo do tornozelo.
55- Em 6-3-2007 foi removido ao Autor o fixador externo do tornozelo e foi realizada redução aberta do pilão tibial direito com placa de May.
56- Em 20-3-2007 foi removido ao autor material de osteossíntese do cotovelo e foi submetido a osteossíntese com placas LPC.
57- Aquando do internamento hospitalar, o Autor esteve em coma induzido por mais de oito dias.
58- Após alta do hospital, o autor iniciou tratamentos por diligência sua, por causa do facto descrito em P).
59- Após alta, o Autor buscou apoio e frequentou as consultas médicas no Centro de Saúde de Amarante em 18 de Abril, 15 de Maio, 13 de Junho, 16 de Julho, 24 de Julho e 22 de Agosto, todas de 2007.
60- Sendo certo que, em cada deslocação, percorria cerca de 25 Km na ida e volta.
61- E, bem assim, frequentou as consultas do Hospital de Santo António em 29 de Agosto, 27 de Setembro e 1 de Outubro de 2007.
62- E esteve presente em exame médico no Centro Regional da Segurança Social no Porto, em 15 de Junho de 2007.
63- Já por conta e ordem da Ré e a sua representante G…, o Autor deslocou-se de Amarante ao Porto, a consultas de várias especialidades na I… em 2 de Agosto, 7 e 21 de Setembro, 9 de Outubro, 7 e 23 de Novembro e 21 de Dezembro de 2007 e 8 de Fevereiro, 5 e 26 de Março, 2 de Abril, 5 de Junho, 10 de Julho, 19 de Agosto, 8 de Setembro e 27 de Outubro de 2008.
64- Por conta e ordem da mesma Seguradora, o Autor foi sujeito a 101 sessões de fisioterapia na J… e no Centro de Reabilitação K…, em Amarante, em dias diferentes, balizados entre 8 de Junho e 20 de Dezembro de 2007.
65- O Autor esteve sem poder trabalhar (Incapacidade Absoluta) desde o acidente e por via dele até 15-09-2008 e com ITP de 50% até 27-10-2008.
66- Em consequência dos ferimentos sofridos no acidente, o Autor ficou afectado com as seguintes sequelas:
Rigidez no cotovelo esquerdo com arco de mobilidade restrito entre 85 e 95 graus.
Rigidez do tornozelo direito com flexão dorsal 0º e flexão plantar de 10.
Atrofia de 2 cm da coxa esquerda.
Gonalgia direita com dismorfia e arco de mobilidades de 0 a 95 graus.
Com discreta lexidez anterior do joelho direito.
Cicatrizes dos joelhos, parede abdominal, coxa e cotovelos esquerdos.
Esplenectomia.
Sinais de artrose grau dois fémur tibial direita e artrose grave patelo femural omolateral.
Sinais de artrose da articulação tibiotárcica direita.
Sinais de consolidação de outras fracturas.
67- O A. apresenta sintomatologia compatível com síndrome pós emocional conforme descrito na TNI II, código Na O6O1 valorizável em 2 pontos; [a), b) e c) provado que (sic)]: O A. ficou afectado: De ITA desde a data do acidente até 15/9/2008; ITGT de 17/4/2007; ITGT de 18/4/2007 a 27/10/2008; ITPT de 17/2/2007 a 15/9/2008 e, em 26% de IPP, podendo exercer a actividade que exercia anteriormente ao acidente mas com esforços acrescidos.
68- Dispondo de viatura automóvel para proceder a essa distribuição por várias localidades do país.
69- Além da actividade perguntada em 58º), o autor geria e explorava um estabelecimento comercial de café e restauração em Aboim.
70- No qual permanecia também ao balcão sempre que tinha tempo disponível, todos os dias, depois das 19/20 horas até ao seu encerramento.
71- Anteriormente ao acidente o A. nas suas duas actividades, de distribuidor de peças de automóvel e de exploração auferia em média € 2.000,00 mensalmente.
72- À altura do acidente, o autor tinha, com os aludidos rendimentos, de prover à alimentação, vestuário, despesas de saúde, seguros, manutenção, revisão e vistoria de veículos automóveis e demais despesas correntes do seu agregado familiar composto por si próprio, esposa e filha menor, bem como da água, luz, rendas do estabelecimento, contribuições e impostos.
73- E, bem assim, tinha de pagar:
a) Prestação de máquina agrícola, no valor de € 364,54 mensais.
b) Crédito pessoal, no valor de € 178,96 mensais.
c) Crédito à habitação, no valor de € 400,00 mensais.
d) Segundo crédito à habitação, no valor de € 66,08 mensais.
74- A IPP perguntada em 55º) traduz-se também em cansaço fácil e prematuro, dificuldade em permanecer sentado muito tempo, em correr, em andar, em pegar em pesos, em trabalhar algumas horas consecutivas e bem assim dificuldade em descansar por dificuldade no sono, irritabilidade, zanga, frustração, ansiedade, sentimento de rejeição.
75-O autor sofreu ainda:
a) Aflição e o horror do embate e do desencarceramento.
b) Dores, a ansiedade, o medo pelos enormes sofrimentos dos ferimentos sabendo que tinha a vida em risco e iminência da morte.
c) Dores, o sofrimento pelo seu internamento, seus tratamentos com múltiplas intervenções cirúrgicas, e bem assim, do longo tempo de recuperação possível.
d) Sofrimento, o medo por se saber limitado nas suas múltiplas situações profissionais, familiares e como indivíduo, o que o fez temer pelo futuro.
e) Perda de órgão importante (baço).
f) Perda de rendimentos com que fazia face aos compromissos que havia assumido que deixou de poder cumprir.
g) Ameaça e a vergonha de processos judiciais com penhora de bens pessoais por parte dos credores, o que tudo lhe causou e causa angústia e medo.
h) Incerteza relativamente à sua vida futura que se encontrava à altura do acidente estável, próspera e harmónica.
76- O autor viu estragarem-se e inutilizarem-se na altura do acidente, calças, camisas, sapatos, no valor de € 150,00.
77- Durante algum tempo teve de se socorrer de terceira pessoa.
78- Vindo, no entanto, a cessar a sua exploração, definitivamente por não o poder acompanhar e gerir pessoalmente, em 31-03-2008.
79- Por outro lado, o autor necessitou dos cuidados de terceira pessoa (esposa) para o acompanhar a consultas, vestir, calçar, lavar durante pelo menos oito meses após o acidente.
80- Em transportes efectuados por terceiros (táxi, público), médicas e medicamentos despendeu o Autor a quantia de € 893,84.
81- Em deslocações em viatura própria a consultas médicas, exames e fisioterapia, o autor percorreu o total de não menos de 6.245 Km.
82- Dada a gravidade das lesões sofridas e bem assim das sequelas permanentes de que ficou afectado, o autor vai necessitar de acompanhamento e/ou vigilância médica acrescidas.
83- O que tudo implica novas despesas com deslocações a médicos, pagamentos de consultas e exames, com a consequente perda de tempo, de rendimentos e incómodos e aborrecimentos.
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O DIREITO
1. Decorre da matéria de facto que foi dada como assente pela 1ª Instância que o autor, em consequência das sequelas sofridas como resultado do acidente, ficou com 26% de IPP (Incapacidade Permanente Parcial), podendo, porém, exercer a actividade que exercia anteriormente ao acidente, embora com esforços acrescidos (nº 67).
Tal IPP traduz-se também em cansaço fácil e prematuro, dificuldade em permanecer sentado muito tempo, em correr, em andar, em pegar em pesos, em trabalhar algumas horas consecutivas e bem assim dificuldade em descansar por dificuldade no sono, irritabilidade, zanga, frustração, ansiedade, sentimento de rejeição (nº 74).
O Mmº Juiz “a quo”, considerando que o autor, apesar dos esforços acrescidos, continuou a trabalhar na empresa “A Sua Pressa”, não como distribuidor de peças, mas sim como fiel de armazém, trabalho igualmente exigente em termos de necessitar de força física para o tratamento e armazenamento dos materiais que continuam a ser peças de automóvel, entendeu não lhe atribuir qualquer indemnização fundada na referida IPP de 26%. Os sacrifícios e incómodos acrescidos no desenvolvimento da sua actividade terão, na sua perspectiva, a devida compensação em sede de indemnização por danos de natureza não patrimonial e dessa forma os valorizou.
Contra este entendimento se insurgiu o autor no seu recurso e, adianta-se, desde já, que com razão.
Movemo-nos, neste caso, no âmbito do que a jurisprudência e a doutrina têm apelidado de dano biológico ou fisiológico, que constitui, no fundo, um dano à saúde, violador da integridade física e do bem-estar físico, psíquico e social.
A jurisprudência, de forma maioritária, tem vindo a considerar este dano biológico como sendo de cariz patrimonial e, por isso, indemnizável nos termos do art. 564º, nº 2 do Cód. Civil.
Tem-se afirmado que a afectação da pessoa do ponto de vista funcional, porque determinante de consequências negativas ao nível da sua actividade geral, justifica a sua indemnização no âmbito do dano patrimonial.
Em abono deste entendimento, a tónica é posta nas energias e nos esforços suplementares que uma limitação funcional geral implicará para o exercício das actividades profissionais do lesado, destacando-se que uma incapacidade permanente parcial, sem qualquer reflexo negativo na actividade profissional do lesado e no seu efectivo ganho, “se repercutirá, residualmente, em diminuição da condição e capacidade física e correspondente necessidade de um esforço suplementar para obtenção do mesmo resultado”[2]
Porém, outros entendem, como por exemplo no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.10.2009 (proc. nº 560/09.0 YFLSB, disponível in www.dgsi.pt.), que também é lícito defender-se que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito em sede de dano não patrimonial.
Escreveu-se o seguinte neste aresto:
“Nesta perspectiva, há que considerar, desde logo, que o exercício de qualquer actividade profissional se vai tornando mais penoso com o decorrer dos anos, o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspectivas de carreira, desencantos …) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia.
“E esses condicionalismos naturais podem é ser agravados, ou potenciados, por uma maior fragilidade adquirida a nível somático ou em sede psíquica.
“Ora, tal agravamento, desde que não se repercuta directa – ou indirectamente – no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza, necessariamente, numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, traduzir-se-á num dano moral.
“Isto é, o chamado dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral.
“A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão origina, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.
“E não parece oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial.”[3]
Sustentam outros ainda que o dano corporal ou dano à saúde deve ser reconhecido como dano autónomo, verdadeiro “tertium genus” de natureza específica, com um lugar próprio que não se esgota nem é assimilado pela dicotomia clássica entre o que é patrimonial e o que não é patrimonial, impondo-se como uma realidade digna de reparação autónoma.
Entendimento este a que não são alheias as grandes dificuldades e delicadíssimos problemas suscitados pela determinação e avaliação das consequências pecuniárias e não pecuniárias do dano corporal no quadro da distinção dano patrimonial/dano não patrimonial.
Concretamente, quanto à indemnização de perdas patrimoniais futuras, a título de lucros cessantes, lembra-se que o lesado terá que provar a subsistência de sequelas permanentes que se repercutem negativamente sobre a sua capacidade de trabalho, destacando-se que a avaliação e reparação das chamadas pequenas invalidades permanentes se deve confinar à área do chamado dano corporal ou dano à saúde.[4]
Volvendo ao caso dos autos, a questão que teremos de apurar é a de saber se, tendo ficado o demandante afectado por uma IPP de 26% que implica esforços acrescidos para a actividade que exercia antes do acidente (cfr. nº 67), tal é susceptível de integrar um dano futuro de natureza patrimonial.
Entendemos que a resposta a esta questão deverá ser afirmativa.
As sequelas do acidente que determinaram a IPP de 26% são bastante significativas a nível da mobilidade dos membros superiores e inferiores (designadamente rigidez no cotovelo esquerdo com arco de mobilidade restrito entre 85 e 95 graus, rigidez do tornozelo direito com flexão dorsal 0º e flexão plantar de 10, atrofia de 2 cm da coxa esquerda – cfr. nº 66), traduzindo-se também em cansaço fácil e prematuro, dificuldade em permanecer sentado muito tempo, em correr, em andar, em pegar em pesos, em trabalhar algumas horas consecutivas e bem assim dificuldade em descansar por dificuldade no sono, irritabilidade, zanga, frustração, ansiedade, sentimento de rejeição (cfr. nº 74).
É certo que casos há em que as lesões físicas não causam nenhum acréscimo, para o lesado, de esforço na actividade profissional que ele exerce. Uma ligeira desvalorização no plano físico, mesmo que relacionada com a mobilidade, não tem para um lesado que desenvolve uma actividade profissional sedentária e marcada pelo esforço intelectual, qualquer repercussão nesta.
Por isso, em certas situações se justifica que, apesar da comprovada desvalorização do lesado no plano físico em consequência do acidente, o dano correspondente seja ressarcido apenas no plano não patrimonial, por este não se repercutir, directa ou indirectamente, na sua situação profissional, tanto em termos de remuneração como de carreira.
Só que essa não é a situação do lesado nos presentes autos.
Este, antes do acidente, exercia duas actividades: a de distribuidor de peças de automóvel e a de exploração de um estabelecimento comercial de café (cfr. nºs 69 e 71).
No tocante à primeira destas actividades, o lesado dispunha de viatura automóvel para proceder à distribuição de peças por várias localidades do país (cfr. nº 68).
Quanto à segunda, o lesado permanecia ao balcão do estabelecimento de café sempre que tinha tempo disponível, todos os dias depois das 19/20 horas e até ao seu encerramento, sendo que a exploração de tal estabelecimento viria a cessar, definitivamente, por não o poder acompanhar e gerir pessoalmente, em 31.3.2008 (cfr. nºs 70 e 78).
Os rendimentos que auferia nestas duas actividades ascendiam em média à importância mensal de 2.000,00€ (cfr. nº 71).
Sucede que esta factualidade permite delinear o perfil profissional do autor, que nos surge como indivíduo dinâmico e empreendedor, acumulando duas actividades – a da distribuição de peças de automóveis e a de exploração de um estabelecimento comercial de café.
A natureza destas actividades, em particular da primeira, requer para a sua plena consecução uma boa e rápida capacidade de movimentação e envolve uma quase constante condução de veículos automóveis.
Ora, as limitações físicas de que ficou a padecer na sequência do acidente de viação em análise nos autos, determinativas de uma IPP de 26%, afectam-no de forma bem significativa na sua actividade profissional – mesmo que não a impeçam - e levaram-no a ter que redefinir toda a sua vida nessa área.
Não se pode ignorar que o autor se cansa facilmente, tem dificuldade em permanecer sentado muito tempo, em correr, em andar, em pegar em pesos e em trabalhar algumas horas consecutivas.
O seu horizonte profissional passou, por isso, a ser diverso, do que é sinal evidente o encerramento do estabelecimento comercial de café que explorava e o facto de, embora mantendo-se na mesma empresa - “A Sua Pressa” -, ter passado a exercer nesta a actividade de fiel de armazém, conforme decorre da sentença recorrida (fls. 711)[5].
É assim patente que as sequelas advindas do acidente virão no futuro a condicionar a capacidade de ganho do autor, nomeadamente quando este seja confrontado com profissionais da mesma área cuja actividade não dependa do esforço acrescido de que ele necessita para eficazmente conseguir desempenhar as suas tarefas.
Neste sentido, bastará pensar nos casos em que o lesado aufere retribuição que não foi alterada por causa do acidente, embora tenha passado a sofrer de uma incapacidade física que o leva a realizar com maior esforço uma determinada tarefa no mesmo período de tempo; isso significa que, sem esse esforço acrescido, ele realizaria a tarefa em tempo superior. O custo da sua capacidade produtiva não é menor, porque esse esforço suplementar é realizado. Ora esse esforço, se não houvesse diminuição física, não seria necessário: tal esforço corresponde a uma perda patrimonial real posto que não nominal.[6]
Deste modo, é de concluir, em divergência com a 1º instância, que “in casu” as lesões sofridas pelo autor, concretizadas numa incapacidade permanente parcial de 26%, terão consequências económicas no futuro e serão, por isso, fonte de futuros lucros cessantes a compensar como verdadeiros danos patrimoniais nos termos do art. 564º, nº 2 do Cód. Civil.
Há então que passar à fixação do quantitativo desta indemnização.
Tem-se vindo a entender na nossa jurisprudência que a indemnização em dinheiro do dano futuro decorrente da incapacidade permanente deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no final do período provável de vida[7], determinado este com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 65 anos[8]).
Entendimento este que se acolhe, uma vez que as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão. Para além disso, também não se poderá ignorar que as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.[9]
De modo a obstar a um total subjectivismo, que poderá vir a afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade, recorre-se normalmente a processos objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado.
Entre estes processos aponta-se a tabela descrita no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.12.2007 (proc. 07A3836, disponível in www.dgsi.pt.), em que se tem como referencial uma taxa de juro de 3% e que iremos seguir, adaptando-a, à semelhança do que já fizemos no Acórdão da Relação do Porto de 11.12.2012, do mesmo relator (proc. nº 512/09.0 TBSTS.P1, disponível in www.dgsi.pt.).
Contudo, no cálculo deste capital terá que intervir necessariamente a equidade, que desempenhará um importante papel corrector e de adequação às circunstâncias específicas do caso concreto, permitindo a ponderação de aspectos que sempre escapariam ao referido cálculo objectivo. Entre estes contam-se a evolução provável na situação profissional do lesado, o aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível, a melhoria expectável das condições de vida, a inflação provável ao longo do período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização – o que tudo poderá ser mitigado ou compensado, pelo menos em parte, pelo imediato recebimento de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a consequente possibilidade da sua imediata rentabilização em termos financeiros.[10]
No caso “sub judice” teremos em conta os seguintes aspectos: i) a idade do autor à data do acidente – 36 anos (cfr. nº 17); ii) a esperança média de vida (e não o número de anos até à idade previsível da reforma), a qual se coloca para o autor em mais 42 anos[11]; iii) o rendimento anual do autor: 24.000,00€ - 2.000€ x 12 (cfr. nº 71); iv) a taxa de IPP – 26% (cfr. nº 67); v) a ausência de culpa do autor na ocorrência do acidente.
Tendo em conta todos estes elementos factuais, e ainda o factor correspondente aos mais 42 anos de vida que é, de acordo com o dito aresto do Supremo Tribunal de Justiça, 23,70136[12], efectuaremos as seguintes operações aritméticas:
24.000,00€ x 23,70136 x 26%, cujo resultado é 147.896,48€.
Obtido este resultado, no dito acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.12.2007 entende-se que haverá que descontar a importância que o lesado gastaria com ele próprio durante a vida, mesmo não havendo acidente, valor esse que corresponderia a uma percentagem que se situaria entre 1/3 e 1/4 dos rendimentos, consoante a pessoa em causa fosse solteira ou casada.
Porém, neste segmento divergimos do referido acórdão por se considerar que tal desconto só é de fazer em caso de morte, uma vez que é dispêndio que não se efectivará e, por isso, os beneficiários da indemnização não deverão receber o respectivo montante. Se tal ocorresse estariam a obter um enriquecimento injustificado. Já quando o lesado não falece e fica com lesão parcialmente incapacitante ele continua a ter despesas que terá de pagar com os seus proventos, os quais ficam reduzidos devido a essa incapacidade, sendo que a indemnização se destina precisamente a compensar a futura diminuição de rendimentos.
Consequentemente, não iremos proceder ao desconto a que acima se aludiu.
Todavia, não se poderá deixar de ter em conta que o lesado irá receber a indemnização na sua totalidade por uma única vez, o que lhe dará a possibilidade de rentabilizar esse capital, assim se justificando a realização de uma dedução com outro fundamento.
Neste sentido, escreve-se o seguinte no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.2009 (proc. nº 397/03.0 GEBNV.S1, disponível in www.dgsi.pt.):
“Após determinação do capital, há que proceder ao “desconto”, “dedução” ou “acerto” porque o lesado perceberá a indemnização por junto, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, sendo que se impõe que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado; trata-se de subtrair o benefício respeitante à recepção antecipada de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. Na quantificação do desconto em equação a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33%.”[13]
Ora, face aos baixos valores que actualmente caracterizam as remunerações das aplicações de capital, entendemos que, neste caso, a dedução justificada pelo recebimento imediato e integral da indemnização se deverá circunscrever a 10%.
Daí resulta então o valor de 133.106,83€ [147.896,48€ - (147.896,83€ x 10%)].
No entanto, como a equidade não poderá deixar de ser a principal referência a ter em conta na fixação desta indemnização de modo a ajustá-la às específicas circunstâncias do caso concreto, e uma vez que na presente situação parte dos proventos mensais do autor se fundavam numa actividade que sempre se caracteriza por alguma flutuação no que toca aos seus rendimentos – exploração de um estabelecimento comercial de café -, entendemos, por mais justo e razoável, ser de reduzir para 120.000,00€ o montante destinado ao ressarcimento do dano patrimonial futuro.
Como tal, nesta parte, o recurso interposto pelo autor merecerá parcial procedência.
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2. Na sentença recorrida fixou-se em 60.000,00€ a importância indemnizatória correspondente aos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, contra o que se insurgiu o réu Gabinete Português da Carta Verde que no seu recurso subordinado pugna pela redução desta importância a um valor não superior a 25.000,00€.
Dispõe o art. 496 nº 1 do Cód. Civil que na fixação da indemnização se deverá atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A gravidade desses danos deverá medir-se por padrões objectivos em face das circunstâncias de cada caso, tendo presente que eles emergem directa e principalmente da violação da personalidade humana, não integrando propriamente o património do lesado, antes incidindo em bens como a vida, a saúde, a liberdade, a honra, o bom nome e a beleza, abrangendo vários danos como os derivados de receios, perturbações e inseguranças, causados pela ameaça em si mesma, e que o seu ressarcimento resulta directamente da lei, assumindo uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória (cfr. Rabindranath Capelo de Sousa in “O Direito Geral de Personalidade”, págs. 458 e 459 e acórdão do STJ de 22.9.2005, proferido no processo n.º 05B2470, disponível em www.dgsi.pt). Neste último aresto, escreveu-se mesmo que “A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar, como é natural, no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.”[14]
No presente caso é inequívoca a existência de danos patrimoniais que, pela sua gravidade, justificam a atribuição de indemnização, sendo que a discordância do réu se coloca apenas no que toca ao respectivo montante.
Nesse sentido, decorre da matéria de facto provada que o autor em consequência do acidente sofreu:
a) Fractura exposta cominutiva supra e intercondiliana do úmero esquerdo.
b) Ferida perfurante na face postero-externa do terceiro distal da coxa esquerda, e fractura a este nível do fémur esquerdo.
c) Fractura segmentar de ossos da perna esquerda.
d) Feridas perfurantes a nível do joelho direito com fractura cominutiva da rótula e dos pratos tibiais.
e) Fractura cominutiva do pilão tibial direito.
f) Fractura bimaleolar direita.
g) Fractura das apófises transversas lombares à direita.
h) Hemoperitoneu.
i) Laceração esplénica.
j) Contusão hepática.
k) Hematoma retroperitonial (cfr. nº 48).
No próprio dia do acidente foi sujeito aos seguintes tratamentos, com carácter de urgência: a) lavagem e desinfecção das feridas; b) imobilização das fracturas com talas gessadas; c) análise de bioquímica; d) análise hematológica; e) oito incidências radiográficas; f) seis TAC (cfr. nº 48*). Foi ainda sujeito a intervenção cirúrgica para: a) esplenectomia total; b) laparatomia exploradora; c) redução fechada do úmero, sem fixação interna (cfr. nº 49).
Em 17-02-2007, foi transferido do Hospital de Bragança, para o Hospital Geral de Santo António onde realizou diversas osteossínteses, tendo sido ali feito encavilhamento do fémur esquerdo, com vareta estática SCN retrógrada, e encavilhamento da tíbia esquerda com vareta estática SCN. Também ali foi realizada patelectomia (perda da rótula) parcial do pólo inferior da rótula e inserção do tendão rotuliano, com duas âncoras, tendo sido igualmente submetido a redução aberta do úmero distal com osteosíntese com dois parafusos canulados e osteotaxia com fixador externo orthofix e a redução fechada do pilão tibial direito e osteotaxcia com fixador externo AO (cfr. nºs 50 a 53).
Em 4.3.2007 foi removido o fixador externo do cotovelo e em 6.3.2007 o fixador externo do tornozelo, sendo que nesta mesma data foi realizada redução aberta do pilão tibial direito com placa de May (cfr. nºs 54 e 55).
Depois, em 20.3.2007 foi-lhe removido material de osteossíntese do cotovelo e submetido a osteossíntese com placas LPC (cfr. nº 56).
Aquando do internamento hospitalar esteve ainda em coma induzido por mais de oito dias (cfr. nº 57).
Após a alta hospitalar, o autor foi submetido a numerosas consultas e tratamentos, conforme resulta dos nºs 58 a 64 da matéria de facto.
Esteve sem poder trabalhar (incapacidade absoluta) desde a data do acidente até 15.9.2008 e com ITP de 50% até 27.10.2008 (cfr. nº 65). Viria a ficar afectado pelas seguintes sequelas:
Rigidez no cotovelo esquerdo com arco de mobilidade restrito entre 85 e 95 graus.
Rigidez do tornozelo direito com flexão dorsal 0º e flexão plantar de 10.
Atrofia de 2 cm da coxa esquerda.
Gonalgia direita com dismorfia e arco de mobilidades de 0 a 95 graus.
Com discreta lexidez anterior do joelho direito.
Cicatrizes dos joelhos, parede abdominal, coxa e cotovelos esquerdos.
Esplenectomia.
Sinais de artrose grau dois fémur tibial direita e artrose grave patelo femural omolateral.
Sinais de artrose da articulação tibiotárcica direita.
Sinais de consolidação de outras fracturas (cfr. nº 66).
Em consequência destas ficou com 26% de IPP, podendo exercer a actividade que exercia anteriormente ao acidente, mas com esforços acrescidos (cfr. nº 67).
Sofreu ainda o autor:
a) Aflição e o horror do embate e do desencarceramento.
b) Dores, a ansiedade, medo pelos enormes sofrimento dos ferimentos sabendo que tinha a vida em risco e iminência da morte.
c) Dores, sofrimento pelo seu internamento, seus tratamentos com múltiplas intervenções cirúrgicas, e bem assim, do longo tempo de recuperação possível.
d) Sofrimento, medo por se saber limitado nas suas múltiplas situações profissionais, familiares e como indivíduo, o que o fez temer pelo futuro.
e) Perda de órgão importante (baço).
f) Perda de rendimentos com que fazia face aos compromissos que havia assumido que deixou de poder cumprir.
g) Ameaça e a vergonha de processos judiciais com penhora de bens pessoais por parte dos credores, o que tudo lhe causou e causa angústia e medo.
h) Incerteza relativamente à sua vida futura que se encontrava à altura do acidente estável, próspera e harmónica. (cfr. nº 75).
O montante indemnizatório, constatando-se a evidente gravidade dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, será fixado equitativamente pelo tribunal nos termos do art. 496º, nº 3 do Cód. Civil.
Na ausência de uma definição legal, a doutrina portuguesa acentua que o julgamento pela equidade “é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição”.[15]
Julgar segundo a equidade significa assim que o juiz não está sujeito à estrita observância do direito aplicável, devendo antes orientar-se por critérios de justiça concreta, procurando a solução mais justa face às características da situação em análise.
A indemnização ora em causa deverá sempre equivaler à quantia considerada necessária para proporcionar ao lesado prazeres compensatórios do dano, já que tem como objectivo compensá-lo daqueles danos, através de uma quantia em dinheiro que lhe permita um acréscimo de bem estar e de acesso a bens recreativos e culturais, enquanto naturais contrapontos das dores e angústias passadas e futuras, da perda da auto-estima, da frustração da sociabilidade, etc.[16]
Os danos não patrimoniais sofridos pelo autor foram acima detalhadamente descritos com referência à matéria de facto considerada como provada, devendo salientar-se, para além da IPP de que o autor ficou a padecer (26%), o longo período de incapacidade absoluta (superior a um ano e meio), as dores, o sofrimento, a iminência da morte, a perda de um órgão importante (baço), a situação de coma induzido em que esteve durante mais de oito dias.
Porém, como a 1ª Instância na fixação da quantia de 60.000,00€ para ressarcimento destes danos não patrimoniais teve também em atenção os esforços acrescidos que o autor tem de despender para o exercício da actividade profissional que desenvolvia antes do acidente, realidade que por nós foi contemplada autonomamente em sede de dano patrimonial futuro, conforme exposto em 1., o que fora ignorado na sentença recorrida, entendemos não ser de manter esta verba.
Antes se impõe, face à compressão do âmbito dos danos de natureza não patrimonial assim operada, a sua redução para 45.000,00€, pelo que o recurso subordinado interposto pelo réu obterá parcial procedência.
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3. A 1ª Instância entendeu que sobre todas as importâncias que arbitrou a título indemnizatório incidiam juros de mora a partir da condenação, daí se inferindo que considerou como actualizadora a decisão proferida, tanto no que concerne a danos patrimoniais como não patrimoniais.
Contra esta posição se insurgiu o autor por entender que as verbas atribuídas a título de danos patrimoniais não tiveram esse cunho actualizador, conforme resulta do facto de quanto aos quilómetros percorridos a fim de efectuar consultas médicas e se submeter a exames médicos e tratamentos de fisioterapia se ter tido em conta o valor do gasóleo ou da gasolina reportado a 2007. Tal como para a ajuda de terceira pessoa se recorreu ao salário mínimo na altura do acidente, com referência ao Dec. Lei nº 2/2007, de 3.1 e ao valor de 403,00€ e no que toca aos transportes efectuados e aos medicamentos as quantias que se tiveram em atenção reportam-se, sem qualquer actualização, aos anos de 2007 e 2008.
Concordamos com a argumentação produzida pelo autor/recorrente.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2002, de 9.5.2002[17], referenciado na sentença recorrida, uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:
«Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do art. 566º do Cód. Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos arts. 805º nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º nº 1, também do Cód. Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.»
Dele flui que se a indemnização tiver sido objecto de cálculo actualizado os juros se contarão não a partir da citação, mas sim da decisão actualizadora. Só que o Mmº Juiz “a quo” quanto a esta questão limitou-se a citar o acórdão uniformizador atrás referido para logo a seguir concluir que os juros de mora são devidos desde a condenação.
Sucede que, como já se referiu, da argumentação que foi sendo explanada ao longo da sentença recorrida não se extrai tal actualização, uma vez que os elementos que são considerados para a fixação do montante indemnizatório a título de danos patrimoniais se referem aos anos de 2007 e 2008.
E, na sequência do que é afirmado pelo autor nas suas alegações, não basta dizer-se que os juros de mora são devidos desde a condenação, tanto quanto a danos patrimoniais como não patrimoniais, o que inculca o carácter actualizador da decisão, quando, lendo a sentença na sua globalidade, logo se verifica que no tocante aos primeiros os critérios utilizados totalmente o infirmam.
Deste modo, no que tange à indemnização por danos patrimoniais arbitrada pela 1ª Instância, os juros serão devidos a partir da citação, assim procedendo, nesta parte, o recurso interposto pelo autor.
Também no que toca à indemnização agora arbitrada em 1., como compensação pelo dano patrimonial futuro, que fora ignorado na sentença recorrida, os juros serão devidos desde a citação, por não se considerar a mesma objecto de cálculo actualizado.
Divergentemente, já quanto à indemnização relativa aos danos não patrimoniais a posição do Mmº Juiz “a quo” no sentido de os respectivos juros serem devidos desde a condenação não nos merece censura, atendendo a que o tipo de danos aqui em análise, que remetem no cálculo indemnizatório para a aplicação de juízos de equidade, integralmente se coadunarem com a solução que adoptou.
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Sintetizando:
- O denominado dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral, devendo a situação ser apreciada casuisticamente, de modo a verificar se a lesão origina, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho.
- Casos há em que, apesar da comprovada desvalorização do lesado no plano físico em consequência do acidente, se justifica que o dano correspondente seja ressarcido apenas no plano não patrimonial, por este não se repercutir, directa ou indirectamente, na sua situação profissional, tanto em termos de remuneração como de carreira.
- Porém, se o lesado, em consequência de um acidente de viação, ficou afectado por uma IPP (incapacidade permanente parcial) de 26% que lhe permite exercer a actividade que tinha antes do acidente embora com esforços acrescidos, tal constitui dano de natureza patrimonial, nos termos do art. 564º, nº 2 do Cód. Civil, devendo a respectiva indemnização corresponder ao acrescido custo do trabalho que ele, por esse motivo, tem de suportar para exercer tal actividade laboral.
- O cálculo desta indemnização, a fim de se evitar um excessivo subjectivismo, deverá ser efectuado com base em tabelas normalmente utilizadas para o efeito, recorrendo-se à equidade como factor de correcção e adequação às circunstâncias específicas do caso concreto.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar parcialmente procedentes o recurso principal interposto pelo autor B… e o recurso subordinado interposto pelo réu Gabinete Português de Carta Verde e, em consequência:
a) Condena-se o réu Gabinete Português da Carta Verde a pagar ao autor B… a importância de 120.000,00€ (cento e vinte mil euros) a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro, à qual acrescem juros de mora desde a citação e até integral pagamento;
b) Altera-se para 45.000,00€ (quarenta e cinco mil euros) o montante da indemnização relativa a danos não patrimoniais sofridos pelo autor, à qual acrescem juros de mora a partir da decisão condenatória da 1ª Instância;
c) Determina-se que os juros de mora relativos à indemnização por danos patrimoniais fixada na sentença recorrida [ponto 2. a) da parte decisória da mesma] sejam devidos a partir da citação e até integral pagamento.
No mais mantém-se o decidido.
As custas serão suportadas em ambas as instâncias por autor e réu, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao autor.

Porto, 25.2.2014
Eduardo Rodrigues Pires
Márcia Portela
M. Pinto dos Santos
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[1] Na matéria de facto da sentença recorrida foi repetido o nº 48.
[2] Cfr. Ac. STJ de 20.1.2010, p. 203/99.9 TBVRL.P1.S1 e Ac. STJ de 11.12.2012, p. 269/06.7 GARMR, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[3] Cfr. também Ac. STJ de 20.1.2010, p. 203/99.9 TBVRL e Ac. Rel. Porto de 20.3.2012, p. 571/10.3 TBLSD.P1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[4] Cfr. João António Álvaro Dias, “Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios”, Almedina, 2001, Cap. II, secção I.
[5] Quanto a este ponto o Mmº Juiz “a quo” socorreu-se de elementos factuais resultantes do procedimento cautelar apenso.
[6] Cfr. Ac. STJ de 21.3.2013, p. 565/10.9 TBPVL.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Ac. STJ de 25.6.2002, CJ STJ, Ano X, tomo II, págs. 128/135.
[8] Assinale-se que desde 1.1.2014 a idade normal de acesso à pensão de velhice no regime geral de segurança social passou a ser de 66 anos – cfr. Portaria nº 378-G/2013, de 31.12 e Dec. Lei nº 167-E/2013, de 31.12.
[9] No sentido de que mantendo-se o dano fisiológico para além da vida activa se deverá apelar, para determinar o montante indemnizatório, não ao limite desta, mas sim à esperança média de vida, cfr. também Acórdãos do STJ de 21.10.2010, p. 1331/2002.P1.S1 e de 19.4.2012, p. 3046/09.0 TBFIG, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Ac. STJ de 10.10.2012, p. 632/2001.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[11] No já mencionado Ac. STJ de 19.4.2012, p. 3046/09.0 TBFIG.S1, apela-se a uma esperança média de vida nos homens de 78 anos.
[12] Face ao entendimento supra exposto, obteve-se este factor com referência não à idade da reforma, mas sim à esperança média de vida.
[13] Cfr. também Ac. Rel. Coimbra de 15.2.2011, p. 291/07.6 TBLRA.C1, disponível in www.dgsi.pt.
[14] Cfr. Ac. Rel. Porto de 10.12.2013, p. 2236/11.0 TBVCD.P1, disponível in www.dgsi.pt.
[15] Cfr. Menezes Cordeiro, “O Direito”, 122º/272”.
[16] Cfr. Ac. STJ de 6.7.2000, CJ STJ, ano VIII, tomo II, págs. 144/148.
[17] Publicado no “Diário da República”, I série, de 27.6.2002