Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1550/09.9TBPNF-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP201405121550/09.9TBPNF-A.P1
Data do Acordão: 05/12/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Desde que a lei não imponha outra forma de proceder, existindo uma pluralidade de relações jurídico-processuais num mesmo processo e seus apensos, a suspensão da instância decretada no processo principal – artigo 269.º e seguintes do Código de Processo Civil – não se estende automaticamente aos seus apensos, só os devendo abarcar se a causa da suspensão ou outra razão justificativa o impuser.
II – Quando o exequente e o executado chegam a acordo sobre o pagamento da dívida em prestações – artigo 806.º, n.º 1, do Código de Processo Civil –, a suspensão da execução decretada no processo principal não determina a suspensão do apenso de reclamação de créditos no qual intervenha um credor reclamante que seja exequente noutra acção executiva, suspensa nos termos do artigo 794.º do novo Código de Processo Civil (anterior artigo 871.º).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação do Porto – 5.ª secção.
Recurso de Apelação.
Processo n.º 1550/09.9TBPNF-A do Tribunal Judicial da Comarca de Penafiel – 2.º Juízo.
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Juiz relator – Alberto Augusto Vicente Ruço.
1.º Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto.
2.º Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim.
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Sumário:
I - Desde que a lei não imponha outra forma de proceder, existindo uma pluralidade de relações jurídico-processuais num mesmo processo e seus apensos, a suspensão da instância decretada no processo principal – artigo 269.º e seguintes do Código de Processo Civil – não se estende automaticamente aos seus apensos, só os devendo abarcar se a causa da suspensão ou outra razão justificativa o impuser.
II – Quando o exequente e o executado chegam a acordo sobre o pagamento da dívida em prestações – artigo 806.º, n.º 1, do Código de Processo Civil –, a suspensão da execução decretada no processo principal não determina a suspensão do apenso de reclamação de créditos no qual intervenha um credor reclamante que seja exequente noutra acção executiva, suspensa nos termos do artigo 794.º do novo Código de Processo Civil (anterior artigo 871.º).
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Recorrente………………………Banco B…, S. A., com sede na …, …, ….-… Lisboa.
Recorridos……………………….C… e D…, executados, com residência em Rua …, ….-… ….
………………………………............……E…, exequente, com sede em …, ….-… Penafiel.
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I. Relatório.
a) O presente recurso insere-se no apenso de reclamação de créditos que segue por apenso à execução n.º 1550/09.9TBPNF, execução esta que corre termos pelo 2.º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Penafiel.
E visa o despacho de 16 de Setembro de 2013, proferido no presente apenso, no qual se determinou a suspensão da reclamação de créditos pelo facto de ter sido anteriormente ordenada a suspensão da execução.
b) É desta decisão que a credora reclamante recorre, tendo, no final das alegações, concluído que o despacho sob recurso havia infringido o disposto no artigo 279.º do Código de Processo Civil, pois a recorrente tendo, como tem, os mesmos direitos e poderes do exequente não deu o seu acordo à suspensão da execução, pelo que o despacho recorrido deve ser substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos de reclamação e de seguida os autos de execução.
c) Não foram apresentadas contra-alegações.
II. Objecto do recurso.
A primeira questão suscitada neste recurso consiste em saber se os autos de reclamação de créditos poderiam ter sido suspensos com fundamento no facto de ter sido ordenada a suspensão da execução devido ao facto do exequente e do executado terem acordado no pagamento da dívida exequenda em prestações.
E, em segundo lugar, se o Tribunal da Relação deve ordenar o prosseguimento da própria execução, o que passa pelo levantamento da suspensão da execução anteriormente decretada.
III. Fundamentação.
a) Matéria de facto provada.
1. Em 24 de Setembro de 2010 foi penhorado nos autos principais o seguinte prédio: Urbano, casa de rés-do-chão e quintal, sito no …, freguesia …, concelho de Penafiel, descrito na Conservatória Registo Predial sobre o n.º 1240, inscrito na matriz no artigo 869, com o V.P. de €70.210,00 euros.
2. Em 18-10-2011 o Senhor agente de execução comunicou ao Sr. advogado do credor reclamante F…, S.A., o seguinte: «Venho pela presente comunicar a V.Exª na qualidade de mandatário do credor reclamante "F…, S.A.", de que foi efectuado um acordo de pagamento entre as partes, conforme documento que anexo. Assim a presente execução encontra-se suspensa».
3. O credor reclamante Banco B…, S.A., beneficia de penhora sobre o prédio acima referido no n.º 1, efectuada em 27 de Maio de 2013, no âmbito do processo n.º 2158/09.4TBPNF-A do Tribunal Judicial de Penafiel, 3.º juízo e, por se tratar de penhora mais recente, em 4 de Setembro de 2013 apresentou nos presentes autos uma reclamação de créditos no montante global de €11.809,18 euros, anteriormente objecto do pedido na acção deduzida no processo n.º 2158/09.4TBPNF-A.
4. Em 16 de Setembro de 2013 foi proferido o seguinte despacho nos presentes autos de reclamação de créditos: «Uma vez que os autos executivos se mostram suspensos, determino igualmente a suspensão da presente instância, em conformidade com aqueles».
b) Apreciação das questões objecto do recurso.
1 – Quanto à primeira questão, cumpre desde já referir que, em regra, uma vez suspensa a execução, seguir-se-á a suspensão do processo de reclamação de créditos [1], mas nem sempre a suspensão decretada no processo principal se deve estender ao apenso da reclamação de créditos, como se vai procurar mostrar.
a) Vejamos antes de prosseguir o que se entende por instância.
A instância à qual se referiu o despacho sob recurso, no sentido de declarar suspensa a tramitação em curso no apenso da reclamação de créditos, coincide com a relação processual que se estabelece no processo entre as partes e o Estado e cujo início ocorre com a propositura da acção [2].
O Capítulo I, do Título II, do Livro II (artigos 259.º e seguintes) do Código de Processo Civil, encontra-se epigrafado com a expressão «Da Instância» e, no n.º 1 do artigo 259.º [3], declara-se que a instância se inicia com a propositura da acção e esta considerava-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida pela secretaria judicial, sem prejuízo do disposto no artigo 144.º do mesmo Código.
Daí que se afigure apropriado equiparar o conceito de instância ao de relação jurídica processual [4].
Porém, um processo tanto pode dar guarida a uma só relação jurídico-processual, como pode acolher uma pluralidade de relações, como ocorre nos casos de litisconsórcio voluntário, referindo-se a este respeito no artigo 35.º do Código de Processo Civil, que «…; no listisconsórcio voluntário, há uma simples acumulação de acções, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes».
Por conseguinte, quando se alude a suspensão da instância, esta suspensão poderá ou não abranger a totalidade das relações jurídicas processuais existentes no processo principal e seus apensos, tudo dependendo da autonomia de cada uma dessas relações em relação às demais e à causa que determina a suspensão.
b) Vejamos agora, em linhas gerais, a fisionomia processual da reclamação de créditos no processo executivo – artigos 786.º a 794.º do Código de Processo Civil [5].
Nas palavras de ALBERTO DOS REIS, «No período declarativo (…) o concurso representa uma acção ou uma série de acções declarativas, em que são partes:
a) de um lado, cada credor reclamante;
b) do outro, os restantes credores, compreendido o exequente, e o executado [6].
Acrescentando o mesmo autor que «A reclamação do crédito apresenta a figura duma verdadeira acção de dívida, proposta pelo reclamante contra o executado e contra os outros credores» [7].
À fase declarativa segue-se uma fase executiva.
Nesta segunda fase do concurso, diz ainda Alberto dos Reis, «Verificados os créditos, os credores que triunfaram no concurso vão ocupar no processo de execução uma posição paralela à do exequente; a sentença favorável investe-os na qualidade de co-exequentes, com os mesmos direitos fundamentais que o exequente originário, como já notámos.
A execução converte-se então de singular em colectiva ou concursual. Quer dizer, o concurso reveste, na 2.ª fase, a figura duma cumulação de execuções, de várias acções executivas reunidas no mesmo processo» [8].
Cumpre assinalar que, actualmente [9], a intervenção do credor reclamante na execução só é motivada pela necessidade que existe em transmitir os bens penhorados livres de ónus e encargos na venda executiva, dando cumprimento ao disposto no artigo 824.º, n.º 2 do Código Civil.
É esta a razão que justifica o chamamento de outros credores à execução.
Na época em que Alberto dos Reis escreveu, o fundamento do concurso era mais vasto e consistia no facto do património do devedor ser garantia comum de todos os credores e daí que todos fossem chamados à execução para não se dar o caso do exequente ser o único beneficiado, situação esta que frequentemente levava à insolvência do devedor.
No entanto, apesar da fisionomia da acção executiva ter sido alterada, as palavras do autor continuam válidas, mas agora limitadas ao bem penhorado sobre o qual o credor reclamante tem garantia real ou preferência no pagamento do crédito.
Para o efeito, o credor é chamado à execução devendo mostrar que tem efectivamente um direito de crédito sobre o devedor e que esse direito está garantido através de determinado bem que se encontra penhorado nos autos.
A partir do momento em que o credor reclamante é reconhecido como tal, seja por falta de impugnação da sua reclamação, seja porque o seu crédito foi impugnado, mas logrou obter a sua verificação por parte do tribunal (cfr. artigo 791.º do Código de Processo Civil), o credor reclamante adquire o estatuto de parte principal paralela à do exequente, mas apenas no que respeita ao bem que garante o seu crédito, o que implica a existência de um feixe menor de poderes em relação àqueles de que desfruta o exequente.
Por conseguinte, como nos diz LEBRE DE FREITAS, «Qualquer resultado da acção executiva que deixe incólume o direito real de garantia pode ser obtido sem atenção ao credor» [10], mas não mais que isto.
Assim, nos casos de consignação de rendimentos (artigo 803.º do C.P.C.), pagamento voluntário do crédito, incluindo pagamento extrajudicial (artigo 846.º, n.º 1 e 5 do C.P.C.), pagamento em prestações e acordo global (artigo 806.º do C.P.C.) extinção, desistência da instância ou procedência da oposição, o credor reclamante não é tomado em consideração, salvo se já tiverem sido vendidos ou adjudicados bens sobre os quais tenha garantia (ver artigo 847.º, n.º 2 do C.P.C.).
c) Coloca-se, pois, a questão de saber se, dada a fisionomia de acção declarativa e também executiva da reclamação de créditos e a constituição de novas relações jurídico-processuais no âmbito do processo executivo inicialmente comporto apenas por uma relação jurídico-processual (exequente/executado), as causas e as finalidades que ditaram a suspensão da execução justificarão, em todos os casos, a extensão dessa suspensão ao apenso da reclamação de créditos.
Numa primeira avaliação lógica, dir-se-á que a causa da suspensão repercutir-se-á não só no processo principal como nos processos apensos, se essa causa geradora da suspensão for aí igualmente eficiente, mas não se repercutirá nos apensos se a causa geradora da suspensão nenhuma influência puder exercer no objecto material discutido no processo apenso.
d) Vejamos então as causas que poderão conduzir à suspensão do processo principal.
Tais causas constam das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 269.º do Código de Processo Civil, cuja redacção é a seguinte:
«1 — A instância suspende-se nos casos seguintes:
a) Quando falecer ou se extinguir alguma das partes, sem prejuízo do disposto no artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais;
b) Nos processos em que é obrigatória a constituição de advogado, quando este falecer ou ficar absolutamente impossibilitado de exercer o mandato. Nos outros processos, quando falecer ou se impossibilitar o representante legal do incapaz, salvo se houver mandatário judicial constituído;
c) Quando o tribunal ordenar a suspensão ou houver acordo das partes;
d) Nos outros casos em que a lei o determinar especialmente».
Verifica-se que os casos geradores da suspensão da instância previstos nas alíneas a) e b) resultam de eventos estranhos à vontade das partes, os quais geram um estado factual que impede uma das partes de acompanhar a tramitação processual [11], pelo que a solução apropriada consiste em paralisar o andamento do processo e conceder tempo à parte afectada para angariar as condições necessárias a poder actuar de novo nos autos.
Nestes casos, a causa da suspensão repercute-se não só no processo principal como certamente nos processos apensos onde essa causa seja igualmente eficiente.
Nos casos da alínea c), a causa da suspensão é voluntária.
O acordo das partes abrangerá os processos apensos se a causa e a razão de ser da suspensão os abranger, caso contrário a suspensão carecerá de causa e de justificação para paralisar relações jurídico-processuais em que intervêm terceiros estranhos ao acordo de vontades gerador da suspensão.
Nos casos da alínea d) vale o mesmo princípio: se a causa e a razão de ser da suspensão decretada no processo principal abarcar o objecto processual discutido no processo apenso, este será abrangido pela suspensão, caso contrário a suspensão carecerá aí de causa e de justificação.
e) O caso, ou a causa, da suspensão em apreço no presente recurso insere-se na alínea d), do n.º 1, do artigo 269.º do Código de Processo Civil, ou seja, num dos casos em que a suspensão da instância é prevista e ordenada pela lei.
Efectivamente, à data da declaração de suspensão da execução, em Outubro de 2011, o n.º 1, do artigo 882.º do Código de Processo Civil, determinava o seguinte: «É admitido o pagamento em prestações da dívida exequenda, se exequente e executado, de comum acordo, requererem a suspensão da instância executiva».
Voltando à questão atrás colocada, cumpre perguntar se se justificará a suspensão da tramitação do apenso de reclamação de créditos num caso em que:
Primeiro - O executado e o exequente acordaram no pagamento da quantia exequenda em prestações;
Segundo - Há um credor reclamante que deduziu reclamação por ser exequente num outro processo onde viu a sua execução ser suspensa, nos termos do artigo 794.º do novo Código de Processo Civil (anterior artigo 871.º), por existir sobre o bem aí penhorado uma penhora mais antiga efectuada no processo onde agora veio reclamar o seu crédito e ocorreu o referido acordo de pagamento em prestações.
f) A resposta deve ser no sentido da suspensão não abranger o apenso de reclamação de créditos, pelas seguintes razões:
● Em primeiro lugar, tendo a lei impedido o credor reclamante de prosseguir como exequente na execução que havia instaurado, como resulta do disposto no artigo 794.º do Código de Processo Civil, então a mesma lei tem de lhe assegurar, naturalmente, a satisfação dos seus interesses no processo onde é obrigado a reclamar o seu crédito, sob pena de ser prejudicado sem justificação, o que implica a sua colocação numa posição de igualdade em relação ao exequente, mas claro está, apenas no que respeita à parte atinente ao bem sobre o qual têm garantia (artigo 788.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
A igual conclusão conduz o princípio da igualdade de todos os credores face ao património do devedor, salvo causas legítimas de preferência – artigo 604.º, n.º1 do Código Civil.
Daí que os interesses do exequente e do executado não se possam sobrepor ao interesse do credor reclamante que reclama o seu crédito nos termos do mencionado artigo 794.º do Código de Processo Civil.
● Em segundo lugar, o conceito de instância, como se viu, coincide com o de relação jurídica processual que se estabelece entre os diversos intervenientes e o Estado, podendo existir no mesmo processo várias relações desta natureza, como ocorre nos casos de litisconsórcio voluntário ou de coligação de credores e devedores (cfr. artigos 35.º e 56.º do Código de Processo Civil).
Por conseguinte, quando se alude a suspensão da instância, esta suspensão poderá ou não abranger a totalidade das relações jurídico-processuais existentes no processo principal e seus apensos, tudo dependendo da autonomia de cada uma dessas relações.
Assim, se quanto ao processo principal a sua unicidade dificilmente permitirá uma hipótese de suspensão parcial, já o mesmo não se afirmará dos apensos, tudo dependendo do seu objecto e da causa que gera a suspensão.
No caso do apenso relativo à habilitação de herdeiros, por exemplo, – cfr. artigo 352.º, n.º 2, do Código de Processo Civil – a suspensão, por natureza, não o pode abranger, pois a sua tramitação torna-se necessária para debelar a causa da suspensão.
Por outro lado, a relação jurídico-processual existente no apenso de reclamação de créditos, estabelecida entre credor reclamante, executado, exequente e eventualmente outros credores reclamantes (e Estado) é diversa da relação existente no processo principal em favor da qual a lei previu a suspensão da instância, pois no apenso existe pelo menos mais uma parte e existe um outro crédito.
Cumpre ainda ter em consideração que o processo de reclamação de créditos se destina a verificar o crédito reclamado e, sendo verificado, a graduá-lo juntamente com os restantes créditos.
Por conseguinte, os actos que aqui sejam praticados nenhuma influência podem ter sobre os actos que se desenrolam no processo principal, os quais sempre se produzirão da mesma forma, quer o apenso da reclamação de créditos esteja suspenso, quer permaneça em andamento.
Sendo assim, então a razão justificativa que leva à suspensão decretada no processo principal não é, só por si, razão justificativa para suspender o apenso da reclamação de créditos.
As razões que poderão levar a estender a suspensão a este apenso, além daquelas expressamente previstas, prender-se-ão com a proibição de praticar actos inúteis – cfr. artigo 130.º do Código de Processo Civil –, podendo ocorrer que, por tal razão, o estado em que se encontra a execução conduza à suspensão da reclamação de créditos.
Por conseguinte, é de concluir, em geral, desde que a lei não dite outra forma de proceder, que, sendo possível a existência de uma pluralidade de relações jurídico-processuais num mesmo processo e seus apensos, a suspensão da instância decretada no processo principal não se estenda automaticamente aos seus apensos e só os deva abarcar se a causa da suspensão, outra razão justificativa ou a lei o impuser, como, por exemplo, no caso do processo executivo, o pagamento voluntário por parte do executado (cfr. artigo 846.º, n.º 4 do Código de Processo Civil).
● Em terceiro lugar, a lei reconhece que o exequente e o executado não podem vincular o credor reclamante quanto ao acordo de pagamento em prestações e quanto à suspensão da execução para vigorar durante o período do cumprimento do mencionado acordo.
Tal não vinculação resulta do disposto nos artigos 882.º e seguintes do Código de Processo Civil, em vigor à data da suspensão da execução.
Com efeito, o n.º 1 do artigo 882.º deste Código referia que era «…admitido o pagamento em prestações da dívida exequenda, se exequente e executado, de comum acordo, requererem, ao agente de execução, a suspensão da execução», mas no n.º 1 do artigo 885.º e seguintes do mesmo Código, o legislador regulava a forma de tutelar os direitos dos restantes credores, determinando que ficava sem efeito a «…sustação da execução se algum credor reclamante, cujo crédito…» estivesse vencido requeresse o prosseguimento da execução para satisfação do seu crédito.
Idêntica disciplina é consagrada presentemente no artigo 809.º do novo Código de Processo Civil, sendo de notar que presentemente o Código de Processo Civil nos artigos 806.º e seguintes, relativos ao pagamento da dívida em prestações, não se refere expressamente à suspensão da execução.
No caso dos autos, verifica-se que o credor reclamante era exequente na execução com o n.º 2158/09.4TBPNF-A, do tribunal Judicial de Penafiel, 3.º juízo, onde penhorou o imóvel também penhorado na presente execução.
Não podendo prosseguir ambas as execuções ao mesmo tempo, quanto ao mesmo imóvel, o exequente Banco B1… foi obrigado a reclamar o seu crédito na presente execução, devido ao facto da penhora feita neste processo ter registo mais antigo (artigo 794.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil).
É certo que quando o credor reclamou o seu crédito na presente execução já se encontrava em vigor o acordo entre exequente e executado, desde Outubro de 2011, mas este facto não impede, pois a lei não o determina, o funcionamento das regras do artigo 885.º do anterior Código de Processo Civil e do artigo 809.º do actual Código de Processo Civil, desde que o credor reclamante o requeira, como se dispõe nesta última norma.
Verifica-se, por conseguinte, que a lei de processo tutela os interesses do credor reclamante não o colocando numa posição subalterna em relação ao credor exequente.
Por conseguinte, embora a lei preveja tacitamente a suspensão da instância no que respeita à relação jurídico-processual estabelecida entre exequente e executado (e Estado), com o fim do exequente obter o pagamento através do pagamento da dívida em prestações, também é certo que coloca nas mãos do credor reclamante a viabilidade futura dessa suspensão.
Sendo assim, o facto (acordo de pagamento em prestações) que conduz à suspensão da relação jurídico-processual estabelecida entre exequente e executado, não justifica a suspensão da relação jurídico-processual que se desenvolve no apenso da reclamação de créditos, que é diversa da primeira.
Não justifica a suspensão da tramitação que se desenvolve no apenso de reclamação de créditos, uma vez que a própria lei determina que o acordo que dá causa à suspensão da instância não vincula o credor reclamante, o qual pode requerer o prosseguimento da execução.
Se tal acordo não vincula o credor reclamante, então também não pode exercer influência paralisante sobre o processo onde o credor reclamante busca obter, precisamente, a verificação e graduação do seu crédito.
● Em quarto lugar, o facto da execução se encontrar suspensa para permitir ao devedor pagar ao exequente o crédito deste, em prestações, o credor reclamante continua a ter interesse em que o apenso de reclamação de créditos prossiga com vista a ver aí verificado e graduado o seu crédito.
Se tal não ocorrer, o credor reclamante terá de promover, após o fim da suspensão, os termos da reclamação para efeitos de verificação e graduação do seu crédito.
Ora, o lapso de tempo despendido para a verificação e graduação do crédito pode conduzir a que o executado venha a ser alvo da concorrência de outros credores que embora com garantias formadas temporalmente depois da sua garantia, têm prioridade sobre a garantia deste último.
Concorrência que não existiria se a tramitação do apenso da reclamação de créditos não tivesse sido sustada.
Pense-se, por exemplo, no privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade (art. 333.º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho (Lei 7/2009 de 12/2).
Ou, como refere, o recorrente, pode dar-se o caso do bem ser penhorado em execução fiscal.
Esta hipótese mostra também que o credor reclamante, exequente noutra acção executiva (artigo 794.º do Código de Processo Civil), tem interesse em ver definida rapidamente a sua posição de credor no novo processo onde teve de intervir, o que não se compagina com a suspensão do apenso de reclamação de créditos.
g) Argumentar-se-á que sendo decretada também a suspensão no apenso de graduação de créditos, o credor reclamante sempre poderá requerer, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 809.º do Código de Processo Civil, a renovação da instância executiva, o que provocará o levantamento da suspensão também no apenso da reclamação de créditos.
Porém, esta forma de tutelar os interesses do credor reclamante não impede a suspensão temporária da reclamação de créditos e, além disso, coloca sobre o credor o ónus de requerer a renovação da instância como condição prévia para obter o levantamento da suspensão no apenso da reclamação de créditos.
Ora, o que se sustentou foi que o apenso da reclamação de créditos não deve ser suspenso nestes casos.
Aliás, tendo o credor reclamante instaurado uma execução contra o mesmo devedor e tendo reclamado o seu crédito no processo executivo onde a penhora foi realizada há mais tempo, a intencionalidade que brota destes actos manifesta com clareza que a sua intenção é obter o pagamento do crédito.
Sendo assim, não há justificação para estender a suspensão decretada na acção principal ao apenso da reclamação de créditos, pois é manifesto que o credor reclamante com a reclamação pretende efectivar o seu direito de crédito e sendo assim tal intenção opõem-se à suspensão decretada em consequência do acordo entre exequente e executado para pagamento da dívida em prestações.
Por esta razão, o primitivo n.º 1 do artigo 885.º e seguintes do Código de Processo Civil, na redacção inicial, determinava o seguinte: «Fica sem efeito a sustação da execução, se algum credor, cujo crédito esteja vencido e cuja reclamação haja sido admitida, requerer o prosseguimento da execução para satisfação do seu crédito ou se, no caso previsto no artigo 871.º, for apresentada reclamação nos 15 dias posteriores à notificação do despacho de sustação» (itálico do relator).
h) Concluindo: nos casos em que o exequente e o executado chegam a acordo sobre o pagamento da dívida em prestações, a suspensão da execução decretada no processo principal não determina a suspensão do apenso de reclamação de créditos no qual intervenha um credor reclamante que seja exequente noutra acção executiva suspensa nos termos do artigo 794.º do Código de Processo Civil.
Cumpre, pelo exposto, revogar o despacho recorrido.
2 – Quanto à segunda questão.
Vejamos se o Tribunal da Relação deve ordenar o prosseguimento da própria execução, o que passa pelo levantamento da suspensão aí decretada.
Nesta parte a resposta é negativa.
Com efeito, o presente recurso foi interposto da decisão que suspendeu o andamento do apenso relativo à reclamação de créditos.
O recurso não vem interposto de qualquer decisão que tenha ordenado no processo principal a suspensão da execução ou que tenha denegado o levantamento da suspensão.
Por conseguinte, o presente recurso não pode estender a sua eficácia a outra decisão que, tanto quanto de sabe, não foi impugnada.
IV. Decisão.
Considerando o exposto, julga-se o recurso procedente e revoga-se o despacho recorrido, acima identificado, para que os autos da reclamação de créditos prossigam.
Custas pela parte vencida a final.
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Porto, 12 de Maio de 2014.
Alberto Ruço.
Correia Pinto.
Ana Paula Amorim.
___________________
[1] Ver o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 29-01-2013, no processo n.º 101/07.4TBMGD: «A instância de reclamação de créditos enxerta-se na instância executiva pelo que suspensa a execução a mesma repercute-se sobre o andamento da reclamação», bem como o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25 de Março de 2010, no processo n.º 1627/07.5TBSTS-A onde se decidiu: «Considerando que a reclamação de créditos constitui uma fase da instância executiva, não tendo autonomia processual própria, resulta claro que a sustação da execução por existência de uma penhora anterior sobre um bem, determina automaticamente a sustação do apenso de reclamação e graduação de créditos no que a esse bem respeita, e nunca a extinção desta por inutilidade superveniente da lide».
[2] Sobre a relação jurídica processual ver, O Direito de Acção e a Sua Natureza Jurídica, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 125, pág. 325, 357 e ano 126, pág. 12, 37, 70, 103 e 166, da autoria do Prof. Antunes Varela, referindo aí o autor que «O direito de acção é, na sua essência, um poder jurídico, de carácter publicístico, conferido a uma pessoa (autor), no sentido de exigir do Estado determinada providência contra uma outra pessoa (réu), através de um conjunto de actos (processo), que se desdobra num duplo momento, tendo a providência requerida um conteúdo essencialmente variável: …» - ano 126, pág. 169.
[3] A esta norma corresponde o n.º 1 do artigo 259.º do actual Código de Processo Civil, com idêntica redacção.
[4] Neste sentido ver Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º. Coimbra Editora, 1946, pág. 21, quando referiu: «O Prof. Barbosa de Magalhães entende que, no capítulo de que vamos tratar, o termo “instância” foi empregado no sentido de processo considerado como relação jurídica. Assim é, na verdade. Fala-se do começo da instância para designar o momento em que a acção se considera proposta (art. 267) e portanto o momento em que se inicia a relação jurídica processual; alude-se ao desenvolvimento, à suspensão, à interrupção e à extinção da instância para focar as vicissitudes por que passa ou pode passar, depois de constituída, a relação jurídico processual».
[5] Por força do disposto no n.º 1 do artigo 6.º da Lei 41/2013, de 26 de Junho, o novo Código de Processo Civil aplica-se aos presentes autos.
[6] Processo de Execução, Vol. 2, reimpressão. Coimbra Editora: 1983, pág. 261.
[7] Ob. cit. pág. 262.
[8] Ob. cit., pág. 262-263.
[9] No Código de Processo Civil de 1939 o conflito entre o credor exequente e os restantes credores do executado era resolvido segundo o princípio da execução colectiva, permitindo-se a intervenção de todos os credores do executado, quer preferenciais, quer comuns, desde que, relativamente a estes últimos estivessem vencidos, pretendendo-se, assim, assegurar a igualdade entre credores face ao património do devedor ou a par conditio creditorum, sistema que foi abandonado na reforma do Código de Processo Civil de 1961 devido ao facto do sistema em vigor se tornar demasiado moroso para o exequente e não raras vezes conduzia o executado à insolvência – Cfr. Jorge Barata: Acção Executiva Comum, Noções Fundamentais, pág.188 e seguintes, Edição da AAFDL/1980.
[10] A Acção Executiva, pág. 250, Coimbra Editora/1993.
[11] Cfr. Alberto dos Reis. Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º. Coimbra Editora, 1946, pág. 227.