Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00040218 | ||
Relator: | JOSÉ FERRAZ | ||
Descritores: | MEIOS DE PROVA PERÍCIA ADMISSIBILIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP200703210635835 | ||
Data do Acordão: | 03/21/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 712 - FLS. 16. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I- As partes podem oferecer ou requerer quaisquer provas (lícitas) que entendam necessárias para provar os factos que alegam em sustentação dos direitos afirmados, ou para contraprova dos factos aduzidos pela contraparte que ponham em crise tais direitos. II- Enquadrando-se o objecto da requerida perícia no âmbito da matéria em discussão na causa, quanto à factualidade ainda não assente, relevante para o exame e decisão da causa, só pode a mesma ser indeferida, se impertinente ou dilatória. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1) – B………………., S.A., com sede em …………., Porto, instaurou acção (de despejo) sumária contra C………………. e mulher D………………, residentes na Rua ……………….., nº ….., ……., Matosinhos. Para o que alega que, em 1998, adquiriu o prédio misto, composto por casa térrea e por uma parcela de terreno, denominada “E……………”, sito em ………., Guifões, para nesse terreno construir um empreendimento de 264 novas habitações, lojas para comércio, equipamentos de apoio às habitações e equipamento desportivo, obra essa licenciada. Os RR são arrendatários da casa térrea que constitui a parte urbana desse prédio misto, com uma área de 30,70 m2, pela renda de € 5,00 mensais, na qual residem com uma filha. Para viabilizar a construção do aludido empreendimento, torna-se necessário demolir a habitação arrendada aos RR, ficando garantido o seu realojamento no empreendimento habitacional a construir, sendo estes contactados, por diversas vezes, para resolverem extrajudicialmente a situação, não tendo sido alcançado qualquer acordo. A autora destinou, no empreendimento habitacional, para realojamento dos RR, uma fracção autónoma tipo T2, com a área de 85,13 m2, com melhores condições habitacionais que a casa que ocupam. Para viabilizar e finalizar a construção do referido empreendimento torna-se necessário e imprescindível despejar e realojar os RR na nova habitação. Estão preenchidos os requisitos legais para denunciar o contrato de arrendamento e obter o despejo dos RR, com vista á conclusão da construção do empreendimento. Termina a pedir que a) o contrato de arrendamento que mantém com os RR seja resolvido com base no disposto nos artigos 69º/1 e 73º/1 do R.A.U., e 3º da Lei nº 2088, de 03/06/1957, b) sejam os RR condenados a entregar à autora o arrendado livre de pessoas e bens e c) seja reconhecido à autora o direito de concluir o empreendimento. Os RR contestam. Afirma que, em 1976, pela renda anual de 12 000$00, tomaram de arrendamento uma propriedade agrícola com a área aproximada de 6 000 m2, composta por terra de cultivo e mato, casa de caseiro e dependências agrícolas compostas por anexos destinados á criação de animais domésticos. O prédio urbano da propriedade destinou-se a servir de habitação permanente dos RR e a parte rústica, de valor superior à urbana, a ser explorada agricolamente, o que por estes, desde 1976 e até ao presente, é feito ininterruptamente, pelo que o contrato tem a natureza de arrendamento rural. Para construir o parque habitacional, a autora não tem necessidade de obter a desocupação dos RR, destinando-se a parte ocupada por estes a ser ocupada por um ringue desportivo e zona de recreio. E reconvêm. Nesta sede alegam que os RR têm direito a ser indemnizados das benfeitorias efectuadas e que, com o consentimento dos senhorios, os RR fizeram no arrendado diversas benfeitorias em valor não inferior a € 10 000,00. Pedem a improcedência da acção e, a não se entender assim, a procedência da reconvenção com a condenação da autora no pagamento da quantia de € 10 000,00 a título de benfeitorias. A autora responde e contesta a reconvenção. Impugna que os RR tenham qualquer arrendamento agrícola ou que agricultem a parte rústica do prédio que a autora comprou, sendo apenas arrendatários habitacionais. Alega desconhecer as benfeitorias que os RR alegam e que, de qualquer modo é exagerado o valor pedido, que deve improceder. Conclui como na petição e pelo improvimento da pretensão reconvencional. 2) - Proferida despacho saneador que julgou a instância válida e regular, sendo dispensada a selecção da matéria de facto. 3) - Organizados os meios de prova, pelos RR foi requerida “prova pericial efectuar por um único perito”, com a seguintes finalidade: a) Avaliar o valor patrimonial da casa habitada pelos RR, identificada no artº.1º da contestação, b) Avaliar o valor patrimonial da área de terreno ocupada pelos RR identificada no artº 1º da contestação e c) avaliar o valor das benfeitorias mencionadas pelos RR, nos artigos 25º a 31º da contestação/reconvenção. A autora, pronunciando-se quanto á prova pericial requerida pelos RR, entende que não deve ser deferido o requerido, nesse âmbito, pelos RR. A perícia veio a ser indeferia, motivando-se a decisão nos seguintes termos: “Quanto à prova pericial requerida pelos Réus, relativamente à avaliação do valor patrimonial da casa e do terreno eventualmente ocupado pelos, Réus, tal valor é determinado por via do valor constante da matriz, conforme inscrito nas finanças, pelo que não pode tal valor ser determinado por via pericial. Quanto ás benfeitorias, consideramos que a prova pericial é de todo desadequada afazer prova dessas benfeitorias, pois elas foram realizadas no passado, sendo mais adequada a prova documental e testemunhal, relativamente a quanto é que foi dispendido com essas mesmas benfeitorias, pois isso é que constitui o direito dos Réus relativamente a elas. Deste modo, indefere-se a requerida perícia”. Discordante, agravam os RR. Na sequência do que alegam e concluem: “1ª- Com a perícia requerida como meio de prova visam os Recorrentes fazer a demonstração do valor da casa e do valor do terreno, bem como do valor das benfeitorias que reclamam no pedido reconvencional. 2ª- A demonstração do valor da casa, do terreno e das benfeitorias revela-se importante para a composição dos interesses em litígio, permitindo aos agravantes a defesa dos seus direitos. 3ª- De acordo com os encargos de repartição do ónus da prova, deve ser permitido aos Agravantes os meios de satisfazerem a prova dos factos que invocaram. 4ª- A decisão proferida violou o disposto nos artigos 342º e 346º do C.Civil e bem assim o disposto no artigo 568º e 569º do C.Civil. Termos em que deve ser revogada e substituída por decisão que permita a requerida prova. COMO É DE JUSTIÇA.” A agravada não respondeu. 4) - Realizada a audiência de discussão e julgamento, e decidida a matéria de facto provada e não provada, foi proferida sentença, julgando a acção procedente, condenou os Réus a despejar e a desocupar a casa arrendada e a entregá-la à autora, livre e desocupada, no fim do prazo de renovação em curso, ou seja, em 30.06.2006. Mais condenou a autora a realojar os réus na casa a eles destinada ou a pagar-lhes a indemnização devida, consoante estes optem pela desocupação do novo espaço, ou pela resolução do contrato, a comunicar à autora no prazo estabelecido no artigo 10º da Lei 2088, valendo o silencia como opção pela resolução a efectuar no prazo mencionado no artigo 11º dessa Lei. Mais foram as partes convidadas a pronunciar-se acerca de eventual má fé indiciada pelos factos provados. Após, foram os RR condenados, como litigantes de má fé, na multa de 5 UC. 5) – Inconformados com a sentença bem como da condenação como litigantes de má fé, recorrem os RR. A) – Quanto à apelação da sentença, alegam e concluem nos seguintes termos: “1ª. A casa térrea que foi dada de arrendamento aos Recorrentes tem dois terrenos, um atrás e outro á frente, os quais estão incluídos no âmbito do acordo celebrado entre arrendatários e senhorio; 2ª. A casa destinou-se a servir de habitação permanente aos RR. e agregado familiar e nos terrenos aludidos os RR. cultivam produtos agrícolas; 3ª. Reveste importância para os presentes autos apurar a natureza jurídica do contrato celebrado, nomeadamente para se identificar se o mesmo é urbano ou de arrendamento rural; 4ª. A prova pericial requerida pelos RR. para efeitos de avaliação do valor dos terrenos e da casa de habitação era importante e necessária, razão porque, pela procedência do recurso de agravo que sobe com a apelação, esse elemento fundamental terá de ser apurado. 5ª. Ficou demonstrado nos autos que a Recorrida já concluiu com êxito todas as habitações que se tinha proposto realizar no empreendimento, tendo todas elas sido edificadas na parte restante do prédio. 6ª. Não se mostra, por isso, indispensável a denúncia do contrato dos Recorrentes só porque a área onde está implantada a casa e os terrenos de cultivo se destinar, tão-somente, à construção de um pavilhão desportivo - ringue; 7ª. Não é lícito nem humano sacrificar o direito à habitação dos Recorrentes, despejando-os do locado e obrigando-os a suportar uma renda de 175,00 €, quando apenas pagavam 5.00 €. 8ª. Ficou demonstrado nos autos a realização pelos Recorrentes de muitas benfeitorias na casa locada, ficando também provado que aqueles melhoramentos não podiam ser retirados sem a sua inutilização. 9ª. Por tal motivo o pedido reconvencional deveria merecer provimento, tornando-se, também, indispensável realizar a perícia às benfeitorias para alcançar o seu justo valor, o que deverá ser feito através da procedência do agravo. 10ª. Finalmente, a sentença recorrida condenou injustamente os Recorrentes como litigantes de má fé. 11ª. Analisando à matéria alegada e bem assim à matéria provada, não é correcto concluir que os Recorrentes usaram de má fé na articulação de factos falsos. 12ª. Pelo contrário, ao alegarem a natureza rural do contrato que celebraram, até lograram provar grande parte dos factos invocados, nomeadamente a existência de terrenos de cultivo destinados à exploração agrícola. 13ª. A sentença recorrida violou as disposições legais contidas na Lei 2088, artª. 2°., do Decreto-Lei 385/88, de 25 de Outubro, 1273°. do Código Civil e artº 456°. Do Código Processo Civil. Termos em que deve ser revogada e substituída por decisão que julgue a acção improcedente e absolvam os RR. do pedido e bem assim da sua condenação como litigantes de má fé”. B) – No recurso da decisão que impôs a condenação em multa por litigância de má fé, os RR/recorrentes formulam as conclusões: “1ª A sentença recorrida condenou injustamente os Recorrentes como litigantes de má fé. 2ª Analisando a matéria alegada bem assim a matéria provada não é correcto concluir que os Recorrentes usaram de má fé na articulação de factos falsos. 3ª Pelo contrário, ao alegarem a natureza rural do contrato que celebraram, até lograram provar grande parte dos factos invocados, nomeadamente a existência de terrenos de cultivo destinados à exploração agrícola, onde granjeavam produtos agrícolas. 4ª A sentença recorrida violou a disposição legal contida no artº 456º dp Código de Processo Civil. Termos em que deve ser revogada absolvendo-se o recorrente da multa em que foi condenado.”. A autora contra-alegou na apelação em defesa da confirmação do julgado. Colhidos os vistos cumpre decidir. 5) São os seguintes os factos que vêm julgados provados na sentença recorrida: a) Em 8 de Junho de 1998, a Autora adquiriu, por compra, um prédio misto composto por casa térrea e por parcela de terreno denominada "E…………….", sito no Lugar ………… ou …………., da freguesia de Guifões, concelho de Matosinhos. b) Esse prédio, que passou a estar descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº 01224/010200 por força da anexação dos prédios nºs 01217/291299 (que resultou da anexação dos prédios nºs 003211180589 e 00997/301298) e 01223/010200, encontra-se registado a favor da Autora pelas inscrições G-um, G-dois e G-três. c) A Autora adquiriu o citado prédio para nele construir um empreendimento de 264 novas habitações em regime de propriedade horizontal, bem como lojas para comércio, equipamentos de apoio às habitações e equipamento desportivo. d) A Autora obteve autorização da Câmara Municipal de Matosinhos para lotear o citado prédio, com vista à construção de 264 habitações, lojas para comércio e equipamento social e desportivo, e) A Autora obteve, ainda, o Alvará de Licença de Construção, com o nº 404/01, de 25 de Outubro de 2001. f) Com base nesse Alvará de Licença de Construção, a autora deu início à execução das obras de construção do empreendimento. g) Em 1976, por acordo verbal celebrado com o anterior proprietário do prédio referido em a), foi dado de arrendamento aos Réus uma casa térrea que constitui a parte urbana do mencionado prédio misto e está inscrita na matriz urbana sob o artº 3021, mediante o pagamento de uma contrapartida monetária, que actualmente se cifra em 5 €. h) Nessa casa residem os Réus e uma filha. i) Essa habitação tem a área total de 30,7 m2 e compõe-se de uma sala com a área de 6,62 m2, de dois quartos com as áreas de 6,23 m2 e de 6,66 m2, de uma cozinha com a área de 7,08 m2 e, ainda, de instalações sanitárias com a área de 4,11 m2, estas últimas num anexo localizado no exterior da casa. j) Para viabilizar e finalizar a construção do projecto imobiliário referido em d), é necessário demolir a casa referida em g). k) A Autora contactou os Réus, tendo solicitado a sua comparência em reunião onde lhes comunicou de que seria necessário proceder à demolição do locado para viabilizar a construção do empreendimento habitacional, garantindo o seu realojamento numa das habitações a construir sem alteração do valor mensal da renda, € 5,00 (cinco euros), podendo os Réus optar por uma habitação do tipo T3 ou em alternativa, uma habitação do tipo T2 com pagamento de uma indemnização de € 200.000$00. l) Os Réus responderam a essa proposta da Autora, informando que não aceitavam ser realojados numa nova habitação a construir no empreendimento habitacional, exigindo, como condições para deixar o locado livre de pessoas e bens, o realojamento numa casa própria, térrea, com o mínimo de três assoalhadas, dois quartos de banho, uma garagem, um jardim, uma despensa, um ‘santuário’ e uma indemnização de Esc. 40.000.000$00. m) Perante tais condições impostas pelos Réus, a Autora informou-os que não poderia aceitar tais condições propostas, mantendo a proposta inicial de os realojar numa habitação a construir no citado empreendimento habitacional, aceitando manter o mesmo valor de renda, € 5,00. n) Face à não aceitação da Autora, os Réus apresentaram-lhe uma nova proposta informando que aceitavam deixar o locado para serem realojados numa habitação a construir no mesmo local, mas impondo como condições, poderem escolher a habitação, serem proprietários e não arrendatários da nova habitação, exigindo ainda em simultâneo o pagamento de uma indemnização no montante de Esc. 4.000.000$00. o) A Autora informou os Réus que não aceitava tal proposta, mantendo a proposta inicial: realojamento numa habitação do tipo T3 ou, em alternativa realojamento numa habitação do tipo T2 com pagamento da quantia de Esc. 200.000$00 mantendo o valor da renda mensal de € 5,00. p) Os Réus responderam à Autora informando que não aceitavam nenhuma dessas propostas. q) A Autora contactou e marcou diversas reuniões com os Réus ao longo da construção do empreendimento habitacional, tentando até à data de entrada da acção a resolução extrajudicial da presente situação através de um acordo com os Réus. r) Tal acordo sobre o realojamento não se mostrou possível. s) Enquanto decorreram as referidas conversações com os Réus, a Autora foi conseguindo conciliar a permanência dos Réus no local arrendado com a construção de parte do empreendimento. t) A Autora destinou uma das habitações do empreendimento, no lote nº 18, para realojamento dos Réus. u) A habitação que a Autora destinou, no citado empreendimento habitacional, para o realojamento dos Réus é a fracção autónoma designada pela letra “H" que se compõe de uma habitação tipo T2, com a área total de 85,13 m2, sita no rés do chão direito da entrada n° 58, da ………….., composta por vestíbulo com a área de 8,45 m2, sala comum com a área de 19,00 m2, cozinha com a área de 9,00 m2, lavandaria com a área de 2,50 m2, quarto de banho, um quarto com a área de 9,60 m2 e outro quarto com a área de 11,30 m2. v) A Autora dispõe presentemente de todas as condições para realojar os Réus na referida nova habitação, possuindo já o Alvará de Licença de Habitabilidade. x) O empreendimento referido em d) aumenta e melhora o parque habitacional, melhorando ainda as condições de todos os seus habitantes que poderão vir a usufruir de áreas de lazer, espaços verdes e locais destinados à prática de desporto e ainda de áreas destinadas a comércio. w) A Autora requereu em 21/12/2001 a constituição da Comissão Permanente de Avaliação para determinar e certificar qual o valor da renda atribuído à nova habitação destinada aos Réus. y) A Autora foi notificada do resultado dessa avaliação através do ofício com o n° 12828 datado de 1 de Junho de 2002. z) A Comissão Permanente de Avaliação fixou em € 175,00 a renda mensal da habitação destinada pela Autora ao realojamento dos Réus: fracção" H", correspondente ao rés-do-chão direito, do prédio sito na ……….., nº …., lote …., Guifões, Matosinhos. aa) A casa térrea referida em g) tem dois terrenos, um atrás e outro à frente, o primeiro com a área de cerca de 80 m2 e o segundo de área inferior, os quais estão incluídos no âmbito do acordo também mencionado em d). bb) Essa casa destinou-se a servir de habitação permanente aos Réus e ao seu agregado familiar. cc) Nos terrenos referidos em aa) os Réus cultivam produtos agrícolas. dd) Todas as habitações que a Autora se propôs realizar já se encontram concluídas. ee) Tendo as mesmas sido edificadas na restante parte do prédio. ff) A demolição da casa térrea referida supra visa a construção de um pavilhão desportivo - ringue - no âmbito do empreendimento referido em d). gg) Os Réus, num anexo da casa térrea referida, fizeram uma casa de banho completa, com todas as louças sanitárias. hh) Também rebocaram e pintaram as paredes e colocaram tijoleira na casa toda. ii) Tais melhoramentos não podem ser retirados sem a sua inutilização. jj) O empreendimento imobiliário em causa insere-se no âmbito do Programa Especial de Realojamento, fazendo parte de um empreendimento camarário de habitação social (facto que resulta do teor do documento de fls. 66, que não foi impugnado, e do declarado pelos próprios Réus no auto de tentativa de conciliação de fls. 235-236). 6.1 - Nos termos preceituados pelo artigo 710º do CPC, “a apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição …” (nº 1) e “os agravos só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa …” (nº 2). O agravo do despacho que indeferiu a perícia foi interposto pelos apelantes, antes da interposição do recurso de apelação. Se procedente, só lhe é dado provimento se a infracção influir no exame e decisão da causa. Quanto a este agravo, temos por manifesta a razão dos agravantes. Dissentimos da douta decisão, por os fundamentos aduzidos no despacho recorrido não relevarem para indeferir a perícia requerida pelos réus. 6.2 - Em cumprimento de despacho do Sr. Juiz, foram os RR notificados para os efeitos do disposto no artigo 512º/1 do CPC, isto é, para, em 15 dias, apresentarem o rol de testemunhas, requererem outras provas e requererem a gravação da audiência final. A perícia é um meio de prova, estando as respostas dos peritos sujeitos a livre apreciação do tribunal. “A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem …” (artigo 388º do CCivil). É direito das partes poderem oferecer ou requerer quaisquer provas (lícitas) que entendam necessárias para provar os factos que alegam em sustentação dos direitos afirmados ou para contra prova dos factos alegados pela contraparte que ponham em crise esses direitos. É decorrência do princípio do contraditório e do direito de defesa. São sujeitos a instrução os factos relevantes para exame e decisão da causa que sejam controvertidos ou necessitem de ser provados. E como determina ao artigo 515º do CPC, o tribunal deve atender a todas as provas produzidas, provenham ou não da parte que deva produzi-las (decorrência do princípio da aquisição processual). É direito da parte requerer a realização de exames periciais. A parte que requer a perícia - cuja finalidade é a prova dos factos controvertidos ou necessitados de prova (atendendo à especificidade dos mesmos, cuja percepção ou apreciação demandem conhecimentos científicos ou técnicos especiais) - deve indicar o respectivo objecto que pode versar sobre os factos por si alegados ou os alegados pela parte contrária. Desde que esse objecto se enquadre no âmbito da matéria em discussão na causa, quanto a factualidade ainda não assente, relevante para o exame e decisão da causa, a perícia não pode ser indeferida, a não ser que se tenha por impertinente ou dilatória (artigo 578º/1 do CPC). Nenhuma dessas razões consta expressa ou se indiciam subjacentes à decisão que a indeferiu. Mas, embora o facto de não se aduzirem concretamente essas razões, não significa que a perícia não possa ser julgada impertinente ou dilatória, se essa for a situação. 6.3 - Todo o processo civil é dominado pelos princípios do contraditório e igualdade das partes (arts. 3º e 3º-A, do CPC), indispensáveis à garantia do direito de defesa e ao apuramento da verdade. Nos termos desse artigo 3º/3 “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, princípio do contraditório”, o que constitui uma garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento do ‘litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão’(1). O contraditório é visto, assim, não só numa perspectiva de defesa contra pretensão alheia mas também de influência no desfecho da causa, quer na fase da alegação, da exposição dos motivos da pretensão ou da oposição aos interesses da outra parte, como nas fases subsequentes do processo, em tudo quanto possa contender com a sua posição e interesses. Esse princípio, no que respeita ao direito à prova, exige que “às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos (principais ou instrumentais) da causa”(2). Em posição de igualdade, é faculdade das partes propor quaisquer as provas (lícitas) que entendam necessárias ao apuramento da realidade dos factos da causa como a pronunciar-se sobre a admissão das provas propostas pela parte contrária (cfr. artº 517º do CPC) e, bem assim, a pronunciar-se sobre a apreciação de todas as provas produzidas no processo, reconhecendo-se a ambas as partes idênticas a possibilidades de utilização dos meios processuais em defesa das suas posições. Tendo a parte direito à admissão de todas as provas que considere relevantes para o objecto da causa, não pode o juiz rejeitar a prova oferecida ou requerida por entendê-la irrelevante, desadequada à prova de determinado facto ou porque outra mais adequada existe ou é possível para o efeito. Só o pode fazer se as provas oferecidas ou requeridas forem impertinentes ou dilatórias, pois que é dever do juiz providenciar pelo andamento regular e célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da lide e recusando o que for impertinente ou meramente dilatório (cfr. artigo 265º/1 do CPC), tal como pode suceder com a perícia (artigo 578º/1 do CPC). Se com esse meio de prova se procura comprovar factos relevantes para o exame e decisão da causa, se útil para esse efeito, não poderá afirmar-se impertinente e dilatória e, portanto, indeferir-se a perícia. Se completamente inútil para comprovação de qualquer facto relevante ou com ela visa a parte protelar a decisão, atrasar o regular andamento do processo, retardar a decisão final, então a diligência é impertinente (inútil) ou dilatória e, nesse entendimento, deve ser indeferida. 6.4 - “As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos” (artigo 341º do CC); têm por objecto os factos e a sua produção visa a formação da convicção do juiz acerca da realidade dos mesmos (relevantes ou pertinentes para a decisão da causa). Conforme preceitua o artigo 342º do CC, quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos desse direito (nº 1) como quem lhe opõe facto impeditivo modificativo ou extintivo fica onerado com o encargo da prova desse facto (n. 2). O que implica que, previamente, esses factos sejam alegados por quem tem o ónus de os provar. Mesmo que a parte onerada com o encargo da prova não faça, por si, a prova do facto, este pode ser julgado provado com prova oferecida pela parte contrária ou oficiosamente determinada pelo tribunal (cfr. arts. 515º e 265º/3 do CPC); mas, recaindo sobre si o encargo da prova do facto para ver acolhida a sua pretensão, se o não fizer, suportará as consequências nefastas dessa falta ou insuficiência de prova (a acção ou a excepção improcedem). Pois a dúvida sobre a realidade do facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (artigo 516º do CPC) – o autor, se o facto respeita aos fundamentos da acção (e esta improcede) ou o réu, se o facto respeitar a excepção oposta ao direito do autor (e, neste caso, a excepção improcede e vê o autor acolhida a sua pretensão que o réu, com a excepção, pretendia afastar). 6.5 – Na sequência do despacho saneador não foi seleccionada a matéria de facto. Não plenamente provados por admissão (artigo 490º/2 do CPC) ou por documento, todos os demais factos estão em aberto, podem ser sujeitos a prova. Relevam para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, os factos em que se baseia a acção e, bem assim, aqueles em que se sustentam as excepções ou a eventual reconvenção. Nesta sede, os RR, na sua contestação/reconvenção, alegam a vigência de um arrendamento rural, em que a parte rústica do prédio, destinado a agricultar, tinha um valor muito superior à parte urbana e, ainda, que realizaram diversas benfeitorias que, em caso de procedência da acção, querem ver indemnizadas. Requerem a realização de uma perícia/avaliação da parte urbana do prédio arrendado (- avaliação do valor patrimonial da casa habitada pelos RR) e da parte rústica (- avaliação do valor patrimonial da área de terreno ocupada pelos RR) e, ainda, para avaliar o valor das benfeitorias mencionadas pelos RR, nos artigos 25º a 31º da contestação/reconvenção, benfeitorias que alegam ter um valor não inferior a € 10 000,00. Os factos relativos a esses questões - natureza do arrendamento (a questão de forma não é aqui objecto de decisão) e benfeitorias – foram sujeitas a prova. E sem a realização da perícia, foram parte dos factos, nesse âmbito, julgados provados. Outros não provados. Uns e outros com interesse na decisão final. Se algumas dúvidas se poderiam levantar quanto á relevância da determinação do valor das partes rústica e urbana para se concluir pela natureza do arrendamento, não é, porém, a perícia impertinente ou dilatória. E, para o efeito, é de todo irrelevante o valor da matriz, frequentemente irrisório, quando a decisão deve reflectir – tanto quanto a verdade judicial o permite - a verdade material, a realidade da situação, ao que importa o valor real das coisas, sujeitas a avaliação. Mas, é manifesta a relevância da avaliação para a decisão quanto aos factos relativos ao valor das benfeitorias (não havendo fundamento algum para a indeferir por haver outras provas também - ou mais - idóneas a demonstrar o valor mas que, a final, nem se veio a apurar, como consta da decisão sobre a matéria de facto, atrás reproduzida). Nem vemos que a avaliação/perícia, seja qual for a perspectiva por que se veja, se mostre inadequada a determinar o seu valor. Pelo contrário (como a final, na douta sentença, se discreteia, a indemnização deve ter em conta as regras do enriquecimento sem causa), necessário é determinar o valor das benfeitorias na actualidade, quando a obrigação de restituir se mede pelo enriquecimento do obrigado à restituição (sem superar o valor do empobrecimento), e este só enriquece quando a benfeitoria passa ao seu domínio. E, sem ser questão a analisar neste momento, é algo formal afirmar-se que não há enriquecimento pois que as benfeitorias são para destruir dada a finalidade da denúncia do arrendamento (a construção de mais espaços habitáveis e estruturas de apoio), como se sem o desapossamento e desafectação da fruição pelo benfeitorizante fosse possível a destruição da casa e anexos e a maior edificação (a valorização daquilo que existia) e se com esta maior edificação não beneficiasse a autora/agravada. Não cabe ao tribunal fazer opção pelo meio de prova a utilizar, se este ou aquele é mais adequado ou não que outro; se com a prova testemunhal se alcança mais eficazmente determinado objectivo probatório. E, temos para nós – sem desrespeito por diversa opinião – que, para determinar o valor de uma benfeitoria, definida esta, será bem mais seguro o recurso a uma avaliação técnica que se limitar a uma demonstração testemunhal. Em conclusão – como requerida, a perícia, proposto que foi o seu objecto, mostra-se relevante para demonstração da factualidade em causa, não devendo afirmar-se impertinente ou dilatória. 7) Deve proceder-se à requerida avaliação, com a determinação do objecto que o Mmo Juiz, nos termos do artigo 578º/2 do CPC, decidir (em concretização ou ampliação desse objecto), mas contemplando as questões propostas pelos RR. Procedendo o agravo, fica prejudicada a apelação e o agravo da decisão que impôs aos RR a condenação em 5 (cinco) UC de multa, por litigarem de má fé. Pois que, a procedência do primeiro agravo implica a anulação de todo o processado subsequente ao despacho que não admitiu a requerida avaliação. 8) Em conclusão: - É direito das partes poderem oferecer ou requerer quaisquer provas (lícitas) que entendam necessárias para provar os factos que alegam em sustentação dos direitos afirmados ou para contra prova dos factos alegados pela contraparte que ponham em crise esse direito; - Desde que o objecto da perícia se enquadre no âmbito da matéria em discussão na causa, quanto à factualidade ainda não assente, relevante para o exame e decisão da causa, a perícia não pode ser indeferida, a não ser que seja impertinente ou dilatória. 9) Pelo exposto, acorda-se neste tribunal da Relação do Porto em dar provimento ao agravo interposto pelos RR/apelados do despacho que indeferiu a perícia/avaliação por si requerida, devendo o Mmo Juiz ordenar a realização da dita avaliação, com o objecto a determinar nos termos expostos em 7) da fundamentação. Consequentemente, anula-se o processado subsequente a esse despacho recorrido, incluindo o julgamento, douta sentença e despacho que condenou s RR como litigantes de má fé, ficando prejudicado o conhecimento da apelação e agravo posteriormente interposto. Custas do recurso de agravo pela agravada. Porto, 21 de Março de 2007 José Manuel Carvalho Ferraz Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves António do Amaral Ferreira ____________________ (1) J. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, 96 (2) J. Lebre de Freitas (e outros) em CPC Anotado, II, 388). |