Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PAULA LEAL DE CARVALHO | ||
| Descritores: | DEPOIMENTO DE PARTE COMPENSAÇÃO EM CASO DE DESPEDIMENTO ILÍCITO SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP2014070940/13.0TTBRG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 07/09/2014 | ||
| Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Ao contrário do que sucede com a dedução a que se reporta o art. 390º, nº 2, al. c), do CT/2009 [subsídio de desemprego], que tutela interesse de ordem pública e é de conhecimento oficioso, a dedução a que se reporta a al. a) do citado preceito não é de conhecimento oficioso. II - Cabendo a representação da sociedade em juízo ao seu conselho de administração e sendo este composto por um presidente e por um vice presidente, a prestação de depoimento de parte por apenas pelo segundo consubstancia meio de prova a apreciar livremente pelo tribunal (art. 361º do CC). III - O subsídio de refeição, atento o disposto no art. 260º, nºs 1 e 2, do CT/2009 não integra o conceito de retribuição para efeitos do previsto no art. 390º, nº 1, do citado Código. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº40/13.0TTBRG.P1 Relatora: Paula Leal de Carvalho (R764) Adjuntos: Dr. Rui Penha Drª M. Fernanda Soares (1230) Acordam no Tribunal da Relação do Porto I B… apresentou, em 11.01.2013, no Tribunal do Trabalho de Braga, o formulário a que aludem os artigos 98º-C e 98º-D do CPT, declarando que se opõe ao despedimento promovido em 29.11.2012, pela sua entidade empregadora C… S.A., requerendo seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo. Com o formulário juntou a decisão de despedimento. Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação entre as partes, a empregadora veio apresentar articulado motivador do despedimento do trabalhador defendendo a existência de justa causa para o despedimento, declarando ainda opor-se à reintegração. O trabalhador, patrocinado pelo MP., veio contestar/reconvir pedindo seja declarado a ilicitude do seu despedimento devendo a empregadora ser condenada A) A reintegrá-lo ou a pagar-lhe, em substituição da reintegração, e se por tal vier a optar, uma indemnização correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, até ao trânsito em julgado da decisão final; B) A pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da decisão final; C) A pagar-lhe as quantias de € 2.500,00, a título de danos não patrimoniais, € 1.012,17, a título de horas extraordinárias, € 478,04, a título de descanso compensatório, € 379,40, a título de crédito acumulado de horas de formação, € 199,33, a título de diferença de subsídio de natal de 2012, € 1.512,26 referente a salários dos meses de Janeiro e Fevereiro de 2013; D) A pagar-lhe uma sanção pecuniária compulsória à razão de € 100,00 por dia. Invoca o trabalhador a ilicitude do despedimento – artigo 381º, al. b) do CT – a invalidade do despedimento por violação das disposições legais conjugadas dos artigos 382º, al. d), 357º, nº4 e 351º, nº3 do CT., a violação do princípio do contraditório, a falta de fundamentação da decisão final de despedimento e a inexistência de justa causa para despedir. A empregadora veio responder concluindo pela improcedência das excepções invocadas bem como do pedido reconvencional, devendo declarar-se a licitude do despedimento nos termos que invocou no seu articulado. Admitido liminarmente o pedido reconvencional e proferido o despacho saneador foi designado dia para julgamento. A Mmª. Juiz a quo admitiu o depoimento de parte dos legais representantes da entidade empregadora. Em audiência de julgamento foi ordenado a apensação do processo nº41/13.8TTBRG aos presentes autos. D… apresentou, em 11.01.2013, no Tribunal do Trabalho de Braga, o formulário a que aludem os artigos 98º-C e 98º-D do CPT, declarando que se opõe ao despedimento promovido em 29.11.2012, pela sua entidade empregadora C… S.A., requerendo seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo. Com o formulário juntou a decisão de despedimento. Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação entre as partes, a empregadora veio apresentar articulado motivador do despedimento do trabalhador defendendo a existência de justa causa para o despedimento, declarando ainda opor-se à reintegração. O trabalhador, patrocinado pelo MP., veio contestar/reconvir pedindo seja declarado a ilicitude do seu despedimento devendo a empregadora ser condenada A) A reintegrá-lo ou a pagar-lhe, em substituição da reintegração, e se por tal vier a optar, uma indemnização correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, até ao trânsito em julgado da decisão final; B) A pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da decisão final; C) A pagar-lhe as quantias de € 7.500,00, a título de danos não patrimoniais, € 11.026,08, a título de horas extraordinárias, € 756,52, a título de descanso compensatório, € 223,87, a título de diferença no subsídio de natal de 2012, € 1.512,26 referente a salários dos meses de Janeiro e Fevereiro de 2013; D) A pagar-lhe uma sanção pecuniária compulsória à razão de € 100,00 por dia. Invoca o trabalhador a ilicitude do despedimento – artigo 381º, al. b) do CT – a invalidade do despedimento por violação das disposições legais conjugadas dos artigos 382º, al. d), 357º, nº4 e 351º, nº3 do CT., a violação do princípio do contraditório, a falta de fundamentação da decisão final de despedimento e a inexistência de justa causa para despedir. A empregadora veio responder concluindo pela improcedência das excepções invocadas bem como do pedido reconvencional, devendo declarar-se a licitude do despedimento nos termos que invocou no seu articulado. Admitido liminarmente o pedido reconvencional e proferido o despacho saneador foi designado dia para julgamento. A Mmª. Juiz a quo admitiu o depoimento de parte dos legais representantes da entidade empregadora. Pelos trabalhadores foi declarado prescindirem do depoimento de parte do legal representante da empregadora, E…. Procedeu-se a julgamento com gravação da prova pessoal tendo sido ouvido em depoimento de parte o legal representante da empregadora, F…. De seguida foi proferida sentença que julgou ilícito o despedimento de B… e de D… e condenou a empregadora A) A reintegrar ambos os trabalhadores; B) A pagar ao trabalhador B… a quantia de € 10.207,30, a título de retribuições que deixou de auferir desde a data de 29.11.2012 até à data da sentença, descontado o período compreendido entre a data do despedimento e os 30 dias imediatamente anteriores à data da entrada em juízo da presente acção, sem prejuízo do valor que resultar à data do trânsito em julgado da presente acção; C) A pagar ao trabalhador D… a quantia de € 11.295,30, a título de retribuições que deixou de auferir desde a data de 29.11.2012 até à data da sentença, descontado o período compreendido entre a data do despedimento e os 30 dias imediatamente anteriores à data da entrada em juízo da presente acção, sem prejuízo do valor que resultar à data do trânsito em julgado da presente acção; D) A pagar ao trabalhador B… a quantia de € 1.300,00, a título de danos não patrimoniais; E) A pagar ao trabalhador D… a quantia de € 2.000,00, a título de danos não patrimoniais; F) A pagar ao trabalhador B… a quantia de € 199,33, a título de diferenças no subsídio de natal de 2012; G) A pagar ao trabalhador D… a quantia de € 223,87, a título de diferenças no subsídio de natal de 2012. Foi ainda a empregadora condenada a pagar aos trabalhadores, sobre as quantias referidas, os juros de mora nos moldes indicados na sentença. Foi igualmente fixada em € 25,00 diários – em referência a cada um dos trabalhadores – a sanção compulsória. A empregadora veio, em 09.01.214, arguir a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, e recorrer da mesma, pedindo a sua revogação nos termos que indica nas conclusões de recurso, a saber: 1. Considerou o Tribunal a quo válido o depoimento de parte do Vice-Presidente da recorrente. 2. Tal depoimento não vincula a recorrente, uma sociedade anónima. 3. Os depoimentos de parte dos legais representantes da recorrente foram admitidos no despacho saneador. 4. Sucede, porém, que durante a audiência de discussão e julgamento o MP declarou prescindir do depoimento de parte do legal representante, E…, tendo a Mmª. Juiz a quo admitido o depoimento restante e validado como representando a sociedade/recorrente. 5. Tal depoimento nunca poderia vincular a sociedade em termos confessórios, pois o depoimento de parte visa obter a prova através de confissão judicial, o que se traduz no reconhecimento em juízo pela parte da veracidade de um facto que lhe é desfavorável e favorável à parte contrária – artigos 352º e 335º, nº2 do C. Civil. 6. A representação da sociedade/recorrente em juízo, com poderes para transigir e confessar em quaisquer pleitos, há-se ser feita pelo conselho de administração, competindo-lhe, sem prejuízo das demais atribuições que lhe conferem a lei e os estatutos, nos termos do artigo 163º do C. Civil e artigo 12º, nº1, al. f) e nº2 e nº3 do Contrato de Sociedade. 7. Pelo que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 411º e 454º do NCPC, e ainda os artigos 163º, nº1 e 167º do C. Civil, pois o depoimento de parte pode ser exigido aos representantes das pessoas colectivas ou sociedades, só tendo, porém, o valor de confissão nos precisos termos em que podem obrigar os seus representados – artigo 453º, nº2 do NCPC. 8. Ora, compulsado o documentos junto com a contestação/reconvenção sob o nº2, verifica-se que a sociedade/recorrente se obriga pela assinatura conjunta dos Administradores, assim, no caso, a representação da sociedade em juízo caberá, além dos administradores, a quem o conselho de administração designar para o efeito. 9. A admissão do depoimento de parte e consequente valoração em termos de prova, ofende o fim do depoimento de parte, o fim do processo e, por essa via, os desideratos da descoberta da verdade material e da realização da justiça, o que é incompatível, designadamente, com o disposto nos artigos 20º, nº1 e 202º, nº2, ambos da CRP – acórdão do STJ de 12.09.2007. 10. Nos presentes autos impõe-se ser reapreciada a matéria de facto de forma a serem dados como provados os seguintes factos constantes da nota de culpa: B…: - que a madeira retirada do terreno e transportada pelo trabalhador no camião da entidade patronal, nunca chegou à sede da empresa; - que agiu o Autor/recorrido de má fé, prestando informações à sua entidade patronal que sabia não serem verdadeiras; - que cerca das 12 horas do dia 7 de Setembro o Autor/recorrido regressou ao terreno em causa, a conduzir o camião propriedade da entidade patronal, tendo-lhe sido dada pelo Presidente do Conselho de Administração, novamente a ordem de abandonar o local e regressar à sede da empresa; - que o Autor/recorrido não acatou as ordens dadas, e reiteradamente, recusou-se a cumprir o solicitado, assim quer no dia 7 de Setembro, quer no dia 10, continuou a realizar tarefas no terreno em causa; - que todavia, no dia 11 de Setembro, o Autor/recorrido voltou a apresentar-se ao trabalho, e deslocou-se novamente para o terreno propriedade da empresa, realizando alguns trabalhos; - situação persiste até à presente data, consubstanciando, assim, uma desobediência reiterada. D…: - que Autor/recorrido não acatou as ordens dadas, e reiteradamente, recusou-se a cumprir o solicitado, assim quer no dia 7 de Setembro, quer no dia 10, continuou a realizar tarefas no terreno em causa, procedendo ao corte de árvores e limpeza do mesmo; - que no dia 10 de Setembro, por volta das 18 horas, foi comunicado por carta entregue em mão, ao Autor/recorrido a instauração de procedimento disciplinar, pelos factos ocorridos nos dias 7 e 10 de Setembro, tendo-lhe sido também comunicado a sua imediata suspensão preventiva, sem prejuízo do pagamento da retribuição, em face da gravidade das infracções; - que o Autor/recorrido recusou-se a receber a carta, não obstante a comunicação verbal, na presença das testemunhas G… e N…; - que nesse mesmo dia, o Autor/recorrido entregou as chaves de carro e telemóvel; - que no dia 11 de Setembro, o Autor/recorrido voltou a apresentar-se ao trabalho, e deslocou-se novamente para o terreno propriedade da empresa, realizando alguns trabalhos; - o mesmo se verificando nos dias 12 e 13 e seguintes, não obstante a entidade patronal ter enviado carta registada com aviso de recepção para a residência do trabalhador, no dia 11 de Setembro e recebida a 12 de Setembro; - situação que persiste até à presente data, consubstanciando, assim, uma desobediência reiterada. 11. Impõe decisão diversa da 1ª instância quanto a estes factos os meios de prova seguintes: depoimentos das testemunhas G… e H…. 12. A decisão recorrida condenou a recorrente a pagar aos recorridos todas as retribuições vencidas entre 11.12.2012 até à efectiva reintegração, incluindo o subsídio de alimentação. 13. Sucede, porém, que nos termos do disposto no artigo 260º, nº2 do CT, o subsídio de refeição não se considera retribuição, pelo que a decisão recorrida violou o disposto no citado e no artigo 390º, nº1 do CT, padecendo de erro de julgamento da matéria de direito. 14. Os recorridos tinham que ter alegado e provado – o que não fizeram – que a gravidade dos danos, a dimensão da angústia e do sofrimento porque passaram são de tal forma graves que merecem a tutela do direito, não se reconduzindo à angústia e sofrimento naturalmente sentidos por quem é alvo de um processo disciplinar. Mas esta angústia com a perda de emprego, com a diminuição de rendimentos, com o aumento do custo de vida, é uma angústia normal, no sentido de que faz parte da vida, do dia a dia de todos, não sendo grave ao ponto de merecer a tutela do direito – acórdãos da Relação do Porto de 24.09.2007 e do STJ de 25.03.2010 em www.dgsi.pt. 15. Ora, em face da factualidade que resultou assente, é de concluir que não tem relevância bastante nem a culpa por parte da recorrente nem os danos não patrimoniais sofridos pelos recorridos, com vista a fundamentar uma condenação daquela em indemnização a favor destes. 16. Antes de mais não se vislumbra que a recorrente tenha instaurado o processo disciplinar de forma arbitrária e sem qualquer fundamento, quando é certo que no seu termo até veio a proferir o despedimento, no pressuposto de ter justa causa para o efeito, não se evidencia, pois, a sua culpa. 15. Do que se conclui nenhuma prova foi feita quanto à existência dos danos não patrimoniais e/ou valor dos mesmos. 16. Acresce que a sentença recorrida foi a recorrente condenada a reintegrar os trabalhadores, estabelecendo-se assim a reconstituição natural, nos termos do artigo 562º do C. Civil, da situação existente no momento do despedimento ilícito, pelo que ainda menos se justifica a condenação nos danos não patrimoniais. Os trabalhadores vieram contra alegar pugnando pela manutenção da decisão recorrida, concluindo do seguinte modo: 1. O Tribunal a quo teve por bem valorizar o depoimento de parte do Vice-Presidente da recorrente, fazendo-o sob a tutela do princípio da livre apreciação da prova. 2. Ademais, tendo a recorrente sido notificada da pretensão dos recorridos, sempre poderia ter indicado alguém, mandatário ou outro representante, para em seu nome e representação corresponder ao que lhe era pedido, depor como parte, e fazendo-o de harmonia com o disposto no artigo 407º do CSC. 3. Porque o não fez, vedado lhe está invocar, agora, qualquer vício formal invalidante do depoimento de parte do senhor Vice-Presidente, tal como dispõe o nº2 do artigo 197º do NCPC. 4. Sempre supondo que o caso sofre de vício de irregularidade ou mesmo nulidade, pois que, ainda então, tal ocorresse, e sempre estaria sanado, nos termos dos artigos 195º a 202º do NCPC. 5. O facto dos estatutos da recorrente dizerem que a sociedade fica obrigada pela assinatura de dois administradores, não inviabiliza a prestação do depoimento de parte do Presidente do Conselho de Administração, uma vez que os estatutos também prevêem que a sociedade fique obrigada pela assinatura de um só administrador, desde que devidamente mandatado pelo Conselho de Administração para certas matérias devidamente especificadas, conforme decorre do artigo 20º dos estatutos. 6. E uma vez que a qualidade de representante legal, para efeito de prestação de depoimento de parte, sempre poderá ser apreciada em julgamento, no momento que precede o depoimento, se forem levantadas dúvidas sobre essa qualidade ou sobre os seus poderes de representação, ficam afastados os receios da recorrente relativamente ás consequências previstas no artigo 357º do C. Civil. 7. A decisão que deferiu o depoimento de parte dos administradores transitou em julgado, pelo que a mesma passou a ter força obrigatória dentro do processo, o que vale por dizer que sobre ela se formou caso julgado formal, o que implica que as pretensões nela apreciadas não podem ser objecto de nova apreciação no decurso do processo. 8. Relativamente à alteração da decisão sobre a matéria de facto, a recorrente não respeitou o disposto no artigo 640º do NCPC, pelo que terá de se rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto requerida pela recorrente. 9. Cabia à recorrente provar, nos termos dos artigos 344, nº1 e 350º, n º1, ambos do C. Civil, que o subsídio de refeição não assume a natureza de retribuição. Se o tivesse conseguido, não veria a recorrente operar a presunção. Como o não fez, com ela ficou onerada e, por isso, o subsídio de refeição faz parte da retribuição dos recorridos. 10. Quanto à indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos recorridos cumpria a estes a demonstração da causalidade entre a conduta da parte que deixou de cumprir o contrato, ou cumpriu mal, e o dano suportado, o que se mostra provado. O Exmo. Procurador da República junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência das invocadas nulidades devendo o recurso ser julgado improcedente. Admitido o recurso, colheram-se os vistos legais. Tendo a relatora inicial ficado vencida quanto à questão da inclusão do subsídio de alimentação nas retribuições a pagar aos trabalhadores nos termos do artigo 390º, nº1 do CT é o processo relatado pela 1ª adjunta[1]. * * * Matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo.II 1. A entidade empregadora é uma sociedade comercial que exerce com fins lucrativos a indústria da construção civil e obras públicas. Quanto ao trabalhador B… 2. No dia 04.08.2008, através de contrato de trabalho a termo certo, pelo período de seis meses, foi o trabalhador admitido pela empregadora para exercer, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, as funções correspondentes à categoria profissional de condutor manobrador de equipamentos industriais. 3. À data de Novembro de 2012, como contrapartida do seu trabalho, recebia o trabalhador a retribuição mensal de € 650,00 acrescida do montante diário de € 5,65, a título de subsídio de alimentação. 4. A empregadora remeteu ao trabalhador a carta junta aos autos a folhas 24, por correio registado com A/R, a qual foi recebida a 12.09.2012, pela qual lhe comunicou a instauração de procedimento disciplinar bem como a decisão de imediata suspensão preventiva, sem prejuízo do pagamento da retribuição. 5. A empregadora remeteu ao trabalhador a nota de culpa junta aos autos a folhas 27, por correio registado com A/R, a qual foi recebida a 03.10.2012. 6. O trabalhador apresentou a 12.10.2012 a sua resposta à nota de culpa, a qual consta de folhas 33-36, tendo arrolado testemunhas. 7. A empregadora notificou por correio registado o trabalhador dando-lhe conhecimento da identidade da instrutora do processo disciplinar, mais indicando a data e local para inquirição das testemunhas por si arroladas. 8. As testemunhas D…, I…, J…, arroladas pelo trabalhador foram inquiridas no âmbito do processo disciplinar, bem como o administrador da empregadora F…. 9. Foi elaborado, a 29.12.2012, relatório final no âmbito do processo disciplinar movido ao trabalhador, o qual consta de folhas 45. 10. Nessa mesma data foi proferida decisão final, a qual consta de folhas 44, que culminou com a aplicação ao trabalhador da sanção disciplinar de despedimento. 11. O relatório final e a decisão final referidas em 9 e 10 foram remetidas ao trabalhador, por correio registado com A/R, tendo sido tal correspondência devolvida à empregadora com a menção «recusado pela sogra do destinatário». 12. O trabalhador apresentou juntamente com o formulário de folhas 2, cópia da «decisão final» referida em 10, datada de 29.11.2013, mencionando no referido formulário como data do despedimento aquela mesma data de 29.11.2013. 13. Factos Constantes da Nota de Culpa deduzida contra o trabalhador B… 13.1. No dia 07.09.2012 o trabalhador deslocou-se juntamente com os colegas de trabalho D…, I… e J… para um terreno pertencente à empregadora, sito em …, para fazer limpeza do mesmo. 13.2. No terreno referido em 13.1 encontravam-se os equipamentos da empregadora, como sejam veículos e grua. 13.3. O trabalhador e aqueles outros trabalhadores da empregadora procederam à realização da carga do camião da empregadora com lenha que retiraram do referido terreno. 13.4. No referido dia 07.09.2011, pelas 9:30H, o trabalhador, quando conduzia o camião referido em 13.3, foi mandado parar pelo Presidente do Conselho de Administração da empregadora, E…, encontrando-se este acompanhado pelos trabalhadores da empregadora H… e G…. 13.5. Na ocasião referida em 13.4 o Presidente do Conselho de Administração da empregadora perguntou ao trabalhador onde ia fazer a descarga do camião, ao que o mesmo lhe respondeu que a mesma seria feita na sede da empregadora. 13.6. No camião referido em 13.4 seguia, ao lado do trabalhador o Vice-Presidente do Conselho de Administração da empregadora, F…. 13.7. Na sequência do descrito em 13.5 iniciaram-se entre este F… e o trabalhador, bem como entre aquele e F… e E… trocas de palavras, levando a que os trabalhadores ali presentes tivessem sentido necessidade de chamar ao local as autoridades policiais. 13.8. A GNR acorreu então ao local e tomou conta da ocorrência. 13.9. Após o descrito em 13.8 o trabalhador continuou a condução do camião, acompanhado pelo referido F…. 13.10. A madeira que constituía a carga do camião conduzido pelo trabalhador não foi nesse dia nem posteriormente descarregada na sede da empregadora. 13.11. Em data que não foi possível apurar, mas posteriormente ao descrito em 13.4 a 13.10, o Presidente do Conselho de Administração da empregadora, E…, nas instalações da empregadora, comunicou verbalmente ao trabalhador e aos demais trabalhadores referidos em 13.1 que se encontravam suspensos preventivamente, devendo assim aguardar em casa até receberem novas ordens. 13.12. Na ocasião referida em 13.11 o referido E…, entregou aos trabalhadores a comunicação escrita de decisão de suspensão preventiva tendo o aqui trabalhador recusado o recebimento da mesma. 13.13. Nos dias seguintes ao referido em 13.11 e 13.12 o trabalhador compareceu nas instalações da empregadora, apresentando-se ao trabalho e ali permaneceu ora durante toda a jornada de trabalho, ora só no período da manhã, ora só no período da tarde. 13.14. O descrito em 13.13 prolongou-se pelos restantes dias do mês de Setembro. Quanto ao trabalhador D… 14. No dia 13.11.1998, através de contrato de trabalho a termo certo, pelo período de seis meses, foi o trabalhador admitido pela empregadora para exercer, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, as funções correspondentes à categoria profissional de maquinista. 15. À data de Novembro de 2012, como contrapartida pelo seu trabalho, recebia o trabalhador a retribuição mensal de € 730,00, acrescida do montante diário de € 5,65, a título de subsídio de alimentação. 16. A empregadora entregou ao trabalhador o documento junto aos autos a folhas 23 – dos autos originariamente registados sob o nº41/13.8TTBRG – pela qual lhe comunicou a instauração de procedimento disciplinar bem como a decisão de imediata suspensão preventiva, sem prejuízo do pagamento da retribuição. 17. A empregadora remeteu ao trabalhador a nota de culpa junto (àqueles) autos a folhas 24 a 27, por correio registado com A/R, a qual foi recebida a 08.10.2012. 18. O trabalhador apresentou a 12.10.2012 a sua resposta à nota de culpa, a qual consta de folhas 30-32 (daqueles autos), tendo arrolado testemunhas. 19. A empregadora notificou por correio registado o trabalhador dando-lhe conhecimento da identidade da instrutora do processo disciplinar, mais indicando a data e local para inquirição das testemunhas por si arroladas. 20. As testemunhas I…, J… e B…, arroladas pelo trabalhador foram inquiridas no âmbito do processo disciplinar bem como o administrador da empregadora F…. 21. Foi elaborado, a 29.12.2012, relatório final no âmbito do processo disciplinar movido ao trabalhador, o qual consta de folhas 41 e seguintes (daqueles outros autos agora apensos). 22. Nessa mesma data foi proferida decisão final, a qual consta de folhas 40, que culminou com a aplicação ao trabalhador da sanção disciplinar de despedimento. 23. O relatório final e a decisão final, referidas em 21 e 22, foram remetidos ao trabalhador por correio registado, a 30.11.2011. 24. O trabalhador apresentou juntamente com o formulário de folhas 2, cópia da «decisão final» referida em 22, datada de 29.11.2013, mencionando no referido formulário como data do despedimento aquela mesma de 29.11.2013. 25. Factos Constantes da Nota de Culpa deduzida contra o trabalhador D… 25.1 No dia 07.09.2012 o trabalhador deslocou-se juntamente com os colegas de trabalho B…, I… e J… para o terreno referido em 13.1 para fazer limpeza do mesmo. 25.2. No terreno referido em 14.1 encontravam-se os equipamentos da empregadora, como sejam veículos e grua. 25.3. O trabalhador procedeu à realização de trabalhos de limpeza do terreno e à tarefa de carregamento do camião referido em 13.3. 25.4. No dia 06.09.2012 o Presidente do Conselho de Administração, E…, deu ordem ao trabalhador e aos trabalhadores I… e J… para que não procedessem à realização de qualquer outro trabalho no terreno em causa, em virtude da limpeza do mesmo já estar efectuada. 25.5. Em data que não foi possível apurar, mas posteriormente ao descrito em 14.1, o Presidente do Conselho de Administração da empregadora, E…, nas instalações da empregadora, comunicou verbalmente ao trabalhador e aos demais trabalhadores referidos em 13.1 que se encontravam suspensos preventivamente, devendo assim aguardar em casa até receberem novas ordens. 25.6. Nos dias seguintes ao referido em 25.1, o trabalhador compareceu nas instalações da empregadora, apresentando-se ao trabalho e ali permaneceu ora durante toda a jornada de trabalho, ora só no período da manhã, ora só no período da tarde. 25.7. O descrito em 25.6 prolongou-se pelos restantes dias do mês de Setembro. 26. Factos provados das contestações apresentadas pelos trabalhadores B… e D… 26.1 A empregadora tem como únicos accionistas os irmãos F… e E…, sendo ambos administradores daquela, sendo o primeiro Vice-Presidente do Conselho de Administração e o segundo Presidente desse mesmo órgão. 26.2 No dia 07.09.2012 o Vice-Presidente do Conselho de Administração da empregadora, F…, vendo os trabalhadores B… e D… e os demais colegas desocupados, determinou-lhes que regressassem ao trabalho de limpeza do terreno referido em 13.1. 26.3 Face ao descrito em 26.2, tanto o trabalhador D… como os trabalhadores I… e J… comunicaram àquele F… que no dia anterior o E… lhes havia determinado a suspensão dos trabalhos de limpeza no referido terreno, com fundamento em que não havia nada para limpar. 26.4 Em resposta, o referido F… reiterou a ordem constante do ponto 26.2, mais dizendo aos trabalhadores apontados em 26.2 que tais trabalhos iriam continuar até que ele próprio lhes desse ordens em contrário, mais acrescentando que também era sócio da empregadora, e que as suas ordens também eram para ser respeitadas, caso contrário poderiam aqueles trabalhadores sofrer procedimento disciplinar. 26.5 À data de Setembro de 2012 existia um litígio entre o Presidente e o Vice-Presidente do Conselho de Administração da empregadora, E… e F…, respectivamente, o que era do conhecimento dos trabalhadores da empregadora. 26.6. O trabalhador B… deslocou-se ao terreno referido em 13.1 para carregar lenha, por determinação de F…. 26.7. Os trabalhadores B… e D… não têm antecedentes disciplinares. 26.8. A decisão de despedimento colocou os trabalhadores B… e D… em dificuldades económicas, tendo sentido frustração, desânimo e angústia quanto ao futuro. 27. Factos provados constantes das respostas apresentadas pela empregadora. 27.1 Os trabalhadores B… e D… concluíram com aproveitamento o curso de Formação Profissional de Primeiros Socorros, combate a incêndios e evacuação, em 28.07.2011, com a duração de 48 horas. 27.2 O trabalhador D… concluiu com aproveitamento os cursos de Formação Profissional de Igualdade de Oportunidades, em 17.02.2009 e em 03.05.2011, ambos com a duração de 15 horas. 27.3. O trabalhador D… realizou o Curso de Formação Profissional de Condutores Manobradores que decorreu entre 05.09.2007 e 04.07.2007, com a duração de 30 horas. 27.4. O trabalhador D… frequentou as acções de formação profissional «Higiene e Segurança no Trabalho», com a duração de 15 horas, entre 18 e 23 de Junho de 2004 e 12 e 21 de Julho de 2004. 27.5. O trabalhador D… realizou a acção de formação profissional «HST/Ambiente», com a duração de 12 horas, entre 12.12.2007 e 20.12.2007. Mais se provou 28. Em finais do mês de Julho, princípios do mês de Agosto de 2012, o Presidente do CA da empregadora, E…, determinou aos trabalhadores da empregadora M… que procedessem à limpeza do terreno referido em 13.1. 29. Posteriormente, o Vice-Presidente F… determinou ao trabalhador D… que fosse auxiliar aqueles outros trabalhadores na tarefa de limpeza, manobrando para o efeito uma máquina retroescavadora. 30. O referido E… não se opôs à determinação dada por F… referida em 29. 31. O trabalhador D… trabalhou ao longo de vários dias da primeira quinzena de Agosto de 2012 em cumprimento da ordem referida em 29. 32. Durante a segunda quinzena de Agosto de 2012 os trabalhadores estiveram no gozo de férias. 33. Após o regresso ao trabalho na primeira semana de Setembro, o Vice-Presidente F… determinou aos trabalhadores D…, I… e J… que os trabalhos de limpeza do terreno referido em 13.1 fossem retomados. 34. No dia 06.09.2012 o trabalhador B… esteve todo o dia na sede da empregadora, não tendo procedido à realização de quaisquer tarefas/trabalhos no terreno referido em 13.1. 35. No dia 07.09.2012, os trabalhadores D…, I… e J… apresentaram-se na sede da empregadora na sequência da ordem recebida no dia 06.09.2012 e referida em 25.4. 36. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 13.11 e 25.1, mas imediatamente antes do presidente do CA da empregadora ter comunicado a decisão de suspensão ali referida, interpelou os trabalhadores B… e D… (bem como os trabalhadores J… e I…), questionando-os qual o motivo para não cumprirem a ordem de não proceder a mais trabalhos no terreno sito em …, ao que os mesmos responderam que o «outro patrão» F… lhes tinha dado ordens para se deslocarem para tal terreno a fim de ali trabalharem. 37. Na sequência do descrito em 36, o presidente do CA da empregadora, E…, comunicou aos trabalhadores a ordem de suspensão referida em 13.11 e 25.1. 38. Desde inícios do ano de 2012 a empregadora deixou de ter encomendas no ramo da sua actividade de obras públicas, razão pela qual os trabalhadores da empregadora, nomeadamente os aqui trabalhadores B… e D…, bem como os demais I… e J…, no cumprimento do seu horário de trabalho, realizavam, por ordem e conta da empregadora, tarefas indiferenciadas, tanto na sede da empregadora como noutras instalações e terrenos que a mesma possui. 39. Os trabalhadores B… e D… procederam conforme o descrito em 13.13 e 13.14 e 25.06 e 25.7, a fim de tentarem resolver a sua situação laboral junto do Vice-Presidente da empregadora, F…. 40. No período temporal referido em 13.14 e 25.7, e por determinação do Vice-Presidente da empregadora, os trabalhadores B…, D…, I… e J… realizavam tarefas indiferenciadas, à semelhança do descrito em 36. 41. Os trabalhadores B… e D… continuaram a deslocar-se às instalações da empregadora ao longo dos meses de Outubro a Dezembro de 2012, Janeiro e alguns dias do início do mês de Fevereiro de 2013, com o mesmo objectivo referido em 39 e realizando tarefas indiferenciadas, à semelhança do descrito em 38 e 40. 42. Contra os trabalhadores I… e J… a empregadora moveu processo disciplinar nos mesmos moldes e pelos mesmos factos dos movidos aos aqui trabalhadores B… e D…, no âmbito dos quais aplicou a cada um dos trabalhadores sanção disciplinar de despedimento. 43. Corre termos no 2º Juízo do Tribunal do Trabalho de Braga acções de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento em que são trabalhadores os referidos I… e J… e empregadora a C…, S.A. * * * Questões em apreciação.III 1. Da nulidade da sentença. 2. Do valor do depoimento de parte prestado pelo administrador da recorrente, F…. 3. Da alteração da decisão sobre a matéria de facto. 4. Se o subsídio de alimentação deve ser incluído nas retribuições a pagar aos trabalhadores nos termos do artigo 390º, nº1 do CT. 5. Da indemnização fixada a título de danos não patrimoniais. * * * Da nulidade da sentença.IV A apelante refere que o Tribunal a quo não deu cumprimento ao disposto no artigo 390º, nº2, alíneas a) e c) do CT., pelo que a sentença é nula por omissão de pronúncia. Vejamos então. Segundo o disposto no artigo 390º do CT/2009 “1. Sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do nº1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento. 2. Às retribuições referidas no número anterior deduzem-se: a) As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento; b) A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento; c) O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no nº1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social”. Na sentença recorrida, a final, escreveu-se o seguinte: “O pagamento das retribuições devidas a cada um dos trabalhadores após o decurso de 12 meses desde a data de 29.11.2013, sem que o mesmo tenha sido cumprido pela empregadora, é feito pela entidade competente da área da Segurança Social, deduzidas as importâncias a que alude o já citado 390º, nº2 do CT, bem como os períodos temporais indicados nas alíneas do nº1 do artigo 98º-O do CPT (cf. artigo 98º-N, nºs. 1 e 2 e 98º-O, nº2 ambos do CPT)”. Nada mais consta da parte condenatória da decisão recorrida relativamente ao artigo 390º, nº2 do CT/2009. E se assim é, então, na parte condenatória omitiu-se as situações previstas no nº2 do artigo 290º do CT/2009 [apenas se teve em conta a situação prevista no artigo 98º-N do CPT], pelo que cumpre apreciar se tais omissões tornam a sentença nula. Nos termos do artigo 615º, nº1, al. d) do NCPC “A sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Temos defendido que a questão da dedução do subsidio de desemprego é de conhecimento oficioso, na medida em que estão em causa interesses de ordem pública, quais sejam, a devolução ao Estado das quantias pagas a título de subsídio de desemprego – as quais têm em vista «substituir» o pagamento das retribuições que o trabalhador perdeu por força do despedimento. Deste modo, haverá que completar a sentença recorrida neste particular, por ter omitido essa condenação. Mas assim já não será relativamente às importâncias referidas no artigo 390º, nº2 al. a) do CT/2009. Sobre tal questão já o STJ se pronunciou por diversas vezes. E por considerarmos oportuno passamos a transcrever o sumário do acórdão do STJ de 17.6.2010 proferido no processo 615-B/2001.E1.S1 [publicado na CJ, acórdãos do STJ, ano 2010, tomo 2, páginas 253 a 257 e também em www.dgsi.pt]: “1. A imperatividade do regime estabelecido no artigo 13º, da LCCT não dispensa a entidade empregadora de alegar e provar que o trabalhador auferiu rendimentos de trabalho por actividade iniciada após o despedimento, pelo que, se o não fizer, não é possível operar a dedução aludida na alínea b) do seu nº2, entendimento que salvaguarda pilares estruturantes do nosso sistema jurídico, como são o princípio do dispositivo e as regras de distribuição do ónus da prova.2. Não tendo a executada suscitado, na acção declarativa, a questão da dedução dos rendimentos de trabalho auferidos pelo exequente em actividades iniciadas após o despedimento, e sendo aí proferida condenação em quantia certa quanto ao valor das retribuições intercalares, em sede de execução, os mencionados rendimentos, desde que reportados ao período subsequente ao encerramento da audiência de discussão e julgamento na acção declarativa, podem fundamentar a oposição, nos termos da alínea g) do artigo 814º do Código de Processo Civil, sob a iniciativa alegatória da executada.3. Porém, não tendo a executada alegado, na oposição à execução, quaisquer factos concernentes ao recebimento pelo exequente de remunerações pelo exercício de actividade profissional após o despedimento, não é possível operar a questionada dedução de rendimentos, no período subsequente ao encerramento da audiência de discussão e julgamento no processo declarativo”. Já na vigência do CT/2009 Pedro Furtado Martins refere que “ Nos termos gerais (artigo 342º, 2 do Código Civil), o ónus da prova da percepção pelo trabalhador de rendimentos susceptíveis de serem deduzidos no montante dos salários intercalares cabe ao empregador, dado que se trata de um facto modificativo do direito que a lei reconhece ao trabalhador” – Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª edição, página 447. Não vemos razões para não seguir tal entendimento, mesmo no âmbito do CT/2009, na medida em que neste particular este diploma em nada difere do estabelecido na revogada LCCT. Ora, e ao contrário do referido pela apelante, a mesma nada invocou relativamente à situação dos aqui trabalhadores após o despedimento, para efeitos do disposto na al. a) do nº2 do artigo 390º do CT., pelo que, e não sendo tal questão de conhecimento oficioso, não tinha o Tribunal a quo de se debruçar sobre ela, a determinar a improcedência da invocada nulidade da sentença [sem prejuízo de completarmos a sentença recorrida no que respeita ao subsídio de desemprego]. * * * Do valor do depoimento de parte prestado pelo administrador da recorrente, F….V A apelante veio defender que tendo o Tribunal a quo considerado válido o depoimento de parte prestado por F… para efeitos de confissão de matéria desfavorável à recorrente, certo é que tal depoimento não pode vinculá-la já que a representação da sociedade em juízo com poderes para transigir e confessar há-de ser feita pelo conselho de administração, atento o disposto no artigo 163º do C. Civil e no artigo 12º, nº1, al. f) e nº2 e 3 do Contrato de Sociedade. Ora, ao não indeferir a declaração dos recorridos – no sentido de prescindirem do depoimento de parte de E… – a Mmª. Juiz a quo violou o disposto nos artigos 411º e 454º do NCPC. Mais refere a recorrente que da análise do documento junto com a contestação dos recorridos, sob o nº2, verifica-se que a sociedade/recorrente se obriga pela assinatura conjunta dos Administradores, pelo que, no caso, a representação da sociedade em juízo caberá, além dos administradores, a quem o conselho de administração designar para o efeito, sendo que a admissão do depoimento de parte e consequente valoração em termos de prova, ofende o fim do depoimento de parte, o fim do processo e, por essa via, os desideratos da descoberta da verdade material e da realização da justiça, o que é incompatível, designadamente, com o disposto nos artigos 20º, nº1 e 202º, nº2, ambos da CRP. Analisemos então. Nos termos do disposto no art. 452º do NCPC “1.O Juiz pode, em qualquer estado do processo, determinar a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa. 2. Quando o depoimento seja requerido por alguma das partes, devem indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que há-de recair”. A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora referem, a respeito do depoimento de parte, o seguinte: “também se não pode confundir, apesar da estreita afinidade que os une, a confissão e o depoimento de parte. O depoimento de parte é apenas uma das vias processuais através das quais se pode obter a confissão” – Manual de Processo Civil, ano 1984, página 522. Igualmente Rodrigues Bastos defende que “Convirá marcar a distinção que existe entre o depoimento de parte e a confissão; aquele é só o meio de provocar esta, e assim, tal como pode haver depoimento sem haver confissão, também pode haver reconhecimento da realidade de factos desfavoráveis ao depoente e favoráveis à parte contrária, a que não possa atribuir-se eficácia confessória específica, designadamente se o depoente não tiver a necessária capacidade jurídica para dispor do correspondente direito; esse reconhecimento só valerá, então, como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente, como dispõe o art.361º do C. Civil” – Notas ao C. P. Civil, 3º, pg.117. Nos termos do artigo 163º, nº1 do C. Civil “A representação da pessoa colectiva, em juízo e fora dele, cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração ou a quem por ela for designado”. E segundo o determinado no artigo 405º do C. Sociedades Comerciais “O conselho de administração tem exclusivos e plenos poderes de representação da sociedade”. Posto isto abordemos o caso concreto. Do documento junto a folhas 90 e seguintes – denominado Contrato de Sociedade e respeitante à aqui recorrente – mais precisamente do seu artigo 12º, consta o seguinte: “1. A Administração da Sociedade será exercida por um Conselho de Administração, eleito em Assembleia-Geral, competindo-lhe, sem prejuízo das demais atribuições que lhe conferem a lei e estes estatutos: f) Representar a sociedade em juízo e fora dele, activa ou passivamente, comprometer-se com árbitros, confessar, desistir ou transigir em processo”. E no mesmo artigo 12º, no seu nº2, consta que “O Conselho de Administração é constituído por dois Administradores, um Presidente e um Vice-Presidente, tendo o primeiro voto de qualidade”. Daqui resulta que a representação em juízo da sociedade/apelante terá de ser feita pelos dois administradores ou então pela pessoa que o Conselho de Administração designar – artigos 163º e 157º do C. Civil – sendo que “só o conselho de administração tem competência legal para indicar a pessoa que deve representar a sociedade para efeitos da prestação de depoimento de parte” [acórdão do STJ de 12.09.2007 proferido no processo 07S923 e publicado em www.dgsi.pt]. Os recorridos/trabalhadores indicaram para prestar depoimento de parte os legais representantes da Ré, E… e F…, respectivamente Presidente e Vice-Presidente do Conselho de Administração da apelante. A aqui recorrente/empregadora, notificada do despacho que admitiu o depoimento de parte daqueles legais representantes nada veio dizer. E igualmente nada disse quando o MP, em representação dos trabalhadores, prescindiu da audição, em depoimento de parte, de E…. Decorre, igualmente, da acta de audiência de discussão e julgamento do dia 08.11.2013 que logo após F… ter prestado depoimento de parte foi dado cumprimento ao disposto no artigo 463º, nº1 do NCPC [«O depoimento é sempre reduzido a escrito, na parte em que houver confissão do depoente, ou em que este narre factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória»]. E concluída a assentada nada foi requerido pelas partes. De tudo o quer se deixa dito decorre que a aqui apelante não suscitou a irregularidade de representação da sociedade na pessoa do seu Vice-Presidente, para efeitos de prestação de depoimento de parte, o que deveria ter feito antes do início da prestação do referido depoimento ou no fim da «assentada». Por isso, a questão da não valorização do depoimento de parte prestado pelo Vice-Presidente da apelante, por ele não ser o exclusivo representante da sociedade, é questão nova, porque não foi colocada à apreciação do Tribunal a quo, sendo certo que os recursos destinam-se a reapreciar as questões colocadas à apreciação do Tribunal de 1ª instância, a não ser aquelas que são de conhecimento oficioso, o que não é o caso. Por isso, dela não cumpre aqui conhecer. Mas avancemos. Na sentença recorrida, relativamente à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, consta o seguinte: (…) “Para o apuramento dos factos supra descritos constantes da nota de culpa deduzida contra cada um dos trabalhadores B… e D…, do alegado pelos trabalhadores em cada uma das suas contestações e dos descritos nos pontos 20 a 40 da fundamentação de facto, foram essenciais os seguintes meios de prova: - depoimento de parte do vice-presidente da EE, F…, o qual confessou a factualidade alegada pelos trabalhadores em cada uma das contestações apresentadas, no que se reporta à comunicação aos trabalhadores, no dia 07.09.2012 da ordem de proceder à continuação dos trabalhos de limpeza e recolha de lenha no terreno referido na NC, bem como à replicação feita por aqueles (D…, I… e J…, leia-se) no sentido de que tinham recebido ordens do outro patrão E…, no dia anterior, de que deveriam suspender a realização de tais trabalhos e, por fim, quanto à reafirmação de tal ordem perante tais trabalhadores por ter igual valor às ordens do seu irmão, o referido E…, e à lembrança que lhes fez de deter igual poder disciplinar ao do seu irmão. Confessou ainda o alegado pelo trabalhador B…, no sentido de que este só no dia 07.09.2012 foi trabalhar para o referido terreno, em cumprimento de ordens suas, pois que no dia anterior não tinha lá andado. Mais deu conta do clima de conflito existente entre si e o seu irmão, vice-presidente e presidente, respectivamente, do conselho de administração da EE, descrevendo a situação objecto dos autos como sendo um «fogo cruzado» entre si e o seu irmão, no qual os trabalhadores foram «apanhados», razão pela qual tais trabalhadores se continuaram a apresentar na EE nos dias seguintes, a fim de tentarem resolver a sua situação laboral, apesar do seu irmão ter determinado a suspensão dos mesmos. – depoimentos das testemunhas G…, encarregado da EE e I…, orçamentista da EE” (…). Decorre do acabado de transcrever que o Tribunal a quo não teve em conta apenas o depoimento de parte prestado pelo Vice-Presidente do Conselho de Administração da sociedade/apelante, já que na decisão da matéria de facto outros elementos de prova, nomeadamente a testemunhal, foi tida em conta. E a admitir-se que o referido depoimento de parte não tem os efeitos vinculativos para a sociedade/apelante, pelo menos, deverá ser atendido pelo Tribunal a quo nos termos do artigo 361º do C. Civil [«O reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente»]. Acresce dizer, para finalizar, que a apelante não indicou no recurso as consequências da não valorização do depoimento do Vice-Presidente do Conselho de Administração. Com efeito, a proceder a tese que defende, então impunha-se à apelante indicar, em sede de alteração da decisão sobre a matéria de facto, quais as consequências da não valoração do referido depoimento, o que não fez. Tal falta permite-nos afirmar que nenhuma utilidade tem a invocada questão, para além de a mesma, e como já referido, ser questão nova. E não se mostram violados os artigos 20º, nº1 [«A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos»] e 202º, nº2 [«Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados»] da Constituição da República Portuguesa, na medida em que de forma alguma o Tribunal a quo «desprezou» ou «negou» à apelante a defesa dos fundamentos que invocou na presente acção, precisamente a licitude do despedimento dos aqui trabalhadores. * * * Da alteração da decisão sobre a matéria de facto.VI Questão preliminar. Os recorridos vieram dizer que a recorrente incumpriu os ónus previstos no artigo 640º do NCPC., pelo que nesta parte o recurso deve ser rejeitado. Analisemos então. Nos termos do artigo 640º do NCPC – em vigor na data da apresentação das alegações de recurso – “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo do poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (…). António Abrantes Geraldes refere – ainda na vigência do artigo 690º-A do CPC revogado – que podem ocorrer duas situações quando a impugnação se funda, também, em provas gravadas, a saber: (…) “A gravação foi efectuada por meio (equipamento) que não permite a identificação precisa e separada dos depoimentos. Neste caso, recai sobre as partes o ónus de transcrição dos depoimentos, ao menos na parte relativa aos segmentos que, em seu entender, influam na decisão (nº4). A gravação foi efectuada por meio (equipamento) que permite a identificação precisa e separada dos depoimentos. O funcionário que monitoriza a gravação (art.4º do Dec. Lei nº39/95) e que está presente na audiência deve assinalar «na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos», como o determina o art.522º-C, nº2. Assim, se, pelo modo como foi feita a gravação e elaborada a acta, for possível (exigível) ao recorrente identificar precisa e separadamente os depoimentos, o ónus de alegação, no que concerne à impugnação da decisão sobre a matéria de facto apoiada em tais depoimentos, cumpre-se mediante a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda, sem embargo da apresentação facultativa da respectiva transcrição” (…) – Recursos Em Processo Civil, Novo Regime, Decreto-Lei nº303/07, de 24 de Agosto, páginas 137 e 138. O mesmo Autor, em comentário ao artigo 640º do NCPC, refere que (…) “Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos” (…) e acrescentado ainda que (…) “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de um decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” (…) – Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126/127/129. Vejamos então se a recorrente deu cumprimento ao determinado no artigo 640º do NCPC. A apelante indicou, nas conclusões do recurso, a matéria de facto que considera incorrectamente julgada [nas conclusões indicou e transcreveu a matéria constante das notas de culpa] e a resposta que no seu entender deve ser dada à mesma [pretende que a referida matéria seja dada como provada]. Relativamente aos meios de prova a recorrente indicou, nas conclusões de recurso, quais os depoimentos das testemunhas que conduzem, segundo ela, à alteração da decisão sobre a matéria de facto. Em sede de alegações a apelante indica, com referência a cada uma das testemunhas, o dia em que o depoimento foi prestado, o início e o fim da gravação [por exemplo, «G…, que se encontra gravado com início no dia 12.11.2013 às 10:48:56 e fim no dia 12.11.2013 às 11:36:50»] e procedeu à transcrição parcial do depoimento da testemunha G…, na parte que considera relevante para a pretendida alteração [mas já não procedeu à transcrição do excerto do depoimento da testemunha H…]. Ora, e do acabado de referir podemos concluir que a apelante não cumpriu, minimamente, com o determinado na alínea a) do nº2 do artigo 640º do NCPC., na medida em que não indicou com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, pelo menos e no que respeita à testemunha H…. Deste modo, e ao abrigo do artigo 640º, nº2, al. a) do CPC se rejeita a apreciação da matéria de facto. * * * Deste modo, considera-se assente a matéria de facto constante do § II do presente acórdão.VII * * * Se o subsídio de alimentação deve ser incluído nas retribuições a pagar aos trabalhadores nos termos do artigo 390º, nº1 do CT.VIII Diz a apelante que a decisão recorrida a condenou a pagar aos recorridos todas as retribuições vencidas entre 11.12.2012 até à efectiva reintegração, incluindo o subsídio de alimentação. No entanto, não fazendo o subsídio de alimentação parte da retribuição – artigo 260, nº2 do CT – não há que o incluir nas prestações a que alude o artigo 390º, nº1 do CT. Que dizer? Dispõe o citado art. 390º, nº 1, que “Sem prejuízo da indemnização prevista na al. a) do nº 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber todas as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.”. De harmonia com o artigo 260º, nº1, al. a) do CT/2009 “Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador”. E o nº2 do mesmo artigo refere que “O disposto na alínea a) do número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição”. Em sentido similar dispunha também já o art. 260º do CT/2003 que veio, em relação à LCT, clarificar a questão da natureza não retributiva do subsídio de alimentação, a menos que se verifique alguma das situações previstas na parte final do nº 1 do art. 260º. Ora, assim sendo e salvo estas situações, afigura-se-nos que, pelo menos desde o CT/2003, o subsídio de refeição deixou de se integrar no conceito de retribuição mesmo que para os efeitos previstos no art. 390º, nº 1. Neste sentido se pronuncia também Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª Edição, Principia, págs. 440/441, bem como, designadamente, o Acórdão do STJ de 01.04.2009, in www.stj/ficheiros/jurisp-sumarios/social/social2009.pdf. No caso, os AA. não fizeram prova de que, por virtude do previsto na última parte do citado art. 260º, nº 1, os subsídios de alimentação devessem ter caráter retributivo. E, assim sendo, entende-se que os mesmos não se incluem nas retribuições intercalares previstas no art. 390º, nº 1, do CT/2009. Procedendo, deste modo e nesta parte, as conclusões do recurso, impõe-se descontar, às retribuições intercalares, os montantes relativos aos subsídios de desemprego liquidados até 29.11.2013 na sentença recorrida, nos montantes de €1.367,30 [5,65 x 22 x 11] em relação a cada um dos AA. Assim sendo, as quantias, já liquidadas, em que a Ré foi condenada a pagar-lhes deverá ser reduzida para a de €8.840.00 quanto ao primeiro e para a de €9.928,00 em relação ao segundo. * * * Da indemnização fixada a título de danos não patrimoniais.IX Em face da matéria de facto dada como provada considerou-se na sentença recorrida que “os danos sofridos são suficientemente graves para justificar a tutela do direito, pois que se traduzem numa radical alteração do modo e qualidade de vida de cada um dos apontados trabalhadores, traduzindo-se num repentino e não ponderado «tirar o tapete», tendo sido ainda os trabalhadores atingidos, de forma inesperada e totalmente involuntária, «pelo fogo cruzado» decorrente do conflito existente entre os vogais do conselho de administração da sua entidade empregadora. Por tais motivos, e lançando mão dos critérios de equidade, atendendo ainda ao montante de retribuição mensal auferido por cada um dos trabalhadores, bem como a sua antiguidade na empresa e à «estabilidade» que a mesma representa para cada zeloso e diligente trabalhador, fixa-se em € 1.300,00 o montante indemnizatório devido ao trabalhador B… e em € 2.000,00 o montante indemnizatório devido ao trabalhador D…”. A apelante defende que os danos sofridos pelos trabalhadores não são graves de forma a merecerem a tutela do direito, sendo certo que tendo a sentença recorrida ordenado a reintegração dos trabalhadores não se encontram razões para a condenação nos danos não patrimoniais. Analisemos então. Segundo o disposto no artigo 389º, nº1, al. a) do Código do Trabalho de 2009 “Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado a indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais”. E nos termos do nº1 do artigo 496º do C. Civil só são indemnizáveis os danos “que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”, devendo o montante da indemnização ser fixado equitativamente pelo Tribunal e tendo em atenção a culpa do lesante, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso – artigos 496º, nº3 e 494º, ambos do C. Civil. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela “A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)” – C. Civil anotado, volume I, página 434. Provou-se que “A decisão de despedimento colocou os trabalhadores B… e D… em dificuldades económicas, tendo sentido frustração, desânimo e angústia quanto ao futuro”. Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que a expressão «dificuldades económicas» é vaga e genérica, pouco esclarecedora do que aconteceu aos recorridos após o despedimento. Por outro lado, a frustração desânimo e angústia quanto ao futuro, medido objectivamente [e não à luz de critérios subjectivos], por si só, não são danos suficientemente graves que justifiquem a tutela do direito, a determinar a improcedência dos pedidos formulados pelos trabalhadores a título de indemnização por danos não patrimoniais. Deste modo, procede o recurso. * * * Termos em que se julga a apelação parcialmente procedente1. Se revoga a sentença recorrida na parte em que condenou a empregadora a pagar ao trabalhador B... a quantia de € 1.300,00, a título de danos não patrimoniais e ao trabalhador D… a quantia de € 2.000,00, a título de danos não patrimoniais, se substitui pelo presente acórdão e, em consequência se absolve a empregadora de tais pedidos. 2. Se revoga a sentença recorrida na parte em que, nos termos do art. 390º, nº 1, do CT/2009, condenou a empregadora a pagar aos AA. B… e D… os subsídios de alimentação e, em consequência, reduz-se para as quantias de €8.840,00 e de €9.928,00, as retribuições que, respetivamente, lhes são devidas em consequência da ilicitude do despedimento desde o 30º dia anterior à propositura da ação até 29.11.2013 e já liquidadas na sentença recorrida, sem prejuízo do valor que resultar à data do trânsito em julgado da presente ação, conforme nesta decidido. 3. Ainda relativamente à condenação da empregadora nas retribuições intercalares, consigna-se que às mesmas deve deduzir-se o subsidio de desemprego atribuído a cada um dos trabalhadores no período compreendido entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, condenando-se a empregadora a entregar essa quantia à Segurança Social. 4. No mais se confirma a decisão recorrida. * * * Custas da apelação a cargo da apelante e dos apelados na proporção de 5/6 e 1/6 respectivamente, sendo que os apelados estão isentos do pagamento da sua parte – artigo 4º, nº1 al. h) do RCP – e sem prejuízo do determinado nos nºs.6 e 7 do mesmo artigo.* * * Porto, 09.07.2014Paula Leal de Carvalho Rui Penha Fernanda Soares (Vencida quanto a um dos fundamentos e conforme declaração que junto) ______________ [1] Uma vez que a única discordância tem por objeto a referida questão, relativa ao subsídio de alimentação, seguir-se-á, quanto ao demais, o que foi referido pela anterior relatora no projeto de acórdão. _____________ Se o subsídio de alimentação deve ser incluído nas retribuições a pagar aos trabalhadores nos termos do artigo 390º, nº1 do CT. Diz a apelante que a decisão recorrida a condenou a pagar aos recorridos todas as retribuições vencidas entre 11.12.2012 até à efectiva reintegração, incluindo o subsídio de alimentação. No entanto, não fazendo o subsídio de alimentação parte da retribuição – artigo 260, nº2 do CT – não há que o incluir nas prestações a que alude o artigo 390º, nº1 do CT. Que dizer? Segundo o disposto no artigo 260º, nº1, al. a) do CT/2009 “Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador”. E o nº2 do mesmo artigo refere que “O disposto na alínea a) do número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição”. Monteiro Fernandes, refere a respeito do CT/2003 [o qual neste particular não difere do CT/2009] o seguinte: (…) “Embora o abono seja, na maioria dos casos, uma importância fixa e regularmente paga, ele não deve, em princípio, incluir-se na retribuição, para efeitos de periodicidade e irredutibilidade. O art.260º/2 CT admite, no entanto, que lhe seja atribuído carácter retributivo se e na medida em que o seu valor exceder um montante considerado normal, ou quando, pelo contrato ou pelos usos, seja tido como elemento integrante da retribuição. O CT toma posição idêntica perante o subsídio de refeição que muitas convenções colectivas consagram em benefício dos trabalhadores abrangidos. Este subsídio pode assumir carácter retributivo nas condições acima indicadas – ter um valor superior ao normal, ou ser qualificado como parte da retribuição pelo contrato ou pelos usos – sem por isso ser devido nos dias em que o trabalhador, por qualquer razão, não compareça ao trabalho” – Direito do Trabalho, 13ªedição, página 474. Do acabado de referir podemos concluir que o subsídio de refeição não tem, por regra, a natureza de retribuição em sentido jurídico – artigo 258º, nº4 do CT/2009. Ao contrário do determinado na LCT – artigo 87º – quer o CT/2003 [artigo 260º, nº2] quer o CT/2009 consideram que o subsídio de refeição não faz parte da retribuição, a não ser que se verifique a situação prevista na parte final do artigo 260º, nº1 do CT/2009 [e na parte final do artigo 260º, nº1 do CT/2003]. Por outro lado, cumpre referir que o subsídio de refeição/alimentação está ligado à prestação efectiva do trabalho. E por assim ser é que tal subsídio não é devido quando o trabalhador está de férias, na medida em que nessa altura não está a prestar trabalho. Contudo, há que assinalar que o pagamento do subsídio de refeição pressupõe que o contrato de trabalho está em vigor [também no caso de suspensão preventiva do trabalhador o contrato de trabalho continua em vigor pelo que é igualmente devido o pagamento do subsídio de alimentação]. O despedimento determina a cessação imediata do contrato de trabalho. Mas sendo o mesmo declarado ilícito o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento – artigo 390º, nº1 do CT/2009. Ou seja, declarada a ilicitude do despedimento tudo se passa como se o vínculo laboral nunca tivesse sido interrompido sendo certo que o trabalhador só não prestou trabalho por força do despedimento de que foi alvo [se tivesse prestado trabalho teria recebido o respectivo subsídio de refeição]. Assim sendo, e ressalvando sempre melhor opinião, não é pelo facto de o subsídio de refeição não fazer parte da retribuição em sentido jurídico que conduz à sua não atribuição aos aqui trabalhadores, na medida em que não é essa a «questão» em discussão, mas antes quais os efeitos da declaração da ilicitude do despedimento. E como atrás referido, um dos efeitos da ilicitude do despedimento consiste na obrigação do empregador proceder ao cumprimento da obrigação retributiva que sempre cumpriu até à data em que procedeu ao despedimento do trabalhador. Ora, se o empregador sempre pagou o subsídio de refeição ao trabalhador não se vê como é que o não deva fazer aquando da declaração da ilicitude do despedimento, já que está obrigado a repor a situação em que o trabalhador se encontrava antes de ser despedido. Fernanda Soares |