Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA ERMELINDA CARNEIRO | ||
Descritores: | REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PARA A DECISÃO CONSENTIMENTO | ||
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Nº do Documento: | RP2017030864/16.5GAVLC.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/08/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | REENVIO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 12/2017, FLS. 48-57) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Com vista à substituição da pena de prisão pelo regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, os consentimentos exigidos na Lei 33/20120 de 2/9 (consentimento do arguido e de quem vive na habitação maior de 16 anos) bem como a verificação das demais condições da habitação ali previstas tem de ser apurados antes da decisão. II – Por tal apuramento ser essencial à determinação da sanção (artº 369º CPP) a sua ausência constitui o vício do artº 410º2 a) CPP a determinar o reenvio parcial. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo número 64/16.5GAVLC.P1 Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I - Relatório Nestes autos de processo sumário com o número acima referido que correram termos no Tribunal da Comarca de Aveiro - Instância Local – Vale de Cambra - Secção Competência Genérica – J 1 em que é arguido, B… (devidamente identificado nos autos), após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença de 18/04/2016, onde se decidiu nos seguintes termos (transcrição parcial): «(…) Pelo exposto, julga-se a acusação totalmente procedente, por provada, e, consequentemente, decide-se: a) Condenar o arguido B… pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos art.ºs 14.º e 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de pena de 4 (quatro) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, nos termos do art.º 44.º, n.º 1, a), CP, verificando-se que a residência do arguido tem condições que permitam a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância e se se vierem a colher os consentimentos necessários ou, não se verificando estes requisitos, em meio prisional. b) Condenar o arguido na sanção acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 18 (dezoito) meses, nos termos do disposto no art.º 69º, nº 1, a) do Código Penal. (…)». Inconformado com a decisão proferida dela veio o arguido interpor recurso que consta a fls 77 a 91 dos autos extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: (transcrição) «1ª – Por douta Sentença de fls , com Ref.ª 91260048, o Tribunal “A Quo”, condenou o Arguido B… pela prática, enquanto autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artºs. 14º e 292º nº. 1 do Código Penal, na pena de 4(quatro) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, verificando-se que a residência do arguido tem condições que permitam a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância e se se vierem a colher os consentimentos necessário ou, não se verificando estes requisitos, em meio prisional e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de dezoito meses; 2.ª - A medida da pena aplicada ao Arguido parece-nos manifestamente excessiva, pois, atendendo aos factos dados como provados na sentença recorrida, a pena de prisão efetiva, ainda que a cumprir em regime de permanência na habitação (mostrando-se possível), é completamente inadequada e desajustada atentas as exigências de prevenção que subjazem ao nosso ordenamento jurídico; 3.ª - O legislador prevê para o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº. 1 do Código Penal, prevê uma moldura penal que vai, ao nível da pena de multa, dos 10 dias de multa (mínimo legal – art. 47º, nº. 1 do Código Penal) até aos 120 dias de multa (art. 292º, nº. 1 do Código Penal), e ao nível da pena de prisão até 1 ano. O Tribunal “A quo” condenou o arguido na pena de 4 meses de prisão efetiva... – o que não se aceita; 4ª - A culpa do agente não é susceptível de uma medição exata. “Por isso, ao julgador, é dada certa elasticidade na respectiva apreciação … elasticidade em que pode, e portanto deve, levar em conta as exigências da prevenção de futuros crimes”. Para a determinação da medida judicial da pena a lei oferece uma moldura mais ou menos ampla, dentro de cujos limites o julgador, tendo em conta, em conjunto, as particularidades do crime e do seu autor, deve fixar a medida concreta da sanção, orientando-se por critérios valorativos objetivos e não por critérios pessoais ou emocionais …O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham. O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos; 5ª - A pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcança-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, que também limita a pena pela medida da culpabilidade, as que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva; 6ª - A própria lei fixa, nos artºs. 72º e ss. do C. P., os critérios pelos quais o julgador deve orientar-se na determinação da medida concreta da pena; culpa do agente, que impõe uma retribuição justa; exigências decorrentes do fim preventivo especial ligadas à reinserção social do delinquente; exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade; 7ª - A pena em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa, mas é muito difícil, na falta de um padrão disponível, “medir” a culpa de quem pratica factos criminalmente repreensíveis… O Juízo de culpa releva, assim, necessariamente, da intuição do julgador, acessorada pelas regras da experiência …Como Juízo de valor, é um juízo de apreciação que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito, este fornecido pela punição prescrita para o facto; 8.ª - A prevenção geral, tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é consentido pela culpa e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis da defesa do ordenamento jurídico … cabe à prevenção especial encontrar o “quantum” exato da pena, dentro dessa função, que melhor sirva as exigências da socialização (Ac. STJ. de 10/04/1966: CJ. Acs. do STJ., IV, tomo 2, 168); 9.ª – O critério geral de escolha entre penas alternativas e de substituição da pena é o seguinte: «o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição». (Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 497, pág. 331); 10ª - São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação. Assim, «sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena». (cfr. Obra supra citada, § 498, pág. 332); 11ª - O Tribunal “A Quo” ponderou superficialmente a possibilidade de aplicação ao Arguido de uma pena de multa, acabando por optar pela pena de prisão efetiva. E, ao optar pela pena de prisão considerou existir nestes autos um grau de ilicitude elevado, uma vez que o arguido conduzia o veículo automóvel após a ingestão de bebidas alcoólicas em quantidade sensivelmente superior ao permitido por lei (2,052g/l), além de ter sido interveniente em acidente de viação; 12.ª - Não obstante as condenações que constam do registo criminal do Recorrente, e sem pretender desvalorizar a existência das mesmos e/ou a sua gravidade, a verdade é que a última delas refere-se a factos ocorridos a 07/02/2010, a partir do qual não voltou a ter qualquer contacto com a Justiça, até aos factos do presente processo, decorridos 6 anos; 13.ª Tendo presente as condições pessoais do Arguido e a situação económica do mesmo, são dados incontroversos que: O Arguido tem 54 anos; -Está reformado por invalidez, auferindo uma pensão de reforma de € 284,00; -Vive com a mãe, na habitação desta; -Tem a 4ª classe; -Não pode trabalhar (foi submetido a transplantação Hepática); Confessou os factos constantes da acusação; De onde que, se efetivamente, tais circunstâncias tivessem sido levadas em conta, nunca poderia o Tribunal aplicar uma pena de prisão efetiva, ainda que a ser cumprida em regime de permanência na habitação; 14.ª - Só se deve optar pela execução efetiva da pena de prisão - ainda que, em regime de permanência na habitação, mostrando-se possível, pois tal não ocorrendo determinou o Tribunal “A Quo” o cumprimento efetivo em meio prisional -, se não existir no presente caso alguma circunstância que não possa sustentar o juízo de prognose favorável acerca da possibilidade do arguido alterar a sua conduta, sem ser através de uma pena privativa da liberdade. Parece-nos que tal se verifica em nossa modesta opinião, nos presentes autos, pois o arguido está integrado socialmente, confessou os factos integralmente e sem reservas, tem 54 anos, está inválido, residindo com a progenitora e não foi até ao momento condenado em pena privativa da liberdade. Pelo que, deverá a pena de prisão ser suspensa na sua execução, com eventual, subordinação a regras de conduta por forma a se assegurar as finalidades da punição, o que desde já se requer; 15.ª - O Tribunal “A Quo” ao ter optado nos presentes autos pelo cumprimento em regime de permanência em habitação se se verificar que a residência do arguido tem condições que permitam a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância e se se vierem a colher os consentimentos necessários. A verdade é que, tal cumprimento encerra em si um sentimento estigmatizante muito forte no meio pequeno em que o Arguido reside em que todos se conhecem o que trará um desvalor acrescido, sendo que, a permanência do domicílio irá prejudicar gravemente, e de forma irreversível a saúde física e mental do Arguido; 16.ª - In casu, ainda se crê ser possível formular um juízo favorável à socialização do Recorrente, podendo afirma-se que a censura do facto e a ameaça da prisão efetiva realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, de onde que, deve a pena de prisão aplicada ao ora Recorrente ser suspensa na sua execução, mediante, designadamente, o cumprimento de regras de conduta e a medida da sanção acessória de inibição de conduzir a aplicar pelo período não superior a 16 meses; 17.ª - Ao decidir termos da douta Decisão sob recurso, o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos artºs. 40º n.º 1 e n.º 2, 50º, 52º, 70º e 71º, 72º, todos do Código Penal dos quais fez uma incorreta interpretação e aplicação ao caso em apreço. NESTES TERMOS, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que fixe a pena de prisão aplicada ao ora Recorrente suspensa na sua execução, com eventual, subordinação a regras de conduta e bem assim altere a medida da sanção acessória de inibição de condução de veículos com motor, objeto da condenação proferida, Vªs. Exªs. farão, como sempre, a habitual J U S T I Ç A» Admitido o recurso, ao mesmo respondeu o Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, a fls 95 a 102, concluindo pela manutenção do decidido. Neste Tribunal da Relação o Digno Procurador-Geral Adjunto elaborou parecer suscitando, como questão prévia, a existência do vício a que se refere a alínea a) do artigo 410º do Código Processo Penal, pugnando pelo conhecimento do mesmo e consequente reenvio parcial do processo para novo julgamento, restrito à questão da verificação dos requisitos legalmente exigidos, e não apurados, para a aplicação da pena de prisão em regime de permanência na habitação. Cumprido o preceituado no artigo 417º nº 2 do Código de Processo Penal nada foi acrescentado. Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência. *** II – FundamentaçãoConstitui jurisprudência pacífica dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995). No caso vertente, as questões colocadas pelo recorrente referem-se à excessividade das penas principal e acessória e suspensão na execução da primeira. O Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto suscita, como questão prévia, a existência do vício constante na alínea a) do artigo 410º do Código Processo Penal, ou seja, o da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Vejamos, desde já, se a sentença enferma do vício que lhe é apontado ou outro que, oficiosamente, cumpra a este Tribunal conhecer. A sentença recorrida é do seguinte teor (transcrição parcial): «(…) Factos Provados: Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos: 1. No dia 24/02/2016, pelas 18h30m, na Avenida …, em Vale de Cambra, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 07-99-GL, apresentando uma Taxa de Álcool no Sangue de 2,052g/l. 2. O arguido sabia que conduzia o referido veículo na via pública sob o efeito do álcool, o que quis e fez. 3. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. Mais se provou que: 4. A pesquisa de álcool no sangue foi motivada pelo facto do arguido ter sido interveniente em acidente de viação. 5. O arguido foi condenado: - P.225/03.7GTAVR do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Vale de Cambra, pela prática em 06/06/2003 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, decisão proferida em 06/06/2003 e T J em 23/06/2003, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €2,00 e proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 3 meses; - P.245/03.1 GAVLC do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Vale de Cambra, pela prática em 15/05/2003 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, decisão proferida em 10/11/2003 e T J em 25/11/2003, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €2,50 e proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 3 meses; - PA09/07.9GAVLC do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Vale de Cambra, pela prática em 26/10/2007 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, decisão proferida em 08/10/2008 e T J em 10/11/2008, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €5,00 e proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 10 meses; - PA7/1 0.9GAVLC do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Vale de Cambra, pela prática em 07/02/2010 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, decisão proferida em 23/02/2010 e T J em 25/03/2010, na pena de 8 meses de prisão suspensa por 1 ano e proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 12 meses. 6. O arguido era carpinteiro, mas encontra-se reformado por invalidez; aufere pensão de reforma no valor de €284; vive com a sua mãe, também reformada, que aufere cerca de €400, mensais; vive em casa própria da mãe; tem o veículo dos autos; tem a 4.ª classe; não pode trabalhar; consentiu no cumprimento de pena em permanência na habitação. Factos não provados: Não resultou demonstrado que nas circunstâncias supra descritos o arguido tivesse sob o efeito de medicação potenciadora do efeito do álcool. Motivação da decisão sobre a matéria de facto: A convicção do tribunal assentou desde logo na assunção da prática dos factos pelo arguido, que reconheceu ter ingerido "dois copos de vinho" e depois ter conduzido. Mais foram considerados os documentos juntos aos autos, designadamente o auto de notícia de fls. 4 e ss., talão de fls. 16 e CRC de fls. 22 e ss., bem como as declarações do arguido quanto à sua situação económica, que se afiguraram credíveis. No decurso da audiência de discussão e julgamento, após ter declarado confessar os factos de forma integral e sem reservas, o arguido requereu a junção do documento de fls. 47, argumentando que o seu médico assistente lhe havia dito que a medicação que lhe foi prescrita - e que o mesmo havia tomado - exponencia a sua taxa de álcool em cerca de 70%. Porque a parte manuscrita do documento se mostrou ilegível, foi suscitado esclarecimento ao médico que, tal como se constata de fls. 53, negou a autoria do escrito. Mais acrescentou não ter conhecimento de que qualquer dos medicamentos prescritos tenha influência na taxa de álcool apresentada, mesmo após pesquisa na literatura médica. Confrontado com tal informação, o arguido defendeu-se em audiência dizendo que quem após a menção escrita foi o seu irmão, à saída da consulta, para que aquele não se esquecesse do que disse o médico (irmão que entretanto se encontra em França). Mais procedeu à junção de informação acerca dos medicamentos prescritos por "C…", em 07/04/2016 e, ainda, de informação recolhida no "D…" acerca das interacções do álcool com medicamentos. Ora, tendo em conta que apenas o documento de fls. 47 alegadamente se referia de forma concreta aos medicamentos tomados pelo arguido e que o também alegado médico subscritor negou a sua autoria, o mesmo foi absolutamente desconsiderado pelo tribunal para a prova do que quer que seja. Quanto aos demais documentos, chegados aos autos na sequência da flagrante contradição entre a defesa do arguido e o declarado pelo médico, os mesmos contêm referências genéricas, descoincidentes com a data da prática dos factos e, por isso, insusceptíveis de abalar a acusação, no sentido de fazer crer ao tribunal que a taxa de álcool registada no alcoolímetro não correspondesse à efectiva ingestão de bebidas alcoólicas naquela quantidade. Fundamentação de Direito Enquadramento jurídico dos factos. Tendo em conta os factos provados, há que proceder ao seu enquadramento jurídico. De acordo com o disposto no art. 292º, nº 1 do C.P., "Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave não lhe não couber por força de outra disposição legal". Assim, tendo resultado provado que o arguido conduzia o referido veículo na via pública, com uma taxa de alcoolemia no sangue de 2,052 g/l e que o fazia de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, incorreu o mesmo na prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez. * Escolha e Medida da Pena: Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar a natureza e medida da sanção que à mesma deve ser aplicada. O crime em apreço é punível com pena de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias. O art° 70° do Código penal dispõe que "Se ao crime forem aplicáveis em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição" - as quais consistem na protecção dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade – art.º 40º, nº 1, do Código Penal. Retomando o caso sub judice, constata-se que o arguido não é primário, sendo esta a sua quinta condenação pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tendo já sido condenado por uma vez em pena de prisão, embora suspensa na sua execução. Perante tais circunstâncias e as acima evidenciadas necessidades de prevenção especial, afigura-se-nos que uma nova condenação em pena de multa não poderá satisfazer minimamente as sobreditas finalidades da punição. Opta-se assim pela imposição ao arguido de uma pena de prisão. Posto isto, importa determinar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido pelo crime cometido, pena essa que é limitada pela sua culpa revelada nos factos (cfr. artº 40º, nº. 2 do Código Penal), e terá de se mostrar adequada a assegurar as exigências de prevenção geral e especial, nos termos do disposto nos artºs 40, nº.1 e 71 º, nº.1 ambos do Código Penal, havendo que ponderar na determinação daquela medida, todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente, as enumeradas no nº.2 do citado artº.71 º. Face ao exposto, há que ter em conta o grau de ilicitude dos factos, que se nos afigura elevado, uma vez que o arguido conduzia o veículo automóvel após a ingestão de bebidas alcoólicas em quantidade sensivelmente superior ao permitido por lei (2,052g/I). Para além do mais, o mesmo foi interveniente em acidente de viação. Acresce que, as condições pessoais e a situação económica do arguido mostram-se precárias, não estando o mesmo - nem podendo o mesmo - trabalhar. São também baixas as suas habilitações literárias. As exigências de prevenção especial são elevadíssimas, na medida em que o arguido foi já condenado pela prática de crimes, sendo esta a sua quinta condenação por crime de condução de veículo em estado de embriaguez. Ou seja, o arguido demonstra clara indiferença pelas advertências contidas nas condenações anteriores. Quanto às exigências de prevenção geral as mesmas são muito elevadas no que concerne aos crimes estradais, gerando sentimentos de desconfiança por parte dos cidadãos relativamente à segurança das nossas estradas. Na realidade, o índice de sinistralidade nas estradas portuguesas, aliados à condução com excesso de álcool fazem com que comportamentos como o apurado nos presentes autos deva ser sancionado de forma a criar no arguido a consciência de que a sua conduta é reprovável. A seu favor milita o facto de ter reconhecido a prática dos factos, embora o Tribunal não seja também alheio ao comportamento do arguido traduzido na junção aos autos do documento de fls. 47, posto frontalmente em crise pelas declarações do médico a fls. 53. Sopesados todos estes factores afigura-se adequada a aplicação ao arguido de uma pena de 4 (quatro) meses de prisão * Sem prejuízo do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, 44.º, n.º 1, 45.º, n.º 1, 46.º, n.º 1, 50.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1, todos do Código Penal, entendemos que, em face dos antecedentes criminais do arguido e das suas condições pessoais, só a prisão efectiva, de cumprimento contínuo, é capaz de assegurar as finalidades da punição, pelo que se não opta por qualquer substituição. Ainda assim, entendemos que o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, nos termos do art.º 44.º, n.º 1, a), CP, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, se se verificar que a residência do arguido tem condições que permitam a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância e se se vierem a colher os consentimentos necessários. Se tal não for possível, determina-se o cumprimento efectivo da prisão em meio prisional. * Ao abrigo do disposto no art.º 69º, nº 1, al. a), do Código Penal, e não se estando perante uma situação de aplicação dos artigos 101 º e 102º do Código Penal, atenta a factualidade provada, nomeadamente a taxa de álcool com que o arguido exercia a condução, o facto de ter sido interveniente em acidente de viação e os vastos antecedentes criminais pela prática do mesmo crime, entende-se ainda ser de proibir o arguido de conduzir veículos motorizados pelo período de 18 (dezoito) meses. (…)» + Cumpre apreciar e decidir.O Recorrente, como supra se deixou já enunciado, insurge-se quanto à pena que lhe foi cominada, a qual entende excessiva e que, no seu entender, deveria ter sido suspensa na sua execução, ainda que acompanhada de regime de prova. Pretende, ainda, o Recorrente ver diminuído o período em que foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis. Porém, a decisão recorrida padece, a nosso ver, e conforme devidamente assinalado pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, de vício que a afeta mais profundamente e que se impõe oficiosamente conhecer. Referimo-nos a vício da sentença a que se reporta o artigo 410º, nº 2 do Código Processo Penal. Com efeito, decorre do nº 2 do citado preceito legal que, no âmbito da “revista alargada”, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal à matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento, desde que resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. Trata-se de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que a mesma ser auto-suficiente (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.). Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o tribunal ad quem conhece oficiosamente do vício desde que o mesmo resulte da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum. Vejamos no caso concreto. Conforme resulta da sentença recorrida, o tribunal após considerar que as exigências de prevenção geral e especial apenas se mostrariam asseguradas com a aplicação de pena de prisão, que fixou em quatro meses, expressamente refere não optar por qualquer substituição, porquanto só a prisão efetiva se mostra capaz de realizar de forma adequada as finalidades de punição. Porém, logo de seguida, afirma que, ainda assim, o regime de permanência na habitação realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, determinando o cumprimento da pena cominada em regime de permanência na habitação, no caso de serem obtidos os necessários consentimentos e a verificação das condições que permitam a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância. Se tal não ocorrer desde logo determina o cumprimento da pena em meio prisional. Na sequência, resulta da decisão proferida a condenação do recorrente na pena principal de 4 meses de prisão, “a cumprir em regime de permanência na habitação, nos termos do art.º 44.º, n.º 1, a), CP, verificando-se que a residência do arguido tem condições que permitam a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância e se se vierem a colher os consentimentos necessários ou, não se verificando estes requisitos, em meio prisional.”. Na verdade, não pode o tribunal condenar o arguido em pena de regime de permanência em habitação prevista no artigo 44º do Código Penal e, simultaneamente, caso não se verifiquem os requisitos necessários para o efeito, condenar o arguido a pena de prisão a cumprir em meio prisional. Ou seja, o tribunal a quo condena o arguido a uma pena sob condição a qual, a não verificar-se, é condenado em outra diferente. Ora, decidindo-se o tribunal pela condenação do arguido em Regime de Permanência na Habitação, tal só poderá vir a ser, eventualmente, revogado, se se verificar alguma das circunstâncias previstas nas alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 44º do Código Penal “infringir grosseira ou repetidamente os deveres decorrentes da pena –al a) ou Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades do regime de permanência na habitação não puderam por meio dele ser alcançadas –al b)”. Entendemos, assim, padecer a sentença recorrida do vício a que a que se reporta a alínea b) do nº 2 do artigo 410º do Código Processo Penal. Com efeito, da simples leitura do texto da decisão recorrida ressalta manifesta contradição da fundamentação. Contradição essa que não é possível suprir por este tribunal ad quem sendo, por isso, insanável. A este propósito, Ac. do STJ de 19/11/2008, procº 3453/08 – 3ª Secção, citado in “Código de Processo Penal Comentado” 2014, António Henriques Gaspar, José António Henriques dos Santos Cabral, Eduardo Maia Costa, António Jorge de Oliveira Mendes, António Pereira Madeira e António Pires Henriques da Graça, pág. 1367 «A contradição insanável da fundamentação, ou entre a fundamentação e a decisão, supõe que no texto da decisão, e sobre a mesma questão, constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e suas consequências, como nos propostos numa solução de direito» Mas verificar-se-à, igualmente, a existência do vício a que se reporta a alínea a) do nº 2 do citado artigo 410º do Código Processo Penal, como é salientado pelo Digno Procurador-Geral Adjunto nesta instância? Estamos perante o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto para a decisão (art. 410.º, n.º 2, al. a), do Código Processo Penal), quando da própria sentença e no cotejo com a decisão, se revela falta de factos provados que autorizam a ilação jurídica retirada. Ora, o tribunal recorrido decidiu aplicar ao arguido o regime de obrigação de permanência na habitação prevista no artigo 44º do Código Penal. Entendemos, no seguimento do sufragado jurisprudencialmente e maioritariamente pela doutrina (v g. Acs. RL de 30/06/2010, procº. 1441/06.5PSLSB-B.L1-3; RP de 02/12/2009, procº 425/06.8PTPRT.P1; RP de 11/04/2012, procº 206/10.4GTVRL.P2; RE de 10/12/2009, procº 17/06.1GARDD.E1, RE de 14/04/2009, procº 2388/08-1; RE de 19/02/2013, procº 89/10.4.GBPSR.E1; RC de 27/6/2012 procº 81/10.9GBILH.C1, disponíveis in www.dgsi.pt.; Maria João Antunes (restringindo, porém, apenas tal natureza à alínea a) do artigo 44º) in Revista CEJ, 1º Semestre 2008, pag. 5; Miguez Garcia Castela Rio in Código Penal Parte Geral e Especial”, 2ª edição, pág 315; Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág. 288), que o regime de permanência na habitação tem natureza de verdadeira pena de substituição, sendo seu pressuposto material o da sua adequação às finalidades da punição, o que, aliás, a sentença recorrida discorre. Nos termos do citado preceito e conforme resulta do seu nº 1, (para além da verificação do pressuposto formal constante da alínea a) e que no caso em análise interessa) e do pressuposto material referido, devidamente apreciado pelo tribunal a quo, impõe-se, desde logo, a verificação de outros requisitos de ordem formal, como sejam, o consentimento do arguido e a obrigatoriedade de fiscalização do regime de permanência em habitação através de vigilância eletrónica. Assim, para aplicação do regime, haverá que convocar a Lei 33/2010, de 2/9, a qual regula a utilização de meios técnicos de controlo à distância «(…) pois não é possível um sem o outro, tanto mais que nem o art. 487º do CPP (que se refere igualmente à execução da prisão em RPH) nem qualquer outra disposição do C. Penal ou do CPP se lhe referem» - cfr. Ac RE de 19/02/2013 procº 89/10.4.GBPSR.E1. Dispõe o nº 4 da referida Lei: “1 - A vigilância eletrónica depende do consentimento do arguido ou condenado; 2 - O consentimento é prestado pessoalmente perante o juiz, na presença do defensor, e reduzido a auto; 3 - Sempre que a vigilância eletrónica for requerida pelo arguido ou condenado, o consentimento considera-se prestado por simples declaração pessoal deste no requerimento; 4 - A utilização da vigilância eletrónica depende ainda do consentimento das pessoas, maiores de 16 anos, que coabitem com o arguido ou condenado; 5 - As pessoas referidas no número anterior prestam o seu consentimento aos serviços de reinserção social, por simples declaração escrita, a qual deve acompanhar a informação referida no n.º 2 do artigo 7.º, ou ser enviada, posteriormente, ao juiz; 6 - O consentimento do arguido ou condenado é revogável a todo o tempo.”. Retomando o caso concreto, e no que ao consentimento do arguido concerne, o tribunal deu como provado (facto 6), ter o mesmo prestado o seu consentimento no cumprimento da pena em permanência na habitação. Porém, como impõe o nº 2 do antecedente transcrito normativo, tal consentimento é prestado pessoalmente perante o juiz, na presença do defensor, e reduzido a auto (sublinhamos). Ora, em lado algum da sentença ou dos autos, designadamente, das atas de julgamento se verifica ter o arguido procedido ao referido consentimento. O que se extrai (fls 64 v) é que (transcrevemos) “perguntado sobre se a sua casa teria condições para cumprir pena na habitação, respondeu afirmativamente”. Assim, não se mostra apurado ter o arguido prestado o seu consentimento, pelo menos, nos termos impostos na lei. Tendo o tribunal aplicado a pena de substituição de regime de permanência na habitação sem que se verifique o consentimento do arguido, e constituindo o mesmo requisito formal da aplicação do Regime de Permanência em Habitação, evidencia a decisão um outro vício, desta feita, o da insuficiência da matéria de facto a que se reporta a alínea a) do nº 2 do artigo 410º referido. Tal como configura o mesmo vício, como salienta o Exmº Procurador Geral-Adjunto, a ausência do consentimento da mãe do arguido que com quem este vive e a quem pertence a habitação que ambos ocupam, bem assim como o apuramento da efetiva existência de que depende o cumprimento da prisão em Regime de Permanência na Habitação mediante vigilância eletrónica, nos termos da Lei 33/2010, uma vez que tal cumprimento tem, obrigatoriamente, lugar mediante vigilância eletrónica. Neste sentido se pronunciou o acórdão da RE de 19/02/2013, já supra mencionado. É que, os consentimentos exigidos, bem como a verificação das demais condições aludidas, constituem factos a apurar sem os quais não pode decidir-se, como fez o tribunal a quo, pelo cumprimento da prisão em Regime de Permanência na Habitação. Tal apuramento é questão essencial à determinação da sanção nos termos do disposto no artigo 369º do Código Processo Penal, pelo que se impunha ao tribunal a quo proceder e ordenar as diligências necessárias ao apuramento dos factos em causa. Não o tendo feito, estamos, como se disse, perante a existência do vício a que se reporta a al. a) do nº2 do art. 410º do CPP, o que determina o reenvio parcial do processo para que sejam realizadas e determinadas as diligências prévias necessárias, com a reabertura da audiência nos termos do artigo 371º do Código Processo Penal para só depois proferir nova sentença que aprecie e decida ex novo o regime de cumprimento ou execução da pena de 4 meses de prisão que foi cominada ao arguido. Em suma, a sentença padece dos vícios previstos no artigo 410º nº 2 als a) e b) do Código Processo Penal que, por impossibilidade de decisão da causa, se determina o reenvio parcial do processo para novo julgamento, nos termos do disposto no artigo 426º, nº 1 do mesmo diploma legal. *** III – DecisãoAcordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em determinar o reenvio para novo julgamento, relativamente às concretas questões constantes supra, a realizar pelo tribunal a que se refere o artigo 426º-A do Código Processo Penal. Sem tributação. Porto, 8 de março de 2017 Maria Ermelinda Carneiro Raúl Esteves |