Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
423/12.2EAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ELSA PAIXÃO
Descritores: ACUSAÇÃO
NULIDADE
DESCRIÇÃO DOS FACTOS
REMESSA PARA O RELATÓRIO DA PERÍCIA
ALTERAÇÃO DOS FACTOS
Nº do Documento: RP20160302423/12.2EAPRT.P1
Data do Acordão: 03/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 670, FLS.172-194)
Área Temática: .
Sumário: I - É admissível na narração dos factos na acusação que esta remeta para o relatório de exame pericial a descrição dos jogos de fortuna e azar, constantes das máquinas de jogos.
II - A sentença pode descrever e especificar o modo de funcionamento de tais máquinas sem que tal implique uma alteração, substancial ou não substancial, dos factos descritos na acusação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 423/12.0EAPRT.P1
Instância Local de Valongo – Secção Criminal – J2 – Comarca do Porto

Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
Na Instância Local de Valongo – Secção Criminal – J2 – Comarca do Porto, no processo comum singular nº 423/12.0EAPRT, foram submetidos a julgamento os arguidos B… e C…, tendo sido proferida decisão com o seguinte dispositivo:
I - Condeno o arguido B… pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo artigo 108.°, n,° 1, com referência ao artigo 1.° e 4.º, alínea g), todos do Decreto Lei n.° 422/89, de 2/12, com as alterações introduzidas pelo Decreto Lei n.° 114/2011, de 30/11, na pena de 5 (cinco) meses de prisão e 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de 6c (seis euros);
II - Nos termos do disposto no artigo 44.0 do Código Penal, substituo a pena de 5 meses de prisão pela pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, também à taxa diária de 6€ (seis euros);
III - Em cúmulo material, condeno o arguido na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 6€ (seis euros); e
IV - Absolvo o arguido C… da prática do crime de prática ilícita de jogo, previsto e punido pelo artigo 110.º do Decreto Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção introduzida pelo DL n.° 114/11, de 30/11 de que vem acusado.
*
Custas a cargo do arguido B…, fixando- se em 2UC a taxa de justiça - artigos 513.º, 514.º e 515.º, n.° 1, a) do CPP e artigo 8.°, n.° 9 do RCP.
Declaro perdidos a favor do Estado as máquinas e dinheiro referidos nos factos provados, apreendidos nos autos (artigos 116.º e 117.º do DL 422/89, de 2/12).
Após trânsito em julgado, remeta boletim ao registo criminal.
*
Declaro extinta a medida de coacção aplicada ao arguido C… - TIR - (artigo 376.0, n.° 1 do CPP).
***
Inconformado com a decisão condenatória, o arguido B… veio interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
I. NULIDADE DA ACUSAÇÃO E IMPOSSIBILIDADE DA SUA SANAÇÃO ATRAVÉS DA ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS OPERADA NA AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO
A. Da douta Acusação Pública dirigida contra o Arguido, resulta, cristalinamente, que a mesma omite as características da máquina/computador e o respetivo jogo, ou jogos, que alegadamente a mesma desenvolve, bem como, a respetiva ilicitude de cariz criminal.
B. Assim, do texto Acusatório apenas resulta, em suma, que a máquina apreendida à ordem dos presentes autos desenvolve jogos de fortuna ou azar, que atribui pontuações e prémios pecuniários.
C. De facto, o eventual modo de execução do crime, o que integra tipicidade objectiva do ilícito não está especificadamente enunciada, descrito ou descriminado na douta Acusação Pública.
D. E, apesar de a douta Acusação remeter para um qualquer “Relatório Pericial” realizado à ordem dos presentes autos, tal procedimento [remissão] viola o princípio do acusatório e do contraditório, tal qual resulta preceituado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
E. Ora, a consideração de tais factos nunca e em momento algum poderá consubstanciar uma alteração não substancial dos factos, nos termos previstos no artigo 358.º, n.º 1 do C.P.P.
F. Com efeito, os princípios do acusatório e do contraditório, enquanto princípios estruturantes do processo penal, movem-se necessariamente na essência do sistema processual, tendo este que assegurar todas as garantias e prerrogativas de defesa, ou seja, salvaguardando um processo penal justo e equitativo.
G. A este propósito pronunciou-se o nosso Egrégio Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 172/92 (Cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional, 22.º volume, página 350) acerca das garantias de defesa do Arguido: «O processo penal há-se, assim, configurar-se em termos de ser “um due processo of law”, devendo considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas processuais, quer procedimento aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido.»
H. Na verdade, o princípio do contraditório, encarado do ponto de vista do arguido, pretende, antes de mais, realizar o seu direito de defesa, conforme referiu a Comissão Constitucional, no seu Parecer n.º 18/81, publicado em Pareceres da Comissão Constitucional, volume 16.º, página 147, seja, os sentido essencial do principio do contraditório “está, de uma forma mais geral, em que nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão (mesmo só interlocutória) deve aí ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade, ao sujeito processual contra o qual é dirigida, de a discutir, de a contestar e de a valorar.”
I. Consequentemente, a descoberta da verdade material em processo penal há-de, portanto, necessariamente compaginar-se com aquelas garantias de defesa do arguido, pelo que, só assim se reconhecerá, como corolário do princípio do acusatório, o da vinculação temática do tribunal e da correlação entre a acusação e a sentença.
J. Conforme também já se pronunciou Jorge Figueiredo Dias (em Direito Processual Penal, Coimbra, 1974, pág. 45), a concepção típica de um “processo acusatório”, implica a “estrita ligação do juiz pela acusação e pela defesa”, em sede de determinação do objecto do processo como em sede de poderes de cognição e dos limites da decisão.
K. Referindo o mesmo autor que acerca do princípio da vinculação temática do tribunal, como efeito consubstanciador dos princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consunção do objecto do processo penal, afirma que “Deve pois firmar-se que o objecto processo penal é o objecto da acusação, sendo este que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal (…) e a extensão do caso julgado.”
L. Assim, como é bom de ver, tal significa que a Acusação Pública delimita o objecto processual num único documento, indicando os factos de que o Arguido é acusado e qual o seu enquadramento jurídico-penal,
M. Sendo que esta questão está sistematicamente relacionada e interligada com o princípio da legalidade no âmbito do nosso direito penal substantivo, do qual decorre a necessidade de fixação prévia de um determinado quadro fáctico e de uma determinada moldura penal adequada a esse mesmo circunstancialismo.
N. Por outro lado e consequentemente, existe um princípio basilar no nosso ordenamento processual penal que é o da correlação entre a acusação e a sentença.
O. Assim, como a acusação fixa o objecto do processo, o julgamento incide sobre a matéria da acusação e o Tribunal não pode, por sua iniciativa, ou por iniciativa da parte acusadora, apreciar questões que não se encontram descritas na Acusação, uma vez que está em causa, também intrinsecamente relacionado, o princípio da identidade do processo, que representa precisamente a conceptualização de que o objecto da acusação se deve manter idêntico, desde a sua manifestação até à sentença final.
P. Ora, o princípio da identidade do objecto do processo significa, desde logo, que obrigatória e necessariamente existe uma correlação entre a acusação deduzida e a sentença proferida, sendo que, ao se imputar ao arguido factos absolutamente novos, estranhos ao objecto de todo o processo desenvolvido, se está a ofender directamente o princípio do acusatório, contraditório e da vinculação temática.
Q. Uma vez que, pretende desde logo, o Dign.º Tribunal tomar em consideração factos que nunca e em momento algum foram comunicados ao Arguido,
R. Assim, tendo operado uma tal comunicação após realização de audiência de discussão e julgamento, ao longo de todo o processo, existiu uma clara e flagrante restrição e delimitação das elementares garantias de defesa do Arguido (que poderia ter requerido, entre outros, a abertura de instrução e/ou elaborar a sua estratégia de defesa em sede de julgamento), bem como do próprio princípio do acusatório, por adulterar e modificar o respectivo texto.
S. Isto posto, as alterações introduzidas ilegítima e ilegalmente no texto acusatório, através de uma alteração não substancial dos factos, não poderão por qualquer forma operar,
T. Na verdade a tentativa de o Dign.º Tribunal colmatar a insuficiente acusação que vem dirigida contra o aqui Arguido, por a mesma efectuar meras remissões para documentos juntos aos autos e por a mesma não descrever (com a mínima exigência possível, nos termos do artigo 283.º, n.º 3 do C.P.P.) a conduta criminosa do Arguido, não se poderá entender como uma mera simplificação da acusação que possa ser suprida através de um despacho nos termos comunicados ao Arguido, ora Recorrente.
U. Deste modo, a nulidade de que padece todo o texto acusatório, nos termos do disposto no artigo 283.º, n.º 3 do C.P.P., não poderá miraculosamente ser suprida por uma qualquer e ilegítima alteração não substancial dos factos, nos termos do disposto no artigo 358.º, n.º 1 do CPP, por tal pretensão ser absoluta e totalmente contrária aos mais elementares princípios que envolvem o nosso processo penal e supra descritos, o que deverá em sede do presente recurso ser reconhecido, para todos os devidos e legais efeitos e com todas as consequências daí advenientes.
V. Tanto mais que, como refere o Acórdão do TRP de 08-10-2014 “por força do «princípio do acusatório» e da «vinculação temática», impõe-se ao MP a dedução de Acusação contendo uma descrição pormenorizada do funcionamento do jogo que efectivamente estava a ser desenvolvido quando da acção policial, para se poder decidir, a partir de factos objectivos, da sua caracterização ou não como um dos «jogos de fortuna ou azar» objecto de tutela criminal/penal, visto que «… por força do princípio do acusatório e da vinculação temática, com consagração constitucional (artº 35º nº 2 da CRP), o tribunal só pode investigar e julgar dentro dos limites que lhe são postos pela acusação. É esta que define e fixa, perante o Tribunal o objeto do processo. É ela que delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e é nela que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade e da consunção do objeto do processo penal”.
W. Mais referindo aquele acórdão que, a não ser assim estamos perante “o defeito substancial da «insuficiência de alegação» de factos constitutivos do tipo legal objectivo e do correlativo tipo legal subjectivo do crime doloso de «prática ilícita de jogo» que não se satisfaz com a alegação «jogo de fortuna e azar» repetida 5 vezes na Acusação mas nesse ponto tão genérica e conclusiva que ninguém se consegue defender (…)”.
X. De todo o exposto terá, necessariamente, de resultar a absolvição do aqui Recorrente.
II. - DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
A. Analisado atentamente a douta sentença recorrida, mais concretamente na parte respeitante à factualidade dada como provada no que se refere ao ora Recorrente, concretamente no que concerne à sua exploração de um qualquer jogo de fortuna ou azar por referência à máquina apreendida nos autos, do tipo “Internet Kiosk”, é para nós liquido que na mesma se conclui para além da prova produzida, ou, para além do que essa mesma prova permitiria, com toda a segurança necessária, concluir.
B. Entendendo o Recorrente que, de toda a prova produzida no âmbito dos presentes autos e valorada em sede de Sentença recorrida, não se vislumbraram factos probatórios suficientes e concretos que permitissem dar como provada a factualidade apurada que fundamentou a Sentença ora recorrida no que concerne ao crime de exploração ilícita de jogo que lhe é imputado por referência à máquina apreendida nos autos.
C. Pelo que, com todo o devido e merecido respeito, entende o Recorrente que, não obstante todos os louváveis esforços, o Digníssimo Tribunal “a quo” não avaliou corretamente a prova produzida, tendo, por conseguinte, decidido de forma errónea no que se refere à matéria de facto, o que prejudicou a sua decisão final.
D. Confrontada a prova produzida em juízo e, bem assim, aquela que nos termos do disposto no art. 355º do C.P.Penal poderia o Digníssimo Tribunal “a quo” valorar, denota-se que a análise crítica da mesma jamais permitiria uma decisão condenatória segura quanto à imputação ao aqui Recorrente do aludido crime pelo qual o mesmo foi condenado por referência a tal máquina.
E. Assim, e porque pretende o Recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, o mesmo, em observância do disposto no art. 412º, n.º 3, alíneas a) e b), do C.P.Penal, irá, infra, especificar os pontos de facto que considera incorretamente julgados e as provas que impõem decisão diversa no que a tais pontos concerne.
F. Ademais que, e por estarem em causa provas gravadas, e em observância ao disposto no n.º 4 desse art. 412º do C.P.Penal, a especificação de tais provas será feita por referência ao consignado nas respetivas atas de audiência de julgamento, “nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º”.
G. Posto isto, e em observância dos preceitos legais aplicáveis, a que supra se fez referência, permite-se modestamente o Recorrente concluir pela ausência de prova bastante e suficiente que suportasse os factos provados, vertidos na douta sentença impugnada, no que respeita ao preenchimento do elemento objetivo e subjetivo relativamente ao Recorrente do crime de exploração ilícita de jogo a ele imputado no que à máquina apreendida nos autos diz respeito.
H. Concretizando, considera o aqui Recorrente que foram incorretamente julgados os pontos de facto vertidos na douta sentença recorrida, sob os pontos 3), 4), 8), 9), 10) e 11) da factualidade provada. Isto porque,
I. De toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, e bem assim, de toda aquela prova de que o Digníssimo Tribunal “a quo” lançou mão para formar a sua convicção, sempre resulta que, ao contrário do vertido na douta sentença recorrida, nunca se poderia concluir, por um lado, que aquando da sua apreensão a máquina em causa fosse apta e destinada a desenvolver um qualquer jogo como o denominado “E…)”, único sobre o qual temos matéria fáctica tida como provada em sede de douta Sentença recorrida, e que para tal era destinada pelo ora Recorrente,
J. Seja, de toda a prova produzida nunca se poderia haver concluído, como o fez o Digníssimo Tribunal “a quo” que, efetivamente, a máquina em causa desenvolveu, em algum momento, sob a égide do aqui Recorrente, um qualquer jogo de fortuna ou azar e que, aliás, o aqui Recorrente era conhecedor de uma tal possibilidade e para isso destinava a mesma.
Senão vejamos,
K. Conforme melhor resulta do Relatório Pericial de fls. 88 a 116, a máquina em causa foi apresentada ao perito em condições de funcionamento limitado, obrigando a que a análise aconteça em modo off-line ou post-morten,
L. Decorreu da análise, e no que aqui importa, que foram encontrados vestígios de executáveis do jogo “E…”, que é um tipo de “Poker”, e que o mesmo foi jogado, no entanto, não é feita referência a qualquer data e a descrição do referido jogo é feita com recurso a exemplos e não através da efetiva execução do mesmo, sendo omissa a análise no que ao tipo de póquer diz respeito (Cfr. factos provados sob os pontos 3) e 4)).
M. Da conclusão da referida análise consta que, em relação à máquina 1, única que para aqui importa, foi encontrado um rasto referente ao jogo “E…” remetendo, para demonstração deste facto, para as fotos das páginas 11 e 12 da perícia, no entanto, a única foto que consta destas páginas, e como se poderá verificar pela legenda, é apenas um exemplo de imagens do referido jogo e não uma foto à maquina em análise.
N. Donde, necessariamente, terá o Recorrente de se questionar, como se afigurou então possível ao Digníssimo Tribunal “a quo” concluir no sentido em que o fez, de que o Recorrente proporcionava a terceiros o acesso e utilização da máquina para a pratica do jogo nelas desenvolvido, ou seja, o jogo “E…”,
O. Tanto mais que a própria sentença se limita a dar exemplos de como tal jogo se desenvolve, sem nunca se referir efetivamente à máquina apreendida, já que não foi possível executar na mesma qualquer jogo para que fosse possível descrevê-lo. Até porque conforme resulta da análise à máquina, nenhum jogo foi encontrado na mesma. Referindo-se a análise apenas a vestígios de jogos normalmente designados de fortuna ou azar, mas poderiam ser ou não, não concretizando que vestígios eram esses e se efetivamente eram de jogos de fortuna ou azar.
P. Além disso, a própria testemunha D…, limitou-se a afirmar que viu cartas no ecrã da máquina apreendida, de um jogo tipo póquer, desconhecendo, no entanto, de que tipo de póquer se tratava.
Q. Donde, da prova produzida, o que temos é tão somente uma possibilidade, não comprovada, da máquina poder desenvolver um jogo de forma ou azar, sem qualquer referência a eventuais datas de acesso ou efetivo acesso ao mesmo, R. Pelo que, sendo a factualidade em causa datada de 20 de Agosto de 2012, e não tendo sido possível o desenvolvimento de qualquer jogo, nunca se poderia concluir por uma qualquer exploração de jogos de fortuna ou azar por parte do ora Recorrente com recurso a uma tal máquina, até porque nunca poderá ser suficiente a visualização de cartas num ecrã para se poder afirmar com certeza que se trata de um jogo de fortuna ou azar.
S. Donde, atentando na douta Sentença recorrida, facilmente se constata que a convicção do Digníssimo Tribunal “a quo” está alicerçada numa prova parcial e incompleta, pois que, com todo o devido e merecido respeito, da análise de toda a prova produzida nos autos, seja, dos documentos existentes nos autos ou dos depoimentos das testemunhas inquiridas, apenas se poderia haver concluído pela existência de “meros” factos instrumentais, e nada mais para além disso.
T. No entanto, tal factualidade instrumental, não enquadrada ou coadjuvada por quaisquer outros meios de prova – como efetivamente não sucedeu -, não são suficientes para firmar uma convicção positiva quanto à disponibilização de quaisquer jogos de fortuna ou azar pela máquina dos autos e, bem assim, pela efetiva e consciente exploração de tais jogos por parte do ora Recorrente, com o conhecimento concreto e efetivo de que aquela máquina era mais do que uma simples máquina de acesso à internet.
U. Assim, temos por certo que, no que concerne aos elementos constitutivos do tipo de ilícito imputado ao ora Recorrente, e para ter os mesmos como preenchidos, socorreu-se o aqui Tribunal recorrido de uma presunção errada, que extravasa os limites da normalidade ou das regras da experiência comum.
V. Com efeito, uma “presunção” consiste na ilação que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um desconhecido, sendo que, não obstante, a prova desse mesmo facto desconhecido segundo as denominadas regras da experiência comum tem que seguir um percurso intelectual lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido por presunção, percurso esse que, se entende no caso dos autos não ser possível percorrer,
W. Até porque, «a existência de espaços vazios no percurso lógico determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões» - Cfr- douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-01-2004, proferido no âmbito do Processo n.º 03P3213, e disponível in www.dgsi.pt).
X. No caso concreto, prova alguma, fosse documental ou testemunhal, existe ou foi produzida que permitisse concluir pela efetiva disponibilização de jogos de fortuna ou azar pela máquina ora em causa nos autos e, bem assim, pelo efectivo conhecimento do ora Recorrente quanto a um eventual funcionamento de tal máquina na sua imputada e alegada vertente ilícita, logo, quanto a uma qualquer atuação alegadamente dolosa por parte do Recorrente. Senão porque,
Y. Na verdade, das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento, não resulta, em momento algum, o concreto e efetivo funcionamento da máquina dos autos numa qualquer vertente ilícita, com a visualização de quaisquer jogos de fortuna ou azar, já que a visualização se limitou a cartas no ecrã, que, embora sendo identificado como um jogo de póquer, era desconhecido que tipo de póquer se trataria, não se apurando, igualmente, se o acesso ao mesmo foi ou não feito através do uso da internet.
Z. Donde, de toda a prova produzida, sempre se deveria ter concluído pela total ausência de um qualquer elemento válido e bastante de conexão entre um qualquer jogo como o denominado “E…” que possa ter sido acedido por recurso à máquina ora em causa nos autos e a pessoa do ora Recorrente,
AA. O que levaria a concluir em sentido diverso do que o fez o Digníssimo Tribunal “a quo”, seja, pela não responsabilização do ora Recorrente no que à exploração de tal máquina num qualquer modo ilícito diz respeito.
BB. A que acresce ainda, o depoimento das testemunhas D… e F… – cujos concretos trechos se encontram já identificados em sede de motivação, com a referência às atas de julgamento, e, para os quais, legalmente nos remetemos.
CC. De modo que, dos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, bem como, de toda a demais prova existente e valorada nos autos, sempre resulta a “imposição” de decisão diversa da proferida, relativamente à matéria factual em crise nos autos e supra identificada no que ao Recorrente se reporta
DD. Bastando, para tal, “atentar-se” no depoimento das identificadas testemunhas, mormente, nos trechos ora devidamente enumerados, dos quais resulta a impossibilidade de executar qualquer jogo que existisse na máquina, a impossibilidade de identificarem o tipo de póquer que estava a ser jogado e a não demonstração de o mesmo estar a ser jogado através da utilização da internet,
Posto isto,
EE. E, pese embora se reconheça a admissibilidade da convicção do Tribunal escudada tão somente no princípio da livre apreciação da prova, a verdade é que, tal princípio não pode confundir-se com arbitrariedade, dado que, a matéria fáctica, porque sindicável, deve ter suporte probatório.
FF. Com efeito, in casu, constatamos que o Digníssimo Tribunal “a quo” vai para além da prova produzida, retirando da parca prova produzida conclusões claramente incoerentes e arbitrárias, sem qualquer base de apoio legal.
GG. De modo que, atento tudo o exposto, e após correta valoração de toda a prova produzida nos autos, e cuja valoração é efetivamente permitida nos termos da lei,
HH. Deverá a matéria factual supra referida, seja, os pontos supra identificados como tendo sido incorretamente julgados, ser alterada por forma a ser eliminada da matéria de facto provada,
II. Donde, atenta a alteração que deverá ocorrer na decisão a proferir sobre a matéria factual, provada e não provada, sempre será de concluir pela absolvição do ora Recorrente no que concerne ao crime de exploração ilícita de jogo, por não se verificarem preenchidos os elementos constitutivos, objetivo e subjetivo, desse tipo de crime no que à sua pessoa diz respeito,
JJ. Até porque, e ao demais, sempre se entende por verificada a existência de uma verdadeira dúvida razoável, insuscetível de ser “ultrapassada”, quanto ao facto de tal máquina permitir efetivamente o desenvolvimento de jogos de fortuna ou azar,
KK. Bem como, quanto ao facto de o ora Recorrente ser conhecedor das características, alegadamente ilícitas, da máquina apreendida nos autos, porquanto não se afigura percetível uma qualquer conclusão segura quanto a tais questões,
LL. E, nessa medida, num último considerando, sempre haverá que concluir ainda pela verificação de uma inconstitucionalidade normativa na douta Sentença proferida, mormente, da interpretação do 127º do C.P.Penal, efetuada,
MM. Pois que, não obstante a imprescindível convocação dos princípios constitucionais que condicionam a estrutura acusatória do processo, na observância dos comandos destinados a garantir a conformidade do procedimento probatório às regras de um Estado de Direito Democrático, não foi, por qualquer forma, observado o princípio constitucional de presunção de inocência, tal qual preceituado no art. 32º da nossa Constituição da República Portuguesa.
SEM PRESCINDIR,
III. DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FACTOS TIDO COMO PROVADOS
A. O Digníssimo Tribunal “a quo” decidiu pela condenação do ora Recorrente pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1 do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, na medida em que, entendeu por preenchidos, com base na factualidade por si tida como provada, e relativamente à máquina melhor identificada nos autos, os elementos constitutivos do tipo legal em causa.
B. Sucede que, e sempre com todo o devido e merecido respeito, não pode o ora Recorrente concordar com a qualificação jurídica da máquina em causa, que foi efetivada pelo Digníssimo Tribunal “a quo” em sede de Sentença proferida e ora recorrida, pelo que, e tendo em consideração toda uma série de Jurisprudência que permite perspetivar enquadramento jurídico diverso, e até mesmo antagónico, relativamente a tal máquina, vem pelo presente manifestar a sua total discordância no que respeita à sua condenação pela prática do mencionado crime de exploração ilícita de jogo, p. e p pelo artigo 108.º, n.º 1 e 2 do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro.
C. Na verdade, entende modestamente o Recorrente que o tipo de jogo desenvolvido pela máquina ora em causa nunca será de considerar como um qualquer desses jogos nefastos (em que efetivamente “pensava” o legislador quando decidiu restringir a sua prática/exploração às zonas de jogo), na medida em que, não se afigura de todo possível uma qualquer viciação em jogo tão rudimentar (sem um qualquer pagamento direto de prémios e/ou atribuição de fichas, logo, sem toda a “envolvência” dos denominados jogos de casino),
D. É que, em bom abono da verdade, poder-se-á definir um jogo de fortuna ou azar como aquele em que o domínio de um evento desencadeado ou induzido pela ação humana escapa à capacidade de controle e de previsão muito provável de que a uma causa sucede um determinado efeito desde que cumpridos e induzidos fatores certos e conjugados. Isto é, a uma causa objectivamente estruturada com fatores e elementos pré-determinados e empiricamente testados não se segue necessária e inevitavelmente o efeito pretendido e motivado.
E. No que à máquina dos autos diz respeito, e que para aqui importa, foi alegadamente encontrado na mesma o jogo “E…” que é um jogo de “vídeo póquer”. Ora, “as portarias que atualmente vigoram, contendo as regras de execução dos jogos de fortuna ou azar praticados nos casinos, são as Portarias n.ºs 817/2005, de 13 de Setembro, e 217/2007, de 26 de Fevereiro. Ambas elas se referem a vários tipos de jogos bancados e de jogos não bancados, e a última também a jogos praticados em máquinas automáticas, de um modo geral coincidentes com os tipos especificados no Decreto-Lei n.º 422/89, na redação do Decreto -Lei n.º 10/95, e com as características desses jogos. Aliás, em virtude do princípio da legalidade, os elementos essenciais do ilícito criminal não poderiam ser alterados ou criados por portaria visto que a definição de crimes é da reserva relativa da Assembleia da República, tendo de revestir a natureza formal de lei ou de decreto-lei, neste caso precedendo lei de autorização legislativa, que defina o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização [artigo 165.º, n.ºs 1, alínea c), e 2, da Constituição da República].” – Cfr. Acórdão do TRP de 08-10-2014.
F. Assim, “todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos (…) artigos 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto -Lei n.º 10/ 95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins (…)” – Cfr. Acórdão do TRP de 08-10-2014.
G. Ora, “a Portaria 461/2001 de 8/5 autorizou «…a exploração nos casinos dos jogos de fortuna ou azar póquer sem descarte e póquer sintético», aprovou «… as regras de execução dos referidos jogos, constantes do anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante» e admitiu que «Nos jogos de fortuna ou azar com baralhos de cartas podem ser utilizados baralhadores automáticos, homologados pela Inspecção-Geral de Jogos» que foi substituída pela Portaria 817/2005 de 13/9 quanto a tais «tipos de póquer» que foi revogada pelo ponto 3º da Portaria 217/2007 de 26/2 que autorizou «… a exploração nos casinos do jogo de fortuna ou azar póquer não bancado, nas variantes «omaha» e «hold’em» » e aprovou «… as regras de execução dos jogos de fortuna ou azar designados por roleta americana, roleta francesa, banca francesa, craps, cussec, blackjack/21, póquer sem descarte, bacará ponto e banca, bacará ponto e banca/Macau, bacará chemin de fer, póquer não bancado nas variantes «omaha», «hold’em» e «póquer sintético» e máquinas automáticas, constantes do anexo à presente portaria, da qual faz parte integrante» que são os «jogos de fortuna ou azar» permitidos em casinos e equiparados.»”– Cfr. Acórdão do TRP de 08-10-2014.
H. Assim, face ao exposto, e voltando ao caso dos autos, não se vislumbra como é que dos factos dados como provados se pode consubstanciar o elemento objectivo constitutivo do crime doloso pelo qual o aqui Recorrente foi condenado que é, em condensação do teor dos arts 1.º, 3.º n.º1, 4.º n.ºs 1 e 3, 5.º e 108.º da Lei do Jogo, «… fazer a exploração de jogos de fortuna ou azar …» de «… resultado … contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte» como o «póquer bancado sem descarte» e o «póquer não bancado variante omaha» e o «póquer não bancado variante hold’em» e o «póquer não bancado variante póquer sintético» «… fora dos locais legalmente autorizados …» que são os «…casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário» e locais equiparados.
I. Isto porque, mesmo que se considere como provada a matéria de facto constante da sentença, tal não permite afirmar que o Recorrente explorava um dos quatro únicos tipos de póquer merecedores de tutela pela norma incriminadora emergente da conjugação dos arts 108.º, n.º1, 1.º, 3.º n.º 1, 4.º n.º 1 e 3 e 5.º que são apenas: o «jogo bancado» denominado «póquer sem descarte»; o «jogo não bancado» denominado «póquer não bancado» com a «variante omaha», a «variante hold’em» e a «variante póquer sintético».
ACRESCE QUE,
J. A máquina apreendida ao aqui Recorrente é um equipamento do tipo “Internet KiosK, ou seja, um equipamento que permite aos utilizadores o acesso à internet. Logo, qualquer tipo de jogo, inclusive o “E…”, pode ser utilizado, desenvolvido e jogado “online” através da internet por qualquer utilizador.
K. Donde resulta que, mesmo que se considere como provado que na máquina apreendida foi executado o jogo “E…”, nada impede que tal jogo tenha sido descarregado “online”, através de acesso à internet, que tal máquina permitia, por um qualquer utilizador.
L. Ora, aquando da prática dos factos pelos quais o Recorrente foi condenado, não existia ainda qualquer regulamentação legal relativa aos Jogos e Apostas Online, o que só veio a acontecer com a entrada em vigor do D.L. 66/2015 de 29 de Abril a 29 de Junho de 2015.
M. Existindo assim, claramente um vazio legal no que aos Jogos e Apostas Online dizia respeito, referindo o prêambulo do referido diploma legal e bem que “desde a aprovação do mencionado Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, a exploração e a prática desta atividade sofreram grandes alterações, sendo que o quadro normativo que atualmente a rege não acompanhou essa evolução. Para além da própria evolução tecnológica dos sistemas e equipamentos de jogo, surgiu igualmente uma nova realidade não abrangida por aquela regulamentação, que assumiu, nos últimos anos, uma relevância crescente e incontornável - o jogo online. O quadro normativo atual regulador dos jogos de fortuna ou azar revela-se incapaz de dar resposta à atual dimensão desta atividade, sendo necessário regular novas formas de exploração que permitam responder às evoluções verificadas no mercado”.
N. Assim, e segundo o princípio da legalidade, “nullum crimen sine lege”, princípio este consagrado no artigo 1.º do Código Penal e artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, não poderá o Recorrente ser condenado por uma conduta que à data da sua prática não era ainda legalmente punível.
SEM PRESCINDIR
IV. - DA MEDIDA DA PENA
A. Caso não se entenda nos termos supra expostos, o que não se concede mas por mero dever legal de patrocínio se acautela, apraz referir que, delimitando-se a pena a aplicar ao Recorrente na culpa deste, e, bem assim, nas exigências de prevenção, geral e especial, sempre resulta que, de forma alguma de poderá compreender e aceitar a(s) pena(s) aplicada(s), na medida em que, extravasam claramente a culpa deste e as próprias necessidades de prevenção, e, não tem devidamente em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do mesmo Recorrente.
B. É de todo incompreensível, porque exagerada e desproporcionada, a pena de multa aplicada ao Recorrente, ainda que mais não seja pelo facto de a actuação do Recorrente passível de censura se “traduzir” tão só na exploração de uma única máquina, que apresentava apenas a quantia de €: 29,00 no seu interior, que permitia unicamente apostas de valor reduzido, facto que, naturalmente, sempre obstaria a um qualquer delapidar grave e sério do património dos seus (potenciais e alegados) utilizadores, e, bem assim, sempre limitaria quaisquer benefícios económicos que para o Recorrente pudessem vir a resultar de tal exploração, pelo que, de forma alguma se compreende como se afigurou sustentável ao Digníssimo Tribunal “a quo” aplicar pena de multa como a aplicada.
C. Já no que respeita às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do Recorrente, é de referir que, não parece ter sido devidamente valorada a inserção familiar e social do ora Recorrente e, bem assim, o facto de não existir uma qualquer notícia posterior da prática de quaisquer factos similares, ou quaisquer outros factos ilícitos, da sua parte, salientando que o Arguido é primário em termos penais.
D. No caso presente, e por de aplicação ao mesmo, atenta a problemática em apreço, deverá relevar-se tudo quanto vem vertido no recente douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18-09-2013 (proferido pela 4.ª Secção no âmbito do Proc. n.º 311/10.7EAPRT.P1), que nos refere estarmos perante o «domínio das denominadas “bagatelas penais”», com um pequeno grau de ilicitude dos factos e com pequenas necessidades de prevenção geral, porquanto, o tipo em causa não é causador de grande alarme social.
E. Ademais, e na sequência da recentemente decidido pelo STJ, no seu douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência, n.º 8/2013, sempre temos que a substituição da pena de prisão aplicada ao Recorrente, de 05 (cinco) meses, deveria ter sido efetivada, não em medida superior àquele prazo (160 dias), mas sim em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, apresentando-se, por isso, como exagerada e desproporcional a pena aplicada, impondo-se em medida inferior, nos termos e fundamentos supra melhor expostos.
F. A pena aplicada ao ora Recorrente, não é de forma alguma correta e justa, revelando-se, aliás, como exagerada e desproporcionada às exigências de prevenção geral e especial aqui reclamadas, não se enquadrando, por isso, de forma alguma, nos princípios legais reguladores da presente matéria, como sejam, os artigos 40.º e 71.º do Código Penal,
G. Ademais que, também o quantitativo diário, de €: 6,00 (Seis Euros) da pena de multa que o Digníssimo Tribunal “a quo” julgou por adequado ao caso presente, merece a total reprovação por parte do Recorrente, bem assim, a pena única de multa aplicada, na medida em que, ao fixar tal valor, não parece haver o Digníssimo Tribunal “a quo” ponderado, minimamente, “a situação económica e financeira” do aqui Recorrente e “os seus encargos pessoais”, incorrendo, dessa forma, numa clara violação do disposto no artigo 47.º, n.º 2 do C. Penal, sempre será de concluir que, nunca o quantitativo diário a aplicar ao Recorrente nestes autos poderia ser superior ao mínimo legal de €: 5,00 (cinco euros), montante esse, aliás, habitual em casos como o presente.
H. Donde, sem prescindir tudo o quanto se explanou quanto à qualificação jurídica da máquina dos autos, sempre será de concluir que, no caso presente, e atento tudo o exposto, sempre deverá decidir-se pela aplicação de pena substancialmente inferior, na medida em que, da mesma sempre resultarão perfeitamente prosseguidas as exigências de prevenção, resultando, daí, por realizadas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
I. A douta Sentença sob recurso violou os artigos 40.º, 43.º, 47.º e 71.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal, 1.º, 3.º, 4.º e 108.º, todos do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, e 13.º, 18.º, 29.º e 32.º da C.R.P..
Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser revogada a Sentença ora recorrida, a qual deverá ser substituída por outra decisão que absolva o Recorrente da prática do crime de exploração ilícita de jogo pelo qual foi condenado; ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese se admite, decidir-se pela aplicação ao Recorrente de pena adequada e substancialmente inferior, conforme supra se expôs, com o que, modestamente se entende, V.as Ex.as farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA.
***
O recurso foi admitido (cfr. despacho de fls. 226).
***
Em resposta ao recurso, o Ministério Público pugnou pela sua improcedência e manutenção da sentença recorrida.
***
Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
***
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, tendo sido apresentada resposta pelo arguido/recorrente em que manifesta a não concordância com o entendimento vertido pelo Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, e remete para as conclusões da motivação do recurso, concluindo pela procedência do mesmo.
***
Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
***
II – FUNDAMENTAÇÃO
Passemos agora ao conhecimento das questões alegadas no recurso interposto da decisão final proferida pelo tribunal singular.
Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida.
Segue-se a enumeração dos factos provados e não provados e respetiva motivação, constantes da sentença recorrida (transcrição):
II. FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS
Da audiência de discussão e julgamento, resultou provado que:
1) Desde data não concretamente determinada e até ao dia 20/08/2012, momento em que se realizou uma acção de fiscalização da A.S.A.E - Direcção Regional do Norte, o arguido B… manteve, no estabelecimento comercial que explorava e denominado "Café G… ", sito na Rua …, n.° .., …, Valongo, em exposição, com acesso ao público que ali entrasse e pronta a funcionar duas máquinas com as seguintes características:
Máquina 1: Equipamento integrado numa caixa fechada com um frontal e laterais metalizados de cor cinzenta. Aloja um ecrã plano sem marca, modelo e n.° de série visíveis do tipo táctil. Logo abaixo do ecrã existe uma gaveta onde se encontram um teclado e um rato. No painel frontal, na parte superior, encontra-se instalado um dispositivo electromecânico de identificação de moedas, associado a um equipamento de pesagem de moedas. Na parte inferior encontra-se um noteiro preparado para identificar notas e uma gaveta destinada a armazenar.
A traseira do equipamento é fechada por um painel de metal com bloqueio de intrusão por um canhão accionado por chave redonda tubular de 5.000 segredos, de silhueta. O mesmo tipo de fechadura protege o acesso frontal à gaveta acima descrita.
Quando o equipamento é iniciado e o sistema operativo é carregado sendo inicializada uma aplicação que desliga todos os possíveis meio de entrada no equipamento, exceptuando se o utilizador seleccionar uma sequência de caracteres ou realizar o pagamento.
Máquina 2: Equipamento integrado numa caixa fechada com um frontal e laterais metalizados de cor preta e cinzenta. Dispõe de um monitor marca "LG", modelo "…" sem n.° de série visível. Na prateleira, abaixo do monitor, encontram-se um teclado e um rato. No painel frontal encontra-se instalado um dispositivo electromecânico de identificação de moedas, associado a um equipamento de pesagem de moedas e um noteiro, preparado para identificar notas e uma gaveta, destinada a armazenar.
A traseira do equipamento é fechada por um painel de metal com bloqueio de intrusão por um canhão, accionado por chave redonda tubular de 5.000 segredos, de silhueta. O mesmo tipo de fechadura protege o acesso frontal à gaveta acima descrita.
Quando o equipamento é iniciado e o sistema operativo é carregado sendo inicializada uma aplicação que desliga todos os possíveis meio de entrada no equipamento, exceptuando se o utilizador seleccionar uma sequência de caracteres ou realizar o pagamento.
2) Analisando e interligando todas as aplicações e respectivas configurações, tapado pelo "H…" ou por aplicação encoberta, a máquina 2 pode entrar em comunicação com a "I…". Depois de analisadas todas as configurações presentes na máquina, detectamos a possibilidade de a mesma se interligar a vários endereços, do qual se destaca www.undergames.es/poker.
3) Foram encontrados, na máquina 1, os executáveis dos jogos "J…” e "E…" e vestígios de que os mesmos foram jogados.
4) É o seguinte o modo de funcionamento do jogo "E…": após a introdução, no noteiro da máquina, de um determinado valor, a máquina atribui um determinado número de créditos para a prática do jogo.
Por exemplo, após a introdução de uma nota de 5€ no noteiro da máquina serão disponibilizados 50 créditos para serem utilizados no jogo. De seguida, pressionada a tecla destinada a dar início ao jogo. Com o início do jogo, o jogador recebe 5 cartas. Ele pode, então, trocar as cartas que recebeu por outras ou manter as cartas que deseja, pressionando as teclas do jogo para esse efeito. O objectivo é fazer combinações premiadas com as cartas que lhe são atribuídas (pares, trios, sequências, póquer, etc.). Se o jogador conseguir uma dessas combinações ganhará um número de créditos. O número de créditos que recebe dependerá do valor da aposta efectuada. Esses créditos serão posteriormente convertidos em dinheiro. Se o jogador não conseguir nenhuma das combinações, nada ganha. Quanto maior for a aposta efectuada pelo jogador, maior será o valor do prémio.
5) Foram encontrados, na máquina 2, os executáveis dos jogos do tipo roleta "J…", "L… ", "M…", "N…", "O…", jogos do tipo póquer "P…" e jogo do tipo bingo "Q…" e vestígios de que os mesmos foram jogados.
6) Da máquina 1, aquando da acção da inspecção da ASAE, foi retirada do seu interior, do seu cofre/depósito, a quantia de 29€.
7) Da máquina 2, aquando da acção da inspecção da ASAE, foi retirada do seu interior, do seu cofre/depósito, a quantia de 4,50€.
8) Estas máquinas destinavam-se à utilização de pessoas/clientes que nela quisessem jogar, como efectivamente o faziam regularmente, sendo nesse dia o arguido C…, tendo as mesmas sido apreendidas.
9) Tais máquinas foram colocadas no aludido estabelecimento comercial explorado pelo arguido em ordem a obter os lucros resultantes da exploração pública do jogo inserido nas máquinas.
10) Os arguidos, explorador e utilizador do estabelecimento público onde as mesmas se encontravam, agiram por forma livre, consciente e voluntária, conheciam perfeitamente as características de tais máquinas bem como a do jogo nela desenvolvido e sabia o arguido B… que a sua prática é proibida fora das áreas e locais legalmente concessionados.
11) Não obstante isso, proporcionou o arguido B… a terceiros, designadamente ao arguido C…, o acesso e utilização das máquinas para a prática do jogo nelas desenvolvidos, de tal colhendo os correspondentes benefícios, como pretendia, apesar de ter consciência que a conduta que protagonizava não é permitida por lei penal.
Majs.se provou que:
12) O arguido C… está desempregado, vive com a mulher, também desempregada e dois filhos menores, estudantes; o arguido faz biscates do que retira cerca de € 250 mensais; pagam mensalmente de renda de casa 220€.
13) O arguido B… está desempregado; vive com a mulher, que aufere cerca de 700€ mensais, e dois filhos, um estudante e um já trabalhador; pagam mensalmente de renda de casa 200€.
14) Não são conhecidos antecedentes criminais aos arguidos.
2.2. FACTOS. NÃO PROVADOS
Não resultou provado:
- O arguido C… tinha consciência que a conduta que protagonizava não é permitida por lei penal.
2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do tribunal quanto aos factos dados como provados adveio do depoimento das testemunhas D… e F…, inspectores da ASAE, que se deslocaram ao estabelecimento em causa. Os seus depoimentos foram isentos, claros e objectivos, demonstrando um conhecimento directo dos factos, logrando, assim, convencer o tribunal.
Estas testemunhas afirmaram peremptoriamente ter assistido ao facto de o arguido C… se encontrar a jogar, numa das máquinas, ao jogo denominado "E…", tendo inclusivamente tirado uma fotografia que retrata esse momento e que se encontra junta a fls. 16.
Mais esclareceram estas testemunhas que o arguido B… se apresentou como explorador do café, o que foi, pelos mesmos, confirmado por confronto com da documentação do café que lhes foi facultada pelo arguido.
Reportaram, ainda, o facto de ter sido apreendido dinheiro do interior das máquinas.
Quanto a outros jogos, estas testemunhas não tiveram a possibilidade de ver os mesmos em funcionamento, uma vez que apesar de terem acedido, através da introdução de um código fornecido pelo arguido, a uma das máquinas que apresentava a imagem de fls. 21 (fotografia n.° 9) o certo é que, nesse momento a máquina bloqueou.
No que respeita ao facto de o arguido B… ser o explorador das máquinas apreendidas, teve o tribunal em consideração as regras da experiência comum que nos dizem que se as máquinas se encontravam no estabelecimento do arguido seriam também por ele exploradas ou, caso assim não fosse, de imediato o arguido tomaria as diligências necessárias para comprovar que a exploração era feita por outra pessoa. Ora, no caso dos autos, como referiram as testemunhas inquiridas, o próprio arguido assumiu fazer a exploração de cada uma das máquinas juntamente com outra pessoa, com dividia os lucros das mesmas na proporção de 50% para cada um, de quem forneceu apenas (como, aliás, nestes casos é habitual) o nome próprio e um número de telefone, não tendo diligenciado por fazer comparecer aquelas pessoas junto do estabelecimento, o que seria, atentas as regras da normalidade o que qualquer pessoa faria quando confrontada com os factos dos autos se, efectivamente, a exploração não fosse por ele feita, ou fosse feita juntamente com outrem.
Quanto às características das máquinas apreendidas e ao modo de funcionamento jogo "E…", considerou o tribunal o relatório pericial de fls. 88 a 116.
Nos termos do artigo 151o do Código de Processo Penal "A prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos".
Nos termos do n.° 2 deste mesmo artigo 163.º, que "Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a sua divergência".
Na esteira da jurisprudência mais corrente, a presunção de validade do juízo pericial cinge-se às razões técnicas, científicas ou artísticas que a suportam e não propriamente em relação aos demais juízos que possam incidir sobre a respectiva factualidade, como sejam os juízos de comuns de probabilidade ou os juízos de ponderação do direito.
Confirmando que não é possível aceder aos jogos nem colocá-los em funcionamento, não tendo sido apreendido qualquer código (porquanto as regras da experiência comum vêm demonstrando que os exploradores dos estabelecimentos vêm arranjando formas mais encapuzadas de permitirem a execução dos jogos) o relatório limitou-se a concluir que foram encontrados, nas ditas máquinas, os executáveis de vários jogos e vestígios de que os mesmos foram jogados (aqui se reiterando que as testemunhas inquiridas viram, como se referiu, o jogo "E…" em execução).
Quanto à forma como este jogo se processava, considerou o tribunal, por não suscitar qualquer dúvida, o relatório pericial.
Quanto aos pontos 10) e 11), os mesmos foram julgados provados, considerando a análise dos demais factos provados à luz das regras da normalidade e das capacidades do próprio arguido B…, pessoa com cerca de 50 anos, que explorava o café e que não aparenta qualquer incapacidade cognitiva e que como tal não podia deixar de ter conhecimento daqueles factos, facto que, aliás, ressaltou da atitude que este arguido assumiu aquando da inspecção realizada e que foi descrita pelas testemunhas.
Finalmente, foram levados em consideração os certificados do registo criminal juntos aos autos, quanto à ausência de antecedentes criminais dos arguidos e as suas declarações no que respeita às condições sócio económicas dos arguidos.
Quanto aos factos, dados como não provados nos autos:
Ambas as testemunhas acima referidas referiram de forma muito espontânea que o arguido C… ficou perplexo com toda a situação, não fazendo ideia de que o facto de se encontrar a jogar aquele jogo em concreto fosse crime.
***
Enunciação das questões a decidir no recurso em apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal [Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal” III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada e Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95)].
Assim, face às conclusões apresentadas pelo recorrente, importa decidir as seguintes questões:
- Nulidade da acusação e impossibilidade da sua sanação através da alteração não substancial dos factos operada na audiência de discussão e julgamento;
- Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto provada;
- Subsunção jurídica dos factos ao tipo de crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punível pelo artigo 108º do Decreto Lei nº 422/89, de 2/12, na perspetiva de saber se é de fortuna e azar a máquina que desenvolve o jogo em causa;
- Dosimetria das penas de prisão e multa/quantitativo diário da pena de multa.
Passemos à análise da questão atinente à nulidade da acusação e impossibilidade da sua sanação através da alteração não substancial dos factos operada na audiência de discussão e julgamento.
Alega o recorrente que “o eventual modo de execução do crime, o que integra tipicidade objectiva do ilícito não está especificadamente enunciada, descrito ou descriminado na acusação pública. E, apesar de a acusação remeter para um qualquer “Relatório Pericial” realizado à ordem dos presentes autos, tal procedimento [remissão] viola o princípio do acusatório e do contraditório, tal qual resulta preceituado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa”.
E defende que “a consideração de tais factos nunca e em momento algum poderá consubstanciar uma alteração não substancial dos factos, nos termos previstos no artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal”.
Conclui, pois, que “a nulidade de que padece todo o texto acusatório, nos termos do disposto no artigo 283.º, n.º 3 do C.P.P., não poderá miraculosamente ser suprida por uma qualquer e ilegítima alteração não substancial dos factos, nos termos do disposto no artigo 358.º, n.º 1 do CPP, por tal pretensão ser absoluta e totalmente contrária aos mais elementares princípios que envolvem o nosso processo penal e supra descritos”.
Vejamos.
Por força do princípio do acusatório e da vinculação temática, com consagração constitucional (cfr. arf 35°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa), o Tribunal só pode investigar e julgar dentro dos limites que lhe são postos pela acusação. É esta que define e fixa perante o Tribunal o objeto do processo. É ela que delimita e fixa os poderes de cognição do Tribunal e é nela que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade e da consunção do objeto do processo penal.
Há, pois, uma inultrapassável identidade entre os conceitos de "objeto de processo" e "factos", assim como há uma intransponível imbricação entre os conceitos de "crime" e de "factos". Sem factos não há crime nem objeto de processo. Os factos são a base indispensável de um processo, mas, naturalmente, têm que ser normativamente relevantes. Sendo normativamente relevantes, têm que ser esgotantemente apreciados (ver neste sentido, Ac. Relação do Porto, de 03.12.2014, disponível em www.dgsi.pt).
Nos termos da alínea b) do n.° 3 do art.° 283o do Código de Processo Penal, da acusação tem de constar, sob pena de nulidade, para o que agora interessa, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, tempo e motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.
São, pois, os factos constantes da acusação que fixam o thema decidendum, como claramente resulta do n.° 4 do art.° 339o do Código de Processo Penal. Os factos que constituem objecto da acusação são os factos não só em sentido naturalístico, mas também em sentido normativo - cfr. Leal Henriques e Simas Santos “Código de Processo Penal anotado”, 2a ed., pág. 340 e 341.
Ora, no que concerne às máquinas em causa e suas características a acusação remete para o relatório de exame pericial junto a fls. 89 a 116 dos autos, pelo que, conforme refere o Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer “a descrição na acusação das duas máquinas encontradas ao arguido e referidas como máquinas de jogo de fortuna e azar e com remessa para a perícia às mesmas máquinas a fls. 89 a 116 é suficiente e clara para o arguido entender e exercer o seu direito ao contraditório”.
De facto, não se vislumbra que tal implique qualquer violação dos princípios do acusatório e contraditório.
Não escamoteamos a forma ampla e abrangenteconstante da acusação, quanto aos jogos existentes nas máquinas apreendidas, ao referir que "Efectuado exame às referenciadas máquinas, verificou-se que desenvolvem uma modalidade de jogo tipicamente caracterizada como de fortuna ou azar - art 1.º do D.L. n.° 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo D.L. nº 10/95, de 19 de Janeiro -, em cujo resultado nada interfere a perícia do jogador, mas tão só a sorte, pois o jogador apenas introduz moedas no mecanismo respectivo e posteriormente confronta as pontuações obtidas, posteriormente, convertidas em dinheiro".
Contudo, não se nos afigura que se trate de uma omissão de narração de factos que ponha em causa a função da acusação de delimitação do objeto do processo.
Concorda-se que não será esta a forma correta de "descrever" os jogos constantes nas máquinas, para se concluir pela prática dos crimes de exploração ou prática ilícita de jogo. Mas tal “descrição” tem de ser concatenada com a remissão anteriormente feita para o relatório de exame pericial junto a fls. 89 a 116 dos autos, remissão que temos como admissível (não há dúvidas de que para a acusação se está perante a exploração e a prática dos denominados jogos de fortuna e azar, e daí a prática dos respetivos crimes). Com interesse, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de dezembro de 2002, proc. nº 02P3615, relatado por Pereira Madeira, e os acórdãos desta Relação de 30 de novembro de 2011, proc. nº 278/09.4PRPRT, e de 24 de outubro de 2012, proc. nº 291/10.9PAVFR, ambos relatados por Pedro Vaz Pato e, ainda o de 25 de Março de 2015, relatado por Eduarda Lobo, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
In casu, o tribunal a quo entendeu verificar-se uma alteração dos factos descritos na acusação e concretizou os factos (no sentido de que uma descrição mais ampla na acusação não impedirá que na sentença possa fazer-se a respetiva especificação, sem que tal implique alteração, substancial ou não substancial, dos factos naquela descritos, vide, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1997, in B.M.J. nº 467, pgs. 419 e segs, e o acórdão da Relação de Guimarães de 22 de abril de 2013, in C.J., II, pg. 313).
Ora, na operada alteração não substancial dos factos, limitou-se o tribunal a concretizar os jogos existentes na máquina e a descrever o seu funcionamento para, a final, concluir que se tratavam de jogos de "fortuna e azar" por o seu resultado depender, essencialmente, da sorte do jogador.
Assim, podemos concluir, como, aliás, concluiu o tribunal a quo: por um lado, a acusação não é nula por conter, ainda que de forma ampla, conclusiva e imperfeita, a narração dos factos que constituem crime e, por outro lado, o thema decidendum constante na acusação foi plenamente respeitado na operada alteração.
Pelo que, não se vislumbra, assim, qualquer violação ao princípio do contraditório, já que com a operada alteração foi concedido aos arguidos prazo para preparação da defesa quanto àquela factualidade, podendo estes, livremente, requerer a produção da prova que entendessem para contraditar aqueles factos, os quais, inclusivamente, desde sempre constaram dos autos, concretamente no realizado relatório pericial. E com tal comunicação por parte do tribunal visa-se dar a conhecer aos arguidos que os factos em causa podem ser considerados na sentença, evitando, obviamente, o efeito surpresa e a supressão do direito de defesa dos arguidos.
Do que decorre, face a todo o exposto a improcedência da pretensão do recorrente no que se refere à pretendida nulidade da acusação e consequente absolvição.
Prosseguindo com a análise da questão atinente à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto provada.
É sabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do Código de Processo Penal, no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, de conhecimento oficioso, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (Cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.).
No segundo caso, da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do Código de Processo Penal, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do Código de Processo Penal, como sejam o de especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e o de especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, além da indicação das provas a renovar, se for caso disso.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorretamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (Sobre estas questões, v. os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, disponíveis em www.dgsi.pt.).
Temos, pois, que o recurso em matéria de facto não implica uma reapreciação, pelo tribunal de recurso, da globalidade dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida.
Duplo grau de jurisdição em matéria de facto não significa direito a novo (a segundo) julgamento no tribunal de recurso, não podendo olvidar-se que uma das grandes limitações do tribunal de recurso quando é chamado a pronunciar-se sobre uma impugnação de decisão relativa a matéria de facto, sobretudo quando tem que se debruçar sobre a valoração, efectuada na primeira instância, da prova testemunhal, decorre da falta do contacto directo com essa prova, da ausência de oralidade e, particularmente, de imediação.
No nosso sistema processual, como acontece aliás com a grande maioria dos países europeus, vigora o princípio da livre apreciação da prova, por contraposição ao sistema da prova legal. Em conformidade com o referido princípio, o juiz tem total liberdade, de acordo com a sua íntima convicção, de proceder à valoração dos meios de prova obtidos.
Assim, regra geral (e ressalvadas as exceções previstas na lei), na apreciação da prova e partindo das regras de experiência, o tribunal é livre de formar a sua convicção. Normalmente o que sucede é que face à globalidade da prova produzida, o tribunal se apoie num certo conjunto de provas, em detrimento de outras, nada obstando a que esse convencimento parta de um registo mínimo, mas credível, de prova, em detrimento de vastas referências probatórias, que, contudo, não têm qualquer suporte de credibilidade.
Também não se pode esquecer que o julgador pode recorrer a presunções naturais ou hominis no processo de formação da sua convicção, uma vez que se trata de um meio de prova admitido na lei (cf. art. 125º do Código de Processo Penal), sendo que de acordo com o disposto no art. 349º Código Civil, presunções são as ilações que a lei ou julgador extrai de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido. Consistem, pois, em raciocínios lógico-dedutivos, ou demonstrativos, que o julgador elabora, a partir da prova indiciária, para alcançar a verificação dos “factos juridicamente relevantes”.
As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. «Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [ou de uma prova de primeira aparência». (cfr. v. g., Vaz Serra, "Direito Probatório Material", BMJ, n° 112 pág, 190).” cfr. Ac. STJ 07-01-2004, proc. 03P3213.
Para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão.
O duplo grau de jurisdição na apreciação da decisão da matéria de facto não tem, portanto, a virtualidade de abalar o princípio da livre apreciação da prova que está conferido ao julgador de primeira instância.
É que se afigura indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.
Note-se, aliás, que o legislador, consciente das limitações que o recurso da matéria de facto necessariamente tem envolver, teve o cuidado de dizer que as provas a atender pelo Tribunal ad quem são aquelas que “impõem” e não as que “permitiriam” decisão diversa (cfr. artigo 412º, nº 3, al. b) do Código de Processo Penal).
O nosso poder de cognição está confinado aos pontos de facto que o recorrente considere incorretamente julgados, com as especificações estatuídas no art. 412º n.º 3 e 4 do Código Processo Penal.
E diga-se que o recorrente cumpriu o ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do Código de Processo Penal.
Atentemos no que se fez constar na Motivação da Matéria de Facto da sentença recorrida. E atentemos também nos argumentos invocados pelo recorrente, que considera que foram incorretamente julgados os pontos 3), 4), 8), 9), 10) e 11) da factualidade provada, os quais devem ser considerados como não provados.
Argumenta o recorrente que “nunca se poderia concluir, por um lado, que aquando da sua apreensão a máquina em causa fosse apta e destinada a desenvolver um qualquer jogo como o denominado “E…)”, e que para tal era destinada pelo ora Recorrente, bem como nunca se poderia haver concluído que a máquina em causa desenvolveu, em algum momento, sob a égide do aqui Recorrente, um qualquer jogo de fortuna ou azar e que o Recorrente era conhecedor de uma tal possibilidade e para isso destinava a mesma”.
Vejamos.
O Tribunal da Relação procedeu à análise da totalidade da prova produzida, nomeadamente da prova testemunhal, documental e pericial, sendo que os segmentos dos depoimentos transcritos na motivação do recurso, para além de apenas traduzirem parte do que foi dito pelas testemunhas D… e F…, ouvidas na audiência de julgamento, os mesmos não são suscetíveis de alterar a matéria de facto provada, conforme pretende o recorrente.
Sucede que a argumentação avançada pelo recorrente mais não traduz do que a sua discordância relativamente à avaliação que o tribunal a quo fez da prova produzida, valoração esta porém devidamente fundamentada, e olvidando que a convicção do tribunal é a do julgador e não a dos sujeitos processuais.
Sabemos que as provas não podem ser apreciadas uma a uma, isoladamente, de forma segmentada, devendo ser analisadas e valoradas concatenadamente, conjugando-as e estabelecendo correlações internas entre elas, confrontando-as de forma a que, ainda que de sinal contrário, daí resulte uma decisão linear, fazendo inferências ou deduções de factos conhecidos desde que tal se justifique e tendo sempre presentes as regras da lógica e as máximas da experiência.
Efetivamente, impõe-se que o tribunal proceda a uma análise conjugada dos meios de prova, tendo presentes as regras da experiência comum e da normalidade. Além disso, ao tribunal é permitido socorrer-se de presunções naturais para a formação da convicção sobre a factualidade provada.
Assim, o julgador pode justificar a verificação de um facto, mesmo que não direta e imediatamente percecionado pela prova testemunhal ou diretamente evidenciado por outros meios de prova, desde que a convicção se apoie em raciocínio lógico, objetivo e motivado, sem atropelo daquelas normas da vivência comum e resulte perfeitamente explicado na decisão.
No caso sub judice a motivação de facto revela uma avaliação objetiva, racional e ajuizada do conjunto da prova produzida. Mostra-se estruturada a partir da análise dos depoimentos das testemunhas ouvidas, conjugados entre si e valorados concatenadamente com a restante prova produzida (documental e pericial).
Por conseguinte, o tribunal ponderou todas as provas, segundo critérios de objetividade e à luz das regras da experiência comum e da normalidade, no pleno uso do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código Processo Penal.
Se não vejamos.
As testemunhas D… e F…, inspetores da ASAE, que se deslocaram ao estabelecimento em causa afirmaram perentoriamente ter assistido ao facto de o arguido C… se encontrar a jogar, numa das máquinas, ao jogo denominado "E…", tendo inclusivamente tirado uma fotografia que retrata esse momento e que se encontra junta a fls. 16.
Esclareceram ainda que o arguido B… se apresentou como explorador do café (assumindo fazer a exploração de cada uma das máquinas juntamente com outra pessoa, com quem dividia os lucros das mesmas na proporção de 50% para cada um, e de quem forneceu apenas o nome próprio e um número de telefone), o que foi, pelos mesmos, confirmado por confronto com a documentação do café que lhes foi facultada pelo arguido (cfr. documento de fls. 13). Confirmaram o facto de ter sido apreendido dinheiro no interior das máquinas.
Quanto às características das máquinas apreendidas e ao modo de funcionamento do jogo "E…" (à forma como este jogo se processava), considerou o tribunal o relatório pericial de fls. 88 a 116, que concluiu que foram encontrados, nas ditas máquinas, os executáveis de vários jogos e vestígios de que os mesmos foram jogados, em consonância, aliás, com o depoimento das referidas testemunhas que afirmaram ter visto o jogo "E…" em execução.
Com efeito, dizem-nos as regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica que, sendo o arguido B… quem explorava o café em causa, as máquinas que ali encontravam seriam também por ele exploradas ou, caso assim não fosse, de imediato o arguido tomaria as diligências necessárias para comprovar que a exploração era feita por outra pessoa. Sem escamotear que tais regras da experiência comum vêm demonstrando que os exploradores dos estabelecimentos vêm arranjando formas mais encapuzadas de permitirem a execução dos jogos.
Relativamente aos factos atinentes ao elemento subjetivo do tipo, sabemos que o dolo, como processo psíquico, pertence ao foro interno do agente, sendo insuscetível de apreensão direta, e por isso, na ausência de confissão (ou de confissão congruente), tem de ser inferido dos factos materiais que, provados e apreciados com a livre convicção do julgador e conjugados com as regras da experiência comum, apontam para a sua existência.
Efetivamente, os elementos do tipo subjetivo provam-se – prova indireta a partir da constatação dos factos objetivos, conjugada com as regras da experiência comum: da situação objetiva se há de retirar o elemento subjetivo, a intenção de atuação do arguido.
Ora, no caso em apreço, não estando em causa a inimputabilidade do agente, neste contexto, considerando o descrito comportamento do ora recorrente, partindo da constatação dos factos objetivos, apreciada com a livre convicção do julgador e conjugada com as regras da experiência comum, da normalidade e das capacidades do próprio arguido B…, pessoa com cerca de 50 anos, que explorava o café e que não aparenta qualquer incapacidade cognitiva, face a todo o exposto, não podemos deixar de considerar, tal como fez o Tribunal a quo, que o arguido B…, explorador do estabelecimento público onde a maquina se encontrava, agiu por forma livre, consciente e voluntária, conhecendo perfeitamente as suas características, bem como as do jogo nela desenvolvido e sabendo que a sua prática é proibida fora das áreas e locais legalmente concessionados.
Ora, conjugando os meios de prova referidos na sentença recorrida com as regras da experiência comum, tendo em conta o que já se disse sobre os depoimentos das testemunhas ouvidas em tribunal e respetiva credibilidade, bem como do relatório pericial, entendeu, e bem, o tribunal a quo dar como provada a factualidade referida, atuando de acordo com a sua livre convicção, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal e em absoluto respeito dos dispositivos legais aplicáveis.
No caso em análise, o Tribunal a quo cindiu os depoimentos, valorando-os positivamente, no âmbito da imediação e da oralidade e, conjugando-os com os documentos e exame pericial constantes dos autos, nos termos que constam da fundamentação da matéria de facto. A convicção do Tribunal recorrido expressa na sentença, adquirida na base da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, não é irracional, nem viola as regras da experiência comum, como atrás se deixou já consignado, escapando a qualquer censura.
Por outro lado, parece-nos claro, em face do que o tribunal deixou extravasado na sentença, que logrou convencer-se e convencer-nos da verdade dos factos, que deu como provados “para além de toda a dúvida razoável”.
A decisão em apreço baseia-se num juízo de certeza (independentemente do sentido da mesma), não em qualquer juízo dubitativo. É o que dela resulta com clareza.
Ou seja, em momento algum a decisão impugnada revela que o tribunal recorrido tenha experimentado uma hesitação ou indecisão em relação a qualquer facto e da sua autoria. Ao invés, o tribunal recorrido afirma convictamente a matéria dada como provada. E do conhecimento que sobre tal decisão tomámos, igualmente concluímos que a mesma é linear e objetiva, cumpre os pressupostos decorrentes do princípio da livre apreciação da prova [artigo 127.º, do Código de Processo Penal] e não acolhe espaço para dúvidas ou incertezas relevantes. Com efeito, ao contrário do alegado pelo recorrente, não se vislumbra qualquer “inconstitucionalidade normativa na sentença em causa, mormente da interpretação do artigo 127º do Código de Processo Penal”.
Nada há, pois, a censurar no processo lógico e racional que subjaz à formação da convicção do tribunal, sendo patente a inexistência de quaisquer motivos para se invocar, como faz o recorrente, o princípio de presunção de inocência, ínsito no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
Pelo que, decorre de todo o exposto, que não demonstra o recorrente que a decisão tenha incorrido em ilógico ou arbitrário juízo na valoração da prova, ou se tenha afastado das regras da normalidade do acontecer ou da experiência comum, não existindo razões para afastar o raciocínio lógico do tribunal a quo, tampouco o recorrente indicou prova que imponha decisão diversa da tomada na sentença recorrida, não podendo senão concluir-se que a argumentação e prova indicada pelo recorrente não impõe decisão diversa, nos termos da al. b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal, apenas sendo exemplificativas de outra interpretação da prova, não havendo, pois, qualquer razão para alterar a matéria de facto provada decidida pelo Tribunal a quo.
Aqui chegados, e considerando definitivamente assente a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo, cumpre proceder, agora, ao seu enquadramento jurídico-penal.
Sustenta o recorrente que “o tipo de jogo desenvolvido pela máquina ora em causa nunca será de considerar como um qualquer desses jogos nefastos (em que efetivamente “pensava” o legislador quando decidiu restringir a sua prática/exploração às zonas de jogo), na medida em que, não se afigura de todo possível uma qualquer viciação em jogo tão rudimentar (sem um qualquer pagamento direto de prémios e/ou atribuição de fichas, logo, sem toda a “envolvência” dos denominados jogos de casino)”.
Vejamos.
O arguido vem condenado pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo artigo 108.°, n,° 1, com referência ao artigo 1.° e 4.º, alínea g), todos do Decreto Lei n.° 422/89, de 2/12, com as alterações introduzidas pelo Decreto Lei n.° 114/2011, de 30/11.
Atentemos nas normas relevantes para a decisão da questão em análise.
Dispõem os seguintes artigos do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro:
Artigo 1º: “Jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.”
Artigo 3.º: « 1 – A exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar só são permitidas nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário criadas por decreto-lei ou, fora daqueles, nos casos excepcionados nos artigos 6° a 8°.».
Artigo 4º, n.º 1, al. g): “Nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar: Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.”
Artigo 108º, n.º 1: “Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até dois anos e multa até 200 dias.”
Constituem, assim, elementos típicos do tipo do crime em causa:
- objetivos –
a) a exploração de jogos de fortuna ou azar;
b) que essa exploração se processe por qualquer forma;
c) a exploração de tais jogos e por tais formas fora dos locais legalmente autorizados;
- subjetivo-
d) a existência de dolo em qualquer das suas modalidades, direto, necessário ou eventual (cfr. artigo 14º do Código Penal).
Assim, importa desde logo considerar o referido artigo 1º do mesmo diploma, que define os jogos de fortuna ou de azar como todos aqueles cujo resultado se caraterize pela contingência, ou seja, pela particularidade de assentarem, exclusiva ou fundamentalmente, na sorte. Ficando, assim, definitivamente afastados da previsão legal, aqueles jogos cujo resultado dependa da destreza ou perícia do jogador, seja esta de natureza física, intelectual ou sensorial.
Por outro lado, porque nem todas as máquinas que desenvolvem um jogo que dependa única e exclusivamente, ou fundamentalmente, da sorte, integram o conceito típico de jogos de fortuna ou azar considerados ilícito criminal (cfr. artigos 108º a 115º do Decreto-Lei n.º 422/89), já que desse conceito há, desde logo, que considerar excluídas as denominadas modalidades afins dos jogos de fortuna e azar, abrangidas apenas pelo direito de mera ordenação social (artigos 159º a 163º do mesmo diploma).
Importa pois estabelecer, de forma clara, a definição de jogos de fortuna e azar, que passa, necessariamente, pelo estabelecimento da fronteira entre esse jogos e aquelas outras modalidades afins.
Para tal, somos logo reconduzidos para o disposto no já transcrito artigo 4º, que define e enumera os tipos de jogos de fortuna e azar, autorizados apenas nos casinos. Desse elenco, fazem parte os “jogos em máquinas pagando diretamente prémios em fichas ou moedas” (alínea f) do nº 1) e os “jogos em máquinas que, não pagando diretamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte” (alínea g) do nº 1).
Por sua vez, o artigo 159º, nº 1, do mesmo diploma, estatui que “modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico”. Nelas se incluem, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos (nº 2 do mesmo artigo).
Estabelecendo-se em seguida, no artigo 161º nº 3, em enumeração não exaustiva, os temas que as modalidades afins dos jogos de fortuna e azar não podem desenvolver, como sejam, o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto, nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos (do que decorre a qualificação do póquer como jogo de fortuna ou azar).
O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2010, publicado no DR n.º 46, Série I, de 08-03-2010, que procedeu a uma análise pormenorizada sobre a classificação de várias máquinas de jogo como sendo de fortuna ou azar ou apenas modalidades afins, muito contribuindo para a definição da fronteira entre elas, fixou a seguinte jurisprudência: “Constitui modalidade afim e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos artigos 159.º, n.º 1, 161.º, 162.º e 163.º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público”. Esta jurisprudência apesar de vinculativa, não é aplicável aos presentes autos, pois a máquina aqui em causa tem características diversas daquela outra modalidade específica de máquina que foi objecto do acórdão uniformizador.
Note-se, porém, que o facto de os jogos em máquinas terem desaparecido do elenco exemplificativo do artigo 159.º, n.º 2 (modalidades afins), após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 22/85, de 17 de Janeiro, não significa que todos os jogos em máquinas se dividam, pura e simplesmente, em jogos de fortuna ou azar e jogos de diversão, estes de resultados dependentes exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador e não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, nos termos do artigo 1.º do Decreto -Lei n.º 21/85, também de 17 de Janeiro.
Aqui chegados, atentas as considerações expostas e, relembrando as caraterísticas do jogo desenvolvido na máquina em causa nos autos, tal como consta no ponto 4 dos factos provados, é manifesto que os resultados deste jogo tipo Póquer dependem única e exclusivamente da sorte do jogador, pela simples razão de o jogador não poder influenciar ou condicionar as figuras que surgem, sendo a sua perícia no que concerne à obtenção das combinações premiadas totalmente irrelevante.
De facto, afigura-se-nos que, no manejo da máquina em causa que desenvolve o tema do jogo tipo póquer, se eventualmente poderá intervir uma certa dose de perícia e inteligência do jogador, concretizada no conhecimento prévio das regras e na possibilidade de escolha das cartas a manter, com vista a aumentar a possibilidade de obter uma sequência premiada, a que corresponde uma certa pontuação, o certo é que, a realização dessa combinação e a obtenção da concomitante pontuação – ou de qualquer pontuação – fica dependente de algo que é de todo independente dessa perícia ou inteligência, isto é, da carta ou cartas que a máquina aleatoriamente faz surgir: o jogador não pode prever que cartas irão surgir, nem interferir, minimamente, na sua escolha. Por mais inteligente que seja o jogador, a sorte ditará sempre o resultado final do jogo.
Assim, no caso vertente a máquina desenvolvia o jogo com as características do póquer, designado por “E…”, tratando-se, pois, de uma versão elétrica e computorizada do jogo tipo póquer, que se desenvolve nos termos descritos na sentença recorrida e acima transcritos, que basicamente se caracteriza/desenvolve do mesmo modo que o jogo – o Poker - praticado nos casinos portugueses – e têm como objetivo conseguir combinações premiadas, acima descritas, tudo dependendo única e exclusivamente da sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador. E o facto de a máquina apreendida, conforme alega o recorrente, ser um equipamento que permite aos utilizadores o acesso à internet, não afasta tal qualificação.
Pelo que, é por demais evidente que a máquina em questão desenvolvia jogo de fortuna ou azar, tal como o mesmo se encontra definido nos arts. 1º e 4°, n.º 1, alínea g) do Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, sendo, irrelevante, pois, que o jogador possa obter vantagem económica, maxime prémios em dinheiro, no caso de ganhar o jogo. Consequentemente, é de rejeitar a sua integração nas modalidades afins de jogos de fortuna ou azar, não só porque a tanto se opõe o disposto no artigo 161.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 422/89, mas também, e sobretudo, porque se trata de jogos cuja exploração é apenas autorizada em casinos e tem as características de um dos jogos descritos no n.º 1, do artigo 4.º, daquele diploma legal.
E nem se invoque a este respeito o Acórdão da RP de 8/10/14, disponível em www.dgsi.pt, que se debruçou sobre uma situação sem qualquer paralelismo com a situação dos autos, (em que os arguidos B…, D…, E…, G…, H…, I…, J… e K…, se encontravam sentados à volta de uma mesa, participando e jogando em jogo de fortuna e azar, através da aposta de fichas a que correspondia determinado valor económico e com vista a vencer os demais jogadores como consequência de obtenção de cartas e vasas mais altas, que lhe eram distribuídas, de forma aleatória, pela arguida F…, ou por um qualquer outro jogador, sendo que o tribunal não logrou concluir além de qualquer dúvida razoável que os Recorrentes estavam a jogar segundo regras técnicas de desenvolvimento de jogo características de um jogo do tipo «póquer bancado sem descarte» ou «póquer não bancado variante omaha» ou «póquer não Bancado variante hold’em» ou «póquer não bancado variante póquer sintético» objeto de tutela criminal / penal – conforme as Portarias n.ºs 817/2005, de 13 de Setembro, e 217/2007, de 26 de Fevereiro que atualmente vigoram, contendo as regras de execução dos jogos de fortuna ou azar praticados nos casinos, ambas se referindo vários tipos de jogos bancados e de jogos não bancados, e a última também a jogos praticados em máquinas automáticas, de um modo geral coincidentes com os tipos especificados no Decreto-Lei n.º 422/89, na redação do Decreto -Lei n.º 10/95, e com as características desses jogos).
Ainda assim apelamos ao seguinte trecho do acórdão em causa, onde se refere: "Se o «póquer de cartas» tem variantes mais ou menos populares, só quatro dos possíveis tipos de jogos de «póquer de cartas» é que são «jogos típicos» nos termos e para os efeitos das Leis do Jogo; diversamente, as «máquinas de jogo» caracterizam-se por uma diversidade bem maior que as variantes daquele que há muito é tido como um «jogo…» dir-se-á característico ou típico «… de casino».
Assim, considerando que, à data da prática dos factos supra descritos, o estabelecimento em referência não era um casino, nem se encontrava abrangido pelas exceções previstas nos artigos 6.º a 8.º, da Lei do Jogo, nem tão pouco possuía qualquer tipo de licença para exploração e prática de jogos de fortuna ou azar, ocorreu a sua exploração com intuitos lucrativos fora dos locais legalmente autorizados.
Para o preenchimento deste elemento do tipo, entende-se ser bastante a colocação da máquina de jogo em local a que o público tenha acesso e em condições de funcionamento - neste sentido, cfr. Acórdão da RL de 21/05/2002, in CJ Ano XXVII, tomo III, pág. 128 - não se exigindo para a consumação do crime em causa que a máquina em questão estivesse em funcionamento efetivo e a ser utilizada por alguma pessoa que jogasse tal jogo.
Ora, a máquina em causa encontrava-se no estabelecimento comercial que o arguido B… explorava e denominado "Café G…", sito na Rua..., n.°…, …, Valongo, em exposição, com acesso ao público que ali entrasse e pronta a funcionar, destinando-se à utilização de pessoas/clientes que nela quisessem jogar, sendo nesse dia o arguido C… estava a fazê-lo. Tal máquina foi colocada no aludido estabelecimento comercial explorado pelo arguido em ordem a obter os lucros resultantes da exploração pública do jogo inserido na mesma. Resulta, assim, claro que o arguido explorava aquela máquina de jogo em local onde não é permitida a exploração destes jogos, assim, se mostrando preenchidos os referidos elementos objetivos do tipo em análise.
De igual modo, resultando apurado que o recorrente/arguido, explorador e utilizador do estabelecimento público onde a máquina que desenvolvia o referido jogo se encontrava, agiu por forma livre, consciente e voluntária, conhecendo perfeitamente as suas características bem como a do jogo nela desenvolvido, bem sabendo que a sua prática é proibida fora das áreas e locais legalmente concessionados, preenchido está o elemento subjetivo do tipo (nos termos do artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal).
Face ao exposto, atenta a matéria de facto provada definitivamente assente, não existindo, no caso concreto, quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, resultam preenchidos todos os elementos típicos (objetivos e subjetivo) do crime de exploração ilícita de jogo imputado ao arguido, pelo que se constituiu o mesmo autor material de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo artigo 108.°, n,° 1, com referência ao artigo 1.° e 4.º, alínea g), todos do Decreto Lei n.° 422/89, de 2/12, com as alterações introduzidas pelo Decreto Lei n.° 114/2011, de 30/11.
Assim, a condenação em causa, não é merecedora de reparo.
Aqui chegados, passamos a analisar a questão atinente à dosimetria da pena.
O recorrente apelida de “exagerada e desproporcionada”, as penas que lhe foram aplicadas, pois está em causa tão só a exploração de uma máquina, que apresentava apenas a quantia de € 29,00 no seu interior e que permitia unicamente apostas de valor reduzido. Alega, ainda, que parece ter não sido devidamente valorada a inserção familiar e social do ora recorrente e, bem assim, o facto de não existir uma qualquer notícia posterior da prática de quaisquer factos similares, ou quaisquer outros factos ilícitos, da sua parte, salientando ser primário em termos penais, além de estarmos perante o «domínio das denominadas “bagatelas penais”», com um pequeno grau de ilicitude dos factos e com pequenas necessidades de prevenção geral, porquanto, o tipo em causa não é causador de grande alarme social.
Vejamos.
Dispõe o artigo 40 , nº 1, do Código Penal que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
A medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto, assumindo a proteção de bens jurídicos um significado prospetivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade, na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade das normas infringidas (prevenção geral positiva ou de integração que decorre do princípio político criminal básico da necessidade da pena – art. 18.°, n.° 2 da Constituição da Republica Portuguesa).
É a prevenção geral positiva ou de integração que fornece um “espaço de liberdade ou de indeterminação”, mais precisamente “uma moldura de prevenção”, (Prof. Figueiredo Dias, in ‘’Consequências Jurídicas do crime”, Direito Penal 2, Parte Geral, pág. 283).
Na referida “moldura de prevenção” a função da culpa é a de estabelecer o limite máximo da pena concreto e como tal a pena nunca a pode ultrapassar, uma vez que a culpa constitui o pressuposto e limite da pena. O limite mínimo resulta do quantum de pena imprescindível, no caso concreto, e ainda comunitariamente suportável de medida da tutela de bens jurídicos e de estabilização das expectativas comunitárias da validade das normas violadas.
Na determinação da pena deve ter-se em conta, nos termos do art. 71º do Código Penal, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, fixando-se o limite máximo daquela de acordo com a culpa do mesmo; o limite mínimo, de acordo com as exigências de prevenção geral; e a pena a aplicar, dentro da moldura penal assim conseguida, de acordo com as exigências de prevenção especial que ao caso convenham.
Assim, a determinação da pena concreta far-se-á em função da culpa do agente, atendendo às necessidades de prevenção de futuros crimes e a todos os elementos exteriores ao tipo legal que deponham a favor ou contra a arguida, nos termos do disposto art.º. 71º do Código Penal.
Desta norma se retira o critério norteador da tarefa de que nos ocupamos, e que se pode sintetizar da seguinte forma: a medida concreta da pena deverá ser encontrada, entre o ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos da comunidade e o limiar mínimo em que essa tutela ainda é eficaz (“moldura de prevenção”), através do recurso a considerações de prevenção especial de socialização, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa do arguido. Aquela “moldura de prevenção” é fornecida pela prevenção geral positiva ou de integração, que, tal como já foi aflorado, se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade e vigência da norma infringida.
Os fins das penas encontram-se estabelecidos no já citado artigo 40.º do Código Penal.
O requisito da culpa traduz a vertente pessoal do crime entendido como um juízo de censura pela personalidade manifestada no facto, fixando-se através dela o limite máximo da pena, sendo pressuposto da mesma, limitando de forma inultrapassável as exigências da prevenção (Neste sentido, Figueiredo Dias, “Direito Penal, Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 255 e ss).
Como já se disse, complementarmente à medida da culpa - dentro da margem de variação por esta consentida - intervêm as necessidades de prevenção.
Assim mesmo se têm pronunciado a doutrina, maxime: Figueiredo Dias in “Direito Penal Português”, pag. 227/228; Robalo Cordeiro In “Jornadas de Direito Criminal”, CEJ, vol. I, pag. 265/270; Maia Gonçalves in “Código Penal Português” em anotação ao art.º. 71º e Leal Henriques e Simas Santos in “Código Penal”, vol. I, pag. 550/558) e a jurisprudência do STJ (maxime Ac. de 21/9/94, proc. 46290/3ªsec e de 20/5/95, proc. 47386/3ªsec).
A individualização da pena concreta aplicada pelo tribunal em cada caso não depende de uma qualquer opção discricionária por um qualquer número. Tem, pois, o tribunal de fixar o quantum da pena dentro das regras postuladas pelo legislador, impondo-se-lhe que objetive os critérios que utilizou e que fundamente a quantificação que decidiu -vd. artigo 71º n.º 3 do Código Penal.
Certamente que não se pode pensar em critérios de quantificação matemática. O direito não é uma ciência exata. No entanto, os critérios legais, funcionando comparativamente, podem permitir estabelecer relações quantitativas de grandeza (maior/menor).
Assim, na graduação da pena atender-se-á aos critérios fornecidos pelos artigos 40° e 71° do Código Penal.
O crime em apreço é punível com pena de prisão até dois anos e com pena de multa até duzentos dias – cfr. atigo 108º, nº 1 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro.
Analisemos o caso concreto, tendo em conta as considerações expostas.
Assim, há que valorar o grau de ilicitude (mediano), bem como a intensidade do dolo – direto - e da culpa (mediana), sem escamotear que apenas está em causa uma máquina e que nada se apurou relativamente ao tempo de utilização dessa máquina, do número de pessoas que a possam ter utilizado ou dos ganhos que ela proporcionou ao arguido, desconhecimento este que não pode deixar de beneficiar o agente.
As exigências de prevenção geral revelam-se de alguma premência, considerando a crescente prática de crimes de idêntica natureza, atendendo às consequências que podem advir da prática destes jogos e da facilidade com que atualmente se acede aos mesmos, afigurando-se importante desmotivar a oferta de máquinas como a dos autos, muito embora não seja muito significativa a reação da comunidade quanto a este tipo de crime.
As exigências de prevenção especial mostram-se diminutas em face da ausência de antecedentes criminais e do facto de o arguido já não explorar o café onde foi encontrada a máquina.
Ademais, e ainda como fatores de valoração que milita a favor do arguido apurou-se que o mesmo se encontra social, profissional e familiarmente inserido.
Perante este factualismo e, face à medida abstrata da pena, afiguram-se como adequadas penas situadas próximo do ponto correspondente ao sexto da respetiva moldura legal, pelo que se reduzirão para 4 (quatro) meses de prisão, substituída por 120 dias de multa, ao abrigo do disposto no artigo 43º do Código Penal, e 50 (cinquenta) dias de multa, as penas a aplicar ao arguido B…, pela prática do crime de exploração ilícita de jogo em causa.
Nesta conformidade, a pena única a aplicar ao arguido é de 170 (cento e setenta) dias de multa, por força do artigo 6.º do Decreto-Lei nº48/95, de 15.03 que prescreve:
“Enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa diretamente imposta e a que resultar da substituição da prisão”.
E que dizer quanto ao “quantitativo diário da multa”?
Alega o recorrente que o quantitativo diário de € 6,00 (Seis Euros) da pena de multa que o Tribunal “a quo” julgou por adequado ao caso presente, merece a sua total discordância, na medida em que, ao fixar tal valor, não parece haver sido ponderada, minimamente, “a sua situação económica e financeira” e “os seus encargos pessoais”, concluindo que nunca o quantitativo diário a aplicar ao Recorrente nestes autos poderia ser superior ao mínimo legal de € 5,00 (cinco euros), montante esse, aliás, habitual em casos como o presente.
Vejamos.
De harmonia com o disposto no art. 47º nº 2 do Código Penal, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, e é fixada em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Quanto à taxa diária da multa, ainda, como refere Figueiredo Dias (in ob. cit., pág. 127), todas as considerações atinentes quer à culpa, quer à prevenção geral, quer à especial, devem exercer influência sobre a determinação da pena e, portanto sobre os dias de multa, e não sobre o quantitativo diário. Em contrapartida, tudo quanto respeite à situação económico-financeira do condenado deve ser considerado nesta fase de fixação do quantitativo diário de multa.
Como é entendimento corrente, a taxa diária da multa deve ser fixada de forma a que mesma represente um sacrifício real para o condenado, para que mantenha a sua característica de verdadeira pena, pois de outro modo não será possível, através da sua aplicação, realizar as finalidades da punição.
Na ponderação do quantitativo ajustado ao caso concreto não entram unicamente em linha de conta os rendimentos mensais, apurados ou declarados, mas também todos os outros rendimentos, bens e encargos que definem uma situação económica e que permitem avaliar a repercussão que nela vai ter a pena encontrada, de forma a poder concluir-se se a mesma é, efetivamente, e como deve ser, adequada para sancionar a concreta gravidade do facto.
Logo, “o juiz graduará o quantitativo diário da multa em atenção às determinações legais, atendendo a que a finalidade da lei é eliminar ou pelo menos esbater as diferenças de sacrifício que o seu pagamento implica entre os réus possuidores de diferentes meios de a solver” – cfr. Maia Gonçalves, in Código Penal Português, 10ª ed., pág. 226.
Como se pode ler no Acórdão do STJ, proferido em 3-6-2004, no processo 04P1266, disponível em www.dgsi.pt “A pena de multa, se não quer ser um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar ao arguido, pelo menos, algum desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável”.
Ou conforme se salientou no douto Ac. do STJ de 2-10-1997 (Col. de Jur., Ano V, tomo 3, págs. 183-184) “como a multa é uma pena, o montante diário da mesma deve ser fixado em termos de tal sanção representar um sacrifício real para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade de impunidade”.
Também o Prof. Taipa de Carvalho assinala em termos incisivos que “a multa enquanto sanção penal, não pode deixar de ter um efeito preventivo e, portanto, não pode deixar de ter uma natureza de pena ou sofrimento, isto é e por outras palavras, não pode o condenado a multa deixar de a ‘sentir na pele’ (As Penas no Direito Português após a Revisão de 1995, in Jornadas de Direito Criminal-Revisão do Código Penal, ed. do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1998, vol II, pág. 24) e já antes o Prof. Figueiredo Dias, salientara que “é indispensável (…), que a aplicação concreta da pena de multa não represente uma forma disfarçada de absolvição ou o Ersatz de uma dispensa ou isenção de pena que não se tem coragem de proferir” (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 119, §123).
Ora, também neste domínio, há que ter o sentido das proporções, impondo-se critérios de razoabilidade e de exigibilidade.
Resulta da factualidade apurada que o arguido B… está desempregado, vive com a mulher, que aufere cerca de 700€ mensais, e dois filhos, um estudante e um já trabalhador; pagam mensalmente de renda de casa 200€.
Pelo que, tendo em conta que o mínimo por cada dia de multa corresponde a 5€, quantia que deve ser aplicada em situações limite, de praticamente nenhuns ou parcos rendimentos, designadamente àqueles que nem sequer ganham o suficiente para fazer face às necessidades mais elementares, sob pena de se desvirtuar a essência da pena de multa e se criarem injustiças relativas entre os condenados, considerando que ao arguido foi fixada a quantia de 6€ (quase a quantia mínima) por cada dia de multa, tudo ponderado, afigura-se-nos que tal quantia se mostra perfeitamente adequada, atenta a referida situação económica e financeira do arguido recorrente, que, por isso, se mantém.
Assim, procede, parcialmente, o recurso.
***
III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido B… e, em consequência alterar as penas fixadas, nos seguintes termos:
- reduzir para 4 (quatro) meses de prisão e 50 (cinquenta) dias de multa as penas aplicadas ao arguido pela prática do crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punível pelo artigo 108.º, n.º 1, do DL n.º 422/89, de 2 de dezembro;
- substituir a pena de 4 (quatro) meses de prisão pela pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 6,00€ (seis euros);
- condenar o arguido na pena única de 170 dias de multa, à taxa de 6,00€ (seis euros).
Sem custas.
***
Porto, 02 de março de 2016
Elsa Paixão
Maria dos Prazeres Silva