Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00042179 | ||
Relator: | MANUEL BRAZ | ||
Descritores: | OFENSAS Á INTEGRIDADE FÍSICA DIREITO DE RESISTÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RP200902040816692 | ||
Data do Acordão: | 02/04/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 566 - FLS 84. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O direito de resistência passiva, consagrado no art.º 21º da Constituição, consiste em “responder a violência física ou agressão, a qual pode vir também de agentes da autoridade pública”. II - Quem agir no âmbito do direito de resistência passiva, não viola o dever objectivo de cuidado. III - Assim, não comete o crime de ofensa à integridade física negligente, o arguido que, ao esbracejar, atinge com um cotovelo no peito o agente da autoridade que o forçava, nessa ocasião, a sentar-se numa cadeira, sem que tivesse representado a possibilidade de o atingir e de se conformar com o resultado. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Procº nº 6692/08 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: No .º juízo do Tribunal Judicial da comarca de Valongo, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi o arguido B………. submetido a julgamento e condenado -na pena de 150 dias de multa a € 4 por dia, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos artº 143º, nº 1, 146º, nºs 1 e 2, e 132º, nº 2, alínea j), do CP na versão anterior à da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro; -na pena de 90 dias de multa a € 4 por dia, por cada um de três crimes de injúria agravada p. e p. pelos artºs 181º, 184º e 132º, nº 2, alínea j), do mesmo diploma; -e, em cúmulo, na pena única de 270 dias de multa a € 4 por dia. Foi ainda o arguido condenado a pagar à PSP, a título de indemnização, a quantia de € 798,32, acrescida de juros à taxa legal, desde a notificação do pedido. Inconformado, o arguido interpôs recurso, sustentando, em síntese, na sua motivação: -O tribunal recorrido errou ao dar como provado que o recorrente chamou «filhos da puta» aos agentes C………. e D………., pois não se fez prova desse facto. -Errou ainda ao considerar provado que o recorrente representou a possibilidade de atingir com o cotovelo o agente E………., causando-lhe ofensa física, e se conformou com esse resultado. -Em consequência, deve o recorrente ser absolvido da acusação pelos crimes de injúria agravados que lhe foram imputados com referência aos agentes C………. e D………. . -Em relação à pancada com o cotovelo no peito do agente E………., o recorrente deve ser absolvido da acusação pelo crime de ofensa à integridade física qualificada. -Esse facto apenas preenche o crime de ofensa à integridade física negligente. -Mas não pode ser condenado pela sua prática, visto que o respectivo procedimento criminal depende de queixa e no caso esta não foi apresentada. Respondendo, o MP junto do tribunal recorrido pronunciou-se pela improcedência do recurso. Este foi admitido. Nesta instância, o senhor procurador-geral-adjunto foi também de parecer que o recurso não merece provimento. Foi cumprido o artº 417º, nº 2, do CPP. Não foi requerida a realização da audiência. Colhidos os vistos, cumpre decidir. Fundamentação: Matéria de facto: Foram dados como provados os seguintes factos (transcrição): 1. No dia 06-01-2007, pelas 20H10, foi solicitada a comparência da PSP no Café “F……….”, situado na ………., ………., Valongo, por aí se encontrar o arguido a causar distúrbios, embriagado. 2. De imediato, os agentes da PSP E………., C………. e D………., devidamente uniformizados e no exercício das suas funções de agentes de força de segurança junto da esquadra da PSP de ………., deslocaram-se ao local referido. 3. Aí chegados, os agentes referidos dirigiram-se ao arguido e tentaram acalmá-lo, posto que o mesmo se mostrava exaltado e a discutir com a dona do estabelecimento em tom de voz elevado, recusando-se a pagar a despesa que fizera. 4. Após, o agente E………. solicitou ao arguido os elementos de identificação. 5. Em resposta, o arguido recusou-se a fornecer os elementos de identificação ao agente E………. e disse aos três agentes ali presentes que não tinha medo de ninguém e que metia uma bomba nos mesmos. 6. Após, os agentes referidos conduziram o arguido ao carro patrulha para o conduzirem à esquadra de ………., a fim de aí procederem à identificação do mesmo. 7. Durante a viagem, o arguido chamou os três agentes de “filhos da puta”. 8. Após, chegados à esquadra, quando o agente da PSP E………. forçou o arguido a sentar-se numa cadeira, este esbracejou para se libertar do mesmo e, com tal gesto, atingiu o mesmo agente com o cotovelo no peito do mesmo. 9. Em consequência directa e necessária de tal actuação, o agente E………. sofreu dor à palpação na face anterior do hemi-tórax direito, dor pleurítica, sem dispneia e sem alterações auscultatórias, que determinaram 12 dias para a sua cura, com afectação total da sua capacidade de trabalho profissional por igual período. 10. O arguido previu e quis actuar da forma acima descrita, sabendo que os três agentes acima referidos eram elementos da PSP, se encontravam no exercício das suas funções e que, por isso, exerciam a autoridade pública. 11. O arguido previu e quis ofender a honra e consideração dos referidos agentes, sabendo que a sua conduta era adequada a tal. 12. O arguido admitiu que, ao actuar da forma acima descrita, podia vir a atingir o agente E………. do modo acima referido e a causar-lhe sofrimento físico e a feri-lo, e conformou-se com tal resultado. 13. O arguido actuou sempre de modo livre, deliberado e consciente, sabendo bem que a sua conduta era proibida e punida por lei. 14. O arguido não tem antecedentes criminais. 15. O arguido vive sozinho em casa arrendada pela quantia mensal de € 124,00. 16. O arguido encontra-se desempregado e aufere € 400,00 por mês a título de subsídio de desemprego. 17. O arguido sofre de epilepsia e carece de medicação permanente para seu tratamento. 18. O arguido tem vindo a ser auxiliado por familiares, que lhe controlam as tomas de medicamentos e lhe dão alimentação. 19. Durante o período referido em 9, a PSP assumiu o pagamento das despesas com o tratamento do agente E………. e o pagamento do vencimento do mesmo, nos seguintes montantes parciais: a) € 143,00, por tratamentos prestados no Hospital ………., no Porto; b) € 17,96, por consulta médica; c) € 21,56, por consulta médica; d) € 615,80, a título de vencimento. E foi dado como não provado que (transcrição) -o arguido disse aos agentes referidos na matéria de facto dada como provada que eram todos uns escovas, não tinham vida para si e que eram todos uns estúpidos; -o arguido empurrou o agente E……….; -o arguido previu e quis ofender a saúde e integridade física do agente E……….; -durante o período referido em 9, a PSP pagou ao agente E………. a quantia de € 105,80, a título de suplemento remuneratório. Conhecendo: Diz o recorrente que foi levado pelos agentes da PSP para a esquadra sem que lhe tivesse sido dada voz de detenção, como resulta da prova produzida na audiência, pelo que a detenção é ilegal, ocorrendo, por via disso, uma nulidade processual, que determina a invalidade de todos os actos posteriores, designadamente a constituição de arguido. Mas tenha ou não havido detenção, a omissão referida, a constituir ilegalidade, não integra qualquer nulidade, pois de acordo com o princípio da legalidade ou tipicidade consagrado no artº 118º, «a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei», sendo que «nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular». E a referida omissão em lado algum está classificada como nulidade, sendo certo que a presente situação nada tem que ver com a situação prevista no artº 258º, onde se define o conteúdo dos mandados de detenção, que no caso não houve. Por isso, a ser ilegal a indicada omissão, ficar-se-ia pela simples irregularidade, que estaria sanada por não ter sido arguida nos termos e prazo previstos no artº 123º, nº 1. Mesmo que houvesse nulidade, não estando prevista como insanável, designadamente no artº 119º, teria de ser arguida no próprio acto, nos termos do artº 120º, nº 3, alínea a), ou, pelo menos no prazo do artº 105º, nº 1, contado a partir da primeira intervenção da defensora no processo, o que, por não ter acontecido, implicaria a sanação de um tal vício. O recorrente impugna a decisão proferida sobre matéria de facto, pretendendo não se ter provado que -durante a viagem até à esquadra chamou “filhos da puta” aos agentes C………. e D……….; -previu e quis actuar dessa forma, sabendo que esses agentes eram elementos da PSP, se encontravam no exercício das suas funções e que, por isso, exerciam a autoridade pública; -previu e quis ofender a honra e consideração desses dois agentes, sabendo que a sua conduta era adequada a tal; -admitiu que, ao actuar da forma descrita no nº 8, podia vir a atingir o agente E………. do modo acima referido e a causar-lhe sofrimento físico e a feri-lo, e conformou-se com tal resultado; -actuou sempre de modo livre, deliberado e consciente, sabendo bem que a sua conduta era proibida e punida por lei. Nesse sentido argumenta assim: -o tribunal recorrido baseou a sua convicção nesta parte nos depoimentos das testemunhas E………. e C………., dois dos três agentes da PSP que interpelaram e conduziram o recorrente à esquadra, sendo que o terceiro não foi ouvido; -porém, relativamente às injúrias, enquanto o E………. afirmou que a expressão filho da puta foi dirigida apenas a si, o C………. afirmou que o arguido também o injuriou a si e ao terceiro agente, não se recordando, porém, das expressões que lhes dirigiu; -relativamente à cotovelada, enquanto o C………. disse não ter assistido, o E………. afirmou julgar que foi involuntária; -nesta parte apenas poderia verificar-se um crime de ofensa á integridade física por negligência, pelo qual não pode haver condenação, visto o procedimento exigir queixa, que não houve. O que o recorrente põe em causa é que tenha injuriado os agentes da PSP C………. e D………. e que tenha representado a possibilidade de a atingir com o braço o E………. . Aceita, assim estar provado que chamou «filho da puta» ao agente E………., bem como os demais factos de ordem subjectiva referidos àquele. E relativamente à parte impugnada, o recorrente tem razão. Com efeito, como alega, o G………. afirmou que, quanto a expressões injuriosas, só se recorda da de «filho da puta» e que esta foi dirigida a si e só a si, fazendo-o em resposta à seguinte observação daquele: «já tem idade para ter juízo; podia ser meu pai». E o C………., disse que tanto ele como o terceiro agente também foram injuriados pelo recorrente, mas, tendo-lhe sido pedido que concretizasse as expressões injuriosas, declarou não se recordar. Deste modo se, por um lado, o G………. disse que a expressão «filho da puta» foi dirigida só a si, não se recordando de outras expressões que pudessem ser consideradas injuriosas, e, por outro, o C………. declarou não se recordar das expressões que o recorrente dirigiu a si e ao terceiro agente, não havendo outra prova, parece claro que não pode ter-se como provado que o arguido dirigiu a expressão «filho da puta» aos agentes C………. e D………. . E não se pode dar como provado que o recorrente dirigiu «expressões injuriosas» ao terceiro agente e ao C………, como afirmou este, porque nessa afirmação não há factos, mas matéria de direito. No que se refere à cotovelada, a única prova é constituída pelas declarações do E………, as quais não suportam a decisão recorrida neste ponto, na medida em que vão no sentido de que a pancada foi involuntária. A testemunha afirmou que, na esquadra, ordenou ao arguido que se sentasse e, como ele recusasse fazê-lo, se aproximou por trás, a fim de o obrigar a sentar, sendo que este, ao sentir-se agarrado por aquele, para se libertar, esbracejou, atingindo-o nesse movimento com o cotovelo no peito, ao que julga, inadvertidamente. A conclusão tirada pelo tribunal recorrido de que o recorrente previu a possibilidade de atingir o E………., conformando-se com esse resultado não é, assim, fundada. Não existe qualquer prova que a suporte. Há, pois, que alterar a decisão proferida sobre matéria de facto, considerando-se provados os seguintes factos: 1. No dia 06-01-2007, pelas 20H10, foi solicitada a comparência da PSP no Café “F……….”, situado na ………., em ………., concelho de Valongo, por aí se encontrar o arguido a causar distúrbios, embriagado. 2. De imediato, os agentes da PSP E………., D………. e C………., devidamente uniformizados e no exercício das suas funções, deslocaram-se ao local referido. 3. Aí chegados, os agentes referidos dirigiram-se ao arguido e tentaram acalmá-lo, posto que o mesmo se mostrava exaltado e a discutir com a dona do estabelecimento em tom de voz elevado, recusando-se a pagar a despesa que fizera. 4. Então, o agente E………. solicitou ao arguido os elementos de identificação. 5. Em resposta, o arguido recusou-se a fornecer os elementos de identificação ao agente E………. e disse aos três agentes ali presentes que não tinha medo de ninguém e que metia uma bomba nos mesmos. 6. Nessa altura, os agentes referidos conduziram o arguido ao carro patrulha para o levarem para a esquadra de ………., a fim de aí procederem à sua identificação. 7. Durante a viagem, o arguido chamou “filho da puta” ao agente E………. . 8. Na esquadra, quando o agente E………. forçou o arguido a sentar-se numa cadeira, este esbracejou, para se libertar do mesmo, atingindo aquele nesses movimentos de braços com um cotovelo no peito. 9. Em consequência directa e necessária de tal actuação, o agente E………. sofreu dor à palpação na face anterior do hemi-tórax direito, dor pleurítica, sem dispneia e sem alterações auscultatórias, que determinaram 12 dias para a sua cura, com afectação total da sua capacidade de trabalho profissional por igual período. 10. O arguido ao chamar «filho da puta» ao E………. agiu livre e conscientemente, sabendo que este era agente da PSP e que com essa expressão o ofendida na sua honra e consideração. Sabia ainda que essa sua conduta era proibida e punida por lei. 11. O arguido não tem antecedentes criminais. 12. Vive sozinho em casa arrendada pela quantia mensal de € 124,00. 13. Encontra-se desempregado e aufere € 400,00 por mês a título de subsídio de desemprego. 14. Sofre de epilepsia e carece de medicação permanente para seu tratamento. 15. Tem vindo a ser auxiliado por familiares, que lhe controlam as tomas de medicamentos e lhe dão alimentação. 16. Durante o período referido em 9, a PSP assumiu o pagamento das despesas com o tratamento do agente E………. e o pagamento do vencimento do mesmo, nos seguintes montantes parciais: -a) € 143,00, por tratamentos prestados no Hospital de ………., no Porto; -b) € 17,96, por consulta médica; -c) € 21,56, por consulta médica; -d) € 615,80, a título de vencimento. E como não provado que -o arguido disse aos agentes referidos na matéria de facto dada como provada que eram todos uns escovas, não tinham vida para si e que eram todos uns estúpidos; -o arguido empurrou o agente E……….; -o arguido previu e quis ofender a saúde e integridade física do agente E……….; -durante o período referido em 9, a PSP pagou ao agente E………. a quantia de € 105,80, a título de suplemento remuneratório; -o arguido dirigiu a expressão «filho da puta» aos agentes C………. e D……….; -o arguido, ao esbracejar para se libertar do E………. tivesse representado a possibilidade de atingir com os braços esse agente por forma a causar-lhe ofensa no corpo ou na saúde, conformando-se com esse resultado. Matéria de direito: A decisão recorrida condenou o arguido pela prática de três crimes de injúria agravados, considerando integrado o respectivo tipo objectivo com o facto de ele haver chamado os três agentes de «filhos da puta». Tendo-se provado dessa matéria apenas que o arguido chamou «filho da puta» ao agente E………., tem de concluir-se que só cometeu um desses três crimes, o que lhe vinha imputado com referência a este ofendido. Por esse crime foi-lhe aplicada a pena de 90 dias de multa a € 4 por dia. Esta parte da decisão – escolha e medida da pena e quantitativo diário da multa – não vem posta em causa no recurso nem é matéria que deva ser conhecida oficiosamente, não podendo por isso deixar de ser mantida. Foi também o arguido condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e pelos artºs 143º, nº 1, e 146º, nºs 1 e 2, com referência ao artº 132º, nº 2, alínea j), do CP, na versão anterior, com base no facto de, ao esbracejar para se libertar do agente E………. que o forçava a sentar-se numa cadeira, ter atingido esse agente no peito com um cotovelo, causando-lhe uma lesão física, resultado que previu e com que se conformou. Não se tendo provado que o arguido, a esbracejar, tivesse representado a possibilidade de atingir o E………. nem, consequentemente, que se tivesse conformado com esse resultado, não se preenche o crime referido. Mas, afastado o dolo, coloca-se a questão de saber se a conduta do arguido, que consistiu em, ao esbracejar, nas circunstâncias descritas, ter atingido com um cotovelo o agente E………. no peito, não tendo chegado a representar essa possibilidade, preenche o crime de ofensa à integridade física por negligência e, a entender-se que preenche, se pode ser condenado pela sua prática. O recorrente aceita que a sua conduta integra este crime, mas diz que não pode ser condenado pela sua prática, por o procedimento criminal depender de queixa, que no caso não teria havido. Mas sobre este último ponto não tem razão, visto que a queixa mais não é que a manifestação da vontade de procedimento criminal, e o ofendido, a fls. 25, em 15/03/2007, ou seja, ainda dentro do prazo de 6 meses do artº 115º, nº 1, do CP, declarou desejar procedimento criminal contra o arguido. Sobre a negligência diz o artº 15º deste código: Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz: a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto. No caso, o arguido encontrava-se no “F……….”, em ………. . Sob o pretexto de que ali estava a provocar distúrbios e embriagado, foi solicitada a comparência da PSP. Chegaram então ao local os três identificados agentes. Após terem tentado acalmar o arguido, pediram a este os elementos de identificação, o que ele recusou fazer. Por essa razão, usando da força, levaram o arguido até ao carro-patrulha, introduziram-no aí e transportaram-no para a respectiva esquadra, apenas para o identificarem, tudo contra a vontade do arguido. Este comportamento dos agentes da PSP é claramente ilegal, pois o arguido foi privado da sua liberdade, sem que se verificasse qualquer das situações previstas no artº 250º, nºs 1 a 6, do CPP, visto que sobre ele não recaíam «fundadas suspeitas da prática de crimes, da pendência de processo de extradição ou de (...) haver contra si mandado de detenção», 254º e 257º, do mesmo código, desde logo por não estar em causa a prática de qualquer crime. O crime de injúria que se considerou praticado contra o agente E………. só teve lugar a caminho da esquadra. E não se estava perante o crime do artº 220º, nº 1, alínea a), do CP, porque resulta das declarações dos agentes ouvidos na audiência que o arguido pagou a conta. Nem esse crime admitiria a detenção, na medida em que o procedimento respectivo depende de queixa, que não houve, sendo que o ofendido, se crime houvesse, estava presente. Não obstante o arguido estar ilegalmente privado da sua liberdade, com momentos em que sobre ele foi exercida violência física, como o da sua condução do “F……….” até ao interior do carro-patrulha, na esquadra, num gesto de mais violência desnecessária, o agente E………. “forçou-o” a sentar-se numa cadeira. E, para o fazer, como resulta das declarações desse agente, aproximou-se do arguido por trás e agarrou-o, sendo então que este, sentindo-se agarrado, num gesto para se libertar, esbracejou e, nesse movimento, atingiu com um dos cotovelos o agente E……. . Nessas circunstâncias estava o arguido obrigado a não reagir pela forma como o fez contra o constrangimento físico que o agente E………. sobre ele exercia? Não estava. Esse constrangimento era desnecessário e culminava toda uma actividade ilegal desse agente da PSP contra o recorrente, não tendo por isso este de o suportar pacificamente. Ao reagir como o fez, esbracejando, o arguido executou um gesto adequado a libertar-se, a evitar um agravamento da violação do seu direito à liberdade. Não tinha, em suma, naquelas condições, que lhe foram criadas e mesmo impostas, o dever de não actuar do modo como actuou. Assistia-lhe o direito de resistir, consagrado no artº 21º da Constituição, que na modalidade de resistência passiva consiste, como dizem Jorge Miranda e Rui Medeiros, «em responder a violência física ou agressão, a qual pode vir também de agentes da autoridade pública» (Constituição Anotada, Tomo I, página 207). E não se diga que um tal raciocínio remete para o campo das causas de justificação – aqui seria a prevista no artº 31º, nº 2, alínea b), do CP –, na medida em que, dependendo a afirmação da violação do dever de cuidado das circunstâncias do caso, muitas situações que, no âmbito de factos dolosos, configurariam elementos justificadores servem, nos factos negligentes, para negar a própria violação do dever de cuidado. Sobre esta matéria escreve Figueiredo Dias: «(...) não falta quem saliente que, relativamente a factos ocorridos no exercício de actividades em geral socialmente desejáveis ou aceitáveis, muitos elementos justificadores se deixam já integrar nos limites do risco permitido e assumem assim significado para determinação do dever de cuidado ou intervêm, de todo o modo, a nível do tipo incriminador. Compreende-se, face a esta consideração, que o tipo incriminador negligente constitua como que um tipo aberto, particularmente necessitado de completação através da concretização, pelo aplicador, de critérios de imputação retirados da essência mesmo da ilicitude material; e sendo, na negligência, o âmbito da ilicitude menos intenso que no dolo, bem se aceitará, a partir dali, a relativa sobreposição ou cruzamento que acaba por verificar-se entre os momentos da ilicitude e da tipicidade. (Direito Penal Português, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, 2ª edição, páginas 888-889). Não podendo imputar-se a ofensa física sofrida pelo agente E………. a um comportamento negligente do arguido, não se preenche o crime de ofensa à integridade física por negligência. E, sendo assim, fica prejudicado o conhecimento da questão de saber se, de acordo com as regras processuais que regem sobre o objecto do processo, poderia haver aqui condenação por um tal ilícito. Concluindo, o arguido deve ser absolvido da acusação relativamente ao crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos artº 143º, nº 1, 146º, nºs 1 e 2, e 132º, nº 2, alínea j), do CP na versão anterior à da Lei nº 59/2007, e aos dois crimes de injúria agravada p. e p. pelos artºs 181º, 184º e 132º, nº 2, alínea j), do mesmo diploma, referidos aos agentes C………. e D……… . Em consequência, só se mantém a pena de 90 dias de multa a € 4 por dia, aplicada pelo crime de injúria agravada cometido na pessoa do agente E………. . No plano civil, foi o arguido condenado a pagar à PSP, a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de € 798,32, acrescida de juros de mora. Esses danos estariam concretizados no facto de essa corporação haver desembolsado tal quantia em remunerações pagas ao agente E……… durante o período em que esteve impossibilitado de prestar serviço em consequência das ofensas que lhe casou a cotovelada do arguido. Mas, estando decidido que esse resultado não pode ser imputado ao arguido a título de dolo ou de negligência e que portanto não houve crime nem outro facto ilícito, a condenação nessa indemnização é insustentável, desde logo porque neste campo não há responsabilidade objectiva. Por isso, ao abrigo do artº 403º, nº 3, do CPP, retirando da procedência do recurso as consequências legalmente impostas, deve o arguido ser absolvido do pedido de indemnização civil. Decisão: Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação, no provimento do recurso, em revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o arguido, B………., pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos artº 143º, nº 1, 146º, nºs 1 e 2, e 132º, nº 2, alínea j), do CP na versão anterior à da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, e de dois crimes de injúria agravada p. e p. pelos artºs 181º, 184º e 132º, nº 2, alínea j), do mesmo diploma, bem como na parte em que o condenou a pagar à PSP, a título de indemnização, a quantia de € 798,32, acrescida de juros à taxa legal, desde a notificação do pedido, absolvendo-o nesses pontos. Mantém-se por isso somente a condenação na pena de 90 dias de multa a € 4 por dia, pela prática de um crime de injúria agravada p. e p. pelos artºs 181º, 184º e 132º, nº 2, alínea j). Sem custas. Os honorários da defensora oficiosa, fixados na tabela anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro, são da responsabilidade do IGFIJ, IP. Porto, 4/02/2009 Manuel Joaquim Braz Joaquim Maria Melo de Sousa Lima |