Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00043346 | ||
Relator: | VIEIRA E CUNHA | ||
Descritores: | EXPROPRIAÇÃO CONTRIBUIÇÃO AUTÁRQUICA | ||
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Nº do Documento: | RP201001051333/04.2TBMAI.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/05/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO. | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO - LIVRO 343 - FLS 44. | ||
Área Temática: | . | ||
Legislação Nacional: | ARTº 23º Nº4 C. EXP. | ||
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Sumário: | I - A norma do art° 23° n°4 C.Exp., durante o respectivo período de vigência, violava o princípio constitucional da igualdade, na respectiva vertente externa, e, do mesmo passo, o princípio da justa indemnização, na medida em que ao diminuir o quantum indemnizatório para efectiva liquidação e cobrança adicionais de um tributo, não assegurava a igualdade de encargos entre os proprietários expropriados e os não expropriados. II - Face ao elemento teleológico da interpretação, que passava por se conhecer qual o sujeito activo da relação de imposto por via da contribuição autárquica, a norma do (hoje revogado) art° 23° n°4 C.Exp. deve ser objecto de interpretação restritiva, por forma a que seja aplicada apenas às expropriações em que a entidade expropriante seja um município e que tenham como objecto prédios localizados no respectivo âmbito territorial. III — A Lei que, em 2008, revogou o disposto no art° 23° nº4 C.Exp. não é interpretativa do direito anterior, apenas e só porque interpretação da norma rectius a lei interpretativa se pergunta sobre o sentido da norma (que pode não ser nenhum), mas já não se pergunta sobre a validade formal da norma. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | ● Rec.1333-04.2TBMAI.P1. Relator – Vieira e Cunha; decisão de 1ª Instância – 5/6/06. Adjuntos – Des. Mª das Dores Eiró e Des. Proença Costa. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Os Factos Recurso de apelação interposto na acção com processo especial de expropriação por utilidade pública nº1333/04.2TBMAI, do .º Juízo Cível da Comarca da Maia. Expropriante – B………., SA. Expropriado – C………. . Por despacho do Secretário de Estado dos Transportes e Comunicações, datado de 16/7/03, publicado no D.R. IIs., nº 208, de 9/9/03, foi declarada a utilidade pública e a urgência da expropriação de uma parcela de terreno relativa à obra de duplicação da linha “P”, respeitante ao troço Senhora da Hora – Vila do Conde – Póvoa de Varzim, do B……….; tal parcela, designada como “parcela nº 282”, com a área de 568,98 m2, corresponde à expropriação parcial de um prédio rústico de maiores dimensões, denominado “D……….”, situado no ………., da freguesia de ………, do concelho da Maia, inscrito na matriz predial rústica da freguesia sob o artº nº 693-R, descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o nº 00553/08.11.90, da freguesia de ………., concelho da Maia, com as seguintes confrontações (parcela): Norte – caminho, Sul – E………., Nascente – parte sobrante e Poente – F………. . Na decisão arbitral, relativa à citada parcela, os árbitros classificaram a parcela como “solo apto para outros fins”, de acordo com a lei das expropriações aplicável (D.-L. nº 168/99 de 18 de Setembro), e atribuíram à parcela expropriada, por unanimidade, o montante de € 5.439,45. Por decisão judicial de 17/11/2004, foi adjudicada a parcela em questão à Expropriante. Após recurso da decisão arbitral, promovido pela Expropriado, foi produzida prova pericial, concluindo com a apresentação de um laudo maioritário, subscrito pelos peritos indicados pelo Tribunal e pelo Expropriado, que entendeu ser a parcela de valorizar parte como “solo apto para construção” e parte como “solo apto para outros fins”, concluindo por um total indemnizatório de € 9.712,49,88; em minoria, o perito da Expropriante valorizou o solo, tal como o acórdão, apenas como “apto para outros fins”, atingindo o respectivo cálculo o valor de € 5.946. Proferidos diversos esclarecimentos às partes, por banda dos srs. peritos, foi proferida a decisão de que se recorre, no Tribunal da Comarca da Maia, na qual se julgou parcialmente procedente o recurso do Expropriado, assim se condenando a Expropriante a pagar aos Expropriados, no pressuposto da classificação do solo da parcela, pelo menos em parte, como “apto para construção”, a quantia de € 9.350 (por dedução do cálculo das colectas por contribuição autárquica, sobre o valor da indemnização), quantia a actualizar de acordo com os índices de preços ao consumidor, publicados pelo INE, com exclusão da habitação, desde a data da declaração de utilidade pública, até à data do trânsito em julgado da decisão final do processo, mais se decidindo aplicar a norma constante do artº 24º nº3 C.Exp. Da decisão proferida na Comarca, vem agora interposto o presente recurso, por parte do Expropriado. Conclusões do Recurso de Apelação (resenha): 1 – Ao fazer a dedução dos valores referidos no artº 23º nº4 C.Exp., sem especificar os fundamentos dessa decisão, apesar de a questão ter sido suscitada nos autos, a sentença proferida está ferida de nulidade – artº 668º nº1 al.b) C.P.Civ. 2 – Essa disposição legal encontra-se hoje revogada, pelo artº 3º da Lei nº 56/2008 de $ de Setembro, que alterou o Código das Expropriações. 3 – De qualquer forma, a referida norma do artº 23º nº4 C.Exp. só poderia aplicar-se às expropriações cuja entidade beneficiária fosse um município, dado que a contribuição autárquica é um imposto de natureza local, constituindo receita municipal, e que tivessem como objecto prédios localizados na respectiva circunscrição territorial. 4 – Com a aplicação deste preceito, obtinha-se nada mais que uma actualização, cobrança e liquidação retroactivas da matéria colectável da contribuição autárquica, o que materializa grave violação ao estabelecido no artº 103º nº3 C.R.P., que consagra o princípio da não retroactividade, em matéria fiscal. 5 – E este preceito conflituava ainda com o princípio da igualdade fiscal, pois ao impor o expropriado o pagamento, mediante abatimento ao montante da indemnização recebida de um acréscimo de contribuição autárquica, permite que pessoas iguais paguem impostos desiguais, ou seja, o expropriado irá pagar uma contribuição autárquica proporcionalmente mais elevada do que o proprietário do prédio contíguo ou vizinho que não foi expropriado. 6 – A sentença recorrida violou assim o disposto nos artºs 23º nºs 1 e 4 C.Exp., 668º nº 1 al.b) C.P.Civ., 103º e 62º nº2 C.R.P. O Apelado não apresentou contra-alegações. Factos Julgados Provados em 1ª Instância 1 – A parcela nº PE-NM-282, com a área de 568,98 m2 constitui parte do prédio denominado “D……….”, sito no ………., freguesia de ………., concelho da Maia, inscrito na respectiva matriz rústica sob o artº nº 693, descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº 00553/081190, da freguesia de ………., registada que estava na mesma Conservatória a favor do Expropriado C……….o e mulher (falecida) G……….., a confrontar de Norte com Caminho, de Sul com herdeiros de H………., de Nascente com o próprio e de Poente com a ex-linha da CP. 2 – Por despacho nº 17345/2003 (2ª série), de 20/5/2003, publicado no Diário da República, IIª série, nº 208, de 9/9/03, do Secretário de Estado dos Transportes, foi declarada a utilidade pública e atribuído carácter urgente à expropriação da parcela identificada supra. 3 – Procedeu-se à pertinente vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, em que se descreve tal parcela como sendo terreno plano, de solo fértil e profundo, com boa exposição solar e com rega abundante, estando a ser aproveitado na exploração agrícola, tendo milho, ainda com a respectiva bandeira, que, pela sua pujança, evidenciava grande fertilidade. 4 – Resulta uma parte sobrante do prédio de onde é destacada a parcela, tendo o prédio a área global de 1.490 m2. 5 – A entidade expropriante tomou posse da descrita parcela em 13/11/2003. 6 – O acórdão de arbitragem de fls. 61, datado de 12 de Fevereiro de 2004, fixou o valor da indemnização ao proprietário, pela expropriação daquela parcela, em € 5.439,45. 7 – A entidade expropriante procedeu, em 10/11/2004, ao depósito do montante de € 5.439,45, conforme guia de depósito junta a fls. 158. 8 – De acordo com o PDM da Maia (cf. D.R., Is.-B, nº 114, de 17/5/94) o terreno da parcela expropriada encontra-se integrado na Reserva Agrícola Nacional (RAN). 9 – Na envolvente da parcela existem as seguintes infra-estruturas: arruamentos pavimentados, rede de abastecimento domiciliário de água, rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, rede de drenagem de águas pluviais, rede telefónica. 10 – Na envolvente da parcela, a menos de 300 metros, existem diversas construções que, na sua maioria, são caracterizadas por moradias unifamiliares, com dois pisos acima do solo e anexos, algumas delas com aparcamento na cave, inseridas na povoação de ………. . Fundamentos Em função das conclusões apresentadas pelo Recorrente/Expropriado, a única questão que haveremos de apreciar prende-se com o saber se, na indemnização fixada, deveria ter sido aplicado, ou não, o disposto no nº4 do artº 23º C.Exp. Vejamos pois. A) De acordo com o citado texto legal, “ao valor dos bens calculado por aplicação dos critérios referenciais fixados nos artºs 26º e seguintes, será deduzido o valor correspondente à diferença entre as quantias e efectivamente pagas a título de contribuição autárquica e aquelas que o expropriado teria pago com base na avaliação efectuada para efeitos de expropriação, nos últimos cinco anos”.Note-se, à guisa de intróito, e porque a questão se encontra colocada nos autos, que não entendemos encontrarmo-nos perante a nulidade a que se reporta o disposto no artº 668º nº1 al.b) C.P.Civ. Na exegese do disposto no artº 668º nº1 al.b) C.P.Civ. (falta de fundamentação), de há muito se vem entendendo que a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso (por todos, Teixeira de Sousa, Estudos, pg.222). Todavia, só a ausência de qualquer fundamentação é susceptível de conduzir à nulidade da decisão. Ora, a fls. 406 dos autos, a sentença faz referência expressa à dedução na indemnização, que entende reportada ao disposto no artº 23º nº4 C.Exp. Não se encontra, desta forma, ausente de “qualquer fundamentação”. B) A questão, posta que foi perante a justiça constitucional, teve resposta no Ac.T.C. nº 422/04 de 16/6/04 (in D.R. IIs. de 4/11/04).Essa dita decisão, em que interveio o Plenário do Tribunal Constitucional, determinada ao abrigo do disposto no artº 79º-A L.T.C., estatuiu, embora com diversos votos de vencido, não dever ser julgada inconstitucional a norma do artº 23º nº4 C.Exp. Visando a intervenção do Plenário a prevenção (artº 79º-A) ou a solução (artº 79º-D) de divergências jurisprudenciais, apesar da inexistência de preceito expresso a atribuir-lhe carácter vinculativo, a orientação que fez vencimento passou a ser seguida pelo Tribunal Constitucional, sem prejuízo de poder, no futuro, vir a ser objecto de revisão pelo próprio Plenário. E assim foi – no Ac.T.C. nº 11/08 de 14/1/08 (in D.R. IIs., nº 52, de 13/3/08), estatuiu-se “julgar inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da justa indemnização, consagrado no artigo 62º nº2, da Constituição da República Portuguesa, e da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, incluindo o da igualdade tributária, enquanto expressão específica do princípio geral da igualdade constante do artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa, o artigo 23º nº4, do Código das Expropriações de 1999”. Neste sentido também se pronunciava já alguma doutrina autorizada – v.g., Alves Correia, Revista Decana, 134º/325 e 137º/181 ou Ac.R.E. 21/9/06 Col.IV/230. O princípio da justa indemnização por expropriação vem condensado no artº 62º nº2 C.R.P. O primeiro dos citados arestos centrou a refutação da inconstitucionalidade do preceito, por violação do princípio da “justa indemnização”, no considerando de que “os critérios indemnizatórios puros de mercado não são uma exigência constitucional”, e ainda porque no mercado, “em condições normais de funcionamento deste, também estão presentes – e intervêm decisivamente na formação do preço dos bens – valores decorrentes de múltiplos factores exteriores, caso dos encargos fiscais e “custos de transacção” diversos”. Sob este prisma, parece-nos inatacável a defesa da constitucionalidade da norma - não existiria assim, no caso concreto, violação do princípio constitucional da justa indemnização. Todavia, a justa indemnização imbrica-se com o princípio da igualdade, a que alude o artº 13º nº1 C.R.P. Não existe, designadamente, justa indemnização sem igualdade de encargos entre os proprietários expropriados e os proprietários não expropriados. A indemnização justa, a este nível, na perspectiva do expropriado, será aquela que, “repondo o princípio da igualdade violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja equitativamente repartida entre todos os cidadãos” (ut Alves Correia, Revista Decana, 134º/346 e 349). Não existe “justa indemnização” sem que se mostre assegurada a igualdade de encargos. Ora, a norma em causa, ao diminuir o quantum indemnizatório para efectiva liquidação e cobrança adicionais de um tributo, não assegura a igualdade de encargos entre os proprietários expropriados e os não expropriados. É certo que, como salienta o Ac.T.C. nº422/04 cit., “a administração fiscal dispõe de poderes (que não podem deixar de ser poderes-deveres) de reavaliação de cada prédio, quando se suspeite que o respectivo valor tributável é inferior ao valor real, inserindo-se nesses “elementos de suspeita” o valor da transmissão onerosa do bem, cujo conhecimento é obtido através da declaração feita para efeitos de sisa”. Pensamos porém que tal invocação confirma a substancial desigualdade interna do tratamento de expropriados e não expropriados, pelo simples facto de que as suspeitas fundadas numa transacção onerosa não poderão fazer-se equivaler à atribuição de uma indemnização por acto expropriativo: na transmissão onerosa existe, como fundamento, um acto de vontade do alienante - proprietário; a expropriação visa a aquisição originária (e não derivada) do bem, constituindo um verdadeiro instituto jurídico público, prosseguida por força do interesse público, ao qual o proprietário deverá sujeitar-se, cumpridos que se mostrem os requisitos de legalidade do acto (Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, §§ 5.1 a 5.3). Por outro lado, a ideia subjacente ao acórdão é a da desactualização das matrizes e a da valorização dos prédios, para efeitos fiscais, muito inferior à sua valorização real, ideia que nos parece ultrapassada, face aos novos meios de avaliação ao dispor da administração fiscal e à actualização das matrizes operada com a entrada em vigor do novo Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI – D.-L. nº287/2003 de 12 de Dezembro). Aproveitar a oportunidade da valorização do prédio, por via de uma aquisição forçada do bem, para cobrar um imposto parece uma solução chocante, além de oportunística. O contribuinte e a administração devem-se mutuamente cooperação, baseada no princípio da boa fé (C. Nabais, Direito Fiscal, IIª ed., §22.1) – à administração cumpre assim manter actualizadas as matrizes e, desde que o faça, na medida das suas possibilidades, a alteração da relação tributária por via de factos inopinados face a essa mesma relação tributária, factos esses que a própria administração cria, parece violar obrigações de boa fé recíprocas e a necessária estabilidade, base da confiança das relações entre sujeitos de direito. Existe assim, no caso, uma violação do princípio constitucional da igualdade, na respectiva vertente externa, que acarreta concomitantemente a violação do princípio da justa indemnização. Acresce ainda que, como sublinhou a declaração de voto do Consº Moura Ramos no citado Ac.T.C. nº422/04, enquanto que a norma do artº 23º nº4 C.Exp. funciona automaticamente, operando uma imediata redução do quantum indemnizatório, na hipótese de venda do prédio o vendedor que receba um preço superior ao da avaliação matricial sempre estará dependente de uma eventual (quiçá improvável) iniciativa da administração fiscal de reavaliar o prédio, actualizar a matriz e liquidar adicionalmente o imposto. Entre uma certeza e uma mera eventualidade existe também violação do princípio da igualdade perante os encargos públicos. E, como expresso no voto de vencido da Consª Mª dos Prazeres Beleza, “se o efeito da aplicação da norma que o tribunal julgou maioritariamente não inconstitucional se traduz em retirar uma parcela ao montante da indemnização que foi encontrado, por corresponder ao valor de mercado “normal” ou “habitual”, valor esse que o Tribunal Constitucional tem considerado adequado à exigência constante do nº2 do artº 62º C.R.P., assim se fixa para a indemnização um montante assumidamente abaixo desse valor normal”. Uma outra razão, de índole meramente sistemática, sempre acresceria: a contribuição autárquica (actual CIMI) constitui um imposto de natureza local, uma verdadeira receita municipal. Consoante Perestrelo de Oliveira, Código Anotado, artº 23º, nota 11, encontrando-se em causa razões de justiça da indemnização, na óptica do interesse público, não faz sentido que a norma funcione quando a entidade expropriante não seja um município e o prédio expropriado não se localize na respectiva circunscrição. A questão foi aflorada no Ac.T.C.422/04 (no entender de Alves Correia, op. cit., pg. 341, em verdadeiro obiter dictum). Aí se escreveu: “O expropriante funciona aqui como uma entidade da administração tributária incumbida da liquidação e cobrança adicionais da contribuição autárquica – ainda que na modalidade específica de abatimento ou redução do valor indemnizatório – resultando a obrigação de transferência da respectiva verba para o município do facto de a contribuição autárquica constituir, por força do artº 1º do Código da Contribuição Autárquica, um imposto municipal”. No seguimento da opinião já aludida de Alves Correia (em diversos artigos na Revista Decana, designadamente 133º/116 e 134º cit.), entendemos que a construção não faz sentido. Em primeiro lugar, porque as incumbências de liquidação e cobrança de impostos encontram-se sujeitas ao princípio da legalidade tributária, cabendo à lei definir, entre outros aspectos, quais as entidades competentes para a liquidação e cobrança dos impostos (artº 8º nº2 al.a) L.G.T. – D.-L. nº398/98 de 17 de Dezembro). Em segundo lugar, porque a compensação para o verdadeiro locupletamento da expropriante, ocorrido com a redução da indemnização, compensação que se vê na “obrigação de transferência da receita para o município da localização do prédio ou prédios expropriados” não possui qualquer fundamento legal e, quiçá mais do que isso, qualquer fundamento prático, na estrita medida em que as mais diversas entidades expropriantes (ou beneficiários da expropriação, que podem ser, hoje por hoje, as mais diversas entidades de direito privado – Osv. Gomes, op. cit., § 19.4.2) não possuem obrigações expressas, decorrentes da lei ou tão só do respectivo estatuto, para com os municípios – ficaria induzido, desta forma, o “objectivo claramente redutor do montante da indemnização por expropriação” que os autores vêem na norma do artº 23º nº4 (ut Alves Correia, Revista Decana, 134º/342 e 343). Assim, socorrendo-nos do elemento teleológico da interpretação, que passa por se conhecer qual o sujeito activo da relação de imposto por via da antiga contribuição autárquica, somos de entendimento que a norma do artº 23º nº4, na redacção de 99, deve ser objecto de interpretação restritiva, por forma a que seja aplicada apenas às expropriações em que a entidade expropriante seja um município e que tenham como objecto prédios localizados no respectivo âmbito territorial. Desta forma, até a simples interpretação do preceito conduziria à respectiva inaplicabilidade, no caso concreto, independentemente do raciocínio sobre a inconstitucionalidade da norma. C) Na actualidade, a Lei nº 56/2008 de 4 de Setembro, no respectivo artº 3º revogou o invocado nº4 do artº 23º C.Exp.Tal revogação poderíamos tê-la como solução interpretativa da questão da constitucionalidade do artº 23º nº4, à luz do disposto no artº 13º nº1 C.Civ. Todavia, a soi disant interpretação da norma confirmaria a invalidade formal da norma, por inconstitucionalidade. Ora, este nunca seria uma caso de interpretação propriamente dita, designadamente na sua variante de ab-rogação (a interpretação ab-rogante é a que conduz à conclusão segundo a qual a norma não tem conteúdo válido – veja-se Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, 1977, pg. 369, ou Oliveira Ascensão, O Direito – Introdução e Teoria Geral, § 261). A interpretação da norma rectius a lei interpretativa pergunta-se sobre o sentido da norma (que pode não ser nenhum), mas já não se pergunta sobre a validade formal da norma. Desta forma, mantém-se para a solução da questão, a construção referida em A), reportada à lei vigente à data da D.U.P., já referenciada e por força do disposto na parte final do nº1 e na parte inicial do nº2 do artº 12º C.Civ., solução que confirma, em traços gerais, a tese sustentada pelo Recorrente. Resumindo a fundamentação: I – A norma do artº 23º nº4 C.Exp., durante o respectivo período de vigência, violava o princípio constitucional da igualdade, na respectiva vertente externa, e, do mesmo passo, o princípio da justa indemnização, na medida em que ao diminuir o quantum indemnizatório para efectiva liquidação e cobrança adicionais de um tributo, não assegurava a igualdade de encargos entre os proprietários expropriados e os não expropriados. II - Face ao elemento teleológico da interpretação, que passava por se conhecer qual o sujeito activo da relação de imposto por via da contribuição autárquica, a norma do (hoje revogado) artº 23º nº4 C.Exp. deve ser objecto de interpretação restritiva, por forma a que seja aplicada apenas às expropriações em que a entidade expropriante seja um município e que tenham como objecto prédios localizados no respectivo âmbito territorial. III – A Lei que, em 2008, revogou o disposto no artº 23º nº4 C.Exp. não é interpretativa do direito anterior, apenas e só porque interpretação da norma rectius a lei interpretativa se pergunta sobre o sentido da norma (que pode não ser nenhum), mas já não se pergunta sobre a validade formal da norma. Decisão que se toma neste Tribunal da Relação, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa: Na total procedência do recurso interposto pelo Expropriado, revoga-se parcialmente a decisão recorrida, fixando-se o valor da indemnização a atribuir ao Expropriado em € 9.712,49, sem prejuízo do demais julgado, designadamente em matéria de actualização da indemnização. Custas por Apelante e Apelados, na proporção de vencido, tal como resulta da presente decisão, e em ambas as instâncias. Porto, 5/I/10 José Manuel Cabrita Vieira e Cunha Maria das Dores Eiró de Araújo João Carlos Proença de Oliveira Costa |