Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0150615
Nº Convencional: JTRP00032701
Relator: PINTO FERREIRA
Descritores: QUOTIZAÇÃO SINDICAL
ENTIDADE PATRONAL
DESCONTO
Nº do Documento: RP200106180150615
Data do Acordão: 06/18/2001
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJ T3 ANOXXVI PAG220
Tribunal Recorrido: 136/99-2S
Processo no Tribunal Recorrido: 22-12-2000
Texto Integral: S
Referência Processo: 9 V CIV PORTO
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT.
DIR TRAB - DIR SIND.
Legislação Nacional: LEI 57/77 DE 1977/08/05 ART1 N1.
Sumário: Do artigo 1 n.1 da Lei n.57/77, de 5 de Agosto, não resulta nenhuma obrigação imposta indefinidamente à entidade patronal, nem que se fixe ou atribua qualquer efeito jurídico que mereça protecção à prática que se vinha efectuando de cobrança das quotas sindicais e envio desses montantes ao sindicato em que os seus trabalhadores se encontrassem filiados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
O Sindicato dos Trabalhadores ................., com sede na ..............., instaurou a presente acção declarativa contra N.........., L.da, com sede na .............., alegou para tanto que:
- A autora representa os trabalhadores das artes gráficas, sendo que a ré tem ao seu serviço 8 trabalhadores seus filiados;
- Estes estão obrigados ao pagamento de uma quotização mensal correspondente a 1% da retribuição auferida;
- Na sequência do acordo entre autora e ré, há mais de 25 anos vinha procedendo mensalmente à retenção na fonte das quotas sindicais dos seus trabalhadores filiados no autor, remetendo-lhe mensalmente esse montante;
- Os trabalhadores sindicalizados na autora subscreveram individualmente a declaração a que se referem os artigos 2º e 3º da Lei 57/77
- A ré, a partir de Setembro de 1998, abandonou unilateralmente o sistema de cobrança, recusando-se a entregar-lhe, contra a vontade quer dos trabalhadores quer do autor;
- A ré violou, assim, o acordo tácito existente com a autora, o que lhe vem causando prejuízos.
Com tais fundamentos, termina pedindo a condenação desta:
a) - a proceder aos descontos das quotizações sindicais dos seus trabalhadores filiados no autor e a remetê-las a este no final de cada mês, acompanhadas do respectivo mapa de pessoal;
b) - a pagar-lhe a quantia de Esc. 42.050$00, referente a prejuízos que lhe causou pela sua decisão unilateral e ilegal de deixar de proceder aos respectivos descontos das quotas;
c) - bem como a quantia de Esc. 8.410$00 por mês até à retoma dos supra referidos descontos;
d) - ambas acrescidas de juros à taxa legal, a contar da citação até efectivo e integral pagamento.
Regularmente citada, contestou a ré que suscita, desde logo, o incidente do valor da causa, pugnando para que seja fixado o valor de Esc. 750 001$00, excepciona ainda a competência material deste tribunal e impugna a matéria de facto alegado e no sentido de pôr em causa a obrigatoriedade do comportamento que o autor pretende ver instituído relativamente à ré.
Termina, assim, concluindo pela improcedência da acção e com a sua consequente absolvição do pedido.
Em resposta, o autor aceita o valor proposto pela ré, pronuncia-se pela improcedência da invocada excepção de incompetência material e, quanto ao mais, reitera tudo quanto alegou na petição inicial.
Findos os articulados proferiu-se despacho a atribuir à acção o valor de Esc. 750.001$00 e a ordenar o seu prosseguimento sob a forma sumária.
Elaborou-se despacho a considerar este tribunal materialmente competente e seleccionou-se a matéria de facto considerada assente e controvertida, que se fixou sem qualquer reclamação.
Rea1izou-se o julgamento, apresentaram-se as alegações sobre o aspecto jurídico da causa e respondeu-se à matéria da base instrutória, que não mereceu qualquer reparo.
Profere-se decisão em que se julga a acção improcedente e se absolve a ré do pedido.
Inconformado recorre a autora, recurso que foi admitido como de apelação e efeito meramente devolutivo.
Apelante e apelado apresentaram as suas alegações e contra alegações.
Este tribunal superior manteve a espécie e o efeito atribuído ao recurso.
Colheram-se os vistos legais, nada obstando ao seu conhecimento.
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II - Fundamentos do recurso
É sabido que as conclusões das alegações condicionam o objecto do respectivo recurso - artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do C.P.C - e pelo relevo que assumem justificam a sua transcrição que, no caso dos autos, foram do seguinte teor:
a) Por acordo existente entre recorrente e recorrida, esta, desde há alguns anos, tem vindo a proceder ao desconto de quotas sindicais nos salários dos trabalhadores naquele filiados, enviando-as, mensalmente, para o recorrente.
b) Os trabalhadores sindicalizados no recorrente, individualmente, declararam aceitar tal desconto.
c) Tal acordo obriga a recorrida a manter o sistema de desconto das quotas sindicais nos salários dos seus trabalhadores filiados no Sindicato recorrente, e seu posterior envio mensal para este.
d) Ainda que assim não se entendesse, a cobrança das quotas sindicais pode ser feita através da entidade patronal, pelos sindicatos ou, ainda, de harmonia com outros sistemas, desde que não atentem contra direitos, liberdades e garantias constitucionais.
e) Assim, "é de admitir sistema resultante de acordo, estabelecido directamente entre a entidade patronal e o sindicato em que o trabalhador esteja filiado, desde que este declare, expressamente, que autoriza o desconto das quotas nos seus salários" - Acórdão da RE de 3-3-1988 (r. 257/87), CJ, 1988, 2, 250.
f) Ora, com base no artigo 2º da Lei 55/77, de 5 de Agosto, se o sistema já era praticado antes da entrada em vigor da referida Lei n.º 57/77 e se o trabalhador em declaração individual a enviar ao sindicato e à entidade patronal, assim o entendesse e autorizasse, tal sistema é perfeitamente legal.
g) Ora, foram formalizadas as declarações individuais dos trabalhadores em que estes autorizavam o desconto das suas quotas sindicais no vencimento e posterior envio daquelas para o Sindicato respectivo,
h) Pelo que, tais declarações obrigam a recorrida a manter o sistema de desconto das quotas sindicais nos salários dos seus trabalhadores filiados no Sindicato recorrente e seu posterior envio mensal para este.
i) Por último, e ainda que assim não se entenda, dispõe o n.º 2 do artigo 12 do Decreto-Lei n.º 49.408, de 24.11.69, que desde que não contrariem as normas indicadas no artigo anterior (fontes de direito imediatas do direito do trabalho) e não sejam contrárias ao princípio da boa-fé, serão atendíveis os usos da profissão, dos trabalhadores e das empresas.
j) Assim, o sistema praticado pela recorrida ao longo de vários anos faz parte do contrato individual de trabalho de cada um dos trabalhadores, aos quais a recorrida descontava a quota sindical e posteriormente remetia mensalmente ao Sindicato onde se encontram filiados, sendo, por isso. uma cláusula integrante de cada um dos contratos individuais de trabalho, que aquela não pode eliminar por sua única e exclusiva vontade.
k) Assim, tal uso obriga a recorrida a manter o sistema de desconto das quotas sindicais nos salários dos seus trabalhadores filiados no Sindicato recorrente e seu posterior envio mensal para este.
I) Violou, por isso, a sentença ora em crise, ao não considerar tal sistema como obrigatório para a recorrida, as disposições constantes dos artigos 1°, n.º 1 e 2 da Lei n.º 57/77 de 5 de Agosto e, ainda, o normativo contido do artigo 12, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969.
Termina pedindo, pois, que seja dado provimento ao recurso e revogada a sentença.
Opinião diversa manifesta, naturalmente, a parte contrária.
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III - Factos provados
Instruída e discutida a causa, encontram-se provados os seguintes factos:
1º - O autor representa os trabalhadores que exercem a sua actividade profissional no sector de artes gráficas.
2º - A ré tem ao seu serviço oito trabalhadores filiados no autor, os quais estão obrigados ao pagamento de uma quotização mensal correspondente a 1% da retribuição auferida em cada mês.
3º - Desde há alguns anos que a ré tem vindo a proceder aos descontos das quotas nos salários dos referidos trabalhadores e à sua entrega ao autor.
4º - Por acordo existente entre autor e ré, esta, nos termos supra referidos, procedia à retenção na fonte das quotas sindicais dos seus trabalhadores que fossem sindicalizados, deduzindo o seu montante das respectivas remunerações e remetendo-as mensalmente ao sindicato autor.
5º - Os trabalhadores sindicalizados no autor, individualmente, declararam aceitar tal desconto.
6º - A partir de Setembro de 1998 a ré deixou de adoptar esse procedimento, após o que o autor deixou de receber Esc. 8.410$00 mensais correspondentes ao valor da quotização sindical dos trabalhadores nele filiados.
7º - A não adopção desse procedimento, com que os trabalhadores sindicalizados no autor não concordam, ocorreu após um pré-aviso aos trabalhadores interessados, tendo sido apresentado como causa para a mesma a circunstância dos salários da ré passarem a ser processados em .........., em virtude da sua integração no grupo "H............, S.A.".
8º - Até ao momento o autor não arranjou outro sistema de cobrança
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IV - O Direito
A questão suscitada no presente recurso e que resulta quer do conteúdo da decisão proferida, quer do teor das alegações e consequentes conclusões do apelante, consiste em se decidir se a ré, que havia celebrado um acordo verbal com a autora relativamente à cobrança e posterior envio do valor das quotas sindicais dos trabalhadores nele filiados, pode unilateralmente e sem mais desobrigar-se a tal, ou seja e no fundo, qual o valor jurídico a atribuir a esse acordo existente entre a entidade patronal e o sindicato.
Na sentença defende-se a tese de que não há qualquer obrigação legal de a ré reter na fonte as quotizações dos seus trabalhadores sindicalizados na autora e de lhas remeter, podendo liberar-se unilateralmente do acordo existente, enquanto para o autor entende que esta não tinha o direito de fazer cessar unilateralmente o acordo, tanto mais que se devia atender ainda ao uso e prática existente, pelo que deverá ser reposto o que anteriormente existia.
Vejamos.
A Lei n.º 57/77 de 5 de Agosto veio estabelecer um regime de liberdade de cobrança das quotizações sindicais, possibilitando a sua cobrança, para além de outros sistemas, ou pela entidade patronal ou pelos sindicatos, contrariamente ao fixado anteriormente pelo D.L. 215-B/75 de 39-4 e D.L. 841-B/76 de 7-12, que impunha aquele tal obrigação à entidade patronal, pelo sistema de retenção na fonte, e este último pelas associações sindicais.
De facto, fixa o art. 1º da citada Lei que:
"Os sistemas de cobrança de quotas sindicais podem resultar de acordo entre as associações patronais ou entidades que tenham poderes idênticos e as associações sindicais", para, de seguida, no seu n.º 2 determinar que:
"É ilícito qualquer sistema de cobrança que atente contra direitos, liberdades e garantias, individuais ou colectivas, previstas na Constituição".
O seu art. 2º expressa a condição de que tal acordo seja precedido de uma declaração individual de cada trabalhador a autorizar tal desconto e a enviar ao sindicato e à entidade patronal.
Da conjugação destes normativos podemos concluir que a liberdade do sistema de cobrança resulta do que vier a ser acordado entre as partes, sempre com a preocupação de não atentar contra as liberdades e garantias individuais e colectivas e, por outro lado, de que da declaração do trabalhador apenas resulta uma autorização para a entidade patronal poder proceder à cobrança das quotas sindicais, como que uma legitimação da e para a sua actuação, e nunca uma obrigação para a entidade patronal proceder a essa cobrança, pese embora o determinado no n.º 1 do art. 3 do mesmo diploma de que tal declaração se mantém em vigor "se entretanto o trabalhador a não tiver revogado".
Ademais, o que resulta provado da matéria factual é que existia um acordo entre a entidade patronal dos trabalhadores sindicalizados na autora e a ré para proceder à retenção na fonte das quotas sindicais, deduzindo o seu montante e remeter-lhe essa quantia mensalmente, acordo esse perfeitamente integrável no conceito acima referido e dentro da tal liberdade do sistema de cobrança, mas não pode daqui inferir-se que existisse qualquer contrato ou vínculo formal entre a autora e ré e que origine que apenas com a anuência deste tal acordo possa ser desfeito.
Ora, o acordo estabelecido entre a autora e a ré, que se traduziu na cobrança das quotizações sindicais, revela apenas uma prática existente entre ambos, sem que se lhe possa atribuir algum efeito jurídico, sem que tal prática seja vinculativa para quem a pratica, para além de que este conceito tanto se destina e diz respeito à entidade patronal como à entidade sindical.
E este entendimento não está em desacordo nem infirma a tese defendida no Acórdão da Relação de Évora de 3-1-88 e citado pelo autor, na medida em que trata apenas da possibilidade da existência de acordo entre a entidade patronal e o sindicato em que o trabalhador esteja filiado, com a declaração expressa do seu consentimento, mas não se pode concluir do seu teor que com tal acordo haja um contrato vinculativo para ambas as partes e que resulte e obrigue a entidade patronal a permanecer indefinidamente obrigada a proceder a tal desconto.
O Acórdão citado nada diz quanto ao efeito jurídico do eventual acordo existente entre a entidade patronal e o sindicato.
E sobre este aspecto concreto manifesta-se o Ac. R.L. de 18 de Fevereiro de 1998, C.J. Ano XXIII, Tomo I, pág. 170, que termina por concluir que a lei não atribui qualquer efeito jurídico à prática e acordo assumido, mas sem qualquer compromisso formal e expresso, no sentido de continuar a permanecer obrigada a prosseguir com a cobrança das quotas sindicais, sentido, orientação e fundamentação com o qual concordamos.
Portanto, da Lei 57/77 não se pode tirar a conclusão pretendida pelo apelante, isto é, de que do acordo existente e dado como provado, resulta a obrigação da entidade patronal proceder a tais descontos e a enviá-los para o autor, indefinidamente.
E não se vislumbra qualquer outra lei, convenção colectiva ou normativo que possa constituir suporte legal da tese defendida.
É que, mesmo em relação ao apelo feito ao "uso" estabelecido no art. 12º n.º 2 do D.L. n.º 49.408 de 24.11.69, não tem aplicação ao caso em apreço.
De facto, o normativo citado está encimado com "Normas aplicáveis aos contratos de trabalho" e refere-se expressamente ao atendimento dos usos da "profissão do trabalhador e da empresa", sendo que, no caso em análise, diz respeito apenas a uma prática entre a entidade patronal e o sindicato, ainda que com a intervenção do trabalhador, com o sentido já acima exposto, e naturalmente fora do âmbito do exercício de qualquer profissão.
Como bem refere Abílio Neto, na citação do apelante, os usos são os da "profissão do trabalhador e das empresas", "entidade patronal e trabalhador", nunca se referindo e entidade patronal e sindicato.
Diferente seria a situação e solução se entre o autor e a ré existisse um acordo escrito, um contrato de cobrança de quotas e envio destas ao sindicato, caso em que seria de aplicar o art. 405º e 406º do C. Civil.
Assim, os argumentos usados pelo apelante nas suas alegações não são convincentes, ainda que merecedores da máxima atenção, sendo de confirmar antes a sentença apelada.
Podemos concluir que:
a) - Do art. 1 º n.º 1 da Lei 57/77 de 5 de Agosto não resulta nenhuma obrigação imposta indefinidamente à entidade patronal, nem que se fixe ou atribua qualquer efeito jurídico que mereça protecção à prática que se vinha efectuando de cobrança das quotas sindicais e envio destes montantes ao sindicato em que os seus trabalhadores se encontrassem filiados;
b) - A entidade patronal pode unilateralmente desvincular-se do acordo ou prática existente, desde que não haja acordo expresso para esse efeito;
c) - A declaração individual do trabalhador referenciada no art. 2 da Lei 57/77 tem mero efeito de legitimação dessa prática;
d) - Os “usos” previstos no n.º 2 do art. 12 do D.L. 49.408 de 24-11-69 não têm aplicação ao D.L. 57/77 de 5 de Agosto.
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V - Decisão
Nos termos expostos acorda-se em se julgar improcedente o recurso interposto e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Porto, 18 de Junho de 2001
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues