Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
424/10.5TTMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
RETRIBUIÇÃO VARIÁVEL
COMISSÃO
Nº do Documento: RP20140512424/10.5TTMAI.P1
Data do Acordão: 05/12/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O princípio da irredutibilidade da remuneração do trabalhador não impede o empregador alterar, quer o quantitativo de algumas delas, quer proceder à sua supressão, nos casos em que a retribuição é constituída por diversas parcelas ou elementos desde que o quantitativo da retribuição global (apurado pelo somatório das parcelas retributivas) resultante da alteração, não se revele inferior ao que resultaria do somatório das parcelas retributivas anterior a essa alteração.
II - Daqui resulta que o empregador não pode alterar as condições básicas do contrato no que respeita à atribuição de comissões sem acordo deste, a menos que tal alteração não constitua uma forma substancialmente distinta de determinação da remuneração variável, ou resulte de alteração do ponto de vista da prestação de parte do trabalhador.
III - A alteração da remuneração variável por parte da recorrida, tendo como consequência a redução substancial da remuneração global do recorrente, o que afectou necessariamente a subsistência deste e do seu agregado familiar, constitui justa causa de resolução do contrato por parte do trabalhador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 424/10.5TTMAI.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
B…, residente na Rua …, …, Bloco ., …, …, Maia, com patrocínio judiciário, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra C…, Lda., com sede na …, …, …, Maia.
Pede que a ré seja condenada a: a) ver reconhecido como lícita a resolução pelo autor do contrato de trabalho com justa causa; b) pagar ao autor a quantia de € 14.288,40 correspondente à indemnização por antiguidade; c) pagar ao autor a quantia de € 14.493,94 a título de comissões em dívida.
Alega, em síntese:
1. A A. e R. celebraram entre si um contrato de trabalho sem qualquer limite temporal que teve o seu início em 22 de Abril de 1991, comprometendo-se o A. a prestar sob as ordens, instruções e fiscalização da R. as suas funções como comercial, ou seja
2. Responsável comercial na zona geográfica atribuída e indicada no anexo do contrato de trabalho; - Venda de produtos e equipamentos comercializados pela empresa a clientes, de acordo com as regras estabelecidas; - Prospecção vendas analise necessidades dos clientes; -Pedidos detalhados de propostas/orçamentos/ofertas; -Acompanhamento - Negociação; - Fecho do negocio; - Nota de encomenda; - Responsável pela cobrança; - Recomenda-se acompanhamento técnico na instalação/ montagem; - Acompanhamento pós – venda; - Colaborar com a montagem e desmontagem das feiras e exposições da sua zona e participação nas mesmas; - Em termos de chefia no sector comercial; -Actualização de dados de clientes e contactos; -Manutenção da carteira de clientes; - Cobrança de seus clientes; - Reporte ao Director Comercial - Execução de relatórios de visitas -Analise e preparação para seguimento da listagem “Clientes que não compram à mais de 90 dias”; - Actualização estado das propostas.
3. Em contrapartida desse trabalho prestado em 35 horas semanais, de 2ª a 6ª, a R. remunerava o A. à razão de € 793,80 ilíquidos mensais.
4. Para além desta quantia remuneratória fixa a R. pagava ao A. uma remuneração variável correspondente a 2% sobre o valor cobrado das vendas por este realizadas, podendo variar nos termos do anexo ao contrato de trabalho, actualizado em 01 de Ago. de 2007.
5. Em Março de 2009 foi apresentada uma proposta para a alteração da forma remuneratória da componente variável em que a mesma passava a estar sujeita a plafond e outros critérios variáveis novos, como angariação de novos clientes,
6. Após um estudo dessa proposta o A. enviou um mail à R. no qual comunicava a sua posição a este novo “plano de incentivos”.
7. Em 06 de Abril de 2009 a R. enviou ao A. uma nova proposta, com os mesmos princípios e alguma alteração de pormenor.
8. 9. Em fins de Maio de 2009 a R., mau grado a oposição do A., implementou na prática o novo sistema de pagamento de comissão, que, como era óbvio redundou na quebra dessas comissões.
9. Em 03 de Junho de 2009 o A. enviou à R. uma missiva onde, pela última vez, solicitava a retoma do anterior método de calculo das comissões, pois,
10. Enquanto o A. auferia 2% de comissões, após a boa cobrança, de todas as vendas, no novo regime até os € 65.929,54 de vendas nada recebia e após este valor a comissão a pagar era inferior a 2%.
11. O A. em 12 de Junho de 2009 enviou à R. uma carta na qual lhe comunicava a sua resolução do contrato de trabalho, alegando para o efeito as razões supra mencionadas, ligadas à alteração unilateral da forma remuneratória variável, com manifesta diminuição da mesma contra a vontade do A., o que o levou a resolver o contrato com justa causa.
12. Após a cessação do contrato de trabalho a R. comprometeu-se a pagar ao A. as percentagens de comissões devidas pelas vendas por ele ou realizadas e aguardando boa cobrança, tudo num total de € 15.646,29
13. Até ao momento a R. apenas pagou ao A. referentes a estas comissões o valor de € 1.152,35.
Regularmente citada, veio a ré contestar, alegando em síntese:
1. O sistema de retribuição variável em vigor nos últimos anos na R. fundava-se nos seguintes pressupostos: Remuneração variável que poderia ir dos 0,5% aos 2%, conforme anexo III ao contrato; Paga ao A. apenas após boa cobrança dos valores recebidos dos clientes;
2. Já desde o início do ano de 2008, que a R. foi falando com os trabalhadores, demonstrando a intenção de alterar o referido sistema retributivo variável.
3. A R., ao pretender alterar o sistema remuneratório variável, nunca teve a intenção de a fazer baixar e sempre esteve aberta ao diálogo com os trabalhadores, A. incluído, pretendendo que este fosse um processo interactivo e consensual e nunca uma imposição unilateral.
4. Em caso de quebras dos valores remuneratórios variáveis causados por eventuais alterações introduzidas pela R. os valores do ano anterior, se superiores eram garantidos aos trabalhadores.
5. Em Abril de 2009, mais propriamente no dia 6, a R. realizou uma reunião com os trabalhadores, na qual, tendo em conta as preocupações destes, A. incluído, apresentou uma nova proposta.
6. Na preparação da referida reunião, mais propriamente no dia 31 de Março de 2009 foi enviado um e-mail aos trabalhadores, A. incluído, onde o Administrador da R., Eng. D… dizia o seguinte: “...vimos pedir que emitam V/ opiniões e sugestões muito concretas, de forma que se possa fazer as reanálises necessárias e para que tenhamos uma decisão final e conclusiva na próxima reunião”.
7. Não tendo sido aventada nenhuma sugestão nem antes, nem durante, nem depois da referida reunião, além de que, a proposta apresentada pela R. não sofreu qualquer objecção por parte dos trabalhadores, A. incluído, pelo que foi decidida aí a sua implementação.
8. Este novo sistema em nada prejudica os trabalhadores.
9. Desde logo, o pagamento das comissões deixa de estar ligado à efectiva cobrança do produto vendido, ao contrário do que acontecia no sistema anterior.
10. Por outro lado, os vendedores, no caso concreto o A., deixaria de trabalhar “sozinho”.
11. O novo sistema criou “comandos”, ou seja, equipas, constituídas por um vendedor sénior, no caso concreto o A., por um vendedor júnior e por uma assistente comercial que laborava desde o escritório.
12. Por outro lado, o novo sistema incluía critérios qualitativos, em vez de conter unicamente critérios quantitativos como acontecia no sistema anterior.
13. Tendo em conta dados concretos, constata-se que se em Setembro o “comando norte” no qual o A. se inseria até à cessação do contrato de trabalho, produziu, segundo o novo sistema, uma comissão de € 6.456,91, enquanto pelo sistema antigo a mesma comissão seria apenas de 638,99.
14. O A., quando deixou de trabalhar para a R., trabalhava já para outra empresa, concorrente desta, constituída por ex-trabalhadores da R., tendo o A., conjuntamente com outro trabalhador que fez cessar na mesma altura o seu contrato de trabalho com a R., constituído outra empresa concorrente da R. e parceira da primeira.
15. Até à presente data e após a cessação do contrato, a R. já pagou ao A. a quantia total € 2.390,78.
O autor respondeu reafirmando o alegado na petição inicial.
Foi proferido despacho saneador, o qual transitou em julgado, e dispensando a prolação de base instrutória.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, tendo-se fixado a matéria de facto provada como dos autos consta (fls. 247 a 257), sem reclamação das partes (que não se encontravam presentes).
Foi proferida sentença, que decidiu julgar a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência: a) condena-se a ré a pagar ao autor a quantia correspondente às comissões das cobranças referidas em II-40, a liquidar no respectivo incidente de liquidação, ao abrigo do disposto nos artigos 661º/2 e 378º/2 do Código de Processo Civil; b) absolve-se a ré do demais peticionado.
Inconformado interpôs o autor o presente recurso de apelação, concluindo:
1. O Recorrente não pode conformar-se com Douta Sentença que viria a julgar a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência condenou a R. a pagar ao autor a quantia correspondente às comissões das cobranças referidas, a liquidar no respectivo incidente de liquidação, ao abrigo do disposto nos artigos 661.º/2 e 378.º/2 do Código de Processo Civil. Absolvendo a R. do demais peticionado.
2. O Recorrente não pode conformar-se com o não reconhecimento da licitude da cessão do vínculo por justa causa.
3. A matéria de facto provada está em completa oposição com a decisão cuja fundamentação de direito incorre num claro erro de julgamento.
4. O Recorrente provou, como lhe competia, auferir retribuição mista composta por parte fixa e parte variável.
5. O Recorrente provou que a Recorrida alterou o sistema de pagamento da retribuição variável, implementando-o de forma unilateral e com a expressa oposição do Recorrente.
6. O Recorrente provou que o uso desse novo sistema implementado teve como consequência o não pagamento da retribuição variável do mês de Maio de 2009, porquanto face aos novos critérios o Recorrente não atingiu qualquer valor de comissões (vide factos provados, 11º 30º, 31º, 36º e 37º).
7. O Recorrente logrou provar que a resolução com justa causa estava correctamente fundamentada e que, efectivamente, a Recorrida deu fundamento a essa resolução por violação do artigo 129º nº 1 al. a) do CT.
8. A fundamentação é de resto altamente deficitária tornando-se mesmo incompreensível, porquanto são inúmeras as referências aos documentos juntos aos autos dando-se os mesmos por reproduzidos, o que impede a interacção do seu conteúdo com a própria fundamentação.
9. Tais factos e documentos aí vertidos permitiriam, através da sua transcrição, que se encontra provada, estabelecer os contornos do contrato de trabalho, ou seja, a natureza do vínculo estabelecido entre as partes quanto ao factor retribuição.
10. O facto nº 6 e documento a fls. 14 permitiria com a sua transcrição conhecer o alcance da violação invocada.
11. De retorno à Douta Sentença e no que reporta a análise do fundamento de direito invocado para a resolução com justa causa – artigo 394º als. b) e e) do CT –, esta verifica-se.
12. O Recorrente, como já referido supra, logrou provar, que a Recorrida pretendeu alterar e alterou os critérios de remuneração variável que com ele estava acordada e que era de 2% sobre o valor cobrado das vendas realizadas pelo Recorrente (vide facto nº 36), sem o consentimento do mesmo.
13. Com tal actuação, a Recorrida violou culposamente o artigo 129º nº 1 al. d) do CT, enquanto garantia do trabalhador - a proibição de diminuição da retribuição, - provocando dessa forma uma lesão de interesses patrimoniais consideráveis do trabalhador.
14. A referida violação de garantias e interesse patrimonial na esfera do trabalhador/Recorrente confere-lhe o direito a resolução do contrato de trabalho com justa causa, artigo 394º n.º 2 als. b) e e) do CT.
15. O facto 11, onde mais uma vez se refere “se dá por reproduzido o mail junto aos autos a fls. 17... datado de 02.06.2009”, não é mais que o facto vertido na douta sentença de Gaia que refere que o Recorrente não receberá comissões porque, de acordo com o novo sistema implementado, não tinha direito a essas por não ter atingido o 1º nível.
16. Esta alteração consubstanciou uma diminuição da retribuição do Recorrente por força do novo sistema de atribuição da retribuição variável.
17. Deste circunstancialismo resulta desde logo que a R. procedeu a uma alteração unilateral do contrato de trabalho num dos seus elementos essenciais que é a retribuição, com o que violou os deveres impostos no art. 126º e no art. 127º, nº 1, al. a), do Cód. Trabalho, bem como o princípio geral estabelecido no art. 406º do Cód. Civil (segundo o qual o contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei).
18. O A/Recorrente resolveu, com justa causa, o contrato de trabalho que tinha com a R.. E, assim sendo, assiste-lhe o direito à indemnização prevista no art. 396º do Cód. Trabalho.
A ré alegou concluindo:
a) É, desde logo, falso que a matéria de facto esteja em contradição com a decisão. Tampouco existe qualquer erro de julgamento;
b) Ao contrário do que o recorrente pretende fazer crer, a recorrida sempre manteve um diálogo aberto com todos os trabalhadores, recorrente incluído;
c) Nesse sentido, pediu a recorrida nos finais de março, que os trabalhadores dessem a sua opinião e sugestões concretas sobre as alterações que se pretendiam fazer;
d) No dia 06 de abril de 2009, a recorrida realizou uma reunião com todos os trabalhadores, recorrente incluído, na qual apresentou uma nova proposta;
e) Esta nova proposta não mereceu nenhum comentário negativo de nenhum dos trabalhadores presentes, recorrente incluído;
f) Face a este facto, a recorrida decidiu implementar a nova proposta de remuneração variável;
g) “Os vendedores, no caso concreto o a., deixaria de trabalhar sozinho”, ou seja, a preocupação da recorrida era proporcionar ao recorrente uma maior força de trabalho, que se traduziria numa maior facturação, logo em mais comissões, e nunca em menos;
h) Em ponto nenhum dos presentes autos, resultou provado que a retribuição global do recorrente tivesse sido negativamente afectada. E nem podia, porque objectivamente não o foi;
i) Os autos não nos fornecem, em termos de matéria fáctica apurada, dados comparativos entre o novel sistema remuneratório e o antigo;
j) Tampouco ficou provado, e relembre-se que o recorrente conformou-se com a matéria de facto dada como provada, qual a média das retribuições auferidas pelo “sistema antigo”;
k) Pelo que, perante a prova produzida nos autos e a consonante factualidade dada como provada, a decisão ínsita na sentença do tribunal a quo é inatacável, e encontra-se bem sustentada, inclusive com decisões jurisprudenciais anteriores, conforme constam da sentença, que sustentam a mesma.
O Ministério Público teve vista nos autos, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
As partes não responderam ao parecer.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1 e 2, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
A questão colocada pelo recorrente consiste em determinar se existe licitude na resolução do contrato de trabalho pelo recorrente, com as legais consequências.
II. Factos provados:
1. A. e R. celebraram entre si um contrato de trabalho sem qualquer limite temporal que teve o seu inicio em 22 de Abril de 1991.
2. Por esse contrato comprometeu-se o A. a prestar sob as ordens, instruções e fiscalização da R. as suas funções como comercial.
3. Tais funções consistiam no seguinte:
- Responsável comercial na zona geográfica atribuída e indicada no anexo do contrato de trabalho;
- Venda de produtos e equipamentos comercializados pela empresa a clientes, de acordo com as regras estabelecidas;
- Prospecção vendas analise necessidades dos clientes;
- Pedidos detalhados de propostas/orçamentos/ofertas;
- Acompanhamento;
- Negociação;
- Fecho do negócio;
- Nota de encomenda;
- Responsável pela cobrança;
- Recomenda-se acompanhamento técnico na instalação/montagem;
- Acompanhamento pós-venda;
- Colaborar com a montagem e desmontagem das feiras e exposições da sua zona e participação nas mesmas;
- Em termos de chefia no sector comercial;
- Actualização de dados de clientes e contactos;
- Manutenção da carteira de clientes;
- Cobrança de seus clientes;
- Reporte ao Director Comercial;
- Execução de relatórios de visitas;
- Análise e preparação para seguimento da listagem “Clientes que não compram à mais de 90 dias”;
- Actualização estado das propostas.
4. Em contrapartida desse trabalho prestado em 35 horas semanais, de 2ª a 6ª, a R. remunerava o A. à razão de € 793,80 ilíquidos mensais.
5. Para além desta quantia remuneratória fixa, a R. pagava ao A. uma remuneração variável, nos termos do Anexo III ao contrato de trabalho referido em 1, junto aos autos a fls. 12-13, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
6. Em Março de 2009 foi apresentada uma proposta para a alteração da forma remuneratória da componente variável em que a mesma passava a estar sujeita aos critérios estabelecidos no documento junto aos autos a fls. 14, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
7. Após um estudo dessa proposta o A. enviou um email à R. no qual comunicava a sua posição a este novo “plano de incentivos” – documento de fls. 15, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8. Em 06 de Abr. de 2009 a R. enviou ao A. uma nova proposta, conforme documento junto aos autos a fls. 16, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9. Em fins de Maio de 2009 a R. implementou na prática o novo sistema de pagamento de comissão.
10. Em 03 de Jun. de 2009, o A. enviou à R. o email junto aos autos a fls. 18, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o email junto aos autos a fls. 17, enviado por D… ao autor e datado de 02.06.2009.
12. O autor enviou à ré a carta junta aos autos a fls. 20-21, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, datada de 12.06.2009, e pela qual procedeu à resolução do contrato de trabalho, com a invocação de justa causa.
13. Após a cessação do contrato de trabalho, a R. entregou ao autor a declaração junta aos autos a fls. 22, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, acompanhada da lista de máquinas vendidas com encomenda formalizada e da lista de facturas emitidas até 16 de Julho de 2009.
14. A ré pagou ao autor, referentes a essas comissões, o valor de € 1.152,35.
15. A R. é uma sociedade comercial anónima, constituída no ano de 1989, com capitais espanhóis e portugueses, com escopo lucrativo, se dedica à investigação, fabrico, compra, venda, representação e comercialização, bem como a importação e exportação de máquinas e acessórios, nomeadamente para vibro-energia, produtos químicos para a fundição centrífuga e tratamento de superfícies.
16. Da declaração de situação de desemprego de fls. 91 emitida pela ré, consta data da cessação do contrato de trabalho o dia 17/08/2009.
17. A retribuição variável do autor era paga após boa cobrança dos valores recebidos dos Clientes.
18. O novo sistema de pagamento da retribuição variável foi implementado em Espanha nesse mesmo ano de 2008, pelo que a ideia inicial seria replicá-lo em Portugal.
19. A equipa de vendas da R., A. incluído, deslocou-se a Espanha, mais propriamente à cidade de Valência, para participar num curso de vendas, ministrado nos dias 5, 6, e 7 de Janeiro de 2009.
20. A R., quando pretendeu alterar o sistema remuneratório variável, sempre esteve aberta ao diálogo com os trabalhadores, A. incluído, pretendendo que este fosse um processo interactivo e consensual.
21. O autor enviou a D… o email junto aos autos a fls. 92, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, datado de 17/01/2009.
22. Em Abril de 2009, mais propriamente no dia 6, a R. realizou uma reunião com os trabalhadores, na qual, tendo em conta as preocupações destes, A. incluído, apresentou uma nova proposta.
23. Na preparação da referida reunião, mais propriamente no dia 31 de Março de 2009 foi enviado um e-mail aos trabalhadores, A. incluído, onde o Administrador da R., Eng. D… dizia o seguinte: “...vimos pedir que emitam V/ opiniões e sugestões muito concretas, de forma que se possa fazer as reanálises necessárias e para que tenhamos uma decisão final e conclusiva na próxima reunião”.
24. Não tendo sido aventada nenhuma sugestão nem antes, nem durante, nem depois da referida reunião.
25. A ré decidiu pela implementação do novo sistema.
26. O pagamento das comissões deixou de estar ligado à efectiva cobrança do produto vendido, ao contrário do que acontecia no sistema anterior.
27. Os vendedores, no caso concreto o A., deixaria de trabalhar “sozinho”.
28. O novo sistema criou “comandos”, ou seja, equipas, constituídas por um vendedor sénior, no caso concreto o A., por um vendedor júnior e por uma assistente comercial que laborava desde o escritório.
29. O “comando” do A. seria por este dirigido, sendo que todas as vendas geradas pela equipa entrariam para o “bolo” do A.
30. O novo sistema incluía critérios qualitativos, em vez de conter unicamente critérios quantitativos como acontecia no sistema anterior.
31. Tais critérios qualitativos eram os seguintes: cada “comando” teria que angariar dois novos clientes por mês; cada “comando” teria que fomentar um cliente “A” e um “B” por mês; cumprir as normativas comerciais; cada “comando” teria que angariar dois novos clientes por mês; cada “comando” teria que fomentar um cliente “A” e um “B” por mês; cumprir as normativas comerciais.
32. O autor era um trabalhador muito experiente.
33. Após 12 de Junho de 2009, o autor manteve-se a trabalhar por mais cerca de um mês.
34. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o documento junto aos autos a fls. 96, datado de 16 de Junho de 2009.
35. O autor, conjuntamente com outro trabalhador que fez cessar na mesma altura o seu contrato de trabalho com a R., constituiu outra empresa, com a mesma área de actuação da ré.
36. A ré implementou a alteração da forma de pagamento da retribuição variável no mês de Maio de 2009.
37. Em Maio de 2009, a ré não liquidou ao autor qualquer verba de comissões pelas vendas entretanto ocorridas.
38. Aquando do referido em 12, a ré pediu ao autor que se mantivesse mais uns dias para introduzir um outro trabalhador no circuito que fazia, apresentando-o aos clientes, dando-lhe indicações, passando-lhe o serviço.
39. Pedido a que o autor acedeu.
40. Das listagens referidas em 13, a ré recebeu (cobrou) dos seus clientes o pagamento das máquinas identificadas nos documentos de fls. 199 a 203 – cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – e dos produtos identificados a fls. 167 e 204 a 215 – cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Acrescenta-se à matéria de facto:
41. Teor da carta de fls. 20 e 21, datada de 12-6-2009 (facto 12), na parte que aqui releva:
Desde 1996, quando iniciei as minhas funções para V. Exa., que foi acordado um vencimento mensal fixo e uma parte variável constituída por comissões no valor de 2% sobre as boas cobranças realizadas sobre as vendas por mim promovidas.
Em março de 2009 foi por V. Exa. apresentado um novo esquema de pagamentos da parte variável da minha remuneração o qual para além da fixação de plafonds, irrealistas e inalcançáveis, também os valores objectivos são inferiores, significando uma diminuição na minha remuneração e sua forma de cálculo, já em vigor há 18 anos.(...)
Logo em março vos afirmei o meu desacordo com essa unilateral alteração à minha remuneração e sua consequente diminuição.
Para minha surpresa neste mês de junho de 2009 procederam V. Exa. à implementação unilateral da nova forma de cálculo, que, como previa, significou uma diminuição do vencimento, deixando de ter direito às comissões por não ter atingido “o 1º nível”, como era de calcular.
Concretizaram V. Exa. contra minha vontade um novo método de cálculo, tendo o perfeito conhecimento que dessa forma por vossa única vontade alteravam as condições contratuais entre nós acordadas, e vigentes durante mais de 12 anos, violando as minhas garantias legais, lesando conscientemente e de forma culposa os meus interesses patrimoniais, com a diminuição da minha remuneração ...”.
“... constitui a vossa atuação Justa Causa para a resolução do meu contrato de trabalho, conforme o previsto nas alíneas b) e e) do artigo 394º do Código do Trabalho”.
42. Nos termos do anexo III ao contrato de trabalho era o seguinte o regime de comissões a receber pelo autor:
Comissão de clientes e contactos desde que: sejam visitados, acompanhados comercial e tecnicamente, elaborado propostas, efectuadas encomendas directas ou indirecta (cliente - empresa), efectuadas vendas e cobranças.
Comissão base para produtos consumíveis: 2% sobre vendas cobradas. Serão pagas no fim do mês seguinte à data dessa cobrança.
Comissão base para máquinas e equipamentos: 2% sobre vendas e após completa, integral e boa cobrança. Serão pagas no fim do mês seguinte à data dessa cobrança.
Para vendas de máquinas com desconto, operações especiais ou com escassa margem, aplicar-se-á a seguinte tabela:

Terá 10% de comissão sobre a respectiva comissão que receba a C…, das vendas realizadas directamente fornecedor a cliente. Prazo de pagamento máximo de 60 dias.
Terá 1% de comissão das vendas a distribuidores, ou realizadas através de revendedores, que tenham sido conseguidos pelo vendedor dentro da sua zona.
43. Pelo novo sistema foram estipuladas comissões nos termos do seguinte quadro, e nas condições estipuladas ao mesmo respeitante:
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15 CRITERIOS QUALITATIVOS DOS CONCEITOS DE COBRANÇA DE INCENTIVOS
A cobrança dos montantes estabelecidos na presente tabela de incentivos, submetem-se ao cumprimento integral indicado no título de cada uma das colunas.
Anexo Tabela de Incentivos.
Colunas da tabela:
Por venda
Por 2 Clientes Novos conseguidos pelo Comando Comercial
Por fomentar 1 Cliente A e1B por Mês
Por cumprimento Normativas
Incentivo mensal renovável mês a mês
1ª Coluna: VENDAS
Os montantes estabelecidos na 1ª coluna, não estão submetidos a nenhum cumprimento de requisito prévio, pelo que terá direito a crédito os elementos do comando, pelo somente facto de ter alcançado, dito Comando Comercial, um nível de vendas num mês que se contemple entre os níveis estipulados, desde que a margem bruta mínima global do mês seja de 25%.
2ª Coluna: FOMENTAÇÃO CLIENTES NOVOS
Um cliente novo é considerado quando:
Haja lugar a facturação ou recibo de adiantamento (entrada de maquina).
No mês em questão, há uma passagem de contacto a cliente na base de dados do PHC.
Será emitida pelo programa uma listagem com esses parâmetros.
No caso de ainda não ser contacto da base de dados, será de igual forma considerado como cliente novo, desde que comunicado em tempo útil nesse mês, para que possa ser inserido e possa se emitida a factura.
3ª Coluna: FOMENTAÇÃO DE CLIENTES NO RANKING
Os montantes estabelecidos na 2ª coluna, serão recebidos pelos elementos do comando, sempre que o Comando Comercial tenha conseguido nesse mês cumprir com a condição que expressa no título de dita coluna, em caso contrário não terá direito a receber dito montante. A dita condição de recebimento terá vigência até ao dia 31 de Dezembro de 2009. A C… reserva-se no direito de alterar esta condição de recebimento, anualmente.
Com base na listagem de análise A, B, C, D de clientes activos. Este é um ranking com base no produto montante vendido e margem obtida.
A passagem de clientes C a B ou de B a A deve respeitar os seguintes critérios:
A passagem é realizada no mês em questão.
Mensalmente será emitida uma nova listagem de análise ABCD, onde poderá ser controlada passagem (por comparação com o mês anterior).
O comando comercial terá acesso mensal à nova listagem, de forma que possa planear a sua estratégia comercial.
4ª Coluna: CUMPRIMENTO NORMATIVAS
Os montantes estabelecidos nesta coluna, serão recebidos individualmente pelos elementos de comando, sempre que cada indivíduo tenha cumprido esse mês com a condição que expressa no título de dita coluna, em caso contrário não terá direito a receber dito montante.
Dita condição de recebimento terá vigência até ao dia 31 de Dezembro de 2009.
A C… reserva-se no direito de alterar esta condição de cobrança, anualmente. Os conceitos de Normativas Comerciais serão entregues em impresso criado para o efeito, por parte de C….
5ª Coluna: INCENTIVO MENSAL RENOVÁVEL.
São objectivos colocados pelo Director Comercial ao Comando Comercial.
Os montantes estabelecidos nesta coluna, serão recebidos pelos elementos do comando, sempre que o Comando Comercial tenha conseguido nesse mês cumprir com a condição que expressa no título de dita coluna, em caso contrário não terá direito a receber o dito montante ...
A dita condição de recebimento terá vigência até ao dia 31 de cada mês, excepto os casos que o objectivo seja definido por mais tempo.
É um objectivo/critério mensal específico em função da estratégia comercial, comunicado ao comando de forma a ser cumprido nesse mês.
16 - CONDIÇÕES DE RECEBIMENTO DE INCENTIVOS
1º Só tem direito ao recebimento das variáveis na tabela, se o número total de facturas, uma vez aceite e valorizado por C… como finalizadas, ultrapassando o montante de nível 1 da coluna DESDE.
2º As encomendas de clientes, terão de cumprir as normas estabelecidas pela C…. A data da presente encomenda será a informação para calcular o total de vendas alcançado pelo Comando Comercial na zona respectiva e no mês correspondente.
3º Os montantes de variável conseguidas pelos indivíduos do comando em cada mês, serão pagas no momento que se facture cada uma das encomendas, mas a soma total que receba, haverá de ser igual ao total de variável do montante a crédito de cada mês.
4º No caso de algum cliente gerar um incobrável de pagamento, do total da factura ou de alguma parte da mesma, a C… retrocederá a parte correspondente ao variável pago, recalculando o nível, na liquidação do mês seguinte de produzir-se esse dito incumprimento.
5º No caso de variação de qualquer interpretação destas condições, prevalecerá sempre o critério e a interpretação de C…, salvo que a mesma incumpra alguma lei estabelecida, e que por desconhecimento se incumprisse, mas ainda neste caso, o colaborador respectivo renuncia expressamente a qualquer tipo de reclamação ou indemnização, uma vez sanado o possível erro.
III. O Direito
Alega o recorrente: A matéria de facto provada está em completa oposição com a decisão cuja fundamentação de direito incorre num claro erro de julgamento; O Recorrente provou, como lhe competia, auferir retribuição mista composta por parte fixa e parte variável; O Recorrente provou que a Recorrida alterou o sistema de pagamento da retribuição variável, implementando-o de forma unilateral e com a expressa oposição do Recorrente; O Recorrente provou que o uso desse novo sistema implementado teve como consequência o não pagamento da retribuição variável do mês de Maio de 2009, porquanto face aos novos critérios o Recorrente não atingiu qualquer valor de comissões; Esta alteração consubstanciou uma diminuição da retribuição do Recorrente por força do novo sistema de atribuição da retribuição variável.
A recorrida sustenta que realizou uma reunião com todos os trabalhadores, recorrente incluído, na qual apresentou uma nova proposta; Esta nova proposta não mereceu nenhum comentário negativo de nenhum dos trabalhadores presentes, recorrente incluído; Face a este facto, a recorrida decidiu implementar a nova proposta de remuneração variável; Em ponto nenhum dos presentes autos, resultou provado que a retribuição global do recorrente tivesse sido negativamente afectada. E nem podia, porque objectivamente não o foi.
Nos termos do art. 394º, nº 1, do Código do Trabalho, ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato. Acrescenta o nº 2 do mesmo preceito que constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, a violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador.
No que aqui interessa, prescreve o art. 129º, nº 1, al. d), que é proibido ao empregador diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Por retribuição entende-se a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho (art. 258º, nº 1, do Código do Trabalho), compreendendo a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie (nº 2), presumindo-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
Porém, a retribuição pode ser certa, variável ou mista, sendo esta constituída por uma parte certa e outra variável (art. 261º, nº 1, do Código do Trabalho).
A questão consiste em saber se ocorreu ou não uma redução da remuneração.
Sobre esta questão provou-se:
Em contrapartida desse trabalho prestado em 35 horas semanais, de 2ª a 6ª, a R. remunerava o A. à razão de € 793,80 ilíquidos mensais. Para além desta quantia remuneratória fixa, a R. pagava ao A. uma remuneração variável...
A retribuição variável do autor era paga após boa cobrança dos valores recebidos dos Clientes.
Em Março de 2009 foi apresentada uma proposta para a alteração da forma remuneratória da componente variável...
Após um estudo dessa proposta o A. enviou um email à R. no qual comunicava a sua [o]posição a este novo “plano de incentivos”.
Não tendo sido aventada nenhuma sugestão nem antes, nem durante, nem depois da referida reunião ... A ré decidiu pela implementação do novo sistema.
Em fins de Maio de 2009 a R. implementou na prática o novo sistema de pagamento de comissão.
O pagamento das comissões deixou de estar ligado à efectiva cobrança do produto vendido, ao contrário do que acontecia no sistema anterior. Os vendedores, no caso concreto o A., deixaria de trabalhar “sozinho”.O novo sistema criou “comandos”, ou seja, equipas, constituídas por um vendedor sénior, no caso concreto o A., por um vendedor júnior e por uma assistente comercial que laborava desde o escritório. O “comando” do A. seria por este dirigido, sendo que todas as vendas geradas pela equipa entrariam para o “bolo” do A.
O novo sistema incluía critérios qualitativos, em vez de conter unicamente critérios quantitativos como acontecia no sistema anterior. Tais critérios qualitativos eram os seguintes: cada “comando” teria que angariar dois novos clientes por mês; cada “comando” teria que fomentar um cliente “A” e um “B” por mês; cumprir as normativas comerciais; cada “comando” teria que angariar dois novos clientes por mês; cada “comando” teria que fomentar um cliente “A” e um “B” por mês; cumprir as normativas comerciais.
A ré implementou a alteração da forma de pagamento da retribuição variável no mês de Maio de 2009.
Em Maio de 2009, a ré não liquidou ao autor qualquer verba de comissões pelas vendas entretanto ocorridas.
Das listagens referidas em 13, a ré recebeu (cobrou) dos seus clientes o pagamento das máquinas identificadas nos documentos de fls. 199 a 203 – cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – e dos produtos identificados a fls. 167 e 204 a 215 – cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
O autor enviou à ré a carta ... datada de 12.06.2009, e pela qual procedeu à resolução do contrato de trabalho, com a invocação de justa causa.
Importa começar por constatar que a alteração do método de cálculo das comissões a pagar foi efectuada unilateralmente pela recorrida, tendo inclusivamente o recorrente manifestado expressa oposição à nova metodologia.
É certo que apesar do princípio da irredutibilidade da remuneração do trabalhador, é lícito ao empregador alterar, quer o quantitativo de algumas delas, quer proceder à sua supressão, nos casos em que a retribuição é constituída por diversas parcelas ou elementos.[1]
Também é certo que a irredutibilidade da retribuição não pode, sob pena de criar situações absurdas (e de injustificada disparidade retributiva entre trabalhadores que desempenham funções semelhantes), ser entendida de modo formalista e desatendendo à substância das situações. A proibição da regressão salarial designa, sob esta perspectiva, a impossibilidade de piorar o equilíbrio que existe entre a prestação a cargo do trabalhador e a contraprestação patronal.[2]
Porém, o quantitativo da retribuição global (apurado pelo somatório das parcelas retributivas) resultante da alteração, não pode revelar-se inferior ao que resultaria do somatório das parcelas retributivas anterior a essa alteração. Nem a alteração pode concretizar-se se não ocorreu qualquer alteração do ponto de vista da prestação de parte do trabalhador.
Importa então determinar se da matéria de facto provada se deve extrair que ocorreu a aludida redução da remuneração do recorrente, ou se, como se sustentou na sentença sob recurso, o mesmo não logrou fazer prova de tal redução.
No caso da remuneração variável sustentava-se que, para determinar o valor da retribuição variável deveria tomar-se como tal a média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos doze meses ou no tempo da execução do contrato, se este tiver durado menos tempo.
Efectivamente, nos termos do art. 261º, nº 3, do Código do Trabalho, para determinar o valor da retribuição variável, quando não seja aplicável o respectivo critério, considera-se a média dos montantes das prestações correspondentes aos últimos 12 meses, ou ao tempo de execução de contrato que tenha durado menos tempo.
Aquela argumentação tinha como um dos seus sustentáculos o entendimento segundo o qual a falta de pagamento da retribuição consubstanciava facto continuado e/ou que se renovava a cada dia em que o não pagamento se continuasse a verificar, prolongando-se no tempo.
Sucede que nos termos do art. 395º, nº 1, do Código do Trabalho de 2009, o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos. Entende-se que este prazo de caducidade se aplica igualmente aos casos de redução ou falta de pagamento de remuneração, o que implica que a verificação comparativa das remunerações implicaria a caducidade do direito à eventual resolução pelo trabalhador com justa causa, o que não é aceitável.
Ora, independentemente destas considerações, afigura-se que os autos contêm já matéria de facto suficiente para decidir a questão.
Como se referiu no acórdão do STJ de 02-12-98, não pode esquecer-se que a remuneração variável tem, por natureza e por definição, uma componente aleatória, precisamente no campo da regularidade e produtividade, a reflectir-se também, naturalmente, na estabilidade remuneratória. E, sendo-lhe, assim, conatural uma irregularidade e até de eventualidade, as alterações introduzidas só relevarão quando atingirem proporções anómalas e significativas no plano da sua previsibilidade e das expectativas que, razoavelmente, criem e fundamentem.[3]
As comissões têm o duplo significado de participação e incentivo: visam proporcionar a retribuição ao resultado da prestação e, simultaneamente, estimular o trabalhador a um desempenho mais diligente e empenhado das funções atribuídas com a promessa de um ganho proporcional à utilidade obtida para o empregador, pelo que a conexão entre a atribuição patrimonial assim efectuada e a quantidade e qualidade do trabalho é perfeitamente irrecusável.[4]
Daqui resulta que o empregador não pode alterar as condições básicas do contrato no que respeita à atribuição de comissões sem acordo deste, a menos que tal alteração não constitua uma forma substancialmente distinta de determinação da remuneração variável, ou resulte de alteração do ponto de vista da prestação de parte do trabalhador.
Como se mostra evidente do que foi exposto, a recorrida impôs unilateralmente uma nova forma de determinação das comissões que exigem montantes mínimos de facturação que anteriormente não existiam. Desde logo resultou desta alteração que o recorrente não recebesse qualquer montante a título de comissões no primeiro mês de implementação do novo regime.
Embora, como se referiu, as comissões tenham igualmente uma vertente de incentivo do trabalhador para obter melhores resultados e produtividade, a alteração não pode implicar uma simples e completa eliminação das comissões, ou substancial aumento da possibilidade de auferir as comissões, mantendo o trabalhador o mesmo nível de produtividade.
Ou seja, o novo sistema claramente provoca uma diminuição das comissões, a menos que o trabalhador consiga resultados substancialmente superiores ao que habitualmente conseguia (importando ter em consideração que o recorrente era um vendedor com experiência, o que denota a dificuldade de atingir os níveis mínimos pretendidos, como o mesmo já previa). Situação que ganha maior gravidade quando, como resulta da matéria de facto provada, a maior parte da remuneração habitual do trabalhador era constituída pelas referidas comissões.
Nem a circunstância de o pagamento inicial das comissões não depender da cobrança é benéfica, uma vez que se as vendas se vierem a revelar incobráveis a ré descontaria as repectivas comissões nos pagamentos seguintes.
Nos termos do art. 394º, nº 4, do Código do Trabalho, A justa causa é apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º, com as necessárias adaptações. Por sua vez, estabelece este normativo que, na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
A inexigibilidade de permanência do contrato de trabalho envolve um juízo de prognose sobre a viabilidade da relação laboral, a realizar segundo um padrão essencialmente psicológico - o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura.[5]
Deverá, pois, na apreciação da justa causa valorar-se a culpa da entidade patronal, exigindo-se que o comportamento desta revele um grau de culpa que possa justificar a extinção da relação de trabalho.[6]
Assim, é necessário que, além da verificação do elemento objetivo e subjetivo, se conclua que se tornou impossível a manutenção da relação laboral. A verificação de justa causa pressupõe, deste modo, a ocorrência dos seguintes requisitos: a) um de natureza objetiva - o facto material integrador de algum dos comportamentos referidos nas alíneas do n.º 2 do art. 394º do Código de Trabalho (ou outro igualmente violador dos direitos e garantias do trabalhador); b) outro de caráter subjetivo - a existência de nexo de imputação desse comportamento, por ação ou omissão, a culpa exclusiva da entidade patronal; c) outro de natureza causal - que o comportamento da entidade patronal gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, tornando inexigível, em concreto e de acordo com as regras de boa fé, que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo. Não basta, pois, uma qualquer violação por parte do empregador dos direitos e garantias do trabalhador para que este possa resolver o contrato de trabalho com justa causa. Torna-se necessário que a conduta culposa do trabalhador seja de tal modo grave, em si mesma e nas suas consequências, que, à luz do entendimento de um bonnus pater familias, torne inexigível a manutenção da relação laboral por parte do trabalhador.[7]
Conforme salienta Monteiro Fernandes, não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo.[8]
No que respeita à característica de periodicidade e regularidade da retribuição, tal significa, por um lado, a existência de uma vinculação prévia do empregador (quando se não ache expressamente consignada) e, por outro, corresponde à medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo, dessa forma, relevância ao nexo existente entre as retribuições e as necessidades pessoais e familiares daquele.[9]
A retribuição concretiza a obrigação essencial que recai sobre a entidade patronal, como contrapartida dos serviços prestados pelo trabalhador ou da disponibilidade da sua força de trabalho. Mas, para além da sua natureza de contraprestação, e até de instrumento de política económica, a retribuição está funcionalmente constituída também como meio de satisfação de necessidades pessoais e familiares do trabalhador, o que postula uma especial tutela jurídica. E essa tutela jurídica está desde logo acautelada na Constituição da República - art. 59º - onde se garante ao trabalhador direito “à retribuição do trabalho segundo a qualidade, natureza e qualidade.[10]
O legislador, ao estabelecer tabelas salariais, visou assegurar aos respectivos destinatários níveis mínimos de remuneração a fim de lhes proporcionar condições de vida compatíveis com a dignidade inerente à própria pessoa humana.[11]
A alteração da remuneração variável por parte recorrida, teve como consequência a redução substancial da remuneração global do recorrente, o que afectou necessariamente a subsistência deste e do seu agregado familiar.
Por outro lado, provou-se que o recorrente solicitou à recorrida a reposição do regime anterior e o pagamento das comissões inerentes, sem qualquer sucesso.
Assim, temos que aceitar como justificada e lícita a resolução do contrato por parte do recorrente.
Deve, pois, proceder a apelação neste aspecto.
Nos termos do art. 396º, nº 1, do Código do Trabalho, em caso de resolução do contrato com justa causa por parte do trabalhador, por alteração da sua remuneração, este tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador.
Entende-se que, face à antiguidade o recorrente e comportamento da recorrida, que o valor pedido, correspondente a 30 dias de retribuição por ano, se mostra adequado, pelo que deve neste particular proceder o pedido de pagamento da indemnização de € 14.288,40.
IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação julgando-se lícita a resolução do contrato de trabalho celebrado entre recorrente e recorrida e, consequentemente, condena-se a recorrida a pagar ao recorrente o montante total de € 14.288,40 (catorze mil duzentos e oitenta e oito euros e quarenta cêntimos) de indemnização por resolução com justa causa.
No mais mantém-se a decisão recorrida.
Custas em ambas as instâncias na proporção do vencido.

Porto, 12-5-2014
Rui Penha
Maria José Costa Pinto
João Nunes
____________________
[1] Veja-se o acórdão do STJ de 1-4-2009, processo 08S3051, relator Vasques Diniz, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[2] Mário Pinto, Furtado Martins e Nunes de Carvalho, Comentário às Leis do Trabalho, vol. I, pág. 100, citados no acórdão do STJ de 20-10-2011, processo 1531/08.0TTLSB.L1.S1, relator Pereira Rodrigues, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[3] Na Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do STJ, ano VI, tomo III, pág. 281. No Mesmo sentido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-5-2010, processo 439/08.3TTMAI.P1, relator Machado da Silva, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[4] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3-12-2009.12.03, processo 2195/05.8TTLSB-4, relator Ferreira Marques, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.
[5] Acórdão do STJ de 27-11-2002, processo 02S2423, relator Mário Torres, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[6] Acórdão do STJ de 6-11-2002, processo 02S4097, relator Vítor Mesquita, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[7] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4-3-2013, processo 517/11.1TTGDM.P1, relatora Paula Leal e Carvalho, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[8] Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13ª edição, Coimbra: Almedina, 2006, págs. 557 e 575.
[9] Acórdão do STJ de 13-7-2011, processo 5477/07.0TTLSB.L1.S1, relator Gonçalves Rocha, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[10] Mencionado acórdão do STJ de 20-10-2011, processo 1531/08.0TTLSB.L1.S1, relator Pereira Rodrigues, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[11] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-6-1988, processo 0021469, relator Leitão Santos, sumariado em www.dgsi.pt/jtrp