Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00039135 | ||
Relator: | DEOLINDA VARÃO | ||
Descritores: | CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA RESOLUÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP200605040630766 | ||
Data do Acordão: | 05/04/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA A SENTENÇA. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 669 - FLS 02. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O artº 16º do DL 149/95 consagrava um termo para o incumprimento de uma prestação de renda, ou seja, um termo essencial. Uma vez findo aquele termo, emergia uma situação de incumprimento definitivo, não sendo necessário obedecer ao condicionalismo do artº 808º do CC. II - O artº 16º do DL 149/95 foi revogado pelo DL 285/01, pelo que a resolução do contrato de locação financeira, com fundamento no incumprimento das respectivas obrigações por qualquer das partes passou a seguir o regime geral, com exclusão das normas especiais relativas ao contrato de locação. É o que resulta do disposto no artº 17º do DL 149/95. III - A mora no pagamento das rendas deixou assim de beneficiar do regime especial contemplado no artº 16º e ficou submetida também ao regime geral. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. B………., SA instaurou acção declarativa com forma de processo ordinário contra C………. . Pediu que o réu seja condenado a entregar-lhe o equipamento (retro-escavadora) identificado na petição inicial. Como fundamento, alegou, em síntese, que celebrou com o réu um contrato de locação financeira de uma retro-escavadora e que o réu não pagou as respectivas rendas, pelo que o autor procedeu à resolução do contrato, não tendo o réu entregue o equipamento. O réu contestou, impugnando os factos alegados pelo autor, e deduziu reconvenção, pedindo que seja declarado nula e de nenhum efeito a resolução do contrato operada pelo autor, declarando-se o contrato em apreço válido, eficaz e em vigor desde a data da sua celebração – 18.10.01. Na réplica, o autor respondeu à reconvenção e pediu a condenação do réu em multa e indemnização ao autor em montante não inferior a € 2.500,00. O réu respondeu ao pedido de condenação como litigante de má-fé, pugnando pela sua improcedência. Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou a acção e a reconvenção improcedentes e absolveu o réu e o autor dos respectivos pedidos. Inconformado, o autor interpôs recurso, formulando as seguintes Conclusões: 1ª – A motivação do presente recurso assenta, primeiramente, no inconformismo do autor relativamente ao julgamento de facto que foi feito pela Digma. Magistrada “a quo”, no que concretamente respeita à resposta dada ao quesito 1º da base instrutória. 2ª – Pelo que se vem pedir a este Venerando Tribunal que reaprecie a prova produzida, toda ela constante dos autos, e altere, em consequência, a resposta dada ao sobredito quesito 1º da base instrutória, no sentido em que a respectiva matéria seja dada como provada. 3ª – Na verdade, só essa resposta de “provado” poderia/deveria ter sido dada a tal quesito, face ao concreto teor dos depoimentos de todas as testemunhas arroladas pelo autor, e da testemunha arrolada pelo réu, D………., para que se remete expressamente no contexto destas alegações. 4ª – Tais testemunhas depuseram todas no sentido de atestar claramente, perante o Tribunal, o permanente e reiterado incumprimento em que o réu incorreu, relativamente ao pagamento das várias rendas devidas ao autor, por via do contrato de locação financeira em causa nestes autos – e foram unânimes em descrever ao Tribunal a existência de várias rendas em dívida no âmbito de tal contrato, à data da resolução contratual operada pelo locador, com esse mesmo fundamento, nos termos constante de H) dos factos assentes. 5ª – Foi, pois, feita nestes autos prova mais do que suficiente para fornecer ao Tribunal mais do que um mínimo de certeza quanto à existência da mora em que se funda a resolução contratual – pelo que se impõe a alteração da resposta dada pela Digma. Magistrada “a quo” ao quesito 1º da base instrutória. 6ª – Contudo, mesmo que não merecesse acolhimento o que se sustenta relativamente à decisão sobre a matéria de facto – certo é que a presente acção sempre haveria de proceder, mesmo que apenas com base na factualidade já dada como assente e provada em 1ª instância. 7ª – E isto porque está provado nos autos – conforme alíneas C) a J) dos factos assentes – que a autora é dona e legítima proprietária do equipamento cuja entrega definitiva aqui pede; que esse equipamento foi dado em locação financeira ao réu; e que a autora comunicou ao réu a resolução desse contrato de locação financeira, nos estritos termos da carta registada com a.r. que dirigiu ao mesmo em 06.07.04, em virtude da falta de pagamento das rendas ali mencionadas, rendas essas que deviam ser pagas, como contratualmente previsto, nos termos constantes da al. J) dos factos assentes. 8ª – Assim – e uma vez que o pedido reconvencional formulado pelo réu foi declarado improcedente, (e a decisão, nessa parte, até já transitou em julgado) pois aquele não logrou provar o pagamento – está feita nos autos prova de todos os elementos essenciais do contrato, e da sua formal resolução. 9ª – Resolução contratual essa que, ao contrário do que é referido na douta sentença recorrida, incorporou ela própria, textualmente, uma interpelação expressa ao pagamento. 10ª – Significa isto que o autor fez prova plena na acção dos factos essenciais constitutivos do seu direito – artº 342º, nº 1 do CC, enquanto, 11ª – Ao invés, o réu não logrou provar qualquer facto extintivo do direito invocado pelo autor – como lhe competia, à luz do nº 2 do mesmo preceito legal. 12ª – Verifica-se, assim, que mal andou a douta sentença recorrida ao julgar improcedente a presente acção – dado que, ao fazê-lo, incorreu em errada interpretação e integração, para além do mais, do disposto nos artºs 342º do CC, e 17º do DL 149/95 de 24.06 (sendo de assinalar que o artº 16º deste Diploma, citado na mesma sentença, há muito foi revogado pelo DL 285/01 de 03.11). 13ª – Porque assim é, deve aquela ser revogada, proferindo-se, em seu lugar, douto acórdão que julgue no sentido da procedência da presente acção. O réu contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II.A matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido é a seguinte: No exercício da actividade de locação financeira a que em exclusivo se dedicava, a então B1………., SA – a que a autora sucedeu juridicamente - celebrou com o réu um contrato de locação financeira, sob o nº ……, tendo por objecto o seguinte equipamento industrial: - Uma rectro-escavadora ………., Modelo ……, com o nº de série …….. . (C) O contrato incluiu as cláusulas constantes do documento que foi junto, como documento 1 à providência cautelar cuja apensação a final se requer, cujo teor se dá aqui por integralmente adquirido e reproduzido para todos os efeitos legais. (D) O prazo de duração do contrato foi fixado em 48 meses. (E) O valor da renda estipulado foi de € 5.985,57 para a primeira, e de € 810,49 para as quarenta e sete seguintes, a todas acrescendo o respectivo IVA, a taxa legal – a pagar mensalmente, com inicio em 25.11.01, nos termos dos artºs 2º e 3º das condições particulares do aludido contrato, tendo o equipamento sido efectivamente entregue à Locatária, como decorre do teor do doc. 2 junto à providência, que aqui se dá por integralmente reproduzido. (F) O valor residual foi estabelecido em € 798,08 + IVA. (G) A autora, por carta registada com aviso de recepção, de 06.07.04, cuja cópia está junta à providência como doc. 3 e aqui se dá por reproduzida, comunicou-lhe a resolução do contrato, ao abrigo do disposto no artº 12 das respectivas cláusulas gerais. (H) O equipamento locado foi adquirido a E………., Lda, pela autora. (I) De acordo com o artº 3º das “Condições Particulares” do Contrato junto à petição inicial, as rendas deveriam ser pagas mediante transferência bancária por débito da conta do réu nº ………….., domiciliada na agência da autora sita em ………., Amarante. (J) Com interesse para a decisão, está ainda provado o seguinte facto, com fundamento no documento junto a fls. 13 e seguintes dos autos de procedimento cautelar apensos: O contrato referido em C) foi celebrado em 18.10.01. * II.O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido. As questões a decidir no presente recurso são as seguintes: 1 – Se o quesito 1º da base instrutória deve ser considerado provado. 2 – Se, caso assim não se entenda, a acção deve ser julgada procedente face aos factos que se encontram provados. 1 – Alteração da resposta ao quesito 1º da base instrutória Dispõe o artº 712º, nº 1, al. a) do CPC que a decisão sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão sobre a matéria de facto. Nos termos do artº 690º-A, nº 1 do CPC, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes de processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. No caso previsto na al. b) do nº 1, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas, tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artº 522º-C (nº 2 do citado artº 690º). O autor deu cumprimento aquele duplo ónus, indicando os concretos pontos de facto que considera incorrectamente provados e os depoimentos em que se funda o invocado erro na apreciação da prova. É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência que a garantia do duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto que o DL 39/95 de 15.02 introduziu no CPC, através do artº 690º-A, não subverte o princípio da livre apreciação das provas inserto no artº 655º, nº 1 do mesmo Diploma. O juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. E na formação da convicção do juiz entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova. Na formação daquela convicção não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis. O tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está vedada exactamente por falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si. O que a este tribunal de segunda jurisdição compete é, pois, apurar da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos. Por isso, o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados [Acs. desta Relação de 19.09.00 e da RC de 03.10.00, in CJ-00-IV-186 e 27, respectivamente, e doutrina neles citada. No mesmo sentido, os Acs. do STJ de 17.3.05, 20.09.05 e 29.11.05, www.dgsi.pt, procs. 95P129, 05A2007 e 05A3416, respectivamente]. Vejamos então se, nos pontos concretos indicados pelo autor se encontram aqueles pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros do julgador que são o fundamento da impugnação da matéria de facto. Pergunta-se no quesito 1º se o réu não pagou ao autor as rendas vencidas em 25.12.03, 25.02.04, 25.03.04 e 25.05.04. Aquele quesito obteve a resposta “Não Provado” e o autor pretende que o mesmo seja considerado provado. À matéria daquele quesito foram inquiridas todas as testemunhas arroladas por ambas as partes, conforme consta da acta de fls. 89 e seguintes. Do conjunto dos depoimentos das testemunhas F………., G………., H………. e I………. (todas funcionários do autor) resultou que a partir de certa altura o réu começou a ter dificuldades financeiras e a atrasar os pagamentos das rendas do contrato em causa nos presentes autos. Quando havia atrasos, o réu era então alertado pelos funcionários da agência do autor onde tinha conta e, por vezes, provisionava a conta, sendo então pagas algumas das rendas já com atraso. Nenhuma daquelas testemunhas conseguiu precisar quais as rendas que foram efectivamente pagas e quais as que ficaram por pagar. Senão, vejamos: F………., que foi gerente do autor até Outubro de 2004, disse que o réu “… em finais de 2003 e princípios de 2004 começou a ter alguma dificuldade em liquidar as prestações que apareciam para serem debitadas directamente na sua conta; era contactado para fazer a provisão da conta e prometia ir ao balcão fazer o depósito; ele vinha fazer o depósito para fazer uma ou outra prestação mas já com atraso. O controlo não era feito pelo balcão, era por débito automático quando tinha saldo disponível; quando não tinha saldo, a prestação vinha ao balcão para contactar o cliente para provisionar a conta; fazíamos estes contactos sempre; normalmente ele fazia um depósito ou outro, mas não chegava para o valor da prestação e às vezes era para cobrir cheques deles e a provisão não dava para pagar as duas coisas. A esposa chegou-nos a questionar, mas nós pedíamos para ela nos apresentar o recibo de pagamento das prestações e ela nunca o fez. Não sabíamos qual era a prestação que era depositada; o depósito era feito e o pagamento era efectuado por transferência bancária. Era uma conta normal onde ele fazia todos os movimentos. Os depósitos era para cobrir o que ia aparecendo - para os cheques e para a prestação. Houve uma única vez que ele frisou isso [que era para pagar a prestação do contrato dos autos] e consideramos como um cheque que posteriormente teve boa cobrança mas a prestação já tinha sido devolvida”. Terminou o seu depoimento dizendo não saber em concreto que prestações é que o réu deve ao banco. G………. é também funcionária do autor, responsável pelos pequenos negócios. Disse que o réu sentiu algumas dificuldades e começou a atrasar os pagamentos e que “…várias vezes o balcão ligou para pagar as rendas; às vezes vinha, às vezes não vinha. Eu perdi completamente o controle. As rendas apareciam, não sabíamos se era de Dezembro, Janeiro, se era de Fevereiro. Como já tinha várias atrasadas ia pagando”. Afirmou que “As concretas rendas ficaram por pagar. No último dia a D. D………. e o Sr. C………. foram ao balcão com essa carta [carta referida em H]; naquela altura ele falou com o gerente que os aconselhou a falar com um advogado”. “As prestações apareciam em montantes iguais. Se não tivesse a conta provisionada a prestação não era debitada. A prestação chegava 10 dias depois, eu não sabia de era de Novembro se era de Dezembro. Eu tenho conhecimento de que não foi pago porque uma colega da secção de leasing me informou das prestações que foram pagas. Não sabemos quais são os meses que estão em atraso; quando as prestações vêm não sabemos qual; quando elas chegam para ser debitados não sei qual delas vem”. À pergunta do Ilustre Mandatário do autor se o balcão sabia se havia 4 prestações em atraso respondeu afirmativamente. Porém, ao ser confrontada com o extracto da conta do réu junto a fls. 38, disse que os movimentos de 10.02.04 e de 17.02.04 são pagamento de rendas, mas não confirmou se são do contrato em causa nos presentes autos Confrontada com o extracto de fls. 39 e em relação aos movimentos de 09.03.04 e 16.03.04, disse que: “…não faço ideia, não posso confirmar”. Igualmente, ao ser confrontada com o extracto de fls. 40, respondeu, em relação ao movimento de 11.05.04, “…também não sei”. Confirmou que em Junho de 2004, o réu mantinha apenas um contrato com o autor. H………. foi gerente da agência do autor onde o réu tem conta até ao final do ano de 2003 e acompanhou o contrato até aquela data. Disse que o réu “…a partir de uma determinada altura, nunca tinha dinheiro na conta para pagar as rendas; telefonávamos para ele vir depositar; umas vezes vinha, outras vezes não; se vinha, pagava-se a renda, se não vinha não se pagava”. Disse ainda que em 2003 o réu tinha o contrato em causa nos autos e um outro contrato de locação financeira relativo a outro equipamento e disse pensar que também havia rendas em atraso do outro contrato “Não posso afirmar se as rendas [dos presentes autos] estão em dívida”. Tendo-lhe sido perguntado quantas rendas o réu devia, respondeu: “Não sei responder a esta questão; que tinha rendas em atraso tinha, mas não sei dizer quais. Sei que era mais que uma, quantas não sei”. E se o réu deixou passar 60 dias, respondeu: “Nem sei nem deixo de saber, não controlo isso. Em Dezembro de 2003 estavam rendas por pagar, quantas eram não sei. No dia 31 de Dezembro de 2003 não estavam regularizadas”. I………. é funcionário da agência onde o réu tem conta aberta. Disse que a determinada altura as prestações entraram em atraso e que era necessário fazer contactos com o réu. “Não poderia identificar concretamente se foi a prestação de Maio ou de Dezembro sei que várias vezes contactei o Sr. C………. ou a esposa para depositarem o dinheiro para as prestações. Seria em 2003 várias vezes. Acho que reconheciam a dívida, reconhecia que devia, a esposa às vezes dizia que já tinham pago”. Confrontado com o extracto de conta de fls. 37, disse não conseguir identificar o pagamento de 12.01.04, não sabendo “…se estão a pagar Maio ou Abril”. Confirmou que se o cliente tiver várias prestações em atraso o procedimento adoptado consiste em efectuar o pagamento da mais antiga. Confrontado com os movimentos dos extractos de conta bancária de fls. 39 e 40 e perguntado se sabia que prestações é que foram pagas, respondeu: “Não sei dizer se é de Março, se é de Abril”. Também do depoimento da testemunha D………., ex-mulher do réu, não se pode extrair com segurança a conclusão de que as rendas não foram pagas. Aquela começou por dizer que quando recebeu a carta referida em H), estavam três prestações que estavam em atraso. Porém, o conjunto do seu depoimento não se extrai que aquelas prestações estivesse efectivamente por pagar à data em que foi enviada a referida carta. “Ia mensalmente ao banco, falava com a Drª G……….; ela por vezes telefonava, eu ia fazer o depósito e pedia para pagar as prestações atrasadas e ela dizia que ia pagar as prestações em atraso. Nunca me disseram que havia uma prestação há mais de 60 dias por pagar; sempre fui fazer os depósitos e sempre pediu que pagassem as atrasadas e não as recentes”. Confirmou que em Maio e Junho de 2004 fez pagamentos para o contrato em causa nos autos. “Num sábado de manhã telefonou o Sr. F………. a pedir um depósito para o banco - foi antes de Maio de 2004. Quando chego ao banco, o Sr. F………. pega no computador e diz não há dinheiro na conta. O Sr. I………. foi ao computador do Sr. F………. e viu que estavam € 1.200,00 retidos para o leasing”. Quando recebeu a carta referida em H): “…eu liguei automaticamente para o leasing a dizer que estava a fazer os depósitos para as prestações e por que é que as prestações não foram pagas”. Confirmou que durante o ano de 2004 não havia outro leasing: “O leasing da outra máquina já tinha acabado”. Portanto, o que a testemunha acaba por afirmar é que, antes da de ser enviada a carta referida em H), a conta havia sido provisionada para o pagamento das rendas nela mencionadas. Por outro lado, resulta dos extractos bancários da conta referida em J) – por débito na qual eram pagas as rendas - juntos a fls. 37 a 41 dos autos, que em 12.01.04, 10.02.04, 09.03.04, 11.05.04 e 26.05.04 ali foi debitada a quantia de € 946,30 com a menção “pagamento leasing” ou “transferência para B1………., S.A. – equipamento”. Todas as testemunhas inquiridas (incluindo o depoimento da testemunha D………., ex-mulher do réu) confirmaram os reiterados atrasos do réu no pagamento das rendas e o reiterado provisionamento tardio e incerto da conta para aquele efeito, bem como a utilização de algumas das quantias depositadas pelo réu para pagamento das rendas do contrato em causa nos autos. Assim, do conjunto da prova testemunhal produzida em conjugação com os extractos da conta bancária não se pode concluir nem que os supra mencionados débitos ao pagamento das rendas vencidas em 25.12.03, 25.02.04, 25.03.04 e 25.05.04, nem que não respeitem. A única conclusão que se consegue tirar é que respeitam ao pagamento de rendas do contrato. Toda a prova constante dos autos é de molde a produzir no espírito do julgador a dúvida acerca da efectiva falta de pagamento das rendas mencionados no quesito 1º, pelo que bem andou a Mª Juíza a quo ao responder negativamente ao quesito. 2 – Direito à resolução do contrato Não se tendo alterado a matéria de facto que foi dada como provada na 1ª instância, tem-se esta como assente. Defende o autor que, mesmo assim, lhe assiste o direito à resolução do contrato e à consequente entrega do equipamento porque interpelou o réu para pagar as rendas em dívida através da carta referida em H) e o réu não provou o pagamento das rendas. Entre o autor e o réu foi celebrado um contrato de locação financeira, regido pelas disposições do DL 149/95 de 24.06, com as alterações introduzidas pelo DL 265/97 de 02.10 e pelo DL 285/01 de 03.11. Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados – artº 1º do DL 149/95. Situada entre a compra e venda e a locação (a curto prazo), diz Leite de Campos [“A Locação Financeira”, pág. 59], a locação financeira é utilizada por todos aqueles que pretendam obter, não a propriedade, o uso ilimitado no conteúdo e no tempo, do bem; mas unicamente o uso funcional do bem, dentro do fim a que este se destina, durante a totalidade ou a maior parte da sua vida útil. Como afirma Calvão da Silva [“Estudos de Direito Comercial”, págs. 14 e 15; cfr. também Sebastião Pizarro, “O Contrato de Locação Financeira”, págs. 27 e segs.], trata-se de uma técnica de financiamento que permite ao interessado obter e utilizar uma coisa sem ter de pagar imediatamente o preço, formando-se de modo sucessivo mediante processo em várias fases que liga três pessoas: fornecedor da coisa, utilizador da mesma e financiador da operação. São assim firmados dois contratos distintos – o contrato de compra e venda entre o fornecedor e a sociedade de leasing e o contrato de locação financeira entre a sociedade de leasing e o utilizador – de que emergem os direitos e deveres correspondentes para as partes. Na locação, nos termos do artº 10º, nº 1, al. a) do DL 149/95, o locatário está obrigado a, além do mais, pagar as respectivas rendas (artº 10º, nº 1, al. a) do mesmo DL). O contrato em apreço foi celebrado em 18.11.01, antes da entrada em vigor do DL 285/01. Na redacção do DL 149/95 que então vigorava, estipulava o artº 16º, nº 1 que a mora no pagamento de uma prestação de renda por um prazo superior a 60 dias permite ao locador resolver o contrato, salvo convenção em contrário a favor do locatário. Nos termos do nº 2 do mesmo normativo, o locatário podia precludir o direito à resolução por aquele fundamento, se procedesse ao pagamento do montante em dívida, acrescido de 50%, no prazo de oito dias contados da data em que fosse notificado pelo locador da resolução do contrato. O artº 16º do DL 149/95 consagrava um termo para o incumprimento de uma prestação de renda, ou seja, um termo essencial. Uma vez findo aquele termo, emergia uma situação de incumprimento definitivo, não sendo necessário obedecer ao condicionalismo do artº 808º do CC [Carlos costa e José Florim, “Do Leasing ou da Locação Financeira”, pág. 62]. A estipulação de termo essencial é precisamente uma das situações em que a lei considera definitivamente não cumprida a obrigação com as respectivas consequências, a par da estipulação de cláusula resolutiva e da impossibilidade culposa da prestação por parte do devedor (cfr. artº 801º, nº 1 do CC). O artº 16º do DL 149/95 foi revogado pelo DL 285/01, pelo que a resolução do contrato de locação financeira, com fundamento no incumprimento das respectivas obrigações por qualquer das partes passou a seguir o regime geral, com exclusão das normas especiais relativas ao contrato de locação. É o que resulta do disposto no artº 17º do DL 149/95. A mora no pagamento das rendas deixou assim de beneficiar do regime especial contemplado no artº 16º e ficou submetida também ao regime geral [Abílio Neto, “Contratos Comerciais”, 2ª ed., pág. 401]. E no regime geral das obrigações, fora dos casos acima referidos, a mora só se converte em incumprimento quando ocorre perda do interesse do credor na prestação, ou não realização da prestação dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor (interpelação admonitória) – cfr. artº 808º, nº 1 do CC. Verificado o incumprimento definitivo, se a obrigação tiver por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição por inteiro (artº 801º, nº 2 do CC). O contrato em causa foi celebrado na vigência do artº 16º do DL 149/95, mas a situação de falta de pagamento das prestações invocada pelo autor ocorreu já após a revogação daquele preceito pelo DL 285/01. Sendo este segundo Diploma omisso quanto à forma de aplicação no tempo das suas normas, há que aplicar os princípios gerais do artº 12º do CC. Dispõe o nº 1 deste normativo que “A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”. Estabelece-se ali o princípio da não retroactividade da lei, a menos que tal eficácia retroactiva lhe tenha sido atribuída. Mesmo assim, ressalvam-se os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. Na 1ª parte do nº 2 do artº 12º previnem-se, em primeiro lugar, os princípios legais relativos às condições de validade substancial ou formal de quaisquer actos, ou referentes aos seus efeitos. Quando estes estão em causa, aplica-se, em caso de dúvida, a lei vigente à data da prática do acto. Na 2ª parte daquele nº 2, estabelece-se o princípio da aplicação da lei nova quando esta dispuser directamente sobre o conteúdo das relações jurídicas e for indiferente o facto que lhes deu origem [Pires de Lima/Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 3ª ed., págs. 60 e 61]. O nº 2 do artº 12º do CC refere-se à lei substantiva, pois que é esta que rege as relações jurídicas e os factos que lhes dão causa. Assim, se no contrato celebrado entre o autor e o réu nada tivesse sido estipulado acerca das consequências do atraso no pagamento das prestações, aplicar-se-ia o regime actual porque as normas que estabelecem os fundamentos de resolução contratual dispõem directamente sobre os conteúdos da relações jurídicas, sem relação com o facto que lhes deu origem, cabendo, por isso, na previsão da 2ª parte do nº 2 do citado artº 12º do CC. Nos termos do artº 3º do DL 149/95, o contrato de locação financeira pode ser celebrado por documento escrito, bastando documento particular. Não constando daquele normativo que o documento ali referido é uma formalidade ad probationem, tem de se entender que aquela exigência legal de documento constitui elemento do contrato, isto é, formalidade ad substantiam (artº 364º, nº 1 do CC). O contrato de locação financeira é, pois, um negócio jurídico formal. O contrato celebrado entre o autor e o réu foi formalizado pelo documento junto a fls. 13 e seguintes dos autos de procedimento cautelar apensos. Na cláusula 12ª, nº 1 daquele documento consta que: “O contrato poderá ser resolvido por iniciativa do Locador, sem qualquer outra formalidade, oito dias após a comunicação ao Locatário, por carta registada e com aviso de recepção, no caso de o Locatário não pagar qualquer das rendas nos termos do nº 1 do Art. 16º do Decreto-Lei nº 149/95 de 24 de Junho, (…), sem prejuízo de o Locatário poder precludir o direito à resolução por parte do Locador, procedendo ao pagamento do montante em dívida, acrescido de 50%, no prazo de oito dias contados da data em que for notificado pelo Locador da resolução, nos termos do nº 2 do art. 16º do referido diploma legal”. Verifica-se assim que as partes convencionaram um termo essencial para o pagamento das rendas – 60 dias – cujo incumprimento confere ao autor o direito a resolver o contrato, sem qualquer outra formalidade, no prazo de oito dias após a comunicação ao réu, por meio de carta registada com aviso de recepção. A revogação do artº 16º do DL 149/95 não afecta a validade daquela cláusula, que é permitida pela lei geral e que, sendo uma cláusula contratual geral, não é proibida pelas disposições dos artºs 15º a 22º do DL 446/85 de 25.10, com as alterações introduzidas pelo DL 220/95 de 31.08 e pelo DL 249/99 de 07.07. Assim, nos termos da referida cláusula 12ª do contrato, o atraso no pagamento de uma renda por um prazo superior a 60 dias é fundamento de resolução do contrato pelo autor, não sendo necessário recorrer ao regime do artº 808º do CC. Ainda que tal cláusula não tivesse sido inserida no contrato, a mora no pagamento das rendas conferiria igualmente ao autor o direito a pedir a resolução do contrato nos termos do nº 2 do artº 801º do CC porque ocorreu a interpelação admonitória prevista no nº 1 do artº 808º do mesmo Diploma. Efectivamente, em 06.07.04, o autor enviou ao réu a carta referida em H), cuja cópia está junta a fls. 21 dos autos de procedimento cautelar apensos, na qual lhe comunica a resolução do contrato no prazo de nove dias a contar da recepção da mesma e lhe solicita, além do mais, o pagamento das rendas vencidas em 25.12.03, 25.02.04, 25.03.04 e 25.05.04. A falta de pagamento das rendas dentro do prazo que razoavelmente ali foi fixado pelo autor converteu a eventual mora do réu em incumprimento definitivo nos termos do citado nº 1 do artº 808º, com as consequências previstas no nº 2 do artº 801º, ambos do CC – resolução do contrato e indemnização. A resolução consiste na destruição da relação contratual operada por um dos contraentes com base num facto posterior à celebração do contrato. A resolução do contrato tem de se fundar na lei ou em convenção (artº 432º, nº 1 do CC) e, no caso dos contratos de execução continuada não tem efeito retroactivo, operando apenas para o futuro (artº 434º, nºs 1 e 2 do mesmo Diploma). A resolução tem os mesmos efeitos que a nulidade ou a anulação (artº 433º do CC), sem prejuízo do que acima se disse acerca dos contratos de execução continuada. A destruição da relação contratual, nos termos próprios da resolução do negócio, envolve também a extinção das obrigações que o contrato haja criado e ainda não tenham sido cumpridas [Antunes Varela, “Direito das Obrigações”, vol. II, 7ª ed., pág. 277]. Resolvido o contrato de locação financeira, extingue-se a relação obrigacional, cessando quer as obrigações do locador previstas no artº 9º do DL 149/95, quer as obrigações do locatário previstas no artº 10º do mesmo Diploma. O locatário fica obrigado a pagar as prestações vencidas até à data da resolução, pois que esta não abrange as prestações vencidas por o contrato de locação financeira ser um contrato de execução continuada (artº 434º, nº 2); mas não está obrigado a pagar as prestações vincendas, pois que a obrigação de as pagar cessou na data da resolução. Além de ser obrigado a restituir o bem, já que cessou o seu direito a fruí-lo. No caso de optar pela resolução do contrato, o credor tem ainda o direito a ser indemnizado, como prevê o artº 801º, nº 2. Aquela indemnização é a indemnização pelo prejuízo que o credor teve com o facto de se celebrar o contrato – ou, por outras palavras, do prejuízo que ele não teria sofrido se não tivesse celebrado o contrato. Trata-se do chamado interesse contratual negativo ou de confiança. Se o credor opta pela resolução do contrato, não faria sentido que pudesse exigir do devedor o ressarcimento do benefício que normalmente lhe traria a execução do negócio (interesse contratual positivo) [Antunes Varela, obra citada, pág. 109. No mesmo sentido, Galvão Teles, “Direito das Obrigações”, 7ª ed., pág. 463]. Assim, no caso do contrato de locação financeira, se houver incumprimento contratual do locatário e o locador optar pela resolução do contrato, tem o direito ao ressarcimento de quaisquer danos (danos emergentes e lucros cessantes) que não teria tido se não tivesse celebrado o contrato. É este o regime geral, que pode ser afastado por cláusulas contratuais validamente inseridas no contrato, ao abrigo das normas do DL 446/85. Resulta da factualidade acima descrita que no caso não se provou nem o pagamento nem a falta de pagamento das rendas. A questão que apreciamos terá assim de ser resolvida segundo as regras do ónus da prova. A doutrina tradicional, dominante ainda hoje, entende que, nas acções baseadas em responsabilidade contratual, é ao réu que incumbe o ónus de provar a realização da prestação (o cumprimento da obrigação) ou a ausência de culpa no não cumprimento, em qualquer as formas que este pode revestir. A presunção da culpa do devedor pela falta de incumprimento está expressamente prevista no artº 799º, nº 1 do CC. Numa aplicação rigorosa dos critérios estabelecidos no artº 342º do CC, no que respeita à falta de cumprimento, haveria que distinguir entre as acções destinadas à realização coactiva da prestação debitória e as acções em que o credor vem pedir a resolução do contrato e/ou a indemnização pelo incumprimento definitivo do contrato. Nas primeiras, é líquido que cabe ao credor provar somente os factos constitutivos do seu crédito e ao devedor provar a realização da prestação, ou seja, o cumprimento da obrigação como facto extintivo do crédito. Nas segundas, caberia ao credor provar a falta de cumprimento, como elemento constitutivo do direito que se arroga [É esta a posição de Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, 3ª ed., pág. 293]. Antunes Varela [“Manual de Processo Civil”, 2ª ed., págs. 462 e 463] entende que aquela diversidade de soluções soa a falso, na medida em que, numa e noutra das situações, o facto que está em foco, como causa da prestação deduzida pelo autor, é o mesmo: o não cumprimento (presuntivamente culposo) da obrigação. A circunstância de o não cumprimento ser ou não superável pela acção creditória não tira que tão razoável seja, num caso como noutro, impor ao devedor o ónus da prova do cumprimento. Também Galvão Telles [“Direito das Obrigações”, 7ª ed., págs. 334 e 335] entende que o cumprimento da obrigação faz extinguir o direito de crédito, pelo que é ao devedor que compete provar essa extinção, pois a lei põe a prova dos factos extintivos de um direito a cargo daquele contra quem o direito é invocado (nº 2 do artº 342º do CC). A regra do nº 2 deste normativo deve assim prevalecer sobre a regra do nº 1, não fazendo sentido alterar a repartição do ónus da prova pelo facto de o credor reclamar uma indemnização. Propendemos para a segunda orientação acima expressa porque não vemos razão para que o credor que pretende a realização coactiva da prestação tenha de provar apenas a existência da relação contratual e o credor que queira retirar as consequências do incumprimento, pedindo a resolução do contrato e/ou a indemnização tenha de ser onerado com o ónus da prova do incumprimento [Também no sentido desta orientação, ver os Acs. da RL de 29.06.95, CJ-III-146 e de 29.04.99, www.dgsi.pt, nº conv. 26637 e da RE de 07.05.98, BMJ 477º-584]. Veja-se o caso das acções de despejo para resolução do contrato em que a prova dos factos que a fundamentam, quer sejam positivos, quer sejam negativos, cabe ao autor, com excepção da acção fundada em falta de pagamento de renda, em que é ao réu que incumbe o ónus da prova do pagamento ou depósito que constitui facto impeditivo da procedência da acção de despejo com aquele fundamento. É o que resultava das disposições conjugadas dos artºs 1041º e 1048º do CC e do artº 22º, nº 1 do RAU aprovado pelo DL 321-B/90 de 18.10 e continua hoje a resultar daqueles normativos do CC em conjugação com o artº 17º, nº 1 do NRAU aprovado pela Lei 6/06 de 27.02. Assim, no caso do contrato de locação financeira, em que não existe presunção de pagamento, pedida a resolução do contrato pelo locador com fundamento na falta de pagamento de rendas, é sobre o locatário que impende o ónus da prova do pagamento das rendas. Face ao quadro factual que resultou provado nos presentes autos, tendo o autor provado que celebrou com o réu o contrato de locação financeira titulado pelo documento junto a fls. 13 e seguintes de procedimento cautelar apenso e não tendo este provado que pagou as rendas vencidas em 25.12.03, 25.02.04, 25.03.04 e 25.05.04, assiste ao autor o direito de resolver o contrato com fundamento na falta de pagamento daquelas rendas, resolução essa operada com a comunicação referida em H). Nos termos acima expostos, a resolução do contrato acarreta a devolução do equipamento locado. Procedem assim as conclusões do apelante e, consequentemente, a acção. Procedendo a acção, há que apreciar o pedido de condenação do réu como litigante de má fé, formulado pelo autor. De acordo com o disposto no artº 456º, nº 1 do CPC diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; tiver alterado a verdade dos factos ou tiver omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. Na reforma processual introduzida pelo DL 329-B/95 de 12.12 houve uma substancial ampliação do dever de boa fé processual, alargando-se o tipo de comportamentos que podem integrar má fé processual, quer substancial, quer instrumental, e tanto na vertente subjectiva como na objectiva. A condenação por litigância de má fé pode agora fundar-se em negligência grave, para além da situação de dolo já anteriormente prevista [Acs. do STJ de 25.11.98 e desta Relação de 15.03.01 e de 11.10.01, base citada, processo 98A980 e nºs conv. 29935 e 32860, respectivamente]. A má fé a se reportam as als. a) e b) do nº 1 do artº 456º é a má fé material ou substancial, aquela que se refere à relação jurídica material [Alberto dos Reis, obra citada, vol. II, 3ª ed., pág. 264]. Como se tem entendido, a conclusão no sentido da litigância de má fé não se pode extrair, mecanicamente, da simples alegação de factos pessoais que não se provaram ou da negação de factos pessoais que vieram a provar-se [Acs. do STJ de 20.10.98 e desta Relação de 24.10.02, base citada, nºs conv. 34689 e 35094, respectivamente]. Como se lê no Ac. do STJ de 11.04.00 [Base citada, nº conv. 34786], a questão da má fé material não pode ser vista com a linearidade que por vezes lhe é atribuída, sob pena de se limitar o direito de defesa que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil e tem foros de garantia constitucional. Por isso, terá de haver uma apreciação casuística, não cabendo a análise do dolo ou da negligência grave no processo civil em estereótipos rígidos. No caso em apreço, o réu alegou ter procedido ao pagamento das rendas do contrato de locação financeira que havia celebrado com o autor, facto esse que é obviamente de natureza pessoal. Tal facto não se provou, mas também não se provou o contrário: a falta de pagamento. Conforma acima se explicou, o desfecho da presente acção resultou da aplicação das regras do ónus da prova. Faço ao exposto acerca dos requisitos e do conteúdo da litigância de má fé, entende-se que a simples falta de prova de um facto pessoal que foi alegado não traduz aquele tipo de litigância em nenhuma das vertentes enunciadas no citado artº 456º, nº 1 do CPC. Não há pois que condenar o réu como litigante de má fé. * IV.Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência: - Condena-se o réu a entregar definitivamente ao autor o equipamento (retro-escavadora) identificado em C). Custas em ambas as instâncias pelo apelado. *** Porto, 4 de Maio de 2006 Deolinda Maria Fazendas Borges Varão Ana Paula Fonseca Lobo António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha |