Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
17/95.5IDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP00043293
Relator: VASCO FREITAS
Descritores: NULIDADE PROCESSUAL
PRAZO DE LEITURA DA SENTENÇA
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
Nº do Documento: RP2009121617/95.5IDPRT.P1
Data do Acordão: 12/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 607 - FLS 222.
Área Temática: .
Sumário: I - A inobservância do prazo fixado no art. 373º do CPP constitui mera irregularidade, a qual não pode afectar o valor da sentença.
II - A alteração da qualificação jurídica dos factos, sem que ocorra qualquer modificação dos factos da acusação ou da pronúncia, nem uma agravação dos limites máximos das penas aplicáveis, está sujeita ao regime dos artigos 358º, n.º 3 e 303º, n.º 5 do CPP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal nº 17/95.5IDPRT.P1


Acordam, em audiência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da comarca de Baião, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foram submetidos a julgamento os arguidos “B………., Ldª”, C………, D………., E………., “F………., Ldª”, G………. devidamente identificados nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu:
a) Absolver arguidos D………., E………., “F………., Lda.” e G………. da prática de quatro crimes de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 23º nºs 1 e 2 al d) e 3 al. a) e b) e 4 do RJIFNA na redacção dada pelo Dec-Lei nº 394/93 de 14/11, ou actualmente pelo artº 103º nº 5 do RGIT.
b) Condenar a arguida “B………., Ldª” pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 23º nºs 1 e 2 al d) e 3 al. a) e b) e 4 do RJIFNA na redacção dada pelo Dec-Lei nº 394/93 de 14/11 na pena de 450 dias de multa à taxa diária de € 50,00
c) Condenar o arguido C………., pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 104.º, n.º 1, do RGIT, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos, subordinada ao pagamento, por parte do arguido C………., durante o mesmo lapso temporal, dos montantes que, em virtude do seu comportamento, deixou a arguida «B………., Lda.» de entregar à Administração Fiscal, a calcular por esta com exclusão dos montantes correspondentes às facturas mencionadas nos números 11) e 20) da matéria de facto dada por assente.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido C………., pugnando pela sua revogação para o que apresentou as seguintes conclusões:
“1-) Entende o Recorrente que o procedimento criminal relativo aos factos pelos quais foi condenado se encontra prescrito;
2-) A prescrição do procedimento criminal ocorrerá em qualquer caso, decorridos 7 anos e 6 meses, após a data em que o crime se consumou, ressalvando o período de suspensão;
3-) Desde a data em que o crime se consumou e ressalvado o período de suspensão, decorreu um período de 8 anos e 5 dias, pelo que, o procedimento criminal encontra-se prescrito;
4-) A leitura do acórdão ocorreu mais de trinta dias após a última sessão do julgamento, violando desta forma o disposto no art°.328 nº 6 do C. P. Penal;
5-) A violação do disposto no art°.328 n06 do C. P. Penal, implica a nulidade do julgamento impondo a sua repetição;
3-) Ao condenar o Recorrente pela prática de um crime de fraude fiscal agravado, a douta sentença incorreu numa alte­ração substancial dos factos, não tendo sido dado cumprimento às formalidades previstas no art°.359 do C. P. Penal, pelo que, foram violados os artigos 359 do C. P. Penal, 32 nº1 e 5 da constituição;
6-) Por não terem sido cumpridas as formalidades previstas no art°.359 do C. P. Penal, a sentença é nula por força do disposto no art°.359 e 379 nº l do C. P. Penal;
7-) Outra interpretação do art°.359 do C. P. Penal, que não a supra referida, padece de inconstitucionalidade por violação do disposto no art°.32 nº1 e 5 da Constituição;
8-) Ao condenar o Recorrente ao abrigo do disposto no RGIT, a sentença violou o princípio constitucional da aplicação da lei penal mais favorável, previsto no art°.29 nº4 da Constituição e o art°.79 do C. Penal;
9-) O art°.79 do C. Penal, deve ser interpretado no sentido de ao crime continuado que consistir na realização de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, ser aplicada a pena prevista no tipo de crime mais grave;
10-) A interpretação do art°.79 do C. Penal, feita na douta sentença, no sentido de, no caso de existir uma sucessão temporal de leis penais, aplicar ao crime continuado a pena mais grave, é inconstitucional por violação do art°.29 nº 4 da Constituição;
11-) A douta sentença ao considerar provados os factos nº 13, 15 e 19 incorreu em erro notório na apreciação da prova;
12-) Em audiência de discussão e julgamento não se produziu qualquer prova sobre estes factos, sendo que, os depoimentos prestados pelas testemunhas de acusação demonstram que não foi feita em concreto nenhuma averiguação sobre a falsidade das facturas em causa, tendo-se limitado a consultar as bases de dados existentes e as declarações do Recorrente;
13-) O Tribunal fundamentou a sentença em prova indiciária, tendo violado o disposto nos artigos 126°, 127° e 355° do C. Penal;
14-) A valorização da prova indiciária feita na sentença, baseada numa interpretação que se entende menos correcta dos artigos 126°, 127° e 355° do C. P. Penal, viola o princípio da presunção de inocência prevista no art°.32 nº 2 da Constituição;
15-) De acordo com os artigos 126, 127 e 355 do C. P. Penal e 32° nº2 da Constituição não se tendo produzido em audiência nenhuma prova sobre os factos provados nº l3, 15 e 19 deveriam estes ter sido dadas como não provadas;
16-) Deve assim, ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, fazendo-se dessa forma a habitual e costumada”

O recurso foi admitido.
O MºPº apresentou resposta sempre pugnando pela respectiva improcedência e consequente confirmação da decisão recorrida.
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Nesta Relação, o Exmº Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso no seguinte teor:
“Parecer:
Damos por integralmente aqui reproduzido o parecer formulado a fls. 939 a 944, excepto na parte referente à solução da contradição verificada no primeiro acórdão proferido na 1 a instância, pois essa contradição foi expurgada no acórdão, ora em recurso, em obediência ao acórdão proferido pela Relação, a que acima fizemos referência.
Acrescentamos, em consonância com esse parecer:
Como se verifica pelas conclusões da motivação, que definem o objecto e o âmbito do recurso, o recorrente não impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do art. 412 nº 3 e 4 do C.P.P., pois apenas alega, quanto à matéria de facto, que a decisão recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova, o referido no art. 410 n° 2 al. c) do C.P.P. e parte da alegada existência desse vício, consubstanciado na alegada errada apreciação de depoimentos de testemunhas de acusação, que especifica, para defender que os factos 13, 15 e 19 dados como provados deveriam ser dados como não provados (conclusões 11, 12 e 15).
Porém, face aos factos provados e não provados e à motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto, é impossível descortinar a existência daquele vício no texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso a elementos externos à decisão, pois no texto - e o aludido vício tem de resultar do texto por si só ou conjugado com as regras da experiência, como é imposto no nº 2 daquele art. 410 - não se detecta qualquer erro, muito menos qualquer erro ostensivo que o observador médio notaria pela simples leitura, tal a evidência do erro, já que não foi dado por provado qualquer facto de verificação impossível ou ilógico e ou contrário às regras da experiência ou da ciência ou contrário a qualquer documento com força probatória plena, ou por provada conclusão impossível ou ilógica ou contrária às ditas regras, leis ou documentos. O que ressalta da motivação da decisão de facto é que o tribunal apreciou a prova produzida e examinada em audiência com base em critérios objectivos e lógicos e de acordo com as regras da experiência, isto é, com respeito pelo critério estabelecido no art. 127 do C.P.P.. Mas o que ressalta da motivação de recurso, é que o recorrente confunde o conceito e conteúdo daquele vício com diferente, relativamente á do tribunal, análise e valoração da prova feita por ele arguido.
Portanto, não há fundamento legal para alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto e a factualidade ali descrita tem de se considerar como definitivamente assente.
Atenta a factualidade dada por provada e definitivamente assente, é manifesto que a qualificação jurídico-penal da mesma feita no acórdão recorrido é a correcta, pelos fundamentos legais invocados pelo Tribunal Colectivo.
Partindo-se do princípio e pelas razões invocadas no acórdão recorrido de que o crime de fraude fiscal foi praticado sob a forma continuada, - forma que o recorrente não impugna - é óbvio que a conduta do recorrente é punível com prisão de 1 a 5 anos nos termos do art. 23 nº 1, 2, 3 e 4 do RJIFNA, na redacção do DL nº 394/93 ou nos termos do art. 103 e 104 n" 1 e 2 do RGIT, como é demonstrado na decisão recorrida, atenta a data do último facto ilícito praticado pelo arguido na continuação criminosa. Se fosse considerado que não existia a dita continuação criminosa, então o recorrente teria que ser condenado, relativamente a alguns crimes, ao abrigo do art. 23 do RJIFNA com a redacção anterior à introduzida por aquele DL, e, relativamente a outros, com base na redacção dada por este. Como o recorrente não impugna a continuação criminosa... (porque o favorece) a qualificação feita é a correcta e a conduta daquela é punível com prisão de 1 a 5 anos.
Sendo o crime continuado punível em tal moldura, dado que ocorreu sucessão de regimes penais diferentes (RJIFNA e RGIT ),teria de ser determinado, nos termos do art. 2 n° 4 do C.P. o regime concretamente mais favorável ao arguido na sua globalidade. O tribunal entendeu, pelas razões invocadas no acórdão recorrido, que o regime mais favorável era o do RGIT e nessa parte a decisão não merece censura em termos teóricos.
Face àquela moldura penal do crime julgado como cometido pelo recorrente e tendo em conta que foi considerado o regime estabelecido no RGIT o concretamente mais favorável ao arguido, no seu conjunto, o prazo de prescrição do procedimento, por força do art. 21 n° 2 daquele diploma e do art. 118 nº 1 al. b) do C.P., é de 10 anos. Pelo que, tendo ocorrido causas de interrupção e de suspensão, o termo desse prazo ainda não teve lugar. De qualquer, pelas razões invocadas no acórdão recorrido relativas a essa questão, a prescrição do procedimento ainda não teve lugar.
No que concerne às alegadas nulidades - do julgamento, da sentença-alteração substancial dos factos - é manifesto que não existem, como é defendido e se demonstra no anterior parecer a que atrás fizemos referência.
A alegação de inconstitucionalidades não é mais do que um aviso de que se pretende continuar a via recursiva - mesmo sem qualquer fundamento válido e mesmo sabendo que o Tribunal Constitucional não tomará conhecimento dos recursos eventualmente para ele interpostos, por a tribunal recorrido não ter feito qualquer interpretação e aplicação inconstitucional de normas inconstitucionais - até à prescrição do procedimento criminal.
Por tudo isto, entendemos que o recurso deve ser julgado improcedente, dado que não assiste razão ao recorrente nas questões postas na motivação e respectivas conclusões.”
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Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., não tendo havido qualquer resposta
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Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre decidir.
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II FUNDAMENTAÇÃO
No Acórdão foram dados como provados os seguintes factos:
“1.- A arguida «B………., Lda.», com o NIPC ……… e sede no ………., Freguesia de ………., Concelho de Baião, é uma sociedade por quotas constituída por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Baião em 19/08/1991, tendo por objecto social a execução e adjudicação de obras de construção civil e obras públicas sob a forma de empreitadas ou sub-empreitadas e a realização de empreitadas com empresas de construção de maior dimensão, limitando-se ao fornecimento de mão-de-obra especializada, estando vocacionada para construção de habitações, loteamentos, urbanizações e vias de acesso (cf.. escritura de fls. 108 e segs. do apenso de «averiguações»);
2.- Para o desenvolvimento da sua actividade esta sociedade arguida dispunha de duas carrinhas ligeiras de nove lugares e de pequenas ferramentas inerentes à actividade;
3.- Entre 1992 e 1995 a efectiva gerência da aludida «B………., Lda.» foi assegurada, designadamente, pelo arguido C……….;
4.- Por seu turno, a arguida «F………., Lda.», de que o arguido G………. era e é sócio-gerente, assegurou, pelo menos entre 1992 e 1995, inclusive, a contabilidade da arguida «B………., Lda.»;
5.- Para efeitos de tributação em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante, apenas IVA), a arguida «B………., Lda.» esteve enquadrada no regime normal com periodicidade trimestral, desde 02/09/1991 até 31/12/1994, tendo passado ao regime normal com periodicidade mensal a partir de 01/01/1995;
6.- Com vista ao cumprimento das suas obrigações em matéria de tributação do rendimento e de IVA, a arguida «B………., Lda.», por intermédio do seu sócio-gerente, o arguido C………., apresentou à Administração Fiscal as seguintes declarações, nas datas também seguintes (cf.. fls. 764 a 786 do apenso de «averiguações»):
Imposto Exercício Data de apresentação
Sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) 1992 28/05/1993
1993 03/06/1994
1994 01/06/1995
Sobre o Valor Acrescentado(IVA) 1.º trim. de 1992 19/05/1992
2.º trim. de 1992 17/08/1992
3.º trim. de 1992 16/11/1992
4.º trim. de 1992 15/02/1993
1.º trim. de 1993 17/05/1993
2.º trim. de 1993 16/08/1993
3.º trim. de 1993 16/11/1993
4.º trim. de 1993 14/02/1994
1.º trim. de 1994 13/05/1994
2.º trim. de 1994 18/08/1994
3.º trim. de 1994 15/11/1994
4.º trim. de 1994 15/02/1995
Janeiro de 1995 11/04/1995
Fevereiro de 1995 29/06/1995
Março de 1995 13/07/1995
Abril de 1995 26/07/1995
Maio de 1995 11/08/1995
Junho de 1995 06/09/1995
Julho de 1995 29/09/1995
7.- Nessas declarações fez a arguida «B………., Lda.» constar (e integrou na sua contabilidade) os valores constantes das seguintes facturas, correspondentes a serviços que alegadamente lhe teriam sido prestados por H………. (cf.. documentos juntos a fls. 162 e segs. do apenso de «averiguações»):
Factura n.º Data Valor sem IVA IVA liquidado
202 28/10/1994 2.750.000$ 440.000$
204 28/10/1994 2.050.000$ 328.000$
205 25/11/1994 2.100.000$ 336 000$
206 25/11/1994 1.650.000$ 264.000$
210 23/12/1994 1.250.000$ 200.000$
211 26/12/1994 1.520.000$ 243.200$
212 31/01/1995 1.375.000$ 233.750$
213 31/01/1995 1.240.000$ 210.000$
214 31/02/1995 1.645.000$ 279.650$
227 27/02/1995 4.000.000$ 680.000$
229 31/03/1995 5.410.565$ 919.796$
231 28/04/1995 5.722.876$ 972.889$
235 31/05/1995 3.850.400$ 454.568$
237 30/06/1995 2.600.000$ 442.000$
239 30/06/1995 5.600.000$ 952.000$
240 31/07/1995 2.650.000$ 450.000$
241 31/07/1995 1.960.000$ 333.200$
242 31/07/1995 4.035.000$ 685.950$
Total ― 51.408.841$ 8.425.003$
8.- Acontece, porém, que o aludido H………. não prestou quaisquer trabalhos à arguida «B………., Lda.», tanto mais que havia cessado fiscalmente a sua actividade em 30/09/1992, sendo certo que desde então não apresentou qualquer declaração para efeitos de tributação do rendimento ou de IVA (cf.. documento junto a fls. 154 e segs. do apenso de «averiguações»);
9.- Ainda com vista ao cumprimento das suas obrigações em matéria de tributação do rendimento e de IVA, a arguida «B………., Lda.», por intermédio do seu sócio-gerente, o arguido C………., incluiu nas suas declarações fiscais (e integrou na sua contabilidade) os valores constantes das seguintes facturas, correspondentes a serviços que alegadamente lhe teriam sido prestados por I………. (cf.. documentos juntos a fls. 193 e segs. do apenso de «averiguações»):
Factura n.º Data Valor sem IVA IVA liquidado
252 25/10/1992 4.499.997$ 719.999$
231 25/12/1992 2.050.000$ 328.000$00
57 30/06/1993 6.650.000$ 1.064.000$
275 31/03/1993 9.001.350$ 1.440.216$
631 25/09/1993 11.592.000$ 1.854.720$
243 31/01/1995 3.400.000$ 578.000$
205 29/04/1994 4.800.000$ 768.000$
207 31/05/1994 5.800.000$ 928.000$
209 30/06/1994 5.400.000$ 864.000$
226 30/07/1994 3.700.000$ 592.000$
231 30/07/1994 3.300.000$ 528.000$
233 31/08/1994 5.900.000$ 944.000$
235 30/09/1994 4.600.000$ 736.000$
236 30/09/1994 3.500.000$ 560.000$
237 31/10/1994 4.600.000$ 736.000$
238 30/11/1994 4.700.000$ 752 000$
239 31/12/1994 4.986.125$. 797.780$
567 30/02/1994 4.800.000$ 768.000$
569 28/02/1994 5.100.000$ 816.000$
571 31/03/1994 6.180.000$ 988.800$
Total ― 104.472.000$ 16.763.515$
10.- Acontece, porém, que o aludido I………. não prestou quaisquer trabalhos à arguida «B………., Lda.», tanto mais que aquele sempre esteve enquadrado, para efeitos de tributação em sede de IVA, no regime especial de isenção (cf.. documento junto a fls. 181 e segs. do apenso de «averiguações»);
11.- Ainda com vista ao cumprimento das suas obrigações em matéria de tributação do rendimento e de IVA, a arguida «B………., Lda.», por intermédio do seu sócio-gerente, o arguido C………., incluiu nas suas declarações fiscais (e integrou na sua contabilidade) os valores constantes das facturas seguintes, correspondentes a serviços que alegadamente lhe foram prestados por D………. (cf.. documentos juntos a fls. 217 e segs. do apenso de «averiguações»):
Factura n.º Data Valor sem IVA IVA liquidado
0001 05/04/1992 2.320.000$ 371.000$
0002 07/05/1992 2.300.000$ 368.000$
0003 08/06/1992 2.380.000$ 380.000$
0004 25/07/1992 2.706.250$ 433.000$
0005 27/08/1992 5.594.000$ 575.000$
0006 28/09/1992 419.250$ 67.080$
0007 28/09/1992 2.541.500$ 406.600$
Total ― 18.261.000$ 2.600.760$
12.- Ainda com vista ao cumprimento das suas obrigações em matéria de tributação do rendimento e de IVA, a arguida «B………., Lda.», por intermédio do seu sócio-gerente, o arguido C………., incluiu nas suas declarações fiscais (e integrou na sua contabilidade) os valores constantes das facturas seguintes, correspondentes a serviços que alegadamente lhe teriam sido prestados por J………. (cf.. documentos juntos a fls. 228-229 do apenso de «averiguações»):
Factura n.º Data Valor sem IVA IVA liquidado
041 30/09/1992 2.500.000$ 400.000$
042 30/10/1992 2.500.000$ 400.000$
Total ― 5.000.000$ 800.000$

13.- Acontece, porém, que o aludido J………. não prestou quaisquer trabalhos à arguida «B………., Lda.», tanto mais que nunca apresentou, perante a Administração Fiscal, qualquer declaração para efeitos de tributação do seu rendimento e de IVA (cf.. documento junto a fls. 224 e segs. do apenso de «averiguações»);
14.- Ainda com vista ao cumprimento das suas obrigações em matéria de tributação do rendimento e de IVA, a arguida «B………., Lda.», por intermédio do seu sócio-gerente, o arguido B………., incluiu nas suas declarações fiscais (e integrou na sua contabilidade) o valor constante da factura seguinte, correspondente a serviços que alegadamente lhe teriam sido prestados por K………. (cf.. documentos juntos a fls. 237 do apenso de «averiguações»):
Factura n.º Data Valor sem IVA IVA liquidado
176 27/11/1992 8.100.125$ 1.296.020$
Total ― 8.100.125$ 1.296.020$

15.- Acontece, porém, que o aludido K………. não prestou quaisquer trabalhos à arguida «B………., Lda.», tanto mais que nunca esteve registado em sede de tributação sobre o rendimento das pessoas singulares ou de IVA (cf.. documento junto a fls. 230 e segs. do apenso de «averiguações»);
16.Ainda com vista ao cumprimento das suas obrigações em matéria de tributação do rendimento e de IVA, a arguida «B………., Lda.», por intermédio do seu sócio-gerente, o arguido C………., incluiu nas suas declarações fiscais (e integrou na sua contabilidade) o valor constante da factura seguinte, correspondente a serviços que alegadamente lhe foram prestados por L………. (cf. documento junto a fls. 240 do apenso de «averiguações»):
Factura n.º Data Valor sem IVA IVA liquidado
009 22/01/1993 4.020.000$ 643.200$
Total ― 4.020.000$ 643.200$

17. Acontece, porém, que o aludido L………. não prestou quaisquer trabalhos à arguida «B………., Lda.». Pois, o número de identificação de contribuinte indicado na factura em apreço é inválido, nunca efectuou qualquer entrega de declarações para efeitos de tributação sobre o rendimento das pessoas singulares ou de IVA, não era titular de alvará válido, nem era conhecido na zona onde, segundo a factura, tinha a sua residência (cf. documentos juntos a fls. 238-239 do apenso de «averiguações» e os documentos respeitantes à tentativa de notificação que lhe foi feita, fls. 275);
18.- Ainda com vista ao cumprimento das suas obrigações em matéria de tributação do rendimento e de IVA, a arguida «B………., Lda.», por intermédio do seu sócio-gerente, o arguido C………., incluiu nas suas declarações fiscais (e integrou na sua contabilidade) o valor constante da factura seguinte, correspondente a serviços que alegadamente lhe teriam sido prestados por M………. (cf.. documento juntos a fls. 244 do apenso de «averiguações»):
Factura n.º Data Valor sem IVA IVA liquidado
010 31/12/1993 10.000.000$ 1.600.000$
Total ― 10.000.000$ 1.600.000$

19.- Acontece, porém, que o aludido M………. não prestou quaisquer trabalhos à arguida «B………., Lda.», tanto mais que nunca efectuou qualquer entrega de declarações para efeitos de tributação sobre o rendimento das pessoas singulares ou de IVA (cf.. documento junto a fls. 230 e segs. do apenso de «averiguações»);
20.- Ainda com vista ao cumprimento das suas obrigações em matéria de tributação do rendimento e de IVA, a arguida «B………., Lda.», por intermédio do seu sócio-gerente, o arguido C………., incluiu nas suas declarações fiscais (e integrou na sua contabilidade) os valores constantes da seguinte factura, correspondentes a serviços que alegadamente lhe foram prestados por E………. (cf.. documento junto a fls. 245 do apenso de «averiguações»):
Factura n.º Data Valor sem IVA IVA liquidado
110 15/09/1992 3.820.000$ 611.200$
Total ― 3.820.000$ 611.200$
21.- Os documentos contabilísticos aludidos nos números anteriores serviram de suporte às declarações apresentadas pela arguida «B………., Lda.», por intermédio e na sequência de renovados desígnios por parte do seu sócio-gerente, o arguido C………., para cumprimento das obrigações fiscais que sobre aquela sociedade recaíam em sede de tributação do seu rendimento e de IVA;
22.- O arguido C………. obteve as facturas atribuídas aos aludidos H………., I………., J………., K………., M………. e L………. em circunstâncias não concretamente apuradas e fê-las incluir na contabilidade da arguida «B………., Lda.» não obstante bem saber que as mesmas não espelhavam quaisquer serviços prestados por aqueles indivíduos a esta sociedade;
23.- O arguido C………. agiu nos moldes indicados com vista a reduzir o montante dos lucros da arguida «B………., Lda.» sujeitos a imposto sobre o rendimento, assim evitando que o Estado cobrasse a totalidade dos montantes a que, desses mesmos lucros, tinha direito;
24.- Agiu, para além disso, com intenção de aumentar ficticiamente o montante do IVA que à arguida «B………., Lda.» era lícito deduzir em cada declaração periódica que apresentou, reduzindo, por esta via, os montantes do citado imposto a entregar ao Estado;
25.- Logrou, desse modo, convencer a Administração Fiscal da autenticidade das declarações prestadas e respectiva documentação subjacente, com o que causou prejuízo ao Estado, no montante dos impostos que não lhe foram entregues e lhe eram devidos, e de que assim se locupletou;
26.- O arguido C………. (e por seu intermédio a arguida «B………., Lda.») agiu livre, deliberada e lucidamente, não ignorando que os factos que praticou eram proibidos por lei;
27.- A arguida «B………., Lda.» foi, ainda no ano de 1995, objecto de uma fiscalização por parte da Direcção Distrital de Finanças do Porto, na sequência do que os seus lucros tributáveis correspondentes aos anos de 1992 a 1994 foram corrigidos, também mercê da conclusão de que as facturas anteriormente citadas não correspondiam a efectivos custos, para € 191.163,87, € 207.652,34 e € 397.453,58, respectivamente;
28.- Em 04/08/1997 a arguida «B………., Lda.» apresentou reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de IRC relativas aos anos de 1992 a 1994, a que se alude no número anterior;
29.- Tal reclamação foi julgada improcedente, na sequência de recurso hierárquico oportunamente interposto do acto administrativo que a indeferiu, por decisão notificada à arguida em 31/12/1999;
30.- Na sequência da fiscalização atrás aludida, e por idênticos motivos aos já referidos, também os montantes devidos a título de IVA por parte da arguida «B………., Lda.» e relativos aos anos de 1992, 1993, 1994 e 1995, foram objecto de correcção, passando a ser, respectivamente, de € 31.704,49, € 32.931,32, € 62.546,40 e € 35.876,55;
31.- Em 16/08/1996 a arguida «B………., Lda.» impugnou judicialmente as liquidações adicionais de IVA relativas aos anos de 1992 a 1995, a que se alude no número anterior;
32.- Tal impugnação foi julgada improcedente por decisão transitada em julgado em 17/12/2001;
33.- O arguido C………. é casado, trabalhando como empreiteiro da construção civil, actividade profissional pela qual aufere, mensalmente, um salário não concretamente apurado;
34.- A sua esposa é doméstica;
35.- Tem dois filhos, ambos maiores, um dos quais ainda a seu cargo;
36.- Reside em casa própria;
37.- Tem, como habilitações literárias, o 4.º ano de escolaridade;
38.- O arguido D………. é casado, trabalhando como empreiteiro da construção civil, actividade profissional pela qual aufere, mensalmente, um salário não concretamente apurado;
39.- A sua esposa é doméstica;
40.- Reside em casa arrendada, por cuja ocupação despende, mensalmente, uma quantia não inferior a € 250;
41.- Tem, como habilitações literárias, o 9.º ano de escolaridade;
42.- O arguido G………. é casado, trabalhando como fiscal municipal, actividade profissional pela qual aufere, mensalmente, um salário não inferior a € 750;
43.- A sua esposa é empregada de escritório, actividade profissional pela qual aufere, mensalmente, um salário não concretamente apurado;
44.- Tem um filho, menor, a seu cargo;
45.- Reside em casa própria;
46.- Tem, como habilitações literárias, o 11.º ano de escolaridade;
47.- Os arguidos não têm antecedentes criminais.”

Foram considerados como não provados os seguintes factos:
“i). Que os arguidos D………. e E………., não prestaram, à arguida «B………., Lda.», os serviços a que se referem as facturas identificadas na matéria de facto dada por assente e que lhes são atribuídas;
ii).Que o arguido D………. colaborou na emissão das facturas com o seu nome, entregando-as directamente ao arguido G………., bem como cedeu os seus livros de facturas aos arguidos C………. e G………., para que estes os utilizassem;
iii).Que a arguida «F………., Lda.», representada pelo arguido G………., colaborou na obtenção e emissão das facturas em causa nestes autos;
iv).Que todos os arguidos actuaram em conjugação de intentos e esforços, na execução conjunta de um plano entre eles urdido;
v).Que a arguida «B………., Lda.» actuava predominantemente como prestadora de serviços de mão-de-obra pelo que a sua actuação durante o período aqui em causa consistiu na intermediação na contratação de trabalhadores para prestarem serviços nas obras de diversos empreiteiros, tendo sido apenas no exercício dessa actividade que a arguida prestou os serviços registados na sua contabilidade e declarados ao fisco;
vi).Que na zona de Baião, como na quase totalidade da zona Norte do país, é extremamente difícil, senão impossível, documentar os custos com mão-de-obra, quer por os funcionários muitas das vezes não querem que o total dos seus ordenados seja declarado, quer porque outras vezes preferem mesmo andar completamente ilegais;
vii).Que por vezes também se recorre a subempreiteiros de mão-de-obra, em particular empresários em nome individual, que não cumprem as pertinentes disposições legais no que respeita às obrigações atinentes ao fisco e à segurança social;
viii).Que, em consequência, as facturas aqui em questão serviram para documentar estes custos, pois que não é possível que uma empresa como a arguida «B………., Lda.» produza impostos dos montantes astronómicos que o Fisco lhe impôs.”
A motivação da decisão foi explicada como segue:
“Reproduz-se integralmente a motivação da decisão de facto constante do Acórdão deste Tribunal de 17.07.2006, com excepção do que diz respeito à Motivação da decisão dos factos do arguido C………. na sua relação com L………. e que se reduzem aos factos dos artigos 17º e 22º dos factos provados e alínea i) dos factos não provados.
“«Exposta a matéria que o Tribunal entende ter resultado provada em sede de audiência de discussão e julgamento, importa agora descrever, ainda que sucintamente, o percurso lógico seguido na formação da sua convicção.
No tocante à matéria respeitante aos arguidos D………., E………., «F………., Lda.» e G………. – pelos quais se começa dada a simplicidade da fundamentação da convicção formada a esse respeito – entendeu o Tribunal que, em audiência, nenhuma prova foi produzida que, com a segurança indispensável à prolação de um juízo de censura juscriminal, pudesse fundar uma decisão condenatória dos mesmos.
É certo que, no processo, existem alguns elementos que apontam para conclusão diversa. Assim, e antes de mais, existem declarações de alguns dos arguidos que permitem concluir que praticaram eles, efectivamente, os factos de que se encontram acusados, mas tais declarações, como se sabe, não podem valer, em sede de audiência, onde vigora um irrestrito (e, bem vistas as coisas, pouco realista) direito ao silêncio, como prova bastante para justificar uma condenação; por outro lado, existem igualmente no processo informações fiscais, resultado do labor dos serviços de inspecção tributária que, apontando claramente para a existência de irregularidades graves na emissão de algumas das facturas aqui em questão, no entanto também são insuficientes (ou não podem mesmo ser utilizadas) para fundar a condenação dos arguidos em apreço no final do julgamento; e finalmente, existe um relatório pericial que permite claramente intuir uma participação mais profunda da «F………., Lda.» (e do seu principal sócio-gerente, que até exerce funções, imagine-se, como fiscal municipal!) em toda a trama que se procurou deslindar neste processo, mas também ele é insuficiente por si só, no entender do Tribunal, para que se possa considerar que praticou tal sociedade (e o seu principal responsável) os factos que aqui lhe são imputados.
Sendo assim, pois, outra alternativa não restou que não fosse a de dar como não assentes os factos dos quais se poderia deduzir a prática, pelos arguidos já aludidos, dos crimes fiscais de que se encontram aqui acusados.
*
Conclusão diversa, no entanto, vale no tocante aos arguidos «B………., Lda.» e C………. .
A este propósito importa esclarecer que o Tribunal teve sempre presente que, tal como preceitua o artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, «[t]odo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (…)», e que deste princípio da presunção de inocência decorre, como salienta JOSÉ M. ZUGALDÍA ESPINAR, que «partindo ele da ideia que o acusado é, em princípio, inocente (…), a sentença condenatória contra o mesmo só pode pronunciar-se se da audiência de julgamento resultar a existência de prova que racionalmente possa considerar-se suficiente para desvirtuar tal ponto de partida» (JOSÉ M. ZUGALDÍA ESPINAR (dir.)/ESTEBAN J. PÉREZ ALONSO (coord.), Derecho Penal. Parte General, 2002, pág. 231).
Ora, e se bem vemos, tal só sucederá quando, por um lado, a prova produzida em audiência permita logicamente (no sentido de plausivelmente, coerentemente, racionalmente, etc.) afirmar a presença, no caso concreto, de todos os elementos (objectivos e subjectivos) do crime trazido a Juízo, e, por outro lado, conduza, nos mesmos moldes, à conclusão de que foi o arguido o responsável pela sua ocorrência (assim, MERCEDES FERNÁNDEZ LÓPEZ, Prueba y presunción de inocencia, 2005, pág. 143 e nota 89). No fundo, do que se trata é de que só pode condenar-se alguém se for possível imputar-lhe a realização de todos os pressupostos e condições legais exigidos para o efeito, devendo ditar-se uma absolvição se se provarem factos que neguem a possibilidade dessa imputação, ou se aqueles pressupostos e condições se não verificarem no caso concreto (em sentido convergente, vd. NEVIO SCAPINI, La prova per indizi nel vigente sistema del processo penale, 2001, pág. 2
Mas daqui não resulta, no entanto, que a única prova que permite lograr tal resultado seja a prova directa dos factos sujeitos a comprovação judicial na audiência, ou seja, aquela prova que incide directa ou imediatamente sobre os factos que integram o thema probandum do processo. Como explica NEVIO SCAPINI (cit., pág. 6), por vezes «falta a prova directa do facto, das circunstâncias em que ele ocorreu ou da sua atribuição ao arguido» (aliás, o normal até será que isso assim suceda), razão pela qual «se deve, nestes casos, recorrer – para evitar que boa parte dos delitos permaneça impune – a outros instrumentos de conhecimento e de representação judicial do facto que, ainda que não representando a realidade histórica fixada no thema probandum, podem ser-lhe reconduzidos através de uma inferência probabilística. Trata-se das circunstâncias indiciantes (ou, mais simplesmente, indícios), ou seja, daquelas entidades que têm eficácia de representação indirecta no sentido de que o procedimento de demonstração será (…) o resultado de uma indução, diversamente da prova directa, em que o procedimento se funda na dedução» (id., ib.).
A alusão a indícios deve aqui entender-se, no entanto, de forma rigorosa. No sentido em que aqui a tomamos, a categoria dos indícios compreende toda e qualquer «circunstância certa a partir da qual, por indução lógica, se pode alcançar uma conclusão acerca da existência de um facto a provar» no processo (Nevio Scapini, ob. cit., pág. 7). O indício «não é equivalente a presunção, constituindo antes (…) o facto base da presunção. É o ponto de partida que dá apoio à presunção, ou seja, o seu elemento estático, face ao elemento dinâmico – consistente na relação entre o facto demonstrado e aquele que se pretende demonstrar» (MIRANDA ESTRAMPES, La mínima actividad probatoria en el processo penal, 1997, pág. 227)
É claro que não será necessário referir aqui os perigos de uma confiança excessiva nas virtualidades da prova indiciária (ainda quando seja evidente que também a prova directa encerra riscos consideráveis, não obstante ser ordinariamente considerada como preferível: veja-se, a propósito, as considerações de MIRANDA ESTRAMPES, cit., pág. 224-225), que, precisamente porque indirecta, pode, eventualmente com mais facilidade, levar a conclusões erróneas. Por isso, é usual referir-se que os indícios só poderão atender-se, no processo penal, se forem «precisos, graves e concordantes».
Isso mesmo, na nossa jurisprudência, o que se lê no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 01/03/2005 (que pode ser consultado na base de dados de decisões deste Tribunal mantida pelo Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça na World Wide Web no endereço www.dgsi.pt, sob o número de processo 1481/04-1): «[p]ara que os indícios sejam suficientes, ou seja, para que os indícios tenham um valor probatório que possa conduzir, através do esquema subsuntivo, à aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança, é necessário que sejam precisos, graves e concordantes». De acordo com a mesma decisão, existirá «precisão do indício quando o facto conhecido é indiscutível, certo na sua objectividade, não sendo logicamente dedutível um facto desconhecido de um outro facto que, por sua vez, é, ele próprio, hipotético»; a gravidade do indício «reside na circunstância de o facto conhecido ter uma relevante proximidade lógica com o facto desconhecido (…)»; os indícios são concordantes «quando, confrontados uns com os outros, precisos na sua essência e logicamente próximos do facto desconhecido, se movem na mesma direcção ou são. logicamente, do mesmo sinal».
Ainda de acordo com a decisão citada, «[e]nquanto a precisão e a gravidade se verificam, em princípio, pelo exame individualizado de cada indício, a concordância valora-se pelo confronto dos indícios, colocando em evidência as convergências e divergências destes no plano lógico». E naturalmente, «[q]uanto mais graves, precisos e concordantes, forem os indícios, mais fácil é o juízo de probabilidade ou mais evidente é a suficiência dos mesmos» (sobre tudo isto, vd., ainda, NEVIO SCAPINI, cit., págs. 130 e segs.; MIRANDA ESTRAMPES, ob. cit., págs. 231 e segs.).
Tudo o que vem de escrever-se adquire, aliás, particular significado no domínio específico da fraude fiscal, como assinala ALFREDO JOSÉ DE SOUSA (Infracções fiscais (não aduaneiras), 3.ª ed., 1995, anotação 26 ao artigo 23.º do RJIFNA, pág. 105-106).
Ora, no caso dos autos é opinião do Tribunal que existem claramente indícios «precisos, graves e concordantes» de que os arguidos «B………., Lda.» e C………. cometeram os factos que aqui lhe são imputados e que atrás se transcreveram.
Antes de mais, do teor das declarações que a arguida «B………., Lda.» entregou às autoridades fiscais para efeitos de tributação do seu rendimento e, bem assim, do valor acrescentado gerado pela sua actividade, e em face do resultado da fiscalização a que tal sociedade comercial foi oportunamente sujeita, resulta claramente que os valores inscritos naquelas declarações incluíram todos os montantes titulados pelas facturas que atrás se elencaram, entre outros naturalmente. Tal, portanto, foi objecto de prova (documental e testemunhal) directa, e nos autos encontram-se as cópias das facturas em questão (e as pertinentes análises das mesmas), que no decurso da referida fiscalização foram extraídas dos respectivos originais.
Por outro lado, também não restam dúvidas que, como o referiram os funcionários da Administração Fiscal que foram ouvidos em audiência (e logo decorre igualmente da demais prova documental existente nos autos, designadamente as escrituras de constituição de sociedade e de alteração do respectivo pacto social quanto à titularidade das suas quotas), sempre o arguido C………. se apresentou como o responsável único da gestão da sociedade «B………., Lda.» e, portanto, como o responsável por todas as declarações por esta apresentados à Fazenda Nacional. Aqueles funcionários não conheceram, de facto, mais ninguém com quem dialogar ou a quem questionar sobre a situação da «B………., Lda.», nem, do ponto de vista formal, atendendo ao teor das escrituras já mencionadas, o Tribunal logrou identificar qualquer outra pessoa a quem a gestão da sociedade arguida em referência pudesse ser atribuída.
No tocante à restante matéria dada como assente, contudo, pouca prova directa, no sentido já referido, foi produzida, o que obrigou o Tribunal a um exercício de concatenação dos indícios existentes e disponíveis, à luz das regras da experiência comum que importa, agora, expor.
Assim, no tocante às facturas correspondentes a serviços que alegadamente teriam sido prestados à «B………., Lda.» por H………. (documentos juntos a fls. 162 e segs. do apenso de «averiguações») e por I………. (documentos juntos a fls. 193 e segs. do apenso de «averiguações»), que o Tribunal logrou encontrar e ouvir em audiência, não há dúvidas que estes, como asseveraram em termos que não mereceram quaisquer reservas, não os prestaram nunca.
Mas, objectar-se-á, tal não chega para que se possa dar aqui como assente que nenhuns dos trabalhos referidos nessas facturas foram efectivamente prestados, já que a «B………., Lda., na pessoa do seu sócio-gerente, poderia ter sido “enganada” por outras pessoas sem escrúpulos que se fizessem passar tanto pelo H………. como pelo I………. .
Em nossa opinião, no entanto, há indícios «precisos, graves e concordantes» de que assim foi. Desde logo, não se vê que interesse poderia ter alguém que desenvolve uma actividade com o volume daquele que aqui está em causa em utilizar a identidade de outra pessoa, lançando mão do seu número de contribuinte e demais elementos de identificação fiscal e/ou social, nem sequer para fugir às suas eventuais obrigações fiscais. É que o volume de serviços aqui envolvido, pelo seu valor, pressupõe um mínimo de organização empresarial que, necessariamente, não deixaria de atrair a atenção das autoridades fiscais, independentemente do nome que fosse utilizado na organização da respectiva contabilidade, assim acabando por conduzir à identificação do real prestador dos serviços e à sua responsabilização pelo pagamento dos tributos devidos pela actividade por si desenvolvida. O cuidado posto na reprodução de documentos de outras pessoas só fará sentido se quem o faz não tem, de seu, nada, e daí a necessidade de recorrer à ilusão de que é outra pessoa – essa sim, legitimamente integrada no mercado empresarial – quem emite tais documentos e presta os serviços implicados.
Para além disso, e quanto ao mencionado H………., por exemplo, basta atentar no teor das facturas que lhe são atribuídas (onde vagamente se alude a “obras em diversos trabalhos”, se identificam locais de obra em “Porto e arredores” ou “Porto-Aveiro e Gaia”, indicações que se repetem em várias facturas, emitidas em anos e/ou meses distintos, suscitando a dúvida de saber afinal quantas vezes se realizaram trabalhos nos mesmos locais), aos seus valores (a indiciar uma capacidade de trabalho pouco usual em pequenos industriais da construção civil do interior e, de qualquer modo, pouco condicentes com a numeração das facturas, que é praticamente seguida) e às datas da sua respectiva emissão (até por confronto com os seus respectivos números de ordem), que são muito próximas, para concluir que a emissão das mesmas não poderia corresponder, de facto, à prestação de serviços efectivos. Tudo inculca, pelo contrário, a ideia de que as facturas em questão foram emitidas de acordo com os interesses contabilísticos da «B………., Lda.», e não ao ritmo da efectiva realização de quaisquer trabalhos de que esta tenha sido beneficiária.
Acresce que o aludido H………. cessou fiscalmente a sua actividade em 30/09/1992, sendo certo que desde então não exerceu (a título individual) qualquer actividade na área da construção civil, nem apresentou qualquer declaração para efeitos de tributação do rendimento ou de IVA. Num meio tão pequeno como é Mesão Frio e Baião, onde os industriais da construção civil decerto que, mais não seja de vista, se conhecem e têm uma noção da actividade desenvolvida por cada um, imaginar que o arguido C………. poderia eventualmente ser enganado por alguém que se fizesse passar pelo mencionado H………. e entregar a uma pessoa nessas condições as verbas que se encontram inscritas nas facturas que a este são atribuídas é inverosímil e, por isso, não pode ser aqui aceite.
Idêntico raciocínio vale, por outro lado, mutatis mutandis, para o aludido I………., a que acresce o facto de que o arguido C………. não poderia deixar de notar que as assinaturas «I……….» que constam nas facturas que são atribuídas a esta personagem uma vezes parecem pertencer – como em audiência foi sugestivamente sugerido pelo Ministério Público – a um «cavador» e outras a um «doutor», pois que correspondem a caligrafias que se esperariam ou de uma pessoa de fraca instrução ou, então, de instrução de nível mais elevado (sabido como é que a escrita resulta de «uma condensação de gestos físicos voluntários que através de um processo semi-inconsciente de aprendizagem se interioriza, se vai automatizando e personalizando devido a uma série de condicionamentos biológicos e à soma de experiências sócio-culturais, convertendo-se numa manifestação motriz da psique e da personalidade», como escrevem FRANCISCO VIÑALS/MARIA LUZ PUENTE, Pericia caligráfica judicial, 2001, pág. 21), para além de que o modelo gráfico das próprias factura também varia em conformidade, sugerindo a ideia de que a emissão das mesmas foi feita por pessoas distintas, mais uma vez de acordo com os interesses e /ou necessidades contabilísticas da arguida «B………., Lda.».
Acresce a tudo isto que as caligrafias utilizadas para preencher as facturas atribuídas ao dito I………. são idênticas às utilizadas para preencher as facturas atribuídas ao aludido H………. . Dir-se-á que se trata da afirmação de uma similitude que se baseia na mera análise visual das facturas em causa, que nenhum exame pericial comprova. No entanto, as semelhanças são evidentes a olho nu e são, por isso, tão gritantes que não carecem de qualquer prova pericial para serem afirmadas. A título de exemplo do que dizemos, concentremo-nos numa única palavra, que é repetida à exaustão: na factura n.º 237 atribuída a H………. e na factura n.º 571 atribuída a I………., a mesma palavra, “cofragem”, foi seguramente escrita com a mesma caligrafia (e isto quando tal expressão não foi mal grafada («confragem»), de forma consistente, também indiciando uma idêntica formação do autor do texto, que se compreende bem na base de uma identidade de responsáveis pela “emissão” dos documentos contabilísticos em causa), para já não falar do aspecto geral das demais palavras inseridas em tais documentos.
Finalmente, o texto utilizado no preenchimento das facturas atribuídas a H………. e a I………. é, na generalidade dos casos, exactamente o mesmo (atente-se, por exemplo, na fórmula, que se diria sacramental, “serviços prestados em diversas obras vossas, em vários trabalhos”), o que mal se compreende se fossem da autoria de personagens diversas, com estilos diferentes e contextos culturais diversos também. A semelhança da caligrafia é assim acompanhada de uma semelhança de conteúdo que seguramente se deve a mais do que uma mera coincidência.
Já no tocante ao mencionado J………. (documentos juntos a fls. 228-229 do apenso de «averiguações») a inverosimilhança (e, portanto, os indícios existentes de que nenhuns serviços prestou ele à arguida “B………., Lda.») decorre ainda de outra ordem de considerações: por um lado, o mencionado J………. nunca apresentou, perante a Administração Fiscal, qualquer declaração para efeitos de tributação do seu rendimento e de IVA, o que torna pouco credível que pudesse ele exercer uma actividade compatível com o volume de serviço que alegadamente facturou à arguida «B………., Lda.»; por outro lado, e embora, naturalmente, nada impedisse que esta sociedade recorresse a qualquer empresário da construção civil para lhe prestar serviços, não deixa de ser estranho que, do nada, surja um industrial de ………., Vila Nova de Mil Fontes, a um número significativo de quilómetros de distância, a prestar serviços, exclusivamente por dois meses, àquela arguida, sem que se vislumbre qualquer elemento de conexão que permita compreender como é que ambos entraram em contacto e negociaram o contrato a que respeitam as facturas em apreço, quando os serviços de “confragem” (sic) em questão poderiam, com facilidade, ser prestados por muitos outros industriais da zona, designadamente o já aludido H………., se fosse, de facto, verdade que eles os havia já prestado à «B………., Lda.».
Igual argumentação vale para o atrás identificado K………., empresário do Funchal (ou seja, residente na Região Autónoma da Madeira), que nunca esteve registado em sede de tributação sobre o rendimento das pessoas singulares ou de IVA, mas que se deslocou ao continente – não se sabe bem onde – para assentar 4 165,5 m2 de tijolo, realizar “confragem (sic) em lage” numa área de 1 240 m2 e rebocar 3 846,5 m2 de paredes, tudo no valor de Esc. 9.396.145$00 (IVA incluído), e que emitiu uma factura e um recibo com caligrafias e – sobretudo – assinaturas completamente diferentes, tudo sem que o arguido C………., aparentemente, se tivesse apercebido, em algum momento, de que os documentos em questão não poderiam corresponder à pessoa a que alegadamente pertenceriam. E vale, ainda, e igualmente, para o mencionado M………., com sede em Lisboa (e que curiosamente apresenta uma caligrafia similar à já vista em outras facturas, com a qual dá notícia de ter prestado serviços de “cimenteiro, pedreiro e outros referente ao mês de Outubro, Novembro e Dezembro de 1993”, mas que nunca efectuou qualquer entrega de declarações para efeitos de tributação sobre o rendimento das pessoas singulares ou de IVA), que tudo igualmente indicia não terem capacidade para prestar serviços da dimensão daqueles que supostamente deram origem aos trabalhos constantes das facturas certificadas a fls. 240 e 244 do processo de «averiguações».
A experiência ensina que, mesmo num país como o nosso, onde a economia paralela floresce imparável há vários anos e o recurso a expedientes fáceis para angariar dinheiro é uma constante – ainda mais em 1992, numa altura em que, após uma grande reforma, a Administração Fiscal estava ainda a aprender, de novo, a andar, se nos é permitida a analogia – existe, no entanto, um mínimo de empenho em assegurar que a documentação dos fluxos financeiros das empresas respeite (mais que não seja formalmente) as normas aplicáveis em matéria fiscal, até porque normalmente a tanto obrigam os contabilistas a quem cabe observar tais regras na escrituração da contabilidade das sociedades comerciais.
A ideia de que o arguido C………. (e por seu intermédio a sociedade «B………., Lda.») poderia recorrer a empresas e empresários sem qualquer actividade empresarial estruturada (como indicia a sua respectiva falta de «visibilidade» fiscal), com números de contribuinte inválidos, em alguns casos sem alvarás de obras públicas válidos, como se viu, com sedes geograficamente duvidosas ou muito distantes do que seria a normal área de influência da arguida «B………., Lda.», é não só inverosímil como impensável. Neste quadro de irresponsabilidade (e ilegalidade) fiscal (e atendendo ao tudo o mais que se referiu já), nenhum cidadão honesto poderia deixar de desconfiar da irregularidade das facturas atrás aludidas e que, pelas razões apontadas, se entende que não correspondem, de facto, à prestação efectiva de quaisquer serviços.
A tudo isto acresce naturalmente a ausência de qualquer explicação, por parte do arguido C………., para as irregularidades, incongruências e faltas apontadas. Se é seu direito o manter-se em silêncio em audiência, tal não pode significar que ao Tribunal competirá, em consequência, imaginar todas as hipóteses explicativas possíveis para os factos aludidos e/ou produzir toda a prova relativa a essas diversas hipóteses. Designadamente, e por isso aqui se suscita esta questão, no tocante às razões que levaram o arguido em apreço a agir como agiu, o que implicou, inevitavelmente, que a matéria alegada na contestação (e onde o arguido até reconhece, implicitamente, ter praticado os factos aqui em questão) não pudesse ser dada como assente, por total falta de produção de prova sobre a factualidade nela alegada.
Também por isto os resultados da perícia efectuada a pedido do arguido C………. foram totalmente desconsiderados, já que a mesma só poderia relevar a partir do momento em que este arguido reconhecesse a prática dos factos que lhe são atribuídos. Não o tendo feito, é de todo inócuo, para o resultado destes autos, quaisquer ilações que pudessem ser retiradas de uma análise mais cuidada da estrutura de custos da «B………., Lda.».
Escusado será dizê-lo, a convicção do Tribunal fundou-se numa análise muito mais exaustiva da documentação existente nos autos do que aquele a que se procedeu atrás. É na constante repetição de conteúdos e similitude de caligrafias que se pôde observar em todas as facturas aqui em questão, no carácter vago da generalidade de tais documentos (que se crê propositado), nos valores envolvidos – que necessariamente exigiria uma mais cuidada gestão dos contratos de que supostamente emergem – que é possível concluir, como se concluiu, que as facturas já referidas não correspondem, na prática, à prestação de quaisquer serviços como aqueles que nas mesmas se aludem.
Ao que há que acrescentar, por último, que o resultado a que se chegou é confortado com a circunstância de que, como salientaram os técnicos tributários ouvidos em audiência, a maior parte dos nomes aludidos já haviam sido identificados pelas autoridades fiscais, em 1995, como correspondendo a empresários que emitiriam “facturas falsas”, ou seja, como foi explicado, a empresários que emitiam facturas em quantidades significativas, por valores também não despiciendos, mas que não possuíam qualquer um comportamento fiscal, ou uma estrutura produtiva, condicente com tal facturação. A circunstância de os aludidos técnicos tributários não terem confirmado, directamente, pelos seus próprios meios, tais informações – resultado de cruzamento de dados ao nível da Administração Fiscal e decorrentes, consequentemente, de uma actividade de fiscalização que decorre a nível nacional – não infirma o seu respectivo valor indiciário. O que não comprova é que, no caso concreto, também as facturas aqui em causa e atrás já aludidas, também corresponderiam a documentos simulados, sem fundamento na realidade. A essa conclusão, por isso, teve o Tribunal de chegar, como se referiu, por outros meios (leia-se, por outros indícios), nos termos já expostos.
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Alfim, quanto à matéria de facto relativa à situação económica, social e familiar dos arguidos (pessoas singulares) o Tribunal fundou a sua convicção nas declarações por eles prestadas a esse respeito em audiência, por mais nenhuma prova ter, a esse propósito, sido produzida.»
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Assim, a convicção do tribunal relativamente à prova do artigo 17º, e à não inclusão do nome do L………. na alínea i) dos factos não provados e sua inclusão o artigo 22º dos factos provados ficou a dever-se à análise crítica da prova produzida que se consubstancia no seguinte:
O arguido C……… não quis prestar declarações.
As testemunhas, N………. e O………., ao tempo, técnicos tributários que procederam à acção inspectiva na firma arguida não souberam dizer ao Tribunal se a factura em causa (de fls. 240, do I volume de Averiguações e fls. 73 dos autos de inquérito) reflectia ou não serviços prestados à firma de que o arguido C………. era sócio gerente.
A testemunha N………., depôs no sentido de que pensava ter conhecido o L………., que seria um empresário em nome individual, que se dedicava á prestação de serviços da construção civil, em Valongo, mesmo ramo a que se dedicava a firma do C………. . Referiu ainda que não se recordava se viu a contabilidade do L………. , não sabe se o número de contribuinte do L………. existia, e se era verdadeiro ou não o número constante da factura. Mais á frente no seu depoimento já não tinha certeza se falou com o L………. .
A testemunha O………., que também procedeu à acção inspectiva, não se recordava de ter falado com L………., pensava que este era de Mesão Frio, mas num outro momento do seu depoimento disse que em relação a ele não se recordava sequer do seu nome, nem sabia quais os elementos que levaram à conclusão de que ele não prestou trabalhos à firma de que o arguido C………. é sócio gerente.
A Técnica jurista P………., referiu que não procedeu a qualquer acção inspectiva.
Tem ideia de que o L.……… era de Valongo, e o endereço era correcto, porque a carta para o contactar veio devolvida, tem dúvidas se ele existia e daí concluírem que ele não prestou serviços à empresa de que é sócio o arguido C………. .
Referiu ainda que, foi pedida à tipografia que fez a factura de fls. 240 informação sobre pessoa que requisitou a factura em causa. Nesta tipografia não sabiam quem tinha requisitado a factura, e do documento enviado pela tipografia, concluiu a testemunha que a sua requisição era posterior à data que constava na factura como data de emissão.
Nas datas de emissão das facturas o L………. não estava registado na Administração fiscal, nem constava como tendo estado antes. Referiu ainda que é através do número de contribuinte que “convocam” no sistema informático da Direcção Geral de Finanças os contribuintes, e pela conjugação destes dados era de opinião que esse emitente não existe.
Analisando os documentos constantes dos autos, já que outros elementos não possui, o Tribunal efectivamente pôde chegar à mesma conclusão, que a referida Técnica Jurista.
Assim: a factura de fls. 240 já referida, tem data de emissão de 22 de Janeiro de 1993, e nele consta que o número de contribuinte do L………. é ……… e que este L………. havia prestado “serviços de mão de obra de cofragem” e ainda que o seu alvará teria o número ...... . Resulta do documento de fls. 238 e 239 que o número de contribuinte constante da factura não é válido, e embora tal só por si não seja conclusivo no sentido de podermos concluir que o L………. não prestou os serviços ali constantes, porquanto poderia ter havido um engano na transcrição do número de contribuinte, é um elemento a considerar pelo tribunal.
Juntando este elemento, o facto de o documento de fls. 316 dos autos, que se pronuncia sobre o numero de alvará constante da factura, referir que tal número de alvará não existe, já que o número de alvará mais elevado é da ordem dos 24.000, começamos a aproximar-nos de muitas e desagradáveis coincidências, no sentido da inexistência física de tal pessoa.
E neste sentido vai o documento de fls. 314 dos autos que nos diz que o L………. não é associado da Q……….., onde tal indivíduo não é associado nem conhecido no sector.
Ainda, no mesmo sentido, os documentos de fls. 434 e 435 de onde consta primeiro a informação da S………., informando a direcção Distrital de Finanças do Porto do seguinte: Em resposta ao Vosso ofício acima referenciado, vimos informar V. Ex.as. Que não possuímos requisição nem registo do serviço que efectuamos a 7 de Abril de 1993 à firma L………., dado que, nessa altura, apenas era obrigatório este procedimento para os documentos de transporte, o que não é o caso.
Mais informamos que o referido serviço, no montante de 11.716$00, facturado através da nossa venda a dinheiro n.º 234, de 07/04/06 (manifesto lapso, dado o documento que se segue, de 07.04.1993) e de que juntamos fotocópia, foi-nos pago em numerário.
E no documento (venda a dinheiro) de fls. 435, aparece dirigido ao mesmo número de contribuinte da factura de fls. 240 (502 269 607), aparece a venda a dinheiro datada de 07 Abril de 1993. Ora, é das regras da experiência comum que as vendas a dinheiro são emitidas no dia da entrega das mercadorias e pagas no mesmo dia.
E aqui chegamos a duas conclusões, em primeiro lugar ninguém aceitaria um trabalho de facturas emitido em seu nome, com um número de contribuinte que não correspondesse ao seu verdadeiro, sem pedir a correcção quer da venda a dinheiro quer das facturas feitas, tanto mais quanto é certo que todos os dizeres constantes da venda a dinheiro da S………. são os mesmos da factura de fls. 240, incluindo além do número do contribuinte a residência da pessoa em causa.
Depois a venda a dinheiro de 7.04.1993 e consequente entrega das mercadorias (no caso livros de facturas e recibos) facturadas através da venda a dinheiro de 07.04.1993, é posterior à emissão da factura de fls. 240 que como já vimos é de 22.01.1993, o que indica com um grau de certeza próximo do absoluto que esta factura não traduz a prestação de qualquer serviço.
E por fim a carta de fls. 275 dos autos enviada para o L………., em Março de 1996, de cuja devolução consta:”Lido à Posta Desconhecido”, não consta “mudou de residência”, ou “ausente em parte incerta”, e sabendo que ………. não é propriamente uma cidade, temos de considerar que também este “desconhecido” é um elemento a ter em conta, que juntando a todos os outros, já mencionados, nos leva a concluir com uma certeza muito perto da certeza absoluta que tais trabalhos não foram prestados, que a pessoa com estes atributos (que não constam da factura por lapso) não existe.
E perante os vários elementos referidos também concluímos, sem quaisquer dúvidas, que não há lapsos na indicação do número do contribuinte, nem no número de alvará, que como já vimos é inexistente, nem tão pouco na indicação da morada, foi um estratagema usado conscientemente para dificultar a conclusão de que os trabalhos ali alegadamente facturados não foram prestados efectivamente.”

O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, são as seguintes as questões submetidas à nossa apreciação:
- prescrição do procedimento criminal;
- nulidade do julgamento por incumprimento do artº 328º nº 6 do Cod. Proc. Penal
- nulidade da sentença nos termos do artº 379º nº 1 al. b) do Cod. Proc. Penal dada a alteração substancial dos factos e incumprimento do artº 359º do mesmo diploma
- violação do princípio constitucional previsto no artº 29º da CRP referente à aplicação da lei mais favorável
- erro notório da apreciação da prova
A ordem seguida no conhecimento destas questões será alterada de acordo com a respectiva precedência lógica.

Da prescrição do procedimento criminal
Sustenta o recorrente que o crime se consumou em 29/09/95 e, por terem decorrido mais de 7 anos e 6 meses sobre essa data, o procedimento criminal se extinguiu por efeito da prescrição.
Os crimes de abuso de confiança previstos no RGIT são inequivocamente crimes omissivos, e crimes omissivos próprios, de mera actividade negativa, já que é com a mera inacção que o crime se consuma. Em ordem a determinar o momento em que se consideram consumados os crimes desta natureza, há que ter em atenção o nº1 do art. 5º do RJIFNA, que dispunha que “as infracções fiscais consideram-se praticadas no momento (…) em que o agente actuar, de harmonia com os princípios constantes do Código Penal (…)”. Por seu turno, o art. 3º deste último diploma estabelece que “o facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado (…)”. Regra esta que o RGIT manteve, ao estatuir no nº 1 do seu art. 5º que “as infracções tributárias consideram-se praticadas no momento (…) em que (…) o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado (…)”.
Logo, o momento relevante é aquele em que o agente devia ter actuado, no caso o momento em que o recorrente devia ter efectuado a entrega das contribuições devidas.
Ora, como resulta dos factos que se vieram a considerar como provados, as sucessivas faltas de entrega das contribuições devidas, prolongaram-se no tempo por mais de 2 anos, e sendo que o prazo para a última entrega terminava no 29 de Setembro de 1995.
Assim, e tendo em atenção que a conduta do arguido foi inserida na figura de crime continuado, e atento o disposto no artº 119º nº 2 al. b) do Cod. proc. Penal é esta a data relevante para determinar o momento a partir do qual o crime se deve considerar consumado para efeitos de início de contagem do prazo prescricional.
Vejamos, então, se entretanto o prazo se completou.
O prazo prescricional aplicável é o de 5 anos (quer se considere o RJIFNA ou o RGIT - cfr. nº 1 do art. 15º do primeiro em ambas das sua versões, e o nº 1 do art. 21º do segundo).
As regras e causas respeitantes à interrupção e suspensão deste prazo são, (para além de algumas específicas) as que vêm estabelecidas no C. Penal (cfr. nº 1 do art. 4º do RJINA e nº 4 do art. 21º do RGIT), havendo que ter em atenção nomeadamente o artº 15º nº 2 e 50º do RJIFNA que refere que o prazo de prescrição suspende-se quando ocorra processo de impugnação judicial
Iniciando-se o mesmo desde o dia em que o facto se consumou (cfr. nº 1 do art. 119º do C. Penal), terminaria em 15 de Fevereiro de 1998
No entanto, haverá que ter em conta que:
- o prazo de prescrição iniciado naquela data foi suspenso em 16/08/1996, dada a impugnação judicial apresentada pelo arguido e assim permaneceu até 17/12/2001, altura em que voltou a correr, contabilizando-se na altura 3 anos, 6 meses e 1 dia.
- decorreu então mais 1 ano, 4 meses e dezasseis dias até à leitura da decisão instrutória proferida nos autos ocorrida em 02/04/2003, e à qual se encontravam presentes os arguidos, perfazendo o total de 4 anos 10 meses e 17 dias.
- com a leitura da decisão instrutória o prazo de prescrição interrompeu-se (cf.. o artigo 120.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na sua redacção originária), começando a correr novo prazo de prescrição (nº 2 do art. 121º do C. Penal ), sendo que por seu turno se suspendeu o curso do prazo de prescrição (artigo 119.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal,).
Tendo havido, como houve, recurso de tal decisão, o prazo de tal suspensão é de três anos (cf. artigo 119.º, n.º 2, do corpo de normas em referência), pelo só após o decurso deste é que o prazo prescricional, voltou a correr, ou seja partir de 02/04/2006 o que equivale a afirmar que o prazo prescricional terá o seu “terminus” em 29/09/2000.
Refere no entanto o artº 120 do Cod. Penal que a prescrição do procedimento criminal ocorrerá sempre quando desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade,
Atento o que supra se expôs, no caso em apreço teremos então que o prazo normal acrescido de metade será de 7 anos e 6 meses, a que acrescerá no caso o prazo de suspensão de 3 anos decorrente da notificação do despacho de pronuncia, e o prazo 5 ano 4 meses e 1 dia derivado da impugnação judicial (artº 15º nº 2 do RJIFNA- sendo este artigo claro em referir que o prazo também se suspende, ou seja não deixando dúvidas que a este prazo se terá que juntar aqueles que decorram da aplicação das normas penais por força do disposto no artº 4º do mesmo diploma).
Tudo somado, o prazo a ter em conta nos termos do artº 120º nº 3 do Cod. Penal será assim de 15 anos 10 meses e 1 dia, pelo que o prazo de prescrição ocorrerá em 30 de Julho de 2011.
Isto significa, portanto, donde se conclui que o procedimento criminal não se mostra prescrito.

Da nulidade do julgamento por incumprimento do artº 328º nº 6 do Cod. Proc. Penal
Entende o recorrente que o julgamento é nulo, com perda da eficácia da prova produzida, uma vez que entre a última sessão de julgamento de 8 de Junho de 2006 e a que se destinou à leitura do Acórdão ocorrida em 17 de Julho de 2006, ocorreram mais de 30 dias, pelo que se infringiu o disposto no artº 328º nº 6 do Cod. Proc. Penal o qual dispõe que a audiência não pode ser interrompida por períodos superiores a 30 dias.
No que a este ponto se refere poderemos dizer que é abundante a jurisprudência no sentido de que o prazo de 30 dias a que se refere o artº 328º nº 6 do Cod. Proc. Penal diz respeito apenas à produção de prova, não abrangendo assim a audiência da leitura da sentença.
Vejam-se entre outros os Ac. do STJ, de 15/10/97, CJ/STJ, V, 3º,197, da Rel. Lxª-, de 13/11/2001 e de 5/12/2002, CJ, XXVI, 5º, 131, e XXVII, 5º, 141, respectivamente, e da Rel. Coimbra, de 29/5/2002, CJ, XXVII, 3º, 47 – todos citados no Ac Rel. Porto de 20/10/2004 in C.J.XXIX, Vol 4, pag. 222, relator Dr. Marques Salgueiro que têm considerado que a disciplina daquele nº 6 não respeita ao lapso de tempo que haja decorrido entre o encerramento da audiência e a sentença, mas sim entre as várias sessões em que a produção da prova em audiência se desdobrar.
No mesmo sentido veja-se ainda o Ac STJ de 30-03-2006, relator Pereira Madeira, processo nº 06P780 e o 28-10-2009, relator Maia Costa, processo nº 121/07.9PBPTM.E1.S1 ambos em www.dgsi.pt/jstj que refere que “O facto de a leitura do acórdão ter sido feita mais de 30 dias após o fim da produção da prova também não constitui nulidade. Com efeito, conforme jurisprudência uniforme deste STJ, a regra do n.º 6 do art. 328.º do CPP refere-se apenas à fase da produção da prova, pretendendo o legislador que esta seja concentrada, de forma a proporcionar ao julgador a evocação fácil do conjunto das provas produzidas oralmente, devendo a deliberação seguir-se imediatamente ao termo da produção da prova (art. 365.º, n.º 1, do CPP).
A sentença constitui uma nova fase de julgamento, que pressupõe a prévia deliberação, nada obstando a que seja lida e depositada para além do prazo de 30 dias após a deliberação. Não constitui, pois, nenhuma nulidade ou irregularidade o facto de o acórdão ter sido lido mais de 30 dias depois do encerramento da produção de prova.”
Subscrevemos na íntegra as posições supra expostas.
Da análise ao nº 6 do artº 328, forçoso será de concluir que a audiência está a decorrer com a produção de prova e daí o utilizar-se as expressões “retomar a audiência” e em “perde eficácia a produção de prova já realizada”.
A finalidade deste preceito tem a ver com o principio da continuidade e da imediação que a produção de prova tem que seguir em sede de audiência, presumindo o legislador que com um interregno superior a 30 dias aqueles princípios ficam descaracterizados e violados, perdendo-se como tal a eficácia da prova produzida
Mas quando se trata da leitura da sentença, aquele normativo já não é aplicável
Antes do mais refira-se que a expressão “retomar a audiência” pressupõe que aquela se encontra pendente. Ora quando se aguarda a leitura da sentença, a audiência já teve os formalismos dos arts. 360º e 361º do Código de Processo Penal, dispondo-se no nº 2 desta última disposição legal que “Em seguida o presidente declara encerrada a discussão … e o tribunal retira-se para deliberar”.
Seguem-se então os trâmites dos arts. 372º e 373º do mesmo diploma legal, dispondo este preceito que a data da leitura da sentença será fixada dentro “dos 10 dias seguintes para a leitura da sentença “.
Assim é o próprio art. 373 que impõe prazos para a leitura da sentença, não havendo como tal que voltar ao disposto no art. 328 do Código de Processo Penal.
Ora e relativamente ao incumprimento deste prazo – que é o caso em apreço- acompanhamos, a posição de Manuel Simas Santos, Leal Henriques e Borges Pinho, Código de Processo Penal, Anotado, nota ao art. 373, segundo a qual a inobservância do prazo fixado no art. 373º constitui mera irregularidade, a qual não pode afectar o valor da sentença e, portanto é inócua (vide o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 15-10-1997, Colectânea de Jurisprudência, Ano V, III, 197).
Não se aplicando à situação dos autos o nº6 do art. 328 mas o disposto no art. 373, ambos do Código de Processo Penal, temos assim que a inobservância do prazo imposto por este último não acarreta qualquer consequência jurídica. Tudo se passando no âmbito do princípio da celeridade processual, analisado caso a caso, e eventualmente susceptível de apreciação disciplinar.
E sendo assim, também a inobservância do disposto no art. 373 nº 2, depósito da sentença na data da leitura, nenhuma consequência jurídica acarreta.
Assim e pelo exposto improcede esta parte do recurso.

Da nulidade da sentença nos termos do artº 379º nº 1 al. b) do Cod. Proc. Penal dada a alteração substancial dos factos e incumprimento do artº 359º do mesmo diploma
Alega o recorrente que tendo sido acusado e pronunciado em co-autoria material e concurso real de quatro crimes de fraude fiscal, p. e p. pelo art°.23, nº1, nº 2, alínea a), nº3, alíneas a) e b) do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras, ou de quatro crimes de fraude fiscal, p. e p. pelo art°.103 nº5 do Regime Geral das Infracções Tributárias, e ao ser condenado pela prática de um crime de fraude fiscal, na forma continuada, p. e p. pelo art° l04 nº l do Regime Geral das Infracções Tributárias, ocorreu uma situação de alteração substancial dos factos, o que, necessariamente obriga ao cumprimento das formalidades do art°.359 do C. P. Penal. O Tribunal a quo ao não ter cumprido tais formalidades violou o disposto no referido preceito pelo que a sentença é nula por força do disposto nos art°s 359 e 379 nº1 alínea b-) do C. P. Penal.
O recorrente estava acusado em co-autoria material e concurso real de quatro crimes de fraude fiscal, p. e p. pelo art°.23 nº1, nº2, alínea a-), nº3 alínea a-) e b-) do RJIFNA, que na sua versão originária, era punido com pena de multa até 1000 dias, e na Redacção introduzida pelo Dec-Lei nº 394/93, de 24 de Novembro a pena aplicável é de pena de prisão até três anos ou multa, ou de quatro crimes de fraude fiscal, p. e p. pelo art°.103 nº5 do RGIT, com pena de prisão até três anos ou com multa até 360 dias.
Assim o recorrente estaria acusado de fraude fiscal simples, punível na primeira hipóteses com pena de multa e nas restantes, com pena de prisão até três anos ou pena de multa.
Conforme se afere da decisão recorrida o recorrente acabou por ser condenado pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, prevista pelo art°.104 nº1 do RGIT e punível com pena de prisão de um a cinco anos.
Haverá antes do mais averiguar se estaremos perante uma alteração substancial dos factos conforme vem alegado no recurso.
Nos termos do artº 1º al. f) do Cod. Penal ocorre uma alteração substancial dos factos quando ao arguido é imputado “um crime diverso ou uma agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.
No caso em apreço, não ocorreu a imputação ao arguido de um crime diferente do que vinha acusado, dado tratar-se do mesmo ilícito económico- crime de fraude. [3]
Por outro lado, na decisão recorrida não são alegados modo novos factos que não tivessem sido já inicialmente imputados ao recorrente e descritos na acusação e despacho de pronuncia.
Restará como tal, averiguar se ocorreu a condicionante da “agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.
O Tribunal recorrido considerou que ao contrário do que se encontrava expresso na acusação, não seria 4 crimes de fraude fiscal, o numero de ilícitos praticados pelos arguidos mas sim “tantos os crimes praticados pelos arguidos C………. e «B………., Lda.» quanto o número de declarações incorrectas, nos termos expostos, por eles apresentadas para efeitos de tributação do rendimento e do IVA.
Não merece, pois, acolhimento a conclusão, constante da douta acusação pública, de que os arguidos em apreço cometeram, apenas, quatro ilícitos-típicos.”
Entendeu o Tribunal recorrido que se estaria apenas perante um crime de fraude fiscal na forma continuada, pelo que como se afere dos artºs 30º e 119º nº 2 al. b) do Cod. Penal, a sua consumação verificar-se-ia na data do último acto ilícito, ou seja, em 29/09/95, data esta que se encontrava em vigor o RJIFNA na redacção pelo Dec-Lei nº 394/93 de 14 de Novembro e que como tal lhe seria aplicável
É que sendo o crime continuado, tido como uma só acção o momento da comissão é, como aliás acontece no crime permanente, todo o espaço de tempo que vai até á terminação do facto.
Como tal haveria que confrontar o regime previsto neste diploma com o vigente à data da sentença, ou seja o RGIT aprovado pelo Dec-Lei nº 15/2001 de 5 de Junho, a fim de nos termos do artº 2º nº 4 do Cod. Penal.
Comparando ambos os regimes, a pena aplicável ao recorrente era idêntica,- pena de 1 a 5 anos de prisão- tendo o Tribunal “a quo” optado pelo regime actualmente vigente, uma vez que o prazo previsto n.º 8 do artigo 11.º do RJIFNA, para pagamento só pode ir até aos dois anos subsequentes à data da condenação, “contrariamente ao que sucede com o preceituado no artigo 14.º do RGIT, onde se estabelece igual obrigação de subordinar a suspensão da execução da pena de prisão à obrigação de pagamento, ao Estado, dos montantes que lhe foram sonegados, que prevê que tal prazo possa ir até aos cinco anos”.
Ora a pena aplicável ao recorrente, a nosso ver, revela-se como é obvio mais favorável na opção efectuada pelo Tribunal “a quo”, uma vez que o que se terá que ponderar é a pena a aplicar pela conduta do arguido na sua totalidade. Ou seja a pena aplicável pelos 4 crimes de fraude fiscal na forma simples e em concurso real referidos na acusação e a pena pela prática de um crime de fraude na forma continuada, conforme foi referido na decisão recorrida.
Sendo 4 os crimes de fraude simples, e mesmo que se tivessem em conta que ao primeiro seria aplicável uma pena de multa por ter sido praticado durante a vigência do RJIFNA na redacção anterior ao do Dec-Lei nº 394/93, atento o disposto no artº 77º do Cod. Penal, a pena aplicável pelos 3 últimos crimes teria como limite máximo 9 anos de prisão.
Comparando com a moldura penal aplicável pelo crime de fraude na forma continuada, verifica-se que o limite máximo desta é de 5 anos de prisão.
Assim sendo haverá que concluir que o Tribunal “ a quo” ao decidir nos termos referidos não fez verificara a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis referida no artº 1º al. f) do Cod. Penal.
Estaremos a nosso ver perante uma alteração jurídica dos factos, em que não tendo ocorrido qualquer modificação dos factos da acusação ou da pronuncia, nem uma agravação dos limites máximos das penas aplicáveis, deverá aquela estar submetida, ao regime dos artºs 358º nº 3 e 303º nº 5 do Cod. Proc. Penal[4]
Dispõe o artº 358º nº 1 do Cod. Proc. Penal que:
“Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede­lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa”.
Por sua vez o n.º 3 do mesmo preceito refere que o regime do n.º1 supra citado é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.
Nesta alteração, o legislador não condicionou expressamente a necessidade de notificação do arguido à circunstância de a alteração da qualificação conduzir a sanção mais grave.
Mas, está bom de ver, logo pela redacção do n.º1 do mesmo artigo, na parte em que impõe a notificação do arguido e omite a notificação do M.ºP.º ou do assistente, que o instituto continua a ter na sua génese o particular cuidado que merece o direito de defesa, constitucionalmente consagrado.
Aqui não se restringe a liberdade de qualificação jurídica, mas tem-se em conta o direito do contraditório, em consonância com a jurisprudência do Tribunal Constitucional nesta matéria e que levou o STJ a reformular o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/93 de 27/01 e decidir em novo Acórdão da mesma natureza (n.º 3/2000, de 15.12.1999, publicado no D.R., I Série A, de 11.2.2000) que:
“Na vigência do regime dos Códigos de Processo Penal de 1987 e de 1995, o tribunal, ao enquadrar juridicamente os factos constantes da acusação ou da pronuncia, quando esta existisse, podia proceder a uma alteração do correspondente enquadramento, ainda que em figura criminal mais grave, desde que previamente desse conhecimento e, se requerido, prazo ao arguido da possibilidade de tal ocorrência, para que o mesmo pudesse organizar a respectiva defesa.”
Foi esta solução que a Lei nº 59/98 veio a consagrar que aditou o ponto 3 ao artº 358º do Cod. Proc. Penal e fazendo assim aplicar o regime de alteração não substancial dos factos à alteração da qualificação jurídica.
Conclui-se assim que nos casos de alteração dos factos impõe-se, quer no caso do art.º 358º quer do 359º do Código Processo Penal, a sua comunicação ao arguido, o que não foi feito.
Não havendo alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação e no despacho de pronuncia configura, no caso, alteração não substancial, pelo que não estava o tribunal desobrigado de comunicar a alteração ao arguido, nos termos do art.º 358º n.º 1 e 3 do Código Processo Penal, sob pena de violação das garantias de defesa do arguido, dos princípios do acusatório e do contraditório, assegurados no art.º 32º n.º 1 e 5 da Constituição.
Acontece que, sendo assim, não se procedeu no caso, segundo o modo legalmente prescrito, padecendo a sentença recorrida de nulidade, art.º 379º n.º 1 al.b) do Código Processo Penal, o que se declara.
A consequência da nulidade é a repetição do acto – art. 122 nº 2 do CPP.
Ou seja, deverá ser reaberta a audiência, para que, nos termos e para os efeitos do art. 358 do CPP, sejam as alterações comunicadas ao arguido.
Assim sendo, deverá considerar-se procedente nesta parte o recurso apresentando, encontrando-se prejudicadas as restantes questões apresentadas pelo recorrente.
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III DECISÃO
Pelo exposto, os juizes deste Tribunal julgando parcialmente procedente o recurso decidem anular a decisão recorrida e ordenar ao Tribunal recorrido reabrindo a audiência se proceda em conformidade com o disposto no art.º 358.º n.º s 1 e 3 do Cod. Proc. Penal, proferindo depois nova decisão.
Sem custas (artº 513º nº 1 do Cod. Proc. Penal)

Porto, 16 de Dezembro de 2009
Processado em computador e revisto pela 1º signatário – art. 94 nº 2 do CPP)
Vasco Rui Gonçalves Pinhão Martins de Freitas
Luís Augusto Teixeira

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[1] (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Não há crime diverso quando os factos novos pertencem ao mesmo “facto histórico unitário”, composto por todas as acções do agente que tenham “um conteúdo ilícito semelhante e uma estreita continuidade espacio-temporal”- Claus Roxin
[4] Ac STJ de 08/01/92, in CJ, XVII, 1, 5 e Ac STJ de 27/05/92 in XVII, 3, 40