Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULA LEAL DE CARVALHO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO PROVA EM RECURSO DOCUMENTAL SITES DA WEB ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RP20170529907/10.7TTMTS.P2 | ||
Data do Acordão: | 05/29/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º257, FLS.273-298) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Seja no âmbito do atual CPC, seja do revogado, não é possível a apresentação, em sede de recurso, de documentos de que a parte dispunha ou a que tinha acesso destinados a prova ou contraprova de matéria de facto que já era discutida na ação e que poderiam ter sido juntos em sede de 1ª instância. II - A invocação, no recurso, de informação contida na internet, para cujos sites se remete nas alegações, deve ser equiparada à junção de prova documental: a internet não é, em si, um meio de prova; meio de prova serão as realidades representadas na informação que dela consta e que, em bom rigor e para valerem como meio de prova, deveriam ter sido impressas e juntas, consubstanciando essa impressão o documento. E, daí que, no caso e pelas razões referidas no ponto I, seja a remissão para tal informação extemporânea. III - Tendo a Ré/Seguradora aceite, na tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo especial emergente de acidente de trabalho, a ocorrência do acidente aí alegado pelo A., tal facto fica assente, não podendo vir a ser posteriormente discutida a sua existência. IV - Não consubstancia fraude à lei, nem abuso de direito, a participação do acidente de trabalho pelo A., jogador profissional de futebol, cerca de 10 anos após a sua ocorrência, sem que a este lhe tenha sido entregue, seja pelo empregador (clube de futebol), seja pela Seguradora, o boletim de alta definitiva (no qual foi dado como curado sem desvalorização), se, para além dessa tardia participação, mais nada se provou, designadamente se se não se provou, como havia sido alegado pela Ré, que tal se tenha ficado a dever ao interesse do A. em não ver, então, sindicada a sua incapacidade para evitar uma eventual desvalorização quer do seu “valor” enquanto jogador, quer da sua carreira profissional. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 907/10.7MTS.P2 Relatora: Paula Leal de Carvalho (Reg. 983) Adjuntos: Des. Jerónimo Freitas Des. Nelson Fernandes Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório Participado, aos 30.08.2010, por B… a ocorrência de acidente que qualificou como de trabalho, frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo (cfr. auto da tentativa de conciliação de 14-05-2012 de fls. 118-119), o A., aos 03.04.2014, apresentou petição inicial demandando a Ré, COMPANHIA DE SEGUROS C…, SA., nos termos da qual pede que esta seja condenada a pagar-lhe, uma pensão anual e vitalícia no montante de €3.351,91, com início em 30/10/2003, acrescida de juros de mora desde a tentativa de conciliação.Para tanto, alegou em síntese que: no dia 12.01.2003 sofreu um acidente de trabalho quando, no exercício da sua profissão de jogador profissional de futebol ao serviço do D…, no Estádio E…, participava num jogo de futebol, acidente que consistiu no seguinte: ao disputar uma bola, em suspensão sofreu um traumatismo na perna esquerda, o que provocou a sua queda sobre o joelho esquerdo; do traumatismo e da queda resultou uma rotura parcial do ligamento cruzado anterior esquerdo e, ainda, entorse do ligamento lateral interno esquerdo; em consequência das lesões sofridas o Autor foi sujeito a meniscectomia parcial externa por artroscopia e ligamentoplastia tipo osso-tendão-osso do LCA; auferia a remuneração anual de €239.422,00, encontrando-se a responsabilidade por acidente de trabalho transferida para a Ré através da apólice número ……., pelo referido salário anual; o acidente acima descrito provocou no Autor direta e necessariamente as lesões descritas nos relatório do exame médico singular de fls. 114 a 116, que lhe determinaram uma ITA de 12/2/2003 a 29/10/2003 e uma IPP de 2%; realizada a tentativa de conciliação a mesma não foi possível porquanto a Ré: aceitando embora a existência de um acidente de trabalho e a retribuição transferida, não aceitou assumir qualquer responsabilidade por já ter decorrido o prazo de caducidade do direito de ação do Autor, no que não lhe assiste razão, pois que nunca foi chamado pela Ré para aferir o seu estado de saúde, mesmo durante o período de recuperação, a qual foi efetuada nos serviços clínicos do D… e nem este, nem a Ré, lhe comunicaram a alta clinica, comunicação essa que deveria ser feita mediante a entrega do duplicado do boletim de alta e apenas com essa entrega se iniciando o prazo de caducidade. A Ré, aos 29.04.2014, contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação. Em sede de defesa por exceção, invoca o abuso de direito por parte do autor e a extinção, por caducidade, do direito de ação respeitante às prestações que o mesmo veio reclamar, para tanto alegando, em síntese, que: da apólice e de acordo com o previsto no art.º 3º da Lei n.º 8/2003 de 12/5 a assistência clinica do sinistrado ficou a cabo dos serviços clínicos do clube segurado que, por conveniência deste e dos próprios atletas, providenciavam tratamento mais rápido e eficiente com vista ao interesse reciproco da alta do atleta para a competição; por isso, verificada a alta clínica do atleta, o clube comunicava-o a este de modo a habilitá-lo a retomar a atividade futebolística profissional, o que aconteceu com o A. pois o D…, após participar o sinistro como ocorrido em 12/1/2003, comunicou à R. em 15/11/2003 que tinha ocorrido alta sem qualquer desvalorização em 29/10/2003, sendo que o então médico do clube comunicou ao A. que tinha alta das lesões sem qualquer incapacidade, podendo retomar os treinos e regressar à competição sem qualquer limitação; a Ré não dispõe de qualquer “Boletim de Alta” o qual ficou na posse do A. e do clube; em consonância com essa alta a R. indemnizou as ITs até à data da alta comunicada – 29/10/2003 -, tendo o A., em sintonia com essa informação, retomado a sua atividade sem qualquer limitação, não formulando qualquer reclamação à Ré, tendo alinhado em competições de futebol, em equipa da F… nas épocas subsequentes (2004 a 2006) e pela seleção do seu pais em jogos de apuramento para o campeonato do Mundo em 2004 e 2005; o A. tinha interesse em não reclamar ou invocar qualquer incapacidade que pudesse colocar em causa a sua aptidão ou performance atlética, pelo que se manteve silenciado e desinteressado em formular a menor reclamação que levaria a que o mesmo fosse desde logo examinado e sindicada a alta sem incapacidade que lhe foi dada; para além dessa atividade, o A. desempenhou também, primeiro em acumulação e, depois, em exclusivo, a de treinador de futebol, atividade essa com grande componente física e que manteve ainda sem queixas ou limitações; mantendo a atividade após a alta da lesão, sujeito ao desgaste e sobreposição de lesões sobre o joelho esquerdo, tornou-se impossível determinar com clareza se as eventuais limitações que apresente serão decorrentes da lesão que refere na PI ou de traumatismos ulteriores que o tempo prolongado (10 anos) sobrepôs, eliminando a possibilidade de se estabelecer um nexo causal seguro; nos termos do art.º 32.º n.º 1 da LAT em vigor à data em questão (Lei 100/97) ex vi art.º 6º da Lei n.º 8/2003 de 12/5 , o prazo legal de caducidade de um ano ocorreu no dia 29/10/2004; a não verificação da caducidade permitiria ao sinistrado dilatar infindavelmente, em seu proveito, um prazo curto de um ano que se destina, precisamente, a determinar pela frescura da prova médica o nexo causal de sequelas de acidente de trabalho e evitar, designadamente, a sobreposição de outros eventos traumáticos que o sinistrado pretendesse reportar a épocas de melhor remuneração; há fraude á lei quando o atleta consegue, mediante uma atuação formalmente correta, um resultado não pretendido pela lei, para além de que a invocação da falta de entrega do boletim de alta clínica, quando o próprio sinistrado e sua entidade patronal atuem de modo a não permitir a atuação do médico assistente que o deveria emitir e entregar, consubstancia abuso de direito, traduzindo um venire contra factum proprium. Em sede de defesa por impugnação, indica os arts. da p.i. que aceita e os que impugna. Mais diz que: na participação o A. alude a uma lesão contraída em 3/1/2003 e agora refere 12/1/2003, sendo que apenas esta foi participada; até 29/10/2003 em que ao A. e à seguradora foi comunicado que aquele tivera alta sem desvalorização ou incapacidade, pagou ao A. as respetivas indemnizações por incapacidade temporária no valor total de €121.040,00, nada mais lhe pagando após essa data por ter ficado claro para ele a situação de alta sem incapacidade; dado o acordo existente entre a R. e o seu segurado, o tipo de apólice e as especificidades da atividade dos futebolistas profissionais, estando a assistência médica e recuperação funcional do atleta a cargo do clube, não era à R. que competia a atribuição da alta e emissão do respetivo boletim, mas aos serviços clínicos do clube, o que não ignorava o autor que por eles foi tratado até à alta e o confessa em 13º da PI, pelo que não pode agora o A. alegar que a R. não lhe efetuou uma comunicação formal que não lhe competia a esta fazer mas aos serviços clínicos do clube. E termina concluindo pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido, mais requerendo exame por junta médica, para o que formulou quesitos. O A., aos 09.05.2014, respondeu, tendo, em síntese, reafirmado o já alegado na p.i., no sentido da inexistência da alegada caducidade, cujo prazo não se iniciou dado a alta médica não lhe ter sido comunicada, comunicação essa que teria que ser efetuada com a entrega do duplicado do boletim de alta, mais referindo não aceitar a matéria da contestação que indica e que a referência, na participação do acidente, à data de 03.01.2003 se ficou a dever a mero lapso de escrita, que foi corrigido no auto de não conciliação. Quanto ao alegado abuso de direito refere que “a ver vamos…” [sic].. Conclui como na p.i. e no sentido da improcedência das exceções. Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a exceção da caducidade do direito de ação e relegado para final o conhecimento do invocado abuso de direito. Procedeu-se também à seleção da matéria de facto, consignando-se a assente e organizando-se base instrutória (desta tendo a Ré reclamado, reclamação que foi inferida por despacho de 17.07.2014). Determinou-se também a abertura de apenso para fixação da incapacidade e decidiu-se no sentido da eliminação dos quesitos a submeter à junta médica relativos ao nexo de causalidade entre o alegado acidente e as lesões, do que a Ré recorreu, tendo esta Relação, por acórdão de 19.05.2015, revogado o despacho recorrido, admitindo-se os quesitos formulados pela Ré. No apenso para fixação da incapacidade procedeu-se à realização de exame por junta médica, após o qual foi, aos 02.07.2015, proferida decisão nos termos da qual se “declarou” que o A. “se encontra afectado por uma incapacidade permanente parcial de 3,5%.” Realizada audiência de julgamento [cuja reabertura foi determinada pela 1ª instância para ampliação da matéria de facto] e decidida a matéria de facto, foi, aos 17.10.2016, proferida sentença que, julgando a ação procedente, condenou a Ré a pagar ao Autor o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de €:5.865,84, com acréscimo de juros de mora vencidos e vincendos calculados sobre o capital de remição, à taxa legal “(que atualmente é de 4%)”, desde 30/10/2003 até à entrega efetiva desse capital. Mais se fixou à ação o valor de €96.364,00 Euros. Inconformada, a Ré recorreu, tendo formulado, a final das alegações, as seguintes conclusões: “1ª) A resposta dada aos “Artigos 2º, 3º e 4º da BI” deve ser alterada para não provada, eliminando-se, consequentemente eliminados do elencos dos factos provados da sentença os dos pontos 4) “nessa data sofreu um acidente…” até lesões e 6) da sentença, correspondentes aos art.ºs 2º, 3º e 4º da BI/PI; 2ª) A recorrente funda a sua pretensão a respeito destes dois pontos no facto de não resultar demonstrado dos meios de prova invocados na fundamentação que ocorreu qualquer lesão no decurso de uma partida de futebol como alegado e muito menos na data, hora e circunstâncias invocadas; 3ª) Os meios de prova dos quais se retira essa necessária conclusão, são os depoimentos das duas testemunhas que o Mmº Juiz a quo convoca como fonte de convicção – Dr. G… e Dr. H…, nas passagens acima identificadas da gravação e acima transcritas, das quais resulta claro que nenhum deles esteve ou se recorda de ter estado presente no referido jogo de futebol que o A. invoca, chegando este ultimo a apontar uma hora do dia 12/1/2003 – 19,20h – em que já não decorria qualquer jogo; 4ª) O próprio A. nas passagens acima transcritas para as quais se remete, além de descrever uma situação diferente e inadequada a provocar uma entorse ligamentar – queda com impacto na cabeça e na ponta do pé??? – depois de situar em Abril o evento, já não tem certezas, nem quanto à data, nem quanto ao jogo; 5ª) Consultados os registos acessíveis na internet sobre a data em questão, ficamos a saber que se tratou de um sábado em que, de facto, o D… jogou no E… (e não na I…) com o J…, empatou a zero e o atleta B… jogou os 90 minutos (cfr.http://www.zerozero.pt/match.php?id=149), não havendo qualquer registo de qualquer substituição designadamente, por lesão; 6ª) Por outro, o rico mundo da informação global permite-nos considerar o facto notório de a partida em questão se ter iniciado pelas 16 horas (http://www.futebol365.pt/jogo/3788/), logo tendo terminado às 17,45h (ainda que com 5 a 10m de descontos) jamais se prolongaria até às 19,20h, hora dos registos das testemunhas; 7ª) Ainda a este respeito, o depoimento da testemunha Dr. K…, nas passagens também acima transcritas, o parecer de fls.251 a 260 da autoria do Prof. Doutor L…, no confronto das versões do acidente, com a participação inicial, com a narração da PI, e no INML a fls.114, apresentando várias versões diferentes do acidente e com datas também diferentes; 8ª) Atento o disposto no art.º 414.º do CPCiv, não tendo as testemunhas presenciado o alegado acidente, não resultando dos registos desportivos sequer que à data do dito dia 12/1/2003 sequer o A. estivesse a disputar qualquer partida de futebol, não podia ser dada como provada a ocorrência nos termos em que o foi por ausência de prova; 9ª) Ademais, em caso de dúvida, já deveria o Juiz decidir de forma contrária àquele que está onerado com os factos a provar (art.º 414.º do CPCiv), mas esta regra ganha particular importância, quando se trata de aferir da existência de factos em que a parte que com eles está onerada, diferiu por mais de sete anos sem qualquer explicação, o recurso a juízo onde os mesmos têm de ser sindicados; 10ª) Deve ser alterada a resposta dada aos art.ºs 5º e 6º da BI/PI já que estando este ponto de facto relacionado com o “traumatismo referido na resposta anterior” resulta obviamente prejudicado com a alteração que se espera do anterior, sendo os meios de prova acima referidos os que também sustentam esta alteração; 11ª) Deve ser alterada a resposta dada ao art.º 7º da BI/PI quanto ao “em consequência das lesões sofridas”, já que a ligamentoplastia a que o A. foi sujeito não decorre da rotura parcial alegadamente sofrida em 12 de Janeiro, mas de uma outra lesão com rotura total do LCA ocorrida em 6/4/2003; 12ª) Uma lesão de rotura parcial do LCA não é tratada com recurso cirúrgico, mas com tratamento conservador – repouso, anti-inflamatório e fisioterapia – pelo que, como confirmou a testemunha Dr. H…, nas passagens acima identificadas na gravação e transcritas, que acrescentou que a ligamentoplastia só teve lugar porque o A. sofreu um novo acidente em 6/4/2003; 13ª) A comprovar tal circunstância está ainda a comparação da RMN de 4/4/2013 – cfr. fls.96 - além de já não estarem presentes sinais de contusão óssea, a interrupção no trajecto do LCA é já “discreta” – com a de 21/4/2013, cujo relatório se encontra a fls.97 que passa a revelar “ruptura completa do terço médio do ligamento cruzado anterior”, sendo evidenciada a frescura de um traumatismo recente pelo registo de “derrame articular e contusão óssea”; 14ª) Deve ser alterado o ponto 16) pela substituição do “ficou afectado” por “se encontra afectado”, já que o exame de junta médica em que se baseia tal conclusão é actual (2015) sendo que o ficou gera ambiguidade pela indefinição temporal resultante do uso do pretérito prefeito, quando a alta ocorreu mais de 7 anos antes do exame e é a proposta a expressão constante da decisão proferida no apenso; 15ª) Deve ser alterada a resposta negativa dada ao facto quesitado do art.º 6º da contestação, para “provado apenas que, visto então pelo médico do clube, pelo mesmo foi comunicado ao autor que tinha alta das lesões podendo retomar os treinos”; 16ª) Estriba-se esta pretensão no depoimento do Dr. G…, no trecho da gravação acima identificado e transcrito, conjugado com o relatório médico de fls.178, bem como do de fls.110 onde foi considerado curado sem desvalorização pelo mesmo médico que agora veio tentar contradizer o que então escreveu; 17ª) Do acima exposto e da alteração que se espera quanto à matéria de facto dada como provada, resulta que não se pode considerar estar perante um acidente de trabalho quando o A. não logrou provar com um mínimo de certeza as circuntâncias espácio - temporais da ocorrência lesional e a sua relação com o trabalho que desempenhava no D…; 18ª) E muito menos quando as sequelas consideradas para o estado actual de IPP, decorrem de um acto cirúrgico motivado por um acidente ulterior, em Abril, que é o que está até na memória inicial do autor; 19ª) Cabe ao trabalhador sinistrado ou aos seus beneficiários o ónus da prova do acidente e de todos os elementos que o integram e no caso o A. não cumprindo esse ónus, a acção tinha forçosamente de soçobrar; 20ª) De igual modo, cabe ainda ao A. o ónus de demonstração do nexo causal da IPP actual com o acidente, a qual no caso, atendendo ao tempo decorrido desde a alta clinica até à data da junta médica que a fixou - 12 anos – sem qualquer queixa ou reclamação, ao facto de se ter sobreposto, pelo menos, um outro acidente mais grave e com o mesmo joelho que o A. ocultou, não preenche no caso os pressupostos científicos do encadeamento anátomo-clinico e da adequação temporal; 21ª) De resto, da factualidade provada consta que o A. se acha actualmente afectado de 3,5% de IPP por sequelas de ligamentoplastia, mas não consta que esse estado se verificasse à data da alta clinica; 22ª) como bem refere o Prof. Doutor L..., no douto parecer técnico acima referido e junto aos autos –fls.251 a 260 - no caso em apreço, não se verifica nem “encadeamento anátomo-clinico” nem “adequação temporal” indispensáveis à verificação do nexo causal; 23ª) E, não se trata de uma questão de facto, mas de uma inferência de aplicação do direito que se retira dos factos 11) e 12) dados como provados na sentença (que o A. retomou a sua actividade e não formulou qualquer reclamação à ré antes da apresentação da participação que deu origem aos presentes autos;que o A. retomou a sua actividade, vindo a transferir-se para clubes de futebol da F…, onde alinhou nas épocas de 2003/2004, 2004/2005 e 2005/2006 pelo Clube F… “M…”; 24ª) Por outro lado ainda que o Tribunal concluísse – como concluiu – pela comprovação da ocorrência do acidente, outro fundamento ocorre que motivava a improcedência da acção – o abuso de direito e fraude à Lei invocados na contestação; 25ª) Dos factos dados como provados nos pontos 1, 4, 5, 6, 9, 11, 12, 13 e 15 da sentença, resulta evidente que não há a menor justificação para o A. ter esperado 7 anos para efectuar a participação a juízo de forma a obviar aos inconvenientes para a sua carreira da verificação de uma eventual invalidez, e ao mesmo tempo de mitigar pelo tempo o despiste do nexo causal esperando pelo momento adequado a poder ser detectada uma IPP; 26ª) Um futebolista profissional – que tem na sua performance física a 100% – um requisito para o desempenho profissional, não pode ignorar quando lhe é dada alta e permitido o regresso aos treinos, ou muito menos, depender da “comunicação formal” através da subscrição de um boletim clinico para poder ser havido como apto; 27ª) A sua invocação da não comunicação formal da alta para contornar o curto prazo de caducidade fixado pelo legislador no art. 32.º da LAT, no seu caso particular em que essa comunicação não foi necessária nem desejada (nunca a reclamou) para que regressasse à competição e progredisse na carreira consubstancia evidente fraude à Lei, que deve ter como cominação a retirada de tutela à pretensão exercida judicialmente desta forma anómala e intempestiva; 28ª) Ao agir em juízo sete anos depois de ter regressado ao trabalho sem nunca ter efectuado qualquer reclamação à ré (ponto 11 dos factos provados), obviando assim a que a ré despiste o nexo causal, quando esta confiou de boa-fé na aceitação pelo A. da decisão clinica do médico que o mandou regressar ao trabalho – curado sem desvalorização, configura uma situação de claro e ilícito abuso de direito; 29ª) Este exercício ultratardio do A. acobertado pela invocação da não comunicação formal da alta clinica que só a ele e ao seu interesse é imputável, traduz inquestionavelmente um venire contra factum proprium; 30ª) Violou, por isso, a douta decisão recorrida, o disposto nos art.ºs 414º do CPCiv, 334.º e 342.º do CCiv e 6º n.º1, 10º alínea b) e 17.º n.º 1 alínea d) todos da Lei 100/97 de 13/9 e ainda o disposto no art.º 187 n.º1 da Lei 98/2009 de 4/9. NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO E CONSEQUENTEMENTE: A) SER ALTERADA A DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO NOS PONTOS E SENTIDO ACIMA IMPUGNADOS; B) SER REVOGADA A SENTENÇA PROFERIDA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE, JULGANDO A ACÇÃO IMPROCEDENTE, ABSOLVA A RÉ DO PEDIDO E CONDENE O AUTOR NAS CUSTAS, (…)”. O A. contra-alegou, referindo, em síntese (não formulou conclusões): que a invocação como meio de prova do constante dos sítios da internet invocados pela Recorrente consubstancia-se na apresentação de prova documental, que é extemporânea e não deve ser admitida; pelas razões que invoca, a impugnação da decisão da matéria de facto não deve proceder, assim como deve improceder o recurso. A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual apenas a Recorrente respondeu, dele discordando. Colheram-se os vistos legais. *** A. Matéria de facto dada como provada pela 1ª instância:II. Matéria de facto provada A factualidade provada constante da sentença recorrida é a seguinte: “1) À data de 12/01/2003, o Autor trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização do D…, como jogador profissional de futebol … 2) … mediante a remuneração anual de €:239.422,00. 3) … cuja responsabilidade por acidente de trabalho estava transferida para a Ré através da apólice número ……., pelo referido salário anual. 4) Nessa data, o Autor sofreu um acidente que lhe provocou, directa e necessariamente, as lesões que determinaram uma ITA de 12/2/2003 a 29/10/2003, às quais se refere o relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito de trabalho de folhas 114 a 116 dos autos. 5) A recuperação do Autor foi efectuada pelos serviços clínicos do clube segurado. 6) O acidente referido em 4) ocorreu quando o Autor, no exercício das suas funções profissionais, no dia 12 de Janeiro de 2003, pelas 19,20 horas, participava no relvado do Estádio E… num jogo de futebol, como jogador do D…, e sofreu um traumatismo no joelho esquerdo. 7) Do traumatismo referido em 6) resultou uma rotura parcial do ligamento cruzado anterior esquerdo e, ainda, entorse do ligamento colateral interno esquerdo. 8) Em consequência das lesões sofridas, o Autor foi sujeito a ligamentoplastia tipo ossotendão-osso do LCA, intervenção cirúrgica esta que ocorreu depois de se verificar a rotura completa do ligamento cruzado anterior esquerdo. 9) O D…, após participar o sinistro como ocorrido em 12/01/2003, comunicou à Ré em 15/11/2003 que tinha ocorrido alta sem qualquer desvalorização em 29/10/2003. 10) A Ré indemnizou as IT’s até à data da alta comunicada: 29/10/2003. 11) O A. retomou a sua actividade e não formulou qualquer reclamação à ré antes da apresentação da participação que deu origem aos presentes autos. 12) O A. retomou a sua actividade, vindo a transferir-se para clubes de futebol da F…, onde alinhou nas épocas de 2003/2004, 2004/2005 e 2005/2006 pelo Clube F… “M…”. 13) O A. foi convocado à selecção da T... para os seguintes jogos de qualificação para a CONMEBOL: ● Em 9/10/2004 contra a selecção N…; ● Em 12/10/2004 contra a selecção O…; ● Em 26/03/2005 contra a selecção P…; ● Em 29/03/2005 contra a selecção Q…. 14) O A., após o fim da carreira como jogador, passou a desempenhar a actividade de treinador de futebol. 15) Foi comunicado à seguradora que o A. tivera alta sem desvalorização ou incapacidade em 29/10/2003. 16) O Autor ficou afectado por uma incapacidade permanente parcial de 3,5%.”. * B. Porque provado documentalmente, tem-se ainda como assente o seguinte:17) Na participação do acidente constante de fls. 2 a 4, subscrita pelo A., consta como data do mesmo 03.01.2003, às 19h20m. 18) Do auto de não conciliação, relativo à tentativa de conciliação que, aos 14.05.2012, teve lugar na fase conciliatória do processo e que constitui fls. 118 e 119 dos autos, consta o seguinte: “Cumpridas que foram as formalidades legais e , a instâncias do Exmo. Procurador da República, pelo Mandatário do Sinistrado foi declarado: Que no dia 12 de Janeiro de 2003 quando prestava serviços de natureza profissional como jogador de futebol, para D…, mediante o salário anual de €239.422,00, de acordo com o artigo 31º, nº 2 do C.C.T., que tinha a sua responsabilidade infortunística devidamente transferida para a seguradora acima mencionada, foi vitima de um acidente de trabalho, no Porto, que consistiu em ter batido com o joelho esquerdo no chão quando jogava futebol, tendo-lhe resultado as lesões constantes do auto de exame médico de fls. 114 a 116, pelo que ficou afectado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 2 % , conforme auto de exame médico efectuado pelo perito médico deste Tribunal, com o qual CONCORDA. Mais declara que se encontra paga de todas as indemnizações devidas até à data da alta, e não gastou qualquer quantia em deslocações ao Tribunal. Assim em face do exposto RECLAMA: O pagamento de uma pensão no montante de € 3.351,91 (três mil trezentos e cinquenta e um euros e noventa e um cêntimos), a partir de 30/10/2003 (dia seguinte ao da alta), nos termos da Lei 100/97, art.º 17º, alínea d), nos termos do art.º 56º, n.º 1, alínea b) do Dec.-Lei 143/99 de 30/. Pelo Legal Representante da Seguradora foi dito que o sinistrado sofreu um acidente de trabalho no dia 12 de janeiro de 2003. Nos termos do contrato de seguro, o pagamento das indemnizações relativas aos primeiros trinta dias é da responsabilidade da Entidade Patronal. O sinistrado foi sempre tratado pelos médicos do clube. Os períodos de incapacidade e correspondentes indemnizações liquidadas foram os seguintes: 12/02/2003 a 29/10/2003 - ITA - € 121.040,40. Teve alta definitiva em 29 de outubro de 2003, CURADO SEM QUALQUER INCAPACIDADE. - O salário anual seguro é €239.422.00. De acordo com o referido nº 1, do artigo nº 2, do artigo 31º do CCT, "Entende-se, unicamente para efeitos de cálculo das pensões de morte, incapacidade permanente absoluta ou parcial, a retribuição mensal do atleta como produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e férias e outras remunerações anuais a que o atleta tenha direito com carácter de regularidade, tendo por máximo mensal 15 vezes o salário mínimo nacional". Ou seja, para efeitos do pagamento de indemnizações por incapacidade permanente, a respetiva pensão é calculada com base no salário máximo mensal correspondente a quinze salários mínimos nacionais. - Na data em que o sinistrado apresentou reclamação junto desse Digmº Tribunal, já tinha decorrido o prazo de caducidade do direito de acção, conforme Artº 32, nº 1 da Lei nº 100/97 de 13 de Setembro.”. 19) É o seguinte o teor dos quesitos formulados pela Ré a submeter à junta médica: “1º) O A. apresenta sequelas lesionais e funcionais no joelho esquerdo comprovadamente emergentes de traumatismo? 2º) Pode comprovadamente estabelecer-se o nexo causal de eventuais sequelas no joelho esquerdo com exclusividade a traumatismo ocorrido em Janeiro de 2003? 3º) A ausência de qualquer queixa, tratamento ou assistência clinica desde Outubro de 2003 é compatível com o estabelecimento de nexo causal de sequelas actuais com o traumatismo de 2003? 4º) O decurso do tempo desde 2003 até à presente data impede a detecção de sobreposição de outros traumatismos às sequelas do traumatismo de 2003? 5º) O facto de o A. manter a sua actividade profissional sem qualquer limitação ou sequer necessidade de tratamento desde 2003 a 2006 pode ter influído na evolução não curativa de eventuais sequelas do traumatismo de Novembro de 2006? 6º) O decurso de 8 anos sem queixas ou assistência médica torna ténue e inseguro o estabelecimento de nexo causal entre estado actual e o traumatismo de Novembro de 2003? 7º) O A. apresenta sequelas valoráveis em IPP? Se sim de que grau? 8º) Em caso afirmativo ao quesito anterior é possível estabelecer com segurança e em exclusivo o nexo causal da IPP com o traumatismo de Novembro de 2003? 20) A junta médica respondeu aos mencionados quesitos do seguinte modo: “Os peritos respondem aos quesitos (…), por unanimidade: 1) Sim. 2) Estão relacionáveis. 3) Tal não nos foi reportado pelo examinado. 4) Não temos elementos para nos pronunciar. 5) Desconhecemos. 6) Tal não nos foi reportado pelo sinistrado. 7) Sim. Sequelas por ligamentoplastia do joelho (de acordo com o examinado meniscectomia parcial). 8) É de admitir a existência de essa atribuição de IPP.”. Pelos peritos do tribunal e da seguradora é proposta a IPP de 3,5% pelas sequelas de ligamentoplastia. Não foram presentes elementos documentais clínicos nos autos em que mencionem lesão meniscal e/ou sequela. Pelo perito do examinado é proposto a IPP de 6% lesão ligamentar e 4% pela lesão meniscal.”. 20. Do referido auto de junta médica consta ainda terem as sequelas sido enquadradas no Capitulo I.12.1.2. e sido atribuído o coeficiente de desvalorização de 0,035 de IPP. *** 1. No recurso, a Recorrente invoca para sustentar a alteração da matéria de facto determinada informação que, segundo ela, se extrairia dos seguintes sítios da internet: .http://www.zerozero.pt/match.php?id=149 e http://www.futebol365.pt/jogo/3788/ [que o A. jogou 90 minutos, não havendo registo de que tivesse sido substituído por lesão e, bem assim, que é facto notório, porque resulta do segundo site indicado, que o jogo se iniciou às 16h00, pelo que jamais se poderia ter prolongado até às 19h20].III. Questão prévia O Recorrido opõe-se alegando que: “ (…) Contudo a Ré para sustentar a tese de que o sinistro não ocorreu no dia 12 de janeiro de 2003, às 19,20 horas e durante o jogo com o J…, mesmo depois de ter sido confessado pelo representante legal da Ré na fase conciliatória que o sinistro ocorreu no dia 12 de janeiro de 2003, pretende a junção aos autos de documentos de forma encapotada ao fazer referência a dois sítios da internet que alegadamente referem não haver registo de lesão do Autor e que o jogo terá começado às 16 horas, o que não corresponde à realidade, porque (…) a informação aí contida não é informação oficial e, também, por se desconhecer o grau de fidedignidade da informação, e mesmo porque, nem toda a informação que circula na internet é fidedigna, logo, esta informação carece de credibilidade e não é suscetível de alterar a matéria de facto dada como provada e não provada. De qualquer modo, estes documentos não poderão ser tomados em consideração por se inadmissível a sua junção, porque, é excecional a faculdade de apresentar documentos com a alegação de recurso, por a instrução do processo se fazer na primeira instância, onde devem ser juntos todos os meios de prova, quer documental, quer testemunhal. Portanto, a junção de documentos com a alegação de recurso só pode ter lugar se a decisão da primeira instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseia em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam. A este propósito refere o Prof. Antunes Varela “A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão da 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado. Todos sabem, com efeito, que nem o juiz, nem os coletivos se podem utilizar de factos não alegados pelas partes (salvo o disposto nos artigos 514º e 665º do CPC). Mas podem, em contrapartida realizar todas as diligências probatórias que considerem à averiguação da realidade sobre os factos alegados (arts. 264º, nº 3, 535, 612º etc) e que nem o juiz nem o tribunal se têm de cingir, na decisão da causa, às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito (art. 664-1ª parte). A decisão da 1ª instância pode por isso criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio de probatório não oferecido pelas partes quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do nº 1 do artº 706 do CPC” Por conseguinte, só é permitida a junção de documentos com as alegações quando a sua junção se tornar necessária em virtude do julgamento em primeira instância, que pelo objeto da condenação se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida, ou seja, a junção só é possível se a necessidade era imprevisível antes de proferida a decisão em primeira instância. O que manifestamente não é o caso, porque a decisão da primeira instância não se baseou em prova não oferecida quer pelo Autor quer pela Ré, bem como, não se fundou em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação o Autor e a Ré justificadamente não esperavam, antes, a decisão baseou-se unicamente na prova oferecida pelo Autor e pela Ré, quer testemunhal, quer documental e o direito aplicado, bem como, a sua interpretação não surpreendeu o Autor e a Ré, por ser o direito que ambos estavam à espera que fosse aplicado nos presentes autos. De forma que, não se verificam os pressupostos para a admissibilidade da junção dos documentos que a Ré pretende que seja admitida, por não se tratar de documentos destinados a fazer prova de factos posteriores aos articulados, nem a sua necessidade resulta de uma ocorrência posterior ao encerramento da discussão da causa: Documentos que se destinam a sustentar factos não alegados pela Ré na sua contestação e não a fazer prova de factos posteriores aos articulados, assim como, a sua necessidade não resulta da decisão, isto é, a decisão não tornou necessária a sua junção. Todavia os documentos cuja junção a Ré pretende não têm qualquer força probatória, por ser tratarem de conteúdo de sítios da internet e cuja autenticidade e fiabilidade se desconhece, por consequência, tais documentos não destroem a prova produzida em julgamento e que foi considerada pelo MMº Juiz a quo para julgar procedente a presente ação. Por isso mesmo, a junção dos documentos não deve ser admitida por não se ajustar a qualquer uma das hipóteses enunciadas.”. 2. Uma coisa é a fiabilidade e credibilidade de determinado meio de prova, que se coloca a jusante, e, outra, é a sua admissibilidade, que se coloca a montante, cabendo agora apreciar dessa admissibilidade. 3. Dispõe o art. 651º, nº 1, do CPC/2013 que “1. As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância.” Por sua vez, de harmonia com os seguintes arts. do referido diploma: - Art. 423º: “1. Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2. Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3. Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. ” - Art. 425º: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”. Da conjugação dos citados preceitos decorre que, findo o momento até ao qual os documentos poderiam ser apresentados em 1ª instância, apenas poderão ser juntos documentos com as alegações de recurso quando a apresentação[1]: a) Não tenha sido possível, impossibilidade essa que pode ser objetiva (inexistência do documento em momento anterior) ou subjetiva (ignorância sobre a existência ou impossibilidade de a ele aceder), havendo o apresentante que alegar e demonstrar essa impossibilidade; b) Se os documentos se destinarem a provar factos posteriores aos articulados[2] ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior; c) Se a junção só se tornar necessária devido ao julgamento, o que ocorre se a decisão da 1ª instância se tiver fundado em meio probatório não oferecido pelas partes ou se se tiver baseado em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes, justificadamente, não contavam. Também esta Relação, no seu Acórdão de 15.02.2016, Proc. 651/13.3TTVNG.P1, in www.dgsi.pt, se pronunciou no sentido, que consta do respetivo sumário, de que: “I - Os documentos são meio de prova, tendo como finalidade a demonstração da realidade de factos (artigo 341º do Código Civil). Por essa razão, a lei exige que os documentos devam, por regra, acompanhar os respetivos articulados onde se alegue o facto respetivo (artigo 423º, nº 1 do CPC) e 63º, nº 1 do CPT). Se não forem juntos com o articulado respetivo, dispõe o nº 2 do artigo 423º do CPC, que os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. II - A junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam.”. De referir ainda que também já no âmbito do CPC revogado, a junção de documentos com as alegações de recurso apenas podia ter lugar se tal apresentação não tivesse sido possível, em sede de 1ª instância, até ao encerramento da discussão ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância (arts. 693º-B e 524º). Seja no âmbito do atual CPC, seja do revogado, não é pois possível a apresentação, em sede de recurso, de documentos de que a parte dispunha ou a que tinha acesso destinados a prova ou contraprova de matéria que foi objeto de discussão em sede de 1ª instância e que poderiam ter sido juntos pelo menos até ao encerramento desta. 4. No caso, a Recorrente não juntou, propriamente, documentos no seu sentido físico, de papel corporizando escrito representando determinada realidade de facto (cfr. art. 362º do Cód, Civil), mas remete para informação contida na internet, o que deverá, todavia, ser tratado como prova documental. Com efeito, a internet não é, em si, um meio de prova; meio de prova serão as realidades representadas na informação que dela consta e que, em bom rigor e para valerem como meio de prova, deveriam ter sido impressas e juntas, consubstanciando essa impressão o documento. Seja por via dessa impressão, que deveria ter lugar, seja por via da mera remissão para o sítio da internet (por economia, “comodismo” ou facilidade decorrente da vulgarização da utilização das novas tecnologias) onde se encontra a informação que deveria ser documentada, o tratamento deverá ser equiparado. Ora, no caso, a matéria a cuja contraprova se destina a remissão para os mencionados sítios da internet já estava disponível e é muito anterior aos articulados e ao encerramento da audiência de julgamento, não se encontrando minimamente justificada e demonstrada a impossibilidade da sua invocação e/ou junção das impressões respetivas em tempo oportuno (em sede de 1ª instância). Por outro lado, a junção do documento não se tornou necessária apenas por virtude do julgamento proferido em decisão da 1ª instância, já que a matéria a cuja contraprova se destina a invocação dos referidos sites constava dos articulados; para além de que a decisão da matéria de facto em causa não se fundou em meio probatório não oferecido ou não expetável pelas partes, nem em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação a Ré, justificadamente, não pudesse contar. Nem se destina a provar factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. Acresce dizer que a invocação dos referidos sites da internet visam a comprovação de factualidade que, só no recurso, a Ré/Recorrente vem alegar, qual seja a de que , no decurso do jogo em questão, o A. teria jogado os 90 minutos, não tendo sido substituído e que o jogo se teria iniciado às 16h00. Ora, a sua alegação apenas em sede de recurso é manifestamente extemporânea, pois que é na contestação que a Ré deve alegar a factualidade que tenha por pertinente à sua defesa (arts. 489º do CPC/1961, 573º do CPC/2013 e 129º, nº 1, do CPT) ou, na melhor das hipóteses para a Ré, até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em sede de 1ª instância (art. 506º do CPC/1961, 588º do CPC/2013 e, até, 72º do CPT). Daí que não só tal alegação não é processualmente admissível, como, consequentemente, inadmissível é o meio de prova em que a mesma se sustenta. Importa também referir, conforme adiante melhor se dirá no que se reporta à impugnação da decisão da matéria de facto relativa à ocorrência do acidente (para onde se remete), que a ocorrência do acidente/evento no dia em questão se encontra assente por acordo das partes na tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo, pelo que não mais aquele poderá ser questionado ou discutido nos autos. Ora, assim sendo, como é, a invocação da informação contida nos mencionados sites da internet é totalmente desnecessária. Resta dizer que os factos em questão, designadamente a hora do jogo de futebol em causa e/ou se o A. foi ou não substituído no decurso do jogo, não consubstanciam factos notórios, não lhes conferindo tal natureza a eventual existência de informação na internet. Nos termos do disposto no art. 412º do CPC/2013 (e em sentido similar o art. 514º do CPC/1961), factos notórios, que não carecem de alegação e prova, são os factos que são do conhecimento geral. Dizem José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, Coimbra Editora, pág.397, que são “notórios os factos do conhecimento geral, isto é, conhecidos ou facilmente cognoscíveis pela generalidade das pessoas normalmente informadas de determinado espaço geográfico, de tal modo que não haja razão para duvidar da sua ocorrência. (…). Embora o âmbito da notoriedade apareça hoje consideravelmente alargado mercê dos meios modernos de comunicação de massas, tal não significa que deva ser considerado notório todo o facto divulgado pela imprensa, rádio ou televisão, pois se pode mesmo assim duvidar da sua ocorrência. Sendo, por definição, indiscutível a sua verificação, o facto notório não carece de prova nem é suscetível de prova contrária, sem prejuízo de poder impugnar-se a sua notoriedade.”. A hora de um determinado jogo de futebol e/ou se determinado jogador foi ou não substituído, por muito popular que seja tal modalidade desportiva, não é, manifestamente, um facto notório, que seja do conhecimento da generalidade das pessoas, tanto mais num jogo ocorrido em 2003. E muito menos o é porque determinado site da internet o possa divulgar. Assim sendo, não se admitem os alegados meios de prova constantes das conclusões 5ª e 6ª do recurso da Recorrente. *** 1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 5º, nº 1, da Lei 41/2013, de 26.06 e do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).IV. Fundamentação Assim, são as seguintes as questões suscitadas: - Impugnação da decisão da matéria de facto; - Inexistência quer do acidente, quer do nexo de causalidade entre o alegado acidente e as sequelas determinantes da IPP; - Fraude à lei e abuso de direito. 2. Da impugnação da decisão da matéria de facto A Recorrente impugna a decisão da matéria de facto, havendo dado cumprimento aos requisitos previstos no art. 640º, nºs 1 e 2, al. a), do CPC/2013, pelo que se procederá à requerida reapreciação.Desde já se dirá que se procedeu à audição total da gravação dos depoimentos prestados: pelo A.; pelas testemunhas G… [médico ortopedista, clínico do departamento médico do D… e que, à data dos factos em causa nos autos, acompanhou clinicamente o A.], arrolada por este e K… [médico ortopedista, prestador de serviços da Ré]; S…, médico, que interveio, por nomeação do Tribunal no exame por junta médica, ouvido por iniciativa do Tribunal de 1ª instância; H…, médico e, à data dos factos em causa nos autos, coordenador do departamento clínico do D… e que também acompanhou a situação clínica do A.], testemunha esta inquirida por iniciativa oficiosa da 1ª instância. 2.1. A Recorrente impugna a resposta dada aos arts. 2, 3 e 4 da petição inicial, que foi levada à base instrutória, resposta essa que, de acordo com a decisão da matéria de facto proferida na sessão da audiência de julgamento de 27.092016 (ata de fls. 351 a 356), tem a seguinte redação: “Da petição inicial Artigos 2º, 3º e 4º: provado apenas que o Autor, no exercício das suas funções profissionais, quando no dia 12 de Janeiro de 2003, pelas 19,20 horas participava no relvado do Estádio E… num jogo de futebol, como jogador do D…, sofreu um traumatismo no joelho esquerdo.” A essa resposta correspondem, na sentença recorrida, os factos provados descritos nos nºs 4 (na parte que sublinhamos) e 6, com o seguinte teor e que a Recorrente refere impugnar: “4) Nessa data, o Autor sofreu um acidente que lhe provocou, directa e necessariamente, as lesões que determinaram uma ITA de 12/2/2003 a 29/10/2003, às quais se refere o relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito de trabalho de folhas 114 a 116 dos autos. 6) O acidente referido em 4) ocorreu quando o Autor, no exercício das suas funções profissionais, no dia 12 de Janeiro de 2003, pelas 19,20 horas, participava no relvado do Estádio E… num jogo de futebol, como jogador D…, e sofreu um traumatismo no joelho esquerdo.”. A Recorrente pretende que os mesmos sejam dados como não provados e indica, para tanto, os depoimentos das testemunhas, médicos, Drs. G… e H…. Em causa nesses pontos está, apenas, a existência do mencionado acidente e o nexo causal entre o mesmo e as lesões determinantes das incapacidades temporárias referidas. 2.1.1. Nos termos doa art. 112º, nº 1, do CPT/1999, “1. Se se frustrar a tentativa de conciliação, no respectivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída” , preceito este que tem como manifesto propósito o de delimitar o âmbito das questões a discutir em sede de fase contenciosa do processo especial emergente de acidente de trabalho, reduzindo-as àquelas sobre as quais não tenha havido acordo na tentativa de conciliação que tem lugar na fase conciliatória. Isso mesmo resulta do art. 131º, nº 1, do CPT, nos termos do qual o juiz, no despacho saneador, deve, para além do mais, considerar assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação e nos articulados [al. c)]. E, no que se reporta aos articulados, os factos assentes são aqueles que, alegados pelo A. na petição inicial, o Réu tenha aceite expressamente ou não os tenha impugnado, salvo se estiverem em oposição com a defesa considera no seu conjunto (cfr. arts. 574º do CPC/2013 e 490º do CPC/1961). 2.1.2. No caso, como resulta do auto de tentativa de conciliação cujo teor deixámos consignado no nº 18 dos factos provados, verificou-se, nessa tentativa de conciliação, acordo das partes, mormente por parte da Ré, quanto à ocorrência do acidente no dia 12.01.2003. Com efeito, de tal auto consta ter o A. declarado haver sido vítima de um acidente no dia 12.01.2003, que o mesmo ocorreu quando, nesse dia, jogava futebol ao serviço do empregador, D… e que consistiu em ter batido com o joelho esquerdo no chão, sendo que a Ré, na mesma, declarou expressamente que o A., nesse dia 12.01.2003 foi vítima de um acidente de trabalho. Mais resulta, desse auto, estarem as partes de acordo em que desse acidente decorreram lesões que determinaram períodos de incapacidade temporária: o A. referiu que do mesmo resultaram as lesões descritas no auto de exame médico de fls. 114 a 116 e que se encontra pago de todas as indemnizações devidas até à data da alta, havendo a Ré expressamente aceite os períodos de incapacidade temporária, a data da alta definitiva e o pagamento das indemnizações devidas pelos referidos períodos de incapacidade temporária, pagamento esse que ascendeu, segundo declarou a Ré, a €121.040,40. Assim, e desde logo por via do acordo obtido na tentativa de conciliação, encontra-se assente, para não mais poder ser discutido, que o A., no dia em causa, 12.01.2003 foi vítima do acidente que alega, que do mesmo resultaram lesões determinantes de incapacidade temporária e que a alta definitiva ocorreu a 29.10.2003. Mas mais. O A., na p.i., alegou que: “(…). 2. E no exercício dessa funções no dia 12 de janeiro de 2003, pelas 19,20 horas no relvado do Estádio E… quando participava num jogo de futebol, como jogador do D…, 3. Ao disputar uma bola em suspensão sofreu um traumatismo na perna esquerda, 4. O que provocou a sua queda sobre o joelho esquerdo, 5. Do traumatismo e da queda resultou uma rotura parcial do ligamento cruzado anterior esquerdo, 6. E, ainda, entorse do ligamento lateral interno esquerdo, 7. Em consequência das lesões sofridas o Autor foi sujeito a meniscectomia parcial externa por artroscopia e ligamentoplastia tipo osso-tendão-osso do LCA, (…). 8. Sendo que no momento do acidente o Autor trabalhava sob as ordenas, direção e fiscalização do D… SAD. 12. O acidente acima descrito provocou no Autor direta e necessariamente as lesões descritas nos relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito de trabalho de folhas 114 a 116, que aqui se dá por integralmente reproduzido, 13. Lesões que determinaram uma ITA de 12/2/2003 a 29/10/2003, (…)”. Na contestação, a Ré, em sede de defesa por impugnação, referiu o seguinte: “. 43º. Aceitam-se como verdadeiros os factos alegados em 1º, 8º, 9º, 11º, 12. 13º, 17º, 18º e 22 º da douta PI. 44º. Por não serem do seu conhecimento pessoal, a R. desconhece se são ou não verdadeiros e tal qual descritos, os factos alegados em 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7ºda douta PI que se impugnam ao abrigo do disposto no art.º 574.º n.º 3 do CPCiv. 45.º Na participação o A. alude a uma lesão contraída em 3/1/2003 e agora refere 12/1/2003, sendo que apenas esta foi participada.”. Como já referido, na tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo, o A. referiu, como data do acidente de trabalho, o dia 12.01.2003, acidente esse, sua caracterização como acidente de trabalho e respetivos períodos de incapacidade temporária que a Ré aceitou expressamente, pelo que tal factualidade se se encontra assente, sendo irrelevante que venha a Ré, na contestação, por em causa ou, pelo menos aparente e desnecessariamente, pretender por em causa ou suscitar dúvida, quanto à sua ocorrência, fazendo alusão a que da participação a juízo consta uma outra data. Aliás, e a este propósito, sempre se diga que é manifesto que a referência, na participação, do dia 03 de janeiro (e não 12 desse mês) decorre de lapso manifesto. Na tentativa de conciliação foi referido pelo A. o dia 12.01., sendo evidente que o que está em causa é o dia 12.01 e não o dia 03.01. Por outro lado, de todos os demais elementos constantes dos autos, designadamente dos próprios elementos fornecidos ao processo pela Ré (cfr. fls. 58, repetidos a fls. 70/71, relativos aos dados do sinistro, fls. 98 – participação do acidente de trabalho pelo D… à Ré Seguradora, boletim de alta de fls. 110), consta como data da sua ocorrência o dia 12.01.2003. E é também irrelevante se o acidente ocorreu ou não às 19h20m, se o A. estava ou não a disputar uma bola, se estava ou não em suspensão, se sofreu ou não uma “entrada por trás”, se ao cair, caiu ou não com o bico do pé, sendo que o que releva é que o acidente ocorreu, que ocorreu no dia 12.01.2003 e que se verificou quando o A. participava num jogo de futebol quando se encontrava no exercício das suas funções ao serviço do seu empregador e que a Ré aceitou, na tentativa de conciliação, a sua ocorrência e a sua caracterização como acidente de trabalho. De todo o modo, e pese embora a Ré haja, na contestação, impugnado, sob a alegação de desconhecimento por não ser do seu conhecimento pessoal, os arts. 2º a 7º da p.i., o certo é que aceitou os arts. 8º, 12º e 13º, que aludem ao acidente, ao facto de o mesmo se ter verificado quando o A. trabalhava sob as ordenas, direção e fiscalização do empregador e de dele terem decorrido as lesões descritas no exame médico singular e que estas determinaram os períodos de incapacidade temporária invocados. Acresce dizer, ainda que desnecessário fosse, que a invocação do desconhecimento de determinado facto para efeitos, nos termos do art. 574º, nº 3, do CPC/2013 (art. 490º, nº 3, do CPC/1961, de teor similar), não vale para todo e qualquer facto. Nos termos do citado preceito, “3. Se o Réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o Réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação em caso contrário.”. Ou seja, a invocação pelo réu do desconhecimento apenas equivale a impugnação quando se trate de facto que não seja pessoal ou de que não deva ter conhecimento. Ora, no caso, a Ré mantinha com o D… um contrato de seguro por via do qual a responsabilidade por acidente de trabalho de que o A. fosse vítima para ela se encontrava transferida, o acidente em causa foi participado à Ré, a data da alta definitiva foi-lhe comunicada, a Ré pagou as indemnizações por incapacidade temporária. Não pode pois a Ré alegar, para efeitos de impugnação, desconhecimento do acidente em causa. Ainda que não se trate de facto pessoal, trata-se de facto de que deveria ter conhecimento, pelo que a impugnação com base em desconhecimento equivale a confissão. Ou seja, e em conclusão, os factos ora em apreço encontram-se admitidos por acordo das partes, designadamente na tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo, sendo por consequência irrelevante a prova pessoal (depoimento do A. e depoimentos testemunhais) que haja sido, ou não, produzida, assim devendo improceder a impugnação aduzida. Importa ainda esclarecer que a tal não obsta a circunstância de o facto haver sido, pela 1ª instância, considerado como controvertido e levado à base instrutória, pois que, assente que esteja, o mais que ocorre é a inutilidade da produção de prova que sobre ele tenha tido lugar (prática de ato inútil). Conforme Assento 14/94, publicado in DR. I Série, de 04.10.1994, atualmente com o valor de uniformização de jurisprudência, a inexistência de reclamação sobre factos que tenham sido dados como assentes no despacho saneador e, bem assim, a inexistência de recurso sobre a reclamação, não impõe a formação de caso julgado, podendo o facto vir a ser considerado como controvertido. Ora, se assim é para os factos assentes que poderão ser considerados controvertidos, por maioria de razão o será em relação aos tidos como controvertidos, mas que se encontram assentes. Acresce que, nos termos do art. 607º, nº 5, do CPC/2013, “a livre apreciação da prova não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por do documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.” [sublinhado nosso] 2.1.3. De todo o modo, e tendo em conta a impugnação aduzida quanto aos arts. 5º e 6º, que assenta na pretendida alteração das respostas aos arts. 2, 3 e 4 e nos mesmos meios de prova, sempre se dirá que a impugnação relativa à ocorrência do acidente carece em absoluto de fundamento. Desde logo, concorda-se com a fundamentação aduzida pela 1ª instância quanto à resposta a esses arts. 2, 3 e 4, que reflete, no essencial, o que decorre da prova e que se passa a transcrever: “Em relação ao acidente propriamente dito, apesar de o Autor e o médico G… terem descrito uma dinâmica diferente daquela que consta na petição inicial (pois disseram que a lesão foi contraída depois de o Autor, quando se preparava para recepcionar uma bola que seguia junto à relva, sofrer uma “entrada por trás” de um jogador da equipa adversária, não mencionando qualquer disputa de bola em suspensão), não se ficou com qualquer dúvida quanto ao facto de o Autor, durante o jogo que decorria no dia 12/01/2003 (e não no dia 3/01 como erradamente foi referido a fls.2, quiçá decorrente da errada leitura da data aposta no doc. de fls.98) entre o D… e o J… (como foi referido pelo Autor e pela testemunha acima mencionada e consta também na anotação da participação de acidente de fls.101), ter sofrido um traumatismo no joelho esquerdo, já que isso se mostra conforme com todos os registos documentais juntos aos autos pelo D… (cfr., designadamente, os docs. de fls. 98 a 101) e pela seguradora (cfr. o doc. de fls.70-71 com os dados do sinistro).”. Com feito: Não apenas o A., mas também as testemunhas G…, médico especialista em medicina do trabalho e clínico do departamento médico do D…, que acompanhou o A. na lesão que teve e na sua recuperação, confirmou a ocorrência do acidente no jogo do D… com o J…, tendo também confirmado a realização das ressonâncias magnéticas cujos relatórios constam de fls. 94ª 97, reportando a de fls. 94 a RMN efetuada logo no dia imediato, 13.01, e cujas lesões, referidas nas respostas aos arts. 5º e 6º da p.i. (nº 7 dos factos provados elencados na sentença) são perfeitamente compatíveis com o acidente/ traumatismo sofrido pelo A. no dia anterior; a referida testemunha confirmou que o A. caiu sobre a perna esquerda, com torção do joelho, o que lhe ocasionou tais lesões e que, nessa época, não mais jogou. Tal acidente, lesões e acompanhamento médico pelo D… foi também corroborado pela testemunha H…, médico e então diretor do departamento clínico do D…. O acidente foi participado à Ré conforme decorre de fls. 98. O A. esteve com ITA desde essa data até 29.10.2003, sendo que a Ré pagou a indemnização, no montante de €121.040,40, correspondente ao período de 12/02/2003 a 20/10/2003 (nos termos do contrato de seguro os primeiros 30 dias não são por ela suportados) como decorre dos elementos juntos aos autos pela própria Ré (documentos de fls. 77 a 79) e conforme pela mesma declarado na tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo, pelo que não se compreende que tivesse procedido a tal pagamento se não tivesse o A. sofrido tal acidente e/ou a Ré não tivesse aceite a sua existência e a sua caracterização como acidente de trabalho. Dos elementos enviados pela própria Ré ao Tribunal, consta o documento de fls. 70 onde é mencionada como data do acidente a de 12.01.2003. A ré, na tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo referiu que “o sinistrado sofreu um acidente de trabalho no dia 12 de janeiro de 2003”. 2.1.4. É, pois, totalmente incompreensível que pretenda a Recorrente por em causa a resposta dada aos arts. 2, 3 e 4 da p.i (a que correspondem os nºs 4 e 6 dos factos provados na sentença), impugnação que é, assim, improcedente. 2.2. A Recorrente impugna a resposta dada aos arts. 5º e 6º da p.i., matéria constante da base instrutória, resposta essa que foi dada em conjunto e da qual consta o seguinte: “Artigos 5º e 6º: provado apenas que do traumatismo referido na resposta anterior resultou uma rotura parcial do ligamento cruzado anterior esquerdo e, ainda, entorse do ligamento colateral interno esquerdo.”. Tal resposta corresponde ao nº 7 do elenco dos factos provados constantes da sentença, que tem o seguinte teor: “7) Do traumatismo referido em 6) resultou uma rotura parcial do ligamento cruzado anterior esquerdo e, ainda, entorse do ligamento colateral interno esquerdo.”. A Recorrente pretende que o mesmo seja dado como não provado, o que sustenta na alteração, para não provado, do factos referidos no ponto anterior e para o que invoca os meios de prova aduzidos a propósito da impugnação anterior. 2.2.1. Como já acima referimos o A., no art. 12º da PI, alegou que “12. O acidente acima descrito provocou no Autor direta e necessariamente as lesões descritas nos relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito de trabalho de folhas 114 a 116, que aqui se dá por integralmente reproduzido”, facto esse que a Ré aceitou expressamente no art. 43º da contestação. Do mencionado auto de exame médico singular de fls. 114 a 116 consta, sob a epígrafe “Dados Documentais”, que: “Da documentação clínica que nos foi facultada consta cópia de registos da Cª de Seguros C… e dos Serviços Clínicos D…, da qual se extraiu o seguinte: O examinado sofreu acidente de trabalho a 11-02-2003, tendo sido sempre tratado pelos médicos do clube. Os períodos de incapacidade concedidos foram os seguintes: ITA de 12-02.2003 a 29-10-2003. Teve alta curado sem desvalorização em 29-10-2003. (…) Em resposta ao solicitado no relatório pericial previamente elaborado, recebemos a seguinte informação clínica: Relatórios de RMN do joelho esquerdo datados de 13-01-2003, 26-02-2003, 04-04-2003 e 21-04-2003, revelando a primeira das quais: lesão parcial do ligamento cruzado anterior sugerindo laxidez, lesão de grau II do ligamento colateral interno, contusão óssea discreta do côndilo femoral externo e derrame sero-hemático. (…)”. De tal laudo consta ainda, sob a epígrafe “2. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento”: “O examinado apresenta as seguintes sequelas e demais exame físico: - Membro inferior esquerdo: perímetro da coxa, medido a 15 centímetros do pólo superior da rótula – 53 centímetros; ténue cicatriz linear do tipo cirúrgico, sem queixas subjetivas associadas, disposta longitudinalmente na linha média do joelho, com 9 centímetros de comprimento; laxidão ligamentar anterior +/+++; sem ressalto; sem laxidão posterior ou ao stress em valgo/varo significativo; crepitação ligeira à mobilização; sem derrame articular de médio/grande volume ou edema peri-articular apreciável; arco de flexão 0º - 125º.”. A “rotura parcial do ligamento cruzado anterior esquerdo e, ainda, entorse do ligamento colateral interno esquerdo.” referida no nº 7 dos factos provados é mencionada no laudo do exame médico singular por referência ao que consta da RMN de 13.01.2003, não sendo, contudo, especifica ou expressamente referida na descrição que se fez no âmbito das “Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento”. Ora, assim sendo e ainda que a Ré haja aceite o alegado pelo A. no art. 12º da PI e na medida em que o alegado por este em tal artigo remete para o mencionado laudo, não poderemos ter o facto ora em causa como admitido por acordo das partes nos articulados (e também não foi expressamente admitido na tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo). O mesmo haverá, pois, que ser tido por controvertido, pelo que é admissível a impugnação aduzida e que cumpre apreciar. 2.2.2. A este propósito, na fundamentação da decisão da matéria de facto o Mmº Juiz referiu o seguinte: “Quanto às consequências do sinistro, mostrou-se desde logo inequívoco que o traumatismo provocou a rotura parcial do ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo do Autor, bem como a entorse do ligamento colateral interno desse joelho, já que esses dados se encontram devidamente assinalados no relatório da ressonância magnética que foi efectuada ao referido joelho logo no dia 13/01/2003 e cuja cópia consta de fls.94 dos autos. Por outro lado, face à descrição sobre o tratamento que foi efectuado ao jogador pelos médicos que acompanharam esse processo, mais concretamente o Dr. H… e o Dr. G…, percebeu-se que foi tomada a opção de não submeter logo o Autor a cirurgia, antes sendo observado um tratamento conservador acompanhado de controlo clínico para aferição da evolução do estado do joelho (o que foi feito com o recurso a observações médicas regulares e, entre o mais, aos exames por ressonância magnética que se encontram documentados a fls. 95 e seguintes) para que, depois, ele voltasse de forma gradual a correr e a integrar-se progressivamente nos treinos para, mais tarde, voltar à competição.” 2.2.3. Concordamos com o aduzido na fundamentação transcrita que traduz, no essencial, o que resulta dos depoimentos nela mencionados. Por outro lado, a impugnação aduzida era sustentada quer na procedência da alteração pretendida quanto aos pontos anteriores (respostas aos arts. 2, 3 e 4 da p.i./nºs 4 e 6 dos factos elencados na sentença), alteração essa que improcedeu. E era também sustentada nos mesmos meios de prova aduzidos quanto a esses pontos, sobre o que já acima nos pronunciámos (cfr. ponto 2.1.3.), sendo todavia e apenas de realçar que os depoimentos das testemunhas invocadas pela Recorrente, ao contrário do que esta pretende, corroboram a existência das lesões mencionadas no nº 7 dos factos provados e o nexo causal entre as mesmas e o acidente. A impugnação aduzida carece pois de fundamento, sendo a resposta dada correta e assim improcedendo a alteração pretendida. 2.3. A Recorrente impugna a resposta dada, na parte que se sublinhará, ao art. 7º da p.i., objeto da base instrutória, da qual consta o seguinte: “Artigo 7º: provado apenas que em consequência das lesões sofridas o Autor foi sujeito a ligamentoplastia tipo osso-tendão-osso do LCA, com o esclarecimento de que essa intervenção cirúrgica ocorreu depois de se verificar a rotura completa do ligamento cruzado anterior esquerdo.”. Tal ponto corresponde ao nº 8 dos factos provados elencados na sentença recorrida. Entende a Recorrente que o segmento do mesmo em que se refere “em consequência das lesões sofridas” deverá ser dado como não provado, sustentando, em síntese, que a ligamentoplastia a que o A. foi sujeito não decorre da rutura parcial sofrida em 12 de janeiro, mas de uma outra lesão com rotura total do LCA ocorrida por virtude de um traumatismo, em condições e circunstâncias que se desconhecem, verificado em 06.04.2003 e que foi trazido ao conhecimento dos autos pela testemunha H…. Invoca o depoimento da testemunha H… e as RMN de 04.04.2013 e de 21.04.2013, de acordo com as quais a rutura total do ligamento cruzado anterior teria resultado de outro traumatismo sofrido pelo A. 2.3.1. A este propósito, na fundamentação da decisão da matéria de facto aduzida pelo Tribunal a quo foi, após o que já se deixou transcrito, referido o seguinte: “Todavia, resultou também do testemunho do Dr. G… que, quando esse processo de recuperação ainda estava em curso, em 6/04/2003, ocorreu durante um treino mais um episódio traumático no joelho que, tendo redundado na ruptura completa do ligamento cruzado anterior (assinalada aliás na ressonância efectuada em 21/04 – cfr. doc. de fls.97), motivou que o Autor, em 29/04/2003, tivesse sido sujeito a uma intervenção cirúrgica de ligamentoplastia do ligamento cruzado anterior. Já no que concerne à realização de uma meniscectomia parcial externa por artroscopia ao joelho esquerdo do Autor, não ficou claro face às declarações das testemunhas quando é que esse tipo de intervenção foi efectuado ao Autor, pelo que, antes a inexistência nos autos de documentação clínica que a ateste, não foi a mesma mencionada na resposta dada sobre os factos provados. No que diz respeito à ligação causal entre o acidente traumático ocorrido em 12/01/2003 e a ligamentoplastia que foi feita ao Autor, entendeu-se não ter sido feita prova nos autos de que o episódio verificado quando, no dia 6/04/2003, o Autor já estava integrado em treino, tivesse interrompido processo causal iniciado em 12/01/2003. Com efeito, resultando dos relatórios periciais de fls. 89 a 91 e de fls.182-183 do apenso “A” que é possível estabelecer um nexo causal directo entre o traumatismo do dia 12/01 e a ligamentoplastia efectuada ao joelho esquerdo do autor, para afastar essa relação necessário seria que tivessem sido carreados para os autos elementos que sustentassem que, independentemente da intervenção cirúrgica não poder ser dissociada do episódio ocorrido em 6/04/2003, este último episódio sobrepôs-se e interrompeu in totum o processo causal que estava em curso. Essa prova, efectivamente, não foi feita, pois a verdade é que, como foi afirmado pelos Drs. H… e G…, aquando do episódio do dia 6/04/2003, a lesão do ligamento cruzado anterior que tinha ocorrido em Janeiro anterior ainda não estava consolidada, mantendo o joelho uma fragilidade que, enquanto tal, não pode deixar de ser vista como um factor causal para a rotura completa do ligamento cruzado anterior que motivou a realização da ligamentoplastia. Neste mesmo sentido, aliás, se pronunciou também o Dr. T…, quando ouvido na audiência de julgamento em esclarecimentos sobre o relatório pericial do exame por junta médica em que participou como perito do tribunal. (…) Esclareça-se, finalmente, que, mesmo ponderando-se o facto de o documento de fls.178 referir que o Autor, em 7/08/2003, estava apto, sem restrições, para exercer a actividade de jogador profissional de futebol, bem como aquilo que foi dito na audiência de julgamento pelo Dr. K… sobre a lesão sofrida pelo Autor e, ainda, o teor do parecer intitulado “opinião médico-legal” subscrita pelo Prof. Doutor L… (cfr. fls. 251 a 260), entendeu-se haver base sólida e consistente para, face ao valor da prova pericial que foi produzida nos autos no contexto dos exames médicos efectuados (cfr. relatório pericial fls. 89 a 91 e auto do exame de perícia colegial de fls.182-183 do apenso “A”) sustentar que existe uma relação causal entre o sinistro ocorrido em 2003 e a incapacidade permanente parcial fixada na decisão proferida em 2/07/2015 no apenso de fixação de incapacidade, sendo certo também que, conforme foi explicado pelo próprio subscritor do doc. de fls.178 (Dr. G…), a declaração de aptidão vertida no exame base médico-desportivo mais não visaria do que expressar a inexistência de problemáticas incapacitantes dos atletas que o clube pretendia inscrever na Federação Portuguesa de Futebol para poderem competir na época desportiva que se estava a iniciar, não certificando já que, no exacto momento em que a mesma foi subscrita, o atleta dispusesse de condições para competir.”. 2.3.2. Concorda-se igualmente com a resposta dada e com a fundamentação transcrita. É certo que as RMN de fls. 94 e 95, efetuadas a 13.01.2003 e 26.02.2003, documentam lesão do ligamento cruzado anterior parcial e não total, referindo todavia a de fls. 94 “lesão do ligamento cruzado anterior provavelmente parcial que mantém algumas escassas fibras integras no terço médio que originou (…) que sugere laxidez.”. A de fls. 96 (de 04.04.2003) refere apenas, na conclusão, “lesão do cruzado anterior”, não apontando todavia no sentido de rutura completa, à qual não faz referência. Já na RMN de fls. 97, relativa ao dia 21.04.2003, faz-se referência a “ruptura completa do terço médio do ligamento cruzado anterior” e, ainda, que “Há ainda discreta contusão óssea da vertente posterior externa do prato tibial”. Ou seja, parece poder concluir-se de tais exames que terá havido um agravamento/alteração da lesão, que de uma rutura parcial passou a uma rutura total do ligamento cruzado anterior. Concordamos, todavia, com a fundamentação transcrita, afigurando-se-nos igualmente que tal alteração não é mais do que um agravamento da situação anterior, não havendo qualquer interrupção do nexo causal entre o acidente de 12.01. e essa alteração. Dos depoimentos das testemunhas G… e H… decorre que: após a lesão (rutura parcial do ligamento cruzado anterior e que como tal começou por ser tratada com tratamento conservatório), há um período de recuperação com várias fases sucessivas designadamente: fisioterapia, reforço muscular, mobilidade articular, treino sozinho, treino integrado já com a equipa mas condicionado, treino com a equipa mas sem ser para competição e depois integração na competição; pode ocorrer que a imagem radiológica não detete a rutura total, mas admitindo que ela não teria existido inicialmente, durante esse processo de recuperação, terá ocorrido essa rutura completa, possivelmente por algum traumatismo, que contudo não souberam concretizar. Certo é que a rutura parcial provoca um quadro de instabilidade e de maior laxidez, como também referiu o perito T…. Ora, tal provoca uma maior fragilidade, o que pode determinar, sem um traumatismo de “maior magnitude” (nas palavras do referido perito), a ocorrência da rutura total. Mais referiu o mencionado perito que, anteriormente (RMN iniciais) o A. apresentava contusões ósseas que indiciavam um traumatismo maior do que o apresentado na RMN de 21.04.2003 e que neste seria apresentado se houvesse um traumatismo de maior significado, salientando nós agora que, pese embora nessa ressonância de 21.04 se faça referência a contusão óssea, a mesma reporta-se a “discreta contusão óssea”. A testemunha H… referiu que pode ter existido algum traumatismo “intermédio”, bastando apoiar o pé, os pitões prenderem na relva e o joelho rodar, que um determinado movimento e queixas num treino podem acontecer, que até ter estabilidade há sempre uma certa fragilização, que no período de recuperação pode ser feito um movimento que leve a um agravamento do que já tinha, fazendo parte do processo de recuperação, e que este “não é estar deitado numa cama à espera que passe”. Ou seja, e em conclusão, não foi feita prova da existência de um qualquer novo acidente, mas sim de que, no decurso do processo de recuperação da lesão inicial – rutura parcial -, esta, por um qualquer motivo não apurado, se agravou, agravamento que está relacionado com a maior fragilidade decorrente da lesão inicial, não havendo qualquer interrupção no nexo causal entre o acidente verificado a 12.01.2003, a lesão dele decorrente e o agravamento que ocorreu. Também a junta médica se pronunciou no sentido de que o A. apresenta sequelas por ligamentoplastia e do nexo de causalidade entre essas sequelas e o acidente como resulta das respostas aos quesitos médicos 2º, 7º e 8º. E, diga-se, quanto a essas sequelas e seu nexo causal com o acidente, o laudo foi emitido por unanimidade, com ele havendo também o próprio perito da seguradora concordado. A falta de unanimidade apenas ocorreu em relação ao nexo de causalidade entre o acidente e as sequelas meniscais, pois que os peritos do tribunal e da seguradora entenderam não poderem concluir no sentido da verificação de tal nexo, ao contrário do que respondeu o perito do sinistrado no sentido da sua verificação (e, daí, ter proposto uma IPP superior à considerada pelos peritos do Tribunal e da seguradora) como, tudo, resulta com manifesta clareza das respostas dadas pela junta médica, designadamente a esses quesitos 7º e 8º. E o Mmº Juiz não atendeu às sequelas meniscais, tendo considerado como não provado o nexo de causalidade entre as mesmas e o acidente. Assim, e nesta parte, improcede também a pretendida alteração da decisão da matéria de facto. 2.4. Pretende a Recorrente que, no nº 16 dos factos provados, a referência a “ficou afectado” seja substituída por “se encontra afectado”, já que, segundo diz, o exame por junta médica em que se baseia tal conclusão é atual (2015), sendo que o que ficou provado gera ambiguidade pela indefinição temporal resultante do uso do pretérito perfeito, quando a alta ocorreu mais de 7 anos antes e a redação proposta é a expressão constante da decisão proferida no apenso de fixação de incapacidade. Não assiste razão à Recorrente. Tal questão, em retas contas, prende-se com a do nexo de causalidade entre o acidente e as sequelas consideradas pela sentença recorrida (e correspondente IPP de 3,5%), sendo que, como acima se decidiu, tal nexo encontra-se assente e encontra-se por reporte à data da alta definitiva. A avaliação, ainda que feita posteriormente, tem por reporte a data da cura clinica (que não foi posta em causa nos autos) e nada nos autos permite concluir que assim não fosse, nem a prova produzida, designadamente testemunhal e pericial, autorizam tal conclusão, dela não resultando, muito menos com a necessária segurança, que no caso concreto, a posterior atividade do A. e/ou a idade e desgaste delas decorrentes tivessem efetivamente provocado qualquer agravamento posterior à referida alta definitiva de tal modo que a IPP atribuída não correspondesse à situação que se verificava à data da alta. Diga-se que, pese embora a testemunha G… haja referido que o facto de o A. posteriormente ter jogado futebol agravar as sequelas por haver uma carga maior e ser uma consequência da profissão, fê-lo de forma vaga e genérica, nada resultando de concreto que infirme a avaliação feita pela junta médica e a IPP por esta atribuída e que leve à conclusão de que esta não refletisse a situação verificada à data da alta. Por outro lado, se é certo que na decisão de fixação da incapacidade que consta do apenso se refere que o A. “se encontra afectado por uma incapacidade perante parcial de 3,5%” e não que “ficou” afetado dessa incapacidade, o certo é que não poderia deixar de ser assim. É que a questão do nexo de causalidade entre o acidente e as lesões/sequelas não é decidida no apenso de fixação da incapacidade, mas sim no âmbito da ação, principal, pelo que nem seria curial que o Mmª Juiz, nesse apenso, decidisse que o A. “ficou” afetado da IPP de 3,5%, tempo verbal esse que indicia ou poderia sugerir a existência de decisão no sentido de, logo ali, se estabelecer o nexo causal. Assim, e nesta parte, improcede a alteração pretendida. 2.5. Por fim, pretende a Recorrente que o art. 6º da contestação, levado à base instrutória e que foi dado como não provado, tenha a seguinte redação: “Provado apenas que, visto pelo médico do clube, pelo mesmo foi comunicado ao autor que tinha alta das lesões podendo retomar os treinos”, para o que invoca o depoimento da testemunha Dr. G…, conjugado com os relatórios médicos de fs. 178 e 110 e mais referindo, em síntese, ser evidente o interesse do jogador em ocultar a lesão dado ir ser colocado no mercado de transferências. Era o seguinte o teor do art. 6º da contestação: “Pois, visto então pelo médico do clube, pelo mesmo foi comunicado ao A., que tinha alta das lesões sem qualquer incapacidade, podendo retomar os treinos e regressar à competição sem qualquer limitação.”. Na fundamentação da decisão da matéria de facto, com relevo, o Mmº Juiz referiu o seguinte: “(…) não se afigurou duvidoso que, tal como confirmado pela testemunha T…, o Autor jamais tenha, antes da apresentação da participação que deu origem aos presentes autos, formulado qualquer reclamação junto da ora Ré sobre o facto de - como surge agora a alegar - não ter ficado curado sem incapacidade. Não obstante, nenhuma prova tendo emergido nos autos sobre o facto de o D… ter ou não transmitido ao Autor que havia sido considerado como curado sem incapacidade ou que lhe tenha sido dado conhecimento do teor do boletim de alta documentado de fls. 108 a 111, apenas pôde ser tido como certo que o D… e a seguradora aceitaram a alta do jogador com referência à mencionada data de 29/10/2013 e que a seguradora, nessa sequência, procedeu aos pagamentos devidos. Consequentemente, não se demonstrou que o Autor se manteve, desde 2003 até à data em que impulsionou a presente acção, sem formular qualquer reclamação quanto a eventuais sequelas da lesão que então sofreu para evitar que o seu estado físico fosse sindicado quando ainda desenvolvia a actividade de jogador de futebol.”. E a propósito do documento de fls. 178, referiu-se na fundamentação da decisão da matéria de facto o seguinte: “(…), conforme foi explicado pelo próprio subscritor do doc. de fls.178 (Dr. G…), a declaração de aptidão vertida no exame base médico-desportivo mais não visaria do que expressar a inexistência de problemáticas incapacitantes dos atletas que o clube pretendia inscrever na Federação Portuguesa de Futebol para poderem competir na época desportiva que se estava a iniciar, não certificando já que, no exacto momento em que a mesma foi subscrita, o atleta dispusesse de condições para competir.”. 2.5.1. A fundamentação aduzida pela 1ª instância mostra-se correta, assim como a resposta dada, não permitindo a prova produzida, tão-pouco, a resposta restritiva pretendida pela Recorrente (de que foi ao A. comunicado que teve alta das lesões e que podia retomar os treinos). A testemunha invocada pela Recorrente, Dr. G…, referiu que à data dos factos não era, como atualmente sucede, entregue aos jogadores qualquer boletim de alta; que o processo de recuperação passava por várias fases (a que já acima fizemos referência) e que quando um jogador passava a integrar a equipa em competição sabia que tinha alta e que a diferença, em relação ao que sucede atualmente é que os jogadores assinam um papel a dizer que têm conhecimento da alta e que, anteriormente não assinavam. Mas disse claramente que não entregavam qualquer boletim de alta e que nem comunicavam aos jogadores que tinham alta. Ou seja, não decorre do referido depoimento, nem da restante prova, que tivesse sido comunicado ao A. que teve alta das lesões e que podia retomar os treinos. Aliás, nem se apurou que, após a alta, o A. tivesse treinado enquanto jogador de futebol. Com efeito, como foi referido pelo A. no seu depoimento, o mesmo foi, em julho ou agosto de 2003, convidado para exercer as funções de treinador do D…, as quais exerceu até que foi para a T…, “mais ou menos” em Abril de 2004, não mais, desde o acidente, tendo exercido a atividade de jogador no D…. E também do depoimento da testemunha G… resulta que o A. passou a exercer as funções de treinador, não tendo voltado, enquanto jogador, à competição. Com efeito, este referiu que a integração do A. em competição não se chegou a verificar, pois que ele, em outubro de 2003, passou a ser treinador. Ora serve isto para dizer que tais declarações não permitem, sequer, concluir que o A., à data da alta definitiva (29.10.2003) ou posteriormente, haja participado em treinos enquanto jogador e, bem assim, que lhe haja sido comunicado, na data de tal alta, que a tinha e que podia participar nos treinos como jogador. De referir ainda que, de acordo com o depoimento do A., nunca lhe foi dito que tinha alta, tendo ainda à pergunta se “lhe foi dito que tinha alta, que estava bom, que podia voltar a jogar” respondido que “nunca disseram”. Quanto ao documento de fls. 110, consubstancia um boletim de alta, emitido pela Ré, de onde consta que o A. teve alta a 29.10.2003 e em que se encontra assinalada a opção “cura sem desvalorização”. Tal documento é emitido pela própria Ré, não se encontra assinado pelo A., nem dele decorre que o A. haja tido conhecimento do mesmo. Esse documento não faz, pois, prova, de que o A. o haja recebido ou dele tivesse tido conhecimento, pelo que não permite o mesmo a prova do facto em causa. Quanto ao documento de fls. 178, datado de 07.08.2003 e emitido pelo Exmº Sr. Dr. G… (testemunha acima referida), tem o seguinte teor: “ EXAME BASE G… médico, (…), atesta que B… (…), está apto a exercer a actividade de Jogador Profissional na categoria SÉNIOR, SEM restrições.”.MÉDICO-DESPORTIVO A sentença recorrida pronunciou-se sobre o referido documento e sobre o que, a propósito do mesmo, foi testemunhado pelo seu subscritor e fê-lo em termos consonantes com o que foi pelo mesmo explicado. Com efeito, por este foi referido que tal declaração tem por base essencialmente os exames médico desportivos a nível cardiológico e pulmonar, que ela se destina e é necessária à inscrição dos jogadores para a época desportiva, que existe um prazo para o efeito e que uma lesão desportiva que ainda se encontre em recuperação não constitui obstáculo à sua emissão. Tal documento não faz, manifestamente, prova de que o A. tivesse tido conhecimento da alta definitiva, que esta lhe tivesse sido comunicada e que, concretamente, haja retomado os treinos. Desde logo tal não é referido no documento, nem o mesmo se destina ao A., para além de que, mas não menos relevante, o documento é até anterior à data da alta definitiva. Com efeito, esta ocorreu aos 29.10.2003 e o documento foi emitido aos 07.08.2003, ou seja, dois meses antes. É pois evidente que não poderia o mesmo atestar, nem o A. ter conhecimento, de um facto que ainda não se tinha verificado. Improcede, assim e também nesta parte, a pretendida alteração da decisão da matéria de facto. 3. Inexistência do acidente e de nexo de causalidade entre o acidente de trabalho e as sequelas determinantes da IPP Pugna a Recorrente pela inexistência quer do alegado acidente, quer do nexo de causalidade entre o acidente e as sequelas determinantes da IPP. A procedência da sua pretensão passava, nesta parte, pela alteração da decisão da matéria de facto, alteração essa que improcedeu. De todo o modo, dir-se-á que, nos termos do art. 6º da Lei 100/97, de 13.09 (a aplicável atenta a data do mesmo) que é acidente de trabalho “aquele que se verifique no local e tempo de trabalho e produza direta ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.”. No caso, atenta a matéria de facto provada, é manifesto que o acidente de que o A. foi vítima no dia 12.02.2003 consubstancia um acidente de trabalho. O mesmo ocorreu no local e tempo de trabalho do A., pois que se verificou quando o A. disputava, ao serviço do D…, sua entidade empregadora, um jogo de futebol. E dele resultou lesão determinante de incapacidade para o trabalho, desde logo, de incapacidade temporária para o trabalho (de que já foi ressarcido), o que tanto basta para tal caracterização. No que se reporta ao nexo de causalidade entre tal acidente e as lesões/sequelas de que padece e que lhe determinam, desde a data da alta definitiva, a IPP de 3,5% , está tal matéria provada, tendo improcedido a impugnação da decisão da matéria de facto a esse propósito aduzida. Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso. 4. Da fraude à lei e do abuso de direito A este propósito alega a Recorrente que:“25ª) Dos factos dados como provados nos pontos 1, 4, 5, 6, 9, 11, 12, 13 e 15 da sentença, resulta evidente que não há a menor justificação para o A. ter esperado 7 anos para efectuar a participação a juízo de forma a obviar aos inconvenientes para a sua carreira da verificação de uma eventual invalidez, e ao mesmo tempo de mitigar pelo tempo o despiste do nexo causal esperando pelo momento adequado a poder ser detectada uma IPP; 26ª) Um futebolista profissional – que tem na sua performance física a 100% – um requisito para o desempenho profissional, não pode ignorar quando lhe é dada alta e permitido o regresso aos treinos, ou muito menos, depender da “comunicação formal” através da subscrição de um boletim clinico para poder ser havido como apto; 27ª) A sua invocação da não comunicação formal da alta para contornar o curto prazo de caducidade fixado pelo legislador no art. 32.º da LAT, no seu caso particular em que essa comunicação não foi necessária nem desejada (nunca a reclamou) para que regressasse à competição e progredisse na carreira consubstancia evidente fraude à Lei, que deve ter como cominação a retirada de tutela à pretensão exercida judicialmente desta forma anómala e intempestiva; 28ª) Ao agir em juízo sete anos depois de ter regressado ao trabalho sem nunca ter efectuado qualquer reclamação à ré (ponto 11 dos factos provados), obviando assim a que a ré despiste o nexo causal, quando esta confiou de boa-fé na aceitação pelo A. da decisão clinica do médico que o mandou regressar ao trabalho – curado sem desvalorização, configura uma situação de claro e ilícito abuso de direito; 29ª) Este exercício ultratardio do A. acobertado pela invocação da não comunicação formal da alta clinica que só a ele e ao seu interesse é imputável, traduz inquestionavelmente um venire contra factum proprium;”. 4.1. Na sentença recorrida referiu-se o seguinte: “2. Procurando obstar à pretensão indemnizatório exercida na presente acção pelo Autor, a Ré seguradora alegou que o Autor, após o acidente, retomou a sua actividade profissional de futebolista sem qualquer limitação, mantendo-se silenciado e sem formular qualquer reclamação para evitar que fosse examinado em tempo oportuno para ser sindicada a alta sem incapacidade que lhe havia sido dada e da qual ele estava perfeitamente consciente, o que sustenta configurar uma situação de abuso de direito. Sucede que, julgada que foi a matéria de facto controvertida, apenas foi provado, quanto ao alegado pela Ré a título de excepção, que o Autor retomou efectivamente a actividade de jogador de futebol, alinhando entre as épocas de 2003/2004 e 2005/2006 num clube de futebol F… e, nesse entretanto, participando ainda em alguns jogos oficiais como jogador da selecção nacional do seu país natal. Diferentemente, não se demonstrou que o Autor, ainda que tivesse voltado a jogar futebol a um bom nível, não se confrontasse então com limitações físicas decorrentes do acidente de trabalho que havia sofrido em 12/01/2013. Do mesmo modo, não se provou que a circunstância de apenas em 2010 o Autor ter surgido a mover o presente processo judicial se deveu a uma atitude calculista sua no sentido de se aproveitar do facto de não lhe ter sido entregue qualquer comunicação escrita sobre a alta clinica que lhe havia sido dada e não deixar que, em tempo oportuno, fosse sujeito a exames médicos fiáveis. Como tal, face à prova que foi produzida e atento aquilo que, na presente sede judicial, foi apurado quanto às sequelas do acidente de que o Autor ficou a padecer, entende-se não haver qualquer fundamento para afastar a responsabilidade indemnizatória da seguradora, nomeadamente por eventual fraude à lei ou conduta do Autor contrária – por abuso de direito – ao princípio da boa-fé.”. 4.2. Concorda-se com a sentença recorrida e sua fundamentação, importando realçar que na base instrutória foi “quesitado” o art. 14º da contestação, com o seguinte teor: “o A. se manteve silenciado e desinteressado em formular a menor reclamação para não ser examinado e sindicada a alta sem incapacidade que lhe foi dada.” e que o mesmo foi dado como não provado. A tese da Recorrente de que o A. visou, com o seu silêncio, não ver prejudicada a sua carreira profissional de futebolista por eventual desvalorização profissional decorrente de uma incapacidade, não tem, pois, respaldo na matéria de facto provada. Citando Ana Prata, in Dicionário Jurídico, Volume I, 5ª Edição, Almedina, pág. 690, ocorre fraude à lei, “em termos gerais, quando, usando a permissão conferida por uma norma, se praticam actos que visam um resultado proibido por outra norma”. No caso, não se descortina qualquer situação de fraude à lei, não se vendo em que medida é que o objetivo pretendido pelo Recorrente vise atingir fim que não seja tutelado pela lei. No que se reporta ao alegado abuso de direito, designadamente na modalidade de venire contra factum proprium , invocado pela Recorrente: Preceitua o art. 334º do Cód. Civil que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Como ensina o Prof. Almeida Costa[3], o princípio do abuso do direito constitui um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar, em algumas situações particularmente clamorosas, às consequências da rígida estrutura das normas legais. Ou seja, tal instituto constitui uma válvula de escape do sistema aplicável às situações em que, pese embora a existência do direito, o seu exercício se mostraria intolerável face aos referidos limites, designadamente o da boa-fé. Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, "a concepção adoptada de abuso de direito é a objectiva. Não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites", exigindo-se porém que o excesso cometido seja manifesto. “Manuel de Andrade refere-se aos direitos "exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça» e o Prof. Vaz Serra à «clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante».[4] A existência, ou não, de abuso de direito afere-se a partir de três conceitos: a boa fé, os bons costumes e o fim social ou económico do direito. Tem-se entendido que, pese embora a existência do direito, o seu exercício se mostraria intolerável face aos referidos limites, designadamente o da boa-fé, quando a conduta anterior do seu titular que, objetivamente interpretada face à lei, bons costumes e boa-fé, legitima a convicção de que tal direito não será exercido, traduzindo-se ele, assim, no exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente [5] (venire contra factum proprium)”. No caso em apreço e como já acima referido, não se provou um dos argumentos em que a Recorrente assentava a fraude à lei e o abuso de direito, qual seja o de que o A. visou, com o seu silêncio, não ver prejudicada a sua carreira profissional de futebolista por eventual desvalorização profissional decorrente de uma incapacidade, Resta a circunstância de, durante cerca de 7 anos, o A. não ter participado o acidente e reclamado judicialmente os direitos de que por via do mesmo pudesse ser titular, desde já se avançando que tanto não basta para a conclusão da existência de abuso de direito. Como se sabe a reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho tem consagração constitucional (art. 59º, nº 1, al. f), da CRP) e natureza indisponível (arts. 34º e 35º da Lei 100/97), sendo a matéria dominada por normas de interesse e ordem pública e não se podendo, com “leviandade”, negar o direito à reparação com fundamento no instituto do abuso de direito, que tem natureza excecional, envolvendo a denegação desses direitos e que deve ser utilizado com o cuidado e parcimónia devidas, apenas em casos de manifesto e clamoroso exercício abusivo do direito, como alias decorre do art. 334º do CC. Por outro lado, e conforme é jurisprudência pacífica do STJ, “ V - De acordo com o nº 1, do art. 32º, da LAT/97 (Lei nº 100/97, de 13 de Setembro), a caducidade do direito de acção ocorre se a acção não for intentada com observância da triplicidade cumulativa que daí decorre: não ter sido proposta no prazo de um ano; a contar da data da alta clínica; alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado.” (cfr. Acórdão do STJ de 22.02.2017, Proc. 2325/15.1T8OAZ.P1.S1 e, entre outros, jurisprudência nele citada), comunicação essa que passa pela entrega ao sinistrado, nos termos do art. 32º, nºs 2, 3 e 4 do DL 143/99, de 30.04, do boletim de alta, “em que declare a causa da cessação do tratamento e do grau de incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões”, formalidade essa que tem natureza ad substantiam e só com ela ficando o sinistrado devidamente habilitado a avaliar não apenas da sua cura clínica, mas também das consequências, em termos de incapacidade para o trabalho, decorrentes do sinistro. No caso, a exceção da caducidade do direito à reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho de que o A. foi vítima (art. 32º, nº 1, da Lei 100/97) já foi julgada improcedente no despacho saneador, que não foi objeto de recurso, e que transitou em julgado (a qual, aliás, não foi, nem poderia ser, posta em causa no recurso). Não obstante, as considerações acima tecidas relevam para efeitos do invocado abuso de direito. Atenta a natureza dos direitos em causa, a natureza ad substantiam da formalidade em causa – entrega do boletim de alta em conformidade com o prescrito no art. 32º, nºs 2, 3 e 4, do DL 143/99-, a importância do cumprimento da mesma para a referida avaliação e a mencionada jurisprudência, não se poderá aceitar que o mero decurso do tempo entre o acidente e a sua participação a juízo pelo sinistrado legitime a invocação do abuso de direito. O art. 32º, nº 1, da Lei 100/97, consagrando embora um prazo relativamente curto para o exercício do direito à reparação, é contudo exigente e expresso no sentido de que a sua contagem apenas se inicia na “data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado”. Acresce que, permitir a invocação do abuso de direito com fundamento apenas no decurso do tempo, seria permitir um efeito jurídico que o legislador afastou, e pretendeu afastar, ao dispor como dispôs nesse preceito. Por outro lado, não tendo ao sinistrado, no caso ao A., sido entregue o boletim de alta, não se nos afigura que a participação a juízo do acidente decorridos 7 anos ofenda clamorosa ou manifestamente os princípios gerias da boa fé, dos bons costumes e/ou do fim social e económico do direito, para além de que, perante o incumprimento da obrigação legal e imperativa da entrega do boletim de alta ao sinistrado, não vemos que seja, ou deva ser, tutelada a alegada confiança, por parte da Recorrente, incumpridora dessa obrigação, de que o direito não seria exercido. Acresce dizer que, se é certo que o acompanhamento e tratamento médico do A., porque jogador de futebol, é levado a cabo pelos Clubes, no caso o D…, o certo é que a alta clinica foi por este comunicada à Ré Seguradora, nada a impedindo que esta a tivesse comunicado ao A. e/ou que se tivesse acautelado junto do Clube, designadamente perguntando se tal tinha ocorrido. De todo o modo, e ainda que o A. fosse jogador de futebol, em última análise a obrigação de zelar pela entrega ao sinistrado do boletim de alta não deixava de impender sobre a Ré/Recorrente. Diga-se que, nos termos do art. 3º da Lei 8/2003, de 12.05, as empresas de seguros e as entidades empregadoras podem celebrar protocolos no sentido de serem estas a conduzir o processo clínico, terapêutico e medicamentoso de recuperação dos sinistrados, através dos seus departamentos especializados (nº 1); não obstante, a seguradora pode, sempre que o entenda, incumbir um consultor ou um seu representante para acompanhar o processo de recuperação do sinistrado junto dos mencionados departamentos (nº 2), para além de que aos acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais é aplicável, subsidiariamente, a Lei 100/97 e legislação regulamentar (art. 16º), não estando a Seguradora, por via da especialidade desse regime, dispensada do cumprimento de entrega ao sinistrado do boletim de alta nos termos previstos no art. 32º, nºs 2, 3 e 4 do DL 143/99. Importa abrir um parenteses para esclarecer o seguinte: a Ré/Recorrente invoca a citada Lei 8/2003, de 12.05, a qual todavia dispõe no seu art. 7º que a mesma é aplicável aos acidentes de trabalho que ocorram após a sua entrada em vigor. Ora, o acidente em apreço nos autos ocorreu aos 12.01.2003, ou seja, em data anterior à entrada em vigor do referido diploma. De todo o modo, porque tratando-se, como se tratava, de um acidente de trabalho, estava o mesmo abrangido pela legislação infortunística, mormente pelo mencionado art. 32º do DL 143/99. Perante o incumprimento da obrigação legal, nos termos nela previstos, de comunicação do boletim de alta, não se nos afigura, pois, que seja abusivo o exercício, pelo trabalhador, do direito à reparação, ainda que ocorrido 7 anos após a alta não comunicada formalmente e/ou após o retorno do trabalhador à atividade profissional. Aliás, nada impede que um sinistrado, com uma incapacidade permanente parcial, retome a atividade (só a incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho ou para o trabalho habitual o impedem) e não é necessária a comunicação da alta para o retorno à atividade, o qual até pode ocorrer em caso de incapacidade temporária parcial ou, em caso de consolidação médico-legal das lesões, sem que o trabalhador seja conhecedor de que se encontra afetado de uma incapacidade permanente e respetivo coeficiente de desvalorização. À inexistência de abuso de direito não obsta, pois, a circunstância de o A. ter participado, ainda, e como jogador de futebol, em competições desportivas por outro clube (da F…) e pela seleção nacional do seu país (T…) e que, após o fim da sua carreira de jogador, haja passado a desempenhar a atividade de treinador. É que tais factos não excluem que o fizesse e pudesse fazer com uma incapacidade para o trabalho, nem deles resulta que o A. tivesse conhecimento, nos termos prescritos no art. 32º, nºs 2, 3 e 4, do DL 143/99, da situação clínica considerada pelo médico assistente e da sua efetiva situação (IPP de 3,5%). Assim, e em conclusão, não se nos afigura que se verifique a alegada fraude à lei e abuso de direito, assim improcedendo, também nesta parte, o recurso. *** Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.V. Decisão Custas pela Recorrente. Porto, 29.05.2017 Paula Leal de Carvalho Rui Penha Jerónimo Freitas ____ [1] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, p. 215-217 e, entre outros, Acórdãos do STJ de 18.04.06 e de 22.11.07 e, da Relação de Lisboa, de 07.05.2009, todos in www.dgsi.pt, Processos nºs 06A844, 07B3103 e 10525/08-2, respetivamente. [2] Sem esquecer, todavia, que os factos supervenientes, isto é, posteriores aos articulados, terão que ser objeto de articulados supervenientes e que, estes, apenas poderão ser apresentados até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento – art. 588º do CPC/2013. [3] Cfr. Direito das Obrigações, 6ª ed., pág. 64. [4] Cfr. Código Civil Anotado, 2ª ed. Vol. 1, pág. 298. [5] Cfr. Acórdão da RP 25.12.05, in www.dgsi (P0535984). Processo nº 907/10.7MTS.P2 Relatora: Paula Leal de Carvalho (Reg. 983) |