Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ AMARAL | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA CONTRATO DE EMPREITADA INSTITUIÇÃO PRIVADA DE SOLIDARIEDADE SOCIAL | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP201304049/12.1TBARC.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/04/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA. | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | É materialmente competente o tribunal comum, e não a jurisdição administrativa, para julgar acção em que o subempreiteiro pediu a condenação do empreiteiro e da dona da obra (uma santa casa da misericórdia) a pagarem-lhe, solidariamente, certa quantia, invocando, como causa de pedir, o incumprimento da obrigação de pagamento do preço, que esta teria garantido ou assumido, de obras executadas, mediante contrato de subempreitada entre aqueles celebrado, no hospital propriedade dela, apesar de financiadas pelo Estado e de beneficiar do estatuto de instituição particular de solidariedade social. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Apelação nº. 9/12.1TBARC.P1 – 3.ª Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 60) Des. Dr. Fernando Manuel Pinto de Almeida (1º Adjunto) Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (2º Adjunto) Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO A autora “B….., Ldª, sociedade comercial por quotas, demandou, em 06-01-2012, no Tribunal Judicial da Comarca de Arouca, “Massa Insolvente de C…., SA” (1ª ré), sociedade comercial anónima cujo objecto era a indústria de construção civil e obras públicas, e “Santa Casa da Misericórdia de ….” (2ª ré), instituição particular de solidariedade social. Pediu a condenação de ambas a pagarem-lhe, solidariamente, a quantia de 273.269,78€, acrescida de juros. Invocou, como causa de pedir, incumprimento da obrigação de pagamento do preço de obras executadas mediante contrato de subempreitada celebrado pela autora com a 1ª ré, e que a 2ª teria garantido ou assumido. Alegou, com efeito, que a 2ª ré, como proprietária do imóvel onde está instalado o seu Hospital de Arouca e no âmbito da respectiva actividade, e a 1ª ré, empreiteira, acordaram que esta executaria para aquela as obras de remodelação daquela unidade definidas num plano e mediante certo preço. Devido à diversidade de trabalhos e especialidades envolvidas, a 1ª ré, “com conhecimento e consentimento da 2ª”, contratou com a autora a execução, por esta, dos trabalhos de electricidade, pichelaria, canalização, aquecimento e gás. Assim, no decurso de 2003 e 2004, “no âmbito da sub-empreitada”, a autora “prestou às rés, a pedido destas” serviços e “vendeu mercadorias”, conforme sete facturas juntas e entregues à 1ª ré – emitidas em nome desta e cujos trabalhos a autora “realizou todos” –, daí resultando “um débito das rés para com a requerente”. Para pagamento de parte “dos fornecimentos efectuados”, a 1ª ré aceitou várias letras, descontadas mas nunca pagas. “Relacionado com diversa facturação e despesas de carácter bancário e débito da requerida, bem como contrapartidas de pagamentos efectuados”, “deve ainda a requerida” certa quantia cujas parcelas – sem a menor especificação – constam no documento junto (fls. 46) e que “foi aceite pela requerida”, atingindo, assim, o “débito total da requerida à requerente” a quantia de 186.065,96€. Como, a certa altura, a 1ª ré deu indícios de instabilidade económica, apresentando graves problemas de tesouraria, a autora (e outros subempreiteiros), recusaram-se a continuar a obra sem terem garantia de receber directamente da 2ª ré. Foi então que, esta, “se comprometeu a garantir o pagamento a alguns subempreiteiros, nomeadamente B......” (doc. de fls. 48). Todavia, apesar de a autora ter “realizado integralmente os seus trabalhos”, da “assumpção de responsabilidade por parte da 2ª ré” e das insistências para receber, “as rés não pagaram”. Juntou documentos e, entre eles, um (fls. 48), emitido pela 2ª ré e dirigida à 1ª, no qual aquela lhe comunica que “…foi decidido aceitar a proposta apresentada pela C......., SA…no sentido de garantir o pagamento a alguns subempreiteiros, nomeadamente B......…” com a condição de que “seja apresentado prazo de 23 de Abril de 2004 … e que naquela data estejam integralmente realizados todos os trabalhos.” Citadas ambas, apenas a 2ª Ré “Santa Casa da Misericórdia” contestou, excepcionando a incompetência do tribunal em razão da matéria, para tal alegando que é uma instituição particular de solidariedade social e pessoa colectiva de utilidade pública, prosseguindo fins de interesse público, conforme documento junto (fls. 69); nessa qualidade lançou um concurso público para empreitada geral de remodelação do seu Hospital, em Arouca, conforme anúncio publicado no DR, obra essa aprovada e financiada no âmbito do “Programa Operacional Saúde XXI” e, subsequentemente, adjudicada à 2ª ré, com a qual foi celebrado o respectivo contrato de empreitada em 09-02-2002. Acrescentou que a empreitada foi sujeita a um “dever procedimental adjudicatório por meio de concurso de natureza pública, subordinado à disciplina do DL 59/99”, tendo, por isso, a causa de pedir “conexão directa e dependencial” com tal empreitada. Daí que, por força das disposições legais que indicou, considere evidente a competência da jurisdição administrativa para conhecer desta acção. Acrescentou, ainda, que o regime aplicável, nomeadamente ao contrato e seus efeitos, é o do DL 59/99, de acordo com o qual caducou o direito de acção, e que nunca a autora lhe enviou as facturas nem lhe solicitou o pagamento, aliás reclamadas no processo de insolvência. O acordo entre a autora e a ré contestante visava somente trabalhos na altura ainda por executar pela 1ª ré, e que lhe pagou efectivamente. Os demais créditos da 1ª ré em relação à 2ª foram pagos por esta à empresa a quem aquela os cedeu mediante contrato de factoring. Pediu, além do mais, a absolvição da instância. Juntou, entre outros, os seguintes documentos: -declaração emitida pelo Instituto da Segurança Social, datada de 22-03-2011, segundo a qual a Santa Casa da Misericórdia de …. se encontra registada, a título definitivo, na Direcção-Geral da Segurança Social, desde 28-09-1987, no Livro 2 das Irmandades das Misericórdias, em conformidade com o disposto no nº 2, do artº 7, dos Estatutos das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovados pelo Decreto-Lei 119/83 e regulamentados pela Portaria 778/83, de 23 de Julho, e que, nos termos do artº 8º daqueles, tal instituição é uma “Pessoa Colectiva de Utilidade Pública”. -anúncio, publicado na III série do DR, de 22-03-2002, seguindo o modelo nº 2, do anexo, IV ao Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março (excluindo expressamente os pontos 16, 17 e 18, titulado pela 2ª ré, em que se publicita o “concurso público para adjudicação da empreitada geral de remodelação do Hospital da Santa Casa da Misericórdia de ….”, do qual consta que “O concurso público é nos termos do artº 80º do Decreto Lei nº 59/99, de 2 de Março” e se definem as respectivas condições. -ficha de aprovação de financiamento “FEDER”, do Ministério da Saúde, no âmbito do “Programa Operacional Saúde XXI”, de onde consta o valor financiado como “incentivo público” e como “financiamento FEDER”; -contrato de empreitada, datado de 09-10-2002, outorgado pela 1ª e 2ª rés, em que esta adjudica àquela a obra de remodelação do seu Hospital, conforme projecto e caderno de encargos anexos que serviram de base ao concurso público, nele estando clausulado que às partes assiste o direito de rescisão e da resolução convencional da empreitada “nos termos e condições previstas no Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março” e que, no que nele e no caderno de encargos for omisso, aplicar-se-ão “as normas estatuídas no regime jurídico de empreitadas de obras públicas aprovado pelo citado Decreto-Lei”. -fax, de 08-04-2004, dirigido pela autora à 2ª ré, no qual aquela, aludindo a uma reunião havida, formaliza, perante esta, o pedido ali exposto no sentido de “garantir o pagamento a alguns subempreiteiros…para concluir os trabalhos o mais rapidamente possível”, no seu caso “garantia de pagamento de +/-de 103.000,00€”, e põe como condição, além do mais, concluir todos os trabalhos da subempreitada até 23-04-2004 [fax este a que terá correspondido a resposta a que se refere o documento de fls. 48, acima mencionado]. A autora replicou, defendendo que o contrato de subempreitada em causa não constitui relação jurídico-administrativa, mormente a assunção de dívida, tendo natureza particular. No saneador (fls. 106 a 109), foi decidido julgar procedente a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria e, consequentemente, absolvidas as rés da instância. Em fundamento do decidido, referiu-se: “No caso concreto é seguro afirmar que está em causa um contrato de empreitada de obra pública, num primeiro momento, e um outro acordo (que a própria autora não classifica) num segundo momento. Conclui-se assim que o referido contrato configura um contrato de empreitada de obras públicas, obras mandadas executar pela SCMA, mediante um preço, com vista a garantir o regular desempenho das suas atribuições administrativas e a satisfação de necessidades de interesse geral, na sequência de anúncio e de um concurso público que se baseou num Programa de Concurso e num Caderno de Encargos. Ora, o contrato de empreitada é um contrato administrativo, entendendo-se como tal o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa, nos termos do artº 178º, nºs 1 e 2/a) do CPA. O direito que a autora pretende fazer valer através da acção proposta reporta-se à execução deste contrato administrativo típico, fundando-se em normas de direito administrativo. Temos portanto que o litígio suscitado emerge de uma relação jurídica administrativa, pelo que o seu conhecimento compete aos tribunais da jurisdição administrativa. De resto, basta que um qualquer aspecto substantivo relevante do contrato esteja sujeito a um regime específico, de direito público, para que o mesmo se considere administrativo e integrado na jurisdição administrativa. Paralelamente, sublinhe-se que a autora configura a sua demanda como um pedido de pagamento de obras que efectuou, no âmbito do vencimento do concurso. A competência dos tribunais administrativos encontra-se expressamente regulada no artº 4º, nº1, e) e f), do ETAF. Finalmente, refira-se que, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 04.12.2008, “sendo o contrato de subempreitada, ainda que celebrado entre entidades privadas, referente a obra pública (…) o conhecimento das questões, relativas à execução dos mesmos, nomeadamente direito de retenção do seu artº 267º, compete à jurisdição administrativa”. Inconformada, a autora apelou para este tribunal, formulando as seguintes “conclusões”: “a) - Não podem os AA. conformar-se com a sentença, proferida pelo Julgador a quo que viola o preceituado nos artigos: 784º e 484º e 485º do CPC; 488º e 489 º do CPC; 22º n.º 1 da LOFTJ, 211º n.º 1 da CRP, 66º do CPC, 18º n.º 1 da LOFTJ; art.. 4º n.º 1 al. f) do ETAF e art. 1142º, 1143º, 804º, 806º e 559º do C.C. b) – A A. alegou, em resumo que no tocante à excepção invocada, que o pretenso contrato administrativo em relação à Autora não se aplica dado que, mesmo a existência de um contrato administrativo entre a 1ª Ré C......., S.A. e a 2ª Ré SCMA não tem implicações para com a autora a nível de classificação material do contrato. Ora, vejamos, na redacção dos art. 9º nº 2 ETAF, 178º, nº 2 a) CPA e 2º nº 3 do RJEOP (Dl 39/99 de 2.3) apenas o contrato principal de empreitada é expressamente designado pelo legislador como contrato administrativo. c) – Por isso é que quando o objecto do litígio seja primordialmente o contrato subempreitada estaremos perante um contrato de natureza não administrativa, sendo que, na presente acção não está em apreciação qualquer relação jurídica administrativa, carecem os tribunais administrativos de competência para o respectivo julgamento. d) – Ou seja, o objecto da acção é apenas uma relação de subempreitada de natureza particular, com assunção de dívida por uma entidade pública, ou garante, não é por acaso, que o contrato de subempreitada de obras públicas derivado do contrato principal de empreitada, é tratado de forma específica no título X do DL 59/99, resultando, de um direito de retenção ope legis sobre as quantias devidas ao empreiteiro, um dever de pagamento directo de valores em atraso devidos ao subempreiteiro pelo empreiteiro. e) – Resulta, igualmente, um direito de acção directa da Autora sobre a 2ª Ré dos valores em atraso do empreiteiro como se peticiona, por força da garantia que assumiu perante esta, bastando apenas que os créditos estivessem vencidos, como estavam e eram do conhecimento da 2ª Ré. f) – Violou o Tribunal o disposto nos artigos: 22º n.º 1 da LOFTJ, 211º n.º 1 da CRP, 66º do CPC, art.18º n.º 1 da LOFTJ. g) – Considerando que a competência em razão da matéria se afere em função dos termos em que o Autor fundamenta ou estrutura a pretensão que quer ver judicialmente reconhecida, devia o Tribunal a quo ter concluído que o Tribunal Comum tem competência em razão da matéria para apreciar a pretensão que foi deduzida pela A. – Pagamento de serviços e garantia de pagamento. h) – Na forma como a Autora fundamenta e estrutura a pretensão, que quer ver judicialmente reconhecida, devia o Tribunal a quo ter concluído que o Tribunal Comum tem competência em razão da matéria para apreciar a pretensão que foi deduzida pela A. i) – O nexo de competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, em atenção à lei, por um lado, e por outro à situação nesse momento dos factores atributivos de competência. j) – Portanto, a competência do foro comum só pode afirmar-se com segurança depois de se ter percorrido o quadro dos tribunais especiais e de se ter verificado que nenhuma disposição de lei submete a acção em vista à jurisdição de qualquer tribunal especial k) – É o princípio da competência genérica ou residual dos tribunais comuns, com consagração na lei fundamental e na lei ordinária (artigos 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, 66.º, do Código de Processo Civil, e 18.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais). l) – In casu, o Tribunal deveria ter decidido a questão na perspectiva apresentada pelos Autores, objectivada na causa de pedir e no Pedido, mormente no que diz respeito a uma prestação de serviços de subempreitada e uma relação de garante, tudo de natureza civil, matéria da competência dos Tribunais comuns, i.é., o Tribunal Judicial de Arouca. m) – Ora, como ensina o Prof. Freitas do Amaral, “o contrato administrativo há-de definir-se em função da sua subordinação a um regime jurídico de direito administrativo: serão administrativos os contratos cujo regime jurídico seja traçado pelo direito administrativo; serão civis ou comerciais os contratos cujo regime jurídico seja traçado pelo direito civil ou comercial. n) – In casu, não obstante a actividade desenvolvida pela Ré, dos autos não resulta que a mesma tivesse celebrado o contrato de subempreitada e garante com a A. investida de poderes públicos, antes resulta que a mesma celebrou o contrato alegado nos autos, numa posição de paridade com a A., submetendo-se esse contrato às normas de direito privado o) – Por isso se alega também na PI a garantia prestada pela Segunda Ré SCMA perante a Autora para pagamento do atrasado, que deverá proceder, sendo esta matéria de direito civil a julgar pelo Tribunal recorrido. p) – Logo, considerando que a competência em razão da matéria se afere em função dos termos em que o Autor fundamenta ou estrutura a pretensão que quer ver judicialmente reconhecida, conclui-se que o Tribunal Comum (de Arouca) tem competência em razão da matéria para apreciar a pretensão que foi deduzida contra as RR. pela apelante. q) – Veja-se que, no caso sub Júdice, todas as disposições legais que foram invocadas na petição inicial, como fundamento da acção, são disposições de direito privado: art. 519º do C.C. (direitos do credor), art. 804º e 806º do C.C. (mora do devedor), art.. 559º do C.C. (taxa de juro). q) – Deste modo, pela forma como a acção foi configurada, a ora Apelante encontram-se colocada numa situação de paridade com a R., “SCMA” um dos outros contraentes, aqui garante da dívida da primeira Ré, não se podendo considerar que o não pagamento de uma dívida assumida a título de garante, tivesse a natureza de acto administrativo r) – E, o objecto do pedido deduzido na presente acção circunscreve-se à condenação da Ré na restituição dos valores entregues pelos AA.. s) – Não está, assim, em causa ou em discussão a interpretação, validade e execução dos contratos firmados entre a Autora e a segunda Ré, nem se estão em aplicação normas específicas de direito público, nem se o procedimento administrativo pré-contratual ou contratual foi ou não legal, ou se teriam existido quaisquer outros vícios de natureza jurídico-administrativa, na medida em que essa matéria de facto não foi submetida à apreciação do Tribunal “a quo”. t) – A A. somente invocou normas substantivas de direito privado e a questão essencial colocada na acção – a A. Reclama o pagamento de trabalhos e mercadorias fornecidas e prestadas à empreiteira e primeira Ré (C….) e que por sua vez a segunda Ré, (SCMA) assumiu a garantia do pagamento dos serviços e mercadorias não pagas pela primeira Ré – é configurada como uma questão de natureza privada e não de direito administrativo, tanto mais que a causa de pedir integra em si factos consubstanciadores de uma subempreitada civil, mas também de e de uma garantia civil! u) – Nas palavras de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e João Pacheco de Amorim “A figura do contrato administrativo tem autonomia procedimental na medida em que a disciplina da formação jurídica da vontade de contratar pela Administração está aqui sujeita a um procedimento específico, distinto, por um lado, daquele que (eventualmente) regula a sua vontade de contratar no âmbito do direito privado e, por outro lado, distinto daquele que regula a prática, a revisão e a execução dos seus actos administrativos. v) - Quando negoceia, contrata e executa contratos em termos de direito privado, jure privatorum utendo, a Administração actuaria como sujeito de direito privado, diz-se, e, em princípio, não está (como não estão os particulares) sujeita às amarras de um procedimento administrativo, como forma jurídica específica da formação da sua vontade”. (…). x) - “O contrato administrativo é também reconhecido como uma figura material ou substantivamente distinta da figura do negócio ou contrato juscivilista, investindo as partes numa posição ou relação jurídica diversa daquela que resulta para os contraentes que se comprometem no domínio do direito privado. y) - Essa autonomia traduz-se, em última análise, no facto de, acima do acordado pelas partes, do pacta sunt servanda, poder prevalecer (em certos termos) o factor interesse público, a ditar, inclusive, o sacrifício da estabilidade dos contratos, que, salvo violação (ou intervenção) de princípios fundamentais, domina imperialmente no direito privado” – (cf. Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2.ª edição, Janeiro/2006, pág. 806). z) – Podemos afirmar que o Dono de obra não adquire direitos contra o subempreiteiro, relacionando-se apenas com o empreiteiro, também não fica, de per sí, sujeito para com ele a obrigações. aa) – Nos presentes autos, a Autora alega, que apenas por mera coincidência histórica dono de obra e subempreiteiro se relacionaram, por força de uma relação jurídica própria (GARANTIA – ASSUNÇÃO DE DÍVIDA), sendo que a segunda Ré SCMA assumiu perante a Autora a obrigação de pagamento do preço devido pela sua prestação. bb) – Tendo sido alegado que face de diversas questões atinentes com as dificuldades económicas da 1ª Ré a 2ª Ré assumiu o pagamento da dívida da 1ª Ré à Autora, de forma livre e voluntariamente assumiu essa responsabilidade pelo pagamento dos trabalhos realizados pela Autora. cc) – Estamos, por isso, perante a transmissão a título singular de uma dívida, i.é, uma assunção de dívida, por contrato entre o novo devedor e o credor, e que aconteceu no presente caso. dd) – Importa ter em conta que as partes subordinaram esse acordo a uma condição suspensiva , nos termos do artigo 270º do CC, na medida em que o mesmo produziria efeitos caso a 1ª autora procedesse à realização dos trabalhos, e esse acontecimento ocorreu. ee) – Desta forma, resulta a responsabilidade da segunda Ré (SCMA) perante a Autora do valor em dívida da 1ª Ré à Autora, acrescido de juros desde a verificação da condição acordada entre as partes. ff) – Decorre claramente que inexiste contrato administrativo em relação à Autora, porquanto a existir apenas se pode considerar o contrato de empreitada de obras públicas e apenas esse é expressamente designado pelo legislador. gg) – Por isso, quando o objecto do litígio seja primordialmente o contrato de subempreitada estaremos perante um contrato de natureza não administrativa hh) – A este propósito o Ac TC de 18/09/07 decidiu que “A Relação jurídica administrativa é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou atribui direito ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração. A relação Jurídica nascida do contrato de subempreitada celebrado entre a A. e a 1ª R não apresenta aquelas características, pois, apesar da subempreitada celebrado entre a A. e a R não apresenta aquelas características, pois, apesar da subempreitada de obra pública estar sujeita à aprovação do dono da obra (DL55/99, de 2.3), não está em apreciação qualquer direito ou dever público da A. para com a Câmara Municipal de Sesimbra. (Pelo que) a relação jurídica resultante do contrato de subempreitada mantém-se no domínio do direito privado entre as partes que o celebraram, não lhe sendo transmitida a natureza administrativa do contrato matricial.” ii) – Assim, concluiu que “ na presente acção não está em apreciação qualquer relação jurídica administrativa, carecendo os tribunais administrativos de competência para o respectivo julgamento”. jj) – Por sua vez o regime da subempreitada derivada da empreitada de obras públicas está regulado no DL 59/99 de 2.03, e à luz deste diploma o contrato de subempreitada de obras públicas derivado do contrato principal de empreitada, e o respectivo regime jurídico é tratado de forma específica no Título X do DL 59/99 , sob a epígrafe “subempreitadas” e artºs 265º a 272º . kk) – Aquele diploma coloca o dono da obra e o subempreiteiro numa relação jurídica directa não dependente directamente das instruções do dono de obra. ll) – Resulta claro, na inexistência de qualquer relação jurídica privilegiada, ou integrada numa jurisdição administrativa, ou de direito público, sendo que, de per sí o contrato de empreitada, conjugado com a assunção de dívida ao subempreiteiro. mm) – Aliás, ao contrário do que a douta sentença refere a Autora não configurou a sua demanda como um pedido de pagamento de obras que efectuou no âmbito do vencimento do concurso – a Autora não concorreu a nada – foi apensa subempreiteira. nn) – Ora, mais uma vez se repete que, o litígio resulta de uma mera assunção de dívida / Garante pró parte da SCMA – não esqueçamos que a SCMA é uma entidade privada, que estabelece relações privadas como foi o caso dos autos. oo) - A questão nuclear da presente acção devia, pois, ser solucionada no âmbito do direito privado, sendo, aliás, repita-se de direito privado as disposições legais invocadas e que serviram de fundamento à acção. TERMOS EM QUE, e nos melhores de Direito providos por suas Excelências, deve dar-se provimento ao recurso e revogar-se a sentença apelada, substituindo-a por outra que, dê como não procedente a excepção da incompetência material do Tribunal Judicial da Comarca de Arouca, fazendo-se assim inteira e sã, JUSTIÇA! “ Não houve resposta. O recurso foi admitido como de apelação, com efeito meramente devolutivo e subiu imediatamente, nos próprios autos. Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta. II. QUESTÕES A RESOLVER Como é entendimento pacífico e generalizado na Doutrina e na Jurisprudência, o thema decidendum, à luz dos artºs 684º, nº 3, e 685º, nºs 1 e 2, do CPC, é balizado pelas conclusões do apelante (sem embargo dos poderes oficiosos do tribunal). Decantadas estas, resulta que a única questão a decidir cinge-se à determinação do foro competente para conhecer desta acção: o comum, como entende a apelante, ou o administrativo, como julgou o tribunal a quo? III. FACTOS PROVADOS Sem embargo dos que emergem do relato supra e para que se remete, a decisão recorrida considerou: “Em termos factuais temos como certos os seguintes factos (admitidos por acordo entre as partes): -A ré Santa Casa da Misericórdia de …. é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, Pessoa Colectiva de Utilidade Pública. -Nessa qualidade lançou um concurso público para empreitada geral de remodelação do Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Arouca, cujo anúncio foi publicado no DR, nº 69, III série de 23.02.2002. -A SCMA candidatou tal obra ao Programa Operacional Saúde XXI e, uma vez aprovada a sua candidatura, foi-lhe atribuído apoio financeiro. -Na sequência do anúncio público, a obra em questão foi adjudicada à empresa “C......., SA”, com quem foi celebrado o contrato de empreitada, em 09.02.2002. Nos presentes autos encontram-se controvertidos o tipo de relação existente entre a autora e a ré SCMA sendo certo que a autora reclama o pagamento de determinadas quantias relacionadas com a execução pela sua parte de parte da obra em questão. A autora apresenta factualmente a acção dos seguintes termos: -Entende que entre a SCMA e a 1ª ré foi celebrado um contrato de empreitada nos termos do qual esta ficou responsável pela feitura da obra. -A 1ª ré celebrou com a autora um contrato de subempreitada de modo a que esta pudesse realizar determinado tipo de obras. -Devido à situação económica difícil da 1ª ré foi celebrado um acordo entre a SCMA e a autora de modo a que os trabalhos a cargo desta pudessem ser acabados.” IV. O DIREITO Em matéria de tribunais – enquanto órgãos de soberania – e sua organização fundamental, a Constituição da República Portuguesa (CRP) prevê, entre outras categorias, a dos tribunais judiciais e a dos tribunais administrativos e fiscais – artº 209º, nº 1, alíneas a) e b). Estabelece o n.º 3, do art.º 212.º, que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. E, por sua vez, o nº 1, do artº 211º, que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal que exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” – princípio da competência jurisdicional residual. Tal como no artº 18º, nº 1, da Lei 3/99, de 13 de Janeiro – Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais –, e no artº 26º, nº 1, da sucedânea (apenas vigente em algumas comarcas) Lei 52/2008, de 28 de Agosto, este princípio encontra-se também vertido no artº 66º, do Código de Processo Civil (CPC): “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”, remetendo o artigo seguinte (67º) para as leis de organização judiciária a determinação das causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais. Sendo certo que, de acordo com o artº 22º, da LOFTJ (ou 24º, da sua referida sucedânea) e do artº 5º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro (várias vezes alterado, a última das quais pela Lei 20/2012, de 14 de Maio), a competência se fixa no momento em que a acção se propõe, importa, à luz do citado princípio, verificar se a lei atribui ao foro administrativo a competência para o julgamento do presente caso. No nº 1, do artº 1º, do ETAF, reafirma-se o princípio consagrado no já citado nº 3, do artigo 212º da CRP: “os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” [sublinhámos e destacámos a negro “relações jurídicas administrativas”] Nas treze alíneas do nº 1, do seu artº 4º (cuja epígrafe refere “âmbito da jurisdição” e parecendo com isso querer explicitar o princípio do artº 1º), elencam-se, de modo positivo mas exemplificativo, as matérias integrantes do objecto de certos litígios reservadas ao âmbito da jurisdição administrativa, enquanto que, no nº 2, se excluem, mas também sem carácter taxativo, litígios com as diferentes espécies de objecto aí referidas. Para o caso, e por serem as que, prima facie, podem aparentar alguma conexão com o objecto desta causa e acabaram por ser as convocadas para a discussão dos autos, importará ter em conta, as seguintes alíneas do referido nº 1: “Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: (…) e) Questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público; f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público.” A infracção das regras de competência em razão da matéria (artº 62º, nº 2, CPC), determina a incompetência absoluta do tribunal (artº 101º). Pode ser arguida pelas partes ou suscitada oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, constitui excepção dilatória e implica a absolvição do réu da instância (sem prejuízo, se tal for requerido, do aproveitamento dos articulados e remessa do processo ao tribunal em que devia ter sido proposta a acção) – artºs 102º, 105º, 288º, nº 1, alínea a), 493º, nºs 1 e 2, 494º, alínea a), e 495º, todos do CPC. É entendimento pacífico na Doutrina e na Jurisprudência, que a competência do tribunal deve, em geral, apreciar-se e determinar-se com base no pedido formulado e nos fundamentos (causa de pedir) invocados como base dele, tal como configurados pelo autor na petição inicial, sendo que, para o caso, a natureza jurídica das pessoas implicadas como partes pode relevar. Com efeito, como se refere em Acórdão do Tribunal de Conflitos de 08-11-2012 (relatado pelo Consº Abrantes Geraldes), tal pressuposto processual deve aferir-se “em função da acção proposta, tanto na vertente objectiva, atinente ao pedido e à causa de pedir, como na subjectiva, respeitante às partes.” E, como ensinava Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, pág. 91), a competência do tribunal “afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum) (…) É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor compreendidos aí os respectivos fundamentos, não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.” Ora, sendo absolutamente inquestionável a natureza privada e comercial da então empreiteira “C......., SA” e da subempreiteira “B......”, só a da dona de obra – “Santa Casa da Misericórdia de Arouca” – suscita alguma reflexão. Sobre a história das Misericórdias, a sua institucionalização, reconhecimento, organização, objecto, natureza jurídica e relações com a ordem estadual e eclesiástica e, portanto, com o Direito do Estado e com o Direito Canónico e à luz da Concordata entre Portugal e a Santa Sé, remetemos para o Acórdão da Relação de Coimbra de 23-11-2010 (relatado pelo Desembargador Alberto Ruço), em que atentámos, e onde se tratam, de modo proficiente, tais questões. Sabendo-se que a 2ª ré “Santa Casa da Misericórdia de ….” se encontra registada na Direcção Geral da Segurança Social no “Livro das Irmandades das Misericórdias”, em conformidade com a Portaria nº 778/83, de 23 de Julho, que estabelece o Regulamento do Registo das Instituições Particulares de Solidariedade Social do Âmbito da Acção Social do Sistema da Segurança Social [registo este, destinado, além do mais, a “reconhecer a utilidade pública das instituições” e a “facultar o acesso às formas de apoio e cooperação previstas na lei”, conforme artigo 2º, alíneas c) e d)], importa atentar no Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro. Com efeito, trata-se de pessoa jurídica de direito canónico privada, assim sendo reconhecida pelo Estado. Rege-se, nos termos da Concordata, por ambos os direitos. É-lhe reconhecida personalidade jurídica civil. Goza da mesma capacidade de exercício atribuída às pessoas colectivas de idêntica natureza. Na medida em que prossegue, além de fins religiosos, também fins de assistência e solidariedade, ela desenvolve esta actividade de acordo com o regime jurídico instituído pelo direito português. Por isso e para isso goza dos direitos e benefícios atribuídos às pessoas colectivas privadas de fim semelhante. Essa é, como se viu, a finalidade do seu registo: reconhecimento da utilidade pública e acesso às formas de apoio e cooperação. Ora, logo o artº 1º, nº 1 do citado decreto-lei, define como instituições particulares de solidariedade social as constituídas por iniciativa de particulares, sem finalidade lucrativa, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos, desde que não sejam administradas pelo Estado ou por um corpo autárquico. Uma das formas de que se revestem é precisamente a de “Irmandades da Misericórdia” (artº 2º, nº 1, alínea e)). É livre e autonomamente que tais instituições escolhem as suas áreas de actividade, prosseguem a sua acção e estabelecem a sua organização interna (artº 3º). Podem ser apoiadas pelo Estado. Contudo, tal apoio, bem como a tutela, não podem constituir limites ao seu direito de livre actuação (artº 4º). No domínio da “gestão” (assim se intitula um subcapítulo), estabelece-se, entre algumas outras regras (sem interesse para o caso), que a empreitada de obras de construção ou grande reparação em imóveis pertencentes às instituições deverá ser feita em concurso ou hasta pública, conforme for mais conveniente (artº 23º, nº 1). Nada mais se refere quanto ao respectivo contrato, para além disso, mormente quanto a outros procedimentos pré-contratuais relativos à formação da vontade e decisão de contratar, além daquele, destinado a publicitar a convocatória dos concorrentes interessados e à escolha da proposta mais vantajosa. No domínio da “tutela” (como se designa secção própria, composta pelos artigos 32º a 39º), prevê-se um conjunto de regras que fazem depender de autorização dos serviços competentes certos actos, como aquisição ou alienação de imóveis e realização de empréstimos, necessidade de visto dos serviços competentes dos orçamentos e contas aprovados, possibilidade de fiscalização mediante inquéritos, sindicâncias ou inspecções, de serem promovidas certas medidas, como a destituição judicial dos corpos gerentes, a pedido dos órgãos da tutela, em caso de prática reiterada pelos corpos gerentes de actos de gestão prejudiciais aos interesses da instituição. Ainda no artigo 40º do citado diploma legal, regulam-se os termos estatutários a que ficam sujeitas, no exercício das suas actividades de solidariedade social, as organizações e instituições religiosas, as disposições aplicáveis, maxime, nos artºs 44º a 51º, às instituições da igreja católica, sobretudo quanto ao regime de tutela pela autoridade eclesiástica e pelo Estado, forma de aprovação dos seus Estatutos e reconhecimento. Nos artigos 52º a 67º, trata-se em especial das instituições particulares de solidariedade social e, nos artigos 68º a 71º, as irmandades da Misericórdia ou santas casas da Misericórdia em particular, salvaguardando a sua natureza canónica e a subordinação às regras legais quanto à sua actividade de solidariedade social. Deste quadro legal, resulta, com clareza, que a SCMA, não sendo uma entidade pública, nem sequer exerce poderes de tal espécie que, por qualquer acto ou por lei, lhe tenham sido atribuídos (sem prejuízo de o seu escopo altruísta poder ser exercido, ora em concorrência ora em cooperação, com idêntica tarefa social dos órgãos do Estado para tal vocacionados). Daí que a sua natureza jurídica (enquanto pessoa colectiva), não pode ser tomada como critério (subjectivo) para a qualificação como administrativos dos actos que celebra e, consequentemente, de determinação da jurisdição administrativa como a competente para os apreciar. Do ponto de vista objectivo, precede e subjaz a este litígio um contrato de empreitada celebrado entre a SCMA e a sociedade “C.......”, cujo regime jurídico civil em geral se encontra previsto nos artºs 1207º a 1230º, do Código Civil. Ao tempo da sua outorga (09-10-2002), vigorava, no domínio do contrato administrativo de empreitada de obras públicas, o Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março (entretanto revogado pelo artº 14º, nº 1, alínea d), do Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de Janeiro). No seu artigo 1º, nº 1, estabelecia-se, como critério definidor de obra pública, aquela que fosse executada por conta de um “dono de obra pública” e, no artº 2º, nºs 1 e 3, qualificava-se como “contrato administrativo de empreitada de obras públicas”, “o contrato administrativo … celebrado entre um dono de obra pública e um empreiteiro de obras públicas”. De acordo com o artº 3º, para efeitos de sujeição ao regime respectivo, consideravam-se como tal, entre outras entidades, as sujeitas a tutela administrativa – nº 1, alínea d). Por tutela, segundo a noção dada por Sérvulo Correia (citado, entre outros autores, no Parecer do CC da PGR, de 22-03-1990), entende-se "o poder conferido ao órgão de uma pessoa colectiva de intervir na gestão de outra pessoa colectiva autónoma - autorizando ou aprovando os seus actos ou, excepcionalmente, modificando-os, revogando-os ou suspendendo-os, fiscalizando os seus serviços ou suprindo a omissão dos seus deveres legais -, no intuito de coordenar os interesses próprios da tutelada com os interesses mais amplos representados pelo órgão tutelar". Em regra, a tutela é exercida por pessoa colectiva de direito público sobre outra pessoa colectiva diversa também pública. Nesse contexto, afigura-se-nos que os poderes a tal propósito conferidos pelo Decreto-Lei nº 119/83 às entidades competentes, já acima referidos (artºs 32º a 39º), embora destinados a vigiar a prossecução dos fins sociais das instituições às quais é concedido o estatuto legal de “solidariedade social” e como contrapartida de tal reconhecimento (com benefícios inerentes), dado o seu âmbito, conteúdo e efeitos, e atenta a natureza particular da Misericórdia e sua sujeição ao poder eclesiástico, não se compaginam com o referido tipo de tutela administrativa. A peculiar circunstância de o legislador se ter visto na necessidade de estabelecer, como decorre do artº 23º, nº 1, que a empreitada de obras de construção ou grande reparação em imóveis pertencentes às instituições deverá ser feita em concurso ou hasta pública, constitui, no fundo, sinal inequívoco de que tais obras não são, por si, consideradas públicas, nem as instituições suas donas como “donos de obras públicas”, pois, de contrário, seria desnecessário assim dispor de modo expresso e especial quanto a tal procedimento. Por outro lado, a actividade própria da Misericórdia (que não se confunde com a construção ou remodelação dos edifícios onde a exerce) também não consta que seja financiada “maioritariamente” por entidades públicas (embora estas a financiem pontualmente, como no caso sucedeu, segundo específicos acordos de cooperação), nem a sua gestão (apesar de algum controlo possível) está directa e imediatamente sujeita àquelas entidades, nem estas designam membros dos seus órgãos de administração, de direcção ou de fiscalização. Daí que não se lhe aplique o nº 2, do citado artº 3º, e, também por aí, não possa ser considerada dono de obra pública. O facto de, devido à referida imposição legal, a obra ter de ser precedida de concurso público e de, neste, se adoptarem as respectivas regras a tal procedimento aplicáveis (mormente, como se refere no anúncio, o artº 80º, e sgs., do DL 59/99), não lhe confere o carácter de “obra pública” (o imóvel respectivo não é do domínio público), nem à sua dona a qualidade de “dona de obra pública”. Tal adopção pode ser feita por qualquer pessoa no domínio das suas relações privadas e as respectivas normas incluídas em qualquer negócio civil. O mesmo se diga quanto à circunstância de, no contrato de empreitada celebrado, por remissão, se incorporarem, quanto à rescisão, resolução e naquilo que ele é omisso, regras do Decreto-Lei 59/99, de 2 de Março. Assim sendo, não parece estar-se ante contrato administrativo de empreitada de obra pública (tal como o definia Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativo, I, 10ª edição, página 583), ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida com o argumento de que ele foi celebrado pela 2ª ré “com vista a garantir o regular desempenho das suas atribuições administrativas e a satisfação de necessidades de interesse geral.”. A SCMA não tem, nem lhe foram conferidas pelo facto de ser reconhecida como instituição particular de solidariedade social, “atribuições administrativas”. E, embora o edifício em que levou a cabo a obra de remodelação esteja destinado a ser Hospital (privado) e do seu escopo faça parte a “solidariedade social”, daí não decorre que visasse “a satisfação de necessidades de interesse geral”, no sentido de “interesse público” cometido a órgãos e entidades que, por natureza e função, o realizam, integrando-se ou relacionando-se com a organização administrativa do Estado. A natureza e o sentido espiritual e religioso que subjazem ao escopo e necessárias tarefas da SCMA fazem com que estas não se confundam, embora se assemelhem nos seus objectivos de tipo social, com as do Estado e demais entes públicos incumbidos da sua realização. Por isso e porque, entretanto, também, à data da propositura desta acção, já se encontrava revogado, como se disse, o citado Decreto-Lei – em cujo artº 253º, nº 2, se previa que para as questões de interpretação, validade ou execução do contrato de empreitada de obras públicas, seriam competentes os tribunais administrativos – parece-nos que não é pela referida caracterização do contrato que se chega à eventual atribuição da jurisdição àqueles tribunais. E não o sendo em relação ao contrato de empreitada, menos o é quanto ao subcontrato de empreitada (subordinado àquele, mas autónomo) celebrado entre a aqui autora e a ré “C.......” (que o artº 266º, nº 1, do DL 59/99, relacionava com aquele como principal mas enquanto ele fosse efectivamente “empreitada de obras públicas” e apenas “para efeitos do presente diploma”). Certo que, no artº 178º, nº 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA) – citado pela decisão recorrida –, definia-se como contrato administrativo o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa e, no nº 2, alínea a), exemplificava-se com as empreitadas de obras públicas, prevendo-se, nos artigos seguintes, regras que, conjugadas com aquela definição, não se coadunam, para efeito que aqui interessa, manifestamente com o caso em apreço. Todavia, tais disposições foram, entretanto, revogadas pelo Decreto-Lei 18/2008, de 29 de Janeiro. Ao fim deste percurso e ainda sem encontramos regras que, no caso, atribuam à jurisdição administrativa a competência para o caso, voltamos ao ETAF e às já referidas regras do artº 1º, nº 1 – litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais – e do artº 4º, nº 1, alíneas e) e f): “Questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público” e “Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público”. Como tem sido decidido pelo Tribunal de Conflitos, o que distingue o contrato administrativo do contrato de direito privado é, justamente, a presença de um contraente público e a ligação do objecto do contrato às finalidades de interesse público que esse ente prossiga, bem como as marcas de administratividade e os traços reveladores de uma ambiência de direito público existentes nas relações que neles se estabelecem (cfr., v. g., Acórdão Tribunal de Conflitos de 09.06.2010 – Relator: Consº Oliveira Mendes; ou, mais recentemente, Acórdão de 06-12-2012 – Relator: Consº Costa Reis). Segundo Maria João Estorninho (in “A reforma de 2002 e o âmbito da jurisdição administrativa”), “O critério para a delimitação da competência dos Tribunais administrativos parece passar a ser, nesta matéria da actividade contratual (…), o da sujeição a normas de direito público: ou relativas à própria execução do contrato ou relativas aos procedimentos pré-contratuais, caso em que (…) essa sujeição a normas procedimentais jurídico-públicas acaba por contagiar todo o regime jurídico aplicável aos contratos, nomeadamente para efeitos de contencioso administrativo.” – citada no Acórdão desta Relação de 22/11/2011 (Relator: Desembargador Fernando Samões). Seguindo, com a devida vénia, tal aresto, nele se refere: “Um dos objectivos da reforma dos tribunais administrativos e fiscais, operada pelo novo ETAF, foi eliminar o critério delimitador da natureza pública ou privada do acto de gestão gerador do pedido, causador de grandes incertezas na determinação do tribunal competente, resultante da al. h) do art.º 51.º do anterior ETAF, aprovado pelo DL 129/84, de 27/4. Assim, por vontade expressa do legislador, o critério para a atribuição da competência em razão da matéria aos tribunais administrativos ou aos tribunais judiciais deixou de radicar na distinção entre gestão pública e gestão privada para passar a assentar no conceito de relação jurídica administrativa. Pretendeu-se, deste modo, evitar que os tribunais administrativos constituíssem “foro especial” para as pessoas colectivas de direito público, recolocando a competência material no seu lugar próprio de pressuposto processual referente ao tribunal. Por isso é que a competência material deve ser definida em função do conteúdo da relação material controvertida e não dos sujeitos dessas relações. Torna-se, assim, primordial saber o que deve entender-se por relação jurídica administrativa.“ A tal propósito, valendo-nos também, data vénia, da síntese recolhida no Acórdão da relação do Porto, de 15-11-2011 (relatado pela Desembargad Ondina Carmo Alves): “Segundo FREITAS DE AMARAL, Direito Administrativo, III vol., 423 e segs., a relação jurídica administrativa é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração. Este tipo de relação jurídica, pressupõe assim a intervenção da Administração Pública investida do seu poder de autoridade “jus imperium”, impondo aos particulares restrições que não têm na actividade privada. É para dirimir os conflitos de interesses surgidos no âmbito destas relações e com vista à garantia do interesse público que se atribui competência específica aos tribunais administrativos. Para CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Dicionário de Contencioso Administrativo, 2007, 117-118, por relação jurídico-administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas. E, para J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa”, Lições, 79, apesar dos vários sentidos que pode ser tomado o conceito de relação jurídica administrativa, define-a como sendo “aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”. Tal significa que o foro administrativo será sempre competente quando estão em causa litígios emergentes de relações jurídico-administrativas. Como esclarecem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., loc. cit. a aludida qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico-civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal. É verdade que a Administração pode actuar na esfera de direito público ou na esfera do direito privado, pode praticar actos de gestão pública e actos de gestão privada. MARCELO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10ª ed., II, 122, entendia por gestão pública a actividade da Administração regulada pelo Direito Público e por gestão privada a actividade da Administração que decorra sob a égide do Direito Privado. Esclarece-se ainda na citada obra que reveste a natureza de gestão pública, toda a actividade da Administração que seja regulada por uma lei que confira poderes de autoridade para prosseguimento do interesse público, discipline o seu exercício ou organize os meios necessários para o efeito.” Também acerca do conceito de relação jurídico-administrativa, refere o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 20-09-2012, tal como o mais recente de 21-02-2013 (ambos relatados pelo Consº Pires Esteves) que sendo ele “erigido tanto na Constituição como na lei ordinária, em pedra angular para a repartição de jurisdição entre os tribunais administrativos e os tribunais judiciais”, na falta de definição legal, “deverá esta ser entendida no sentido tradicional de relação jurídica regulada pelo direito administrativo, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a administração”, pois “uma relação jurídica administrativa deve ser uma relação regulada por normas de direito administrativo que atribuam prerrogativas de autoridade ou imponham deveres, sujeições ou limitações especiais, por razões de interesse público, que não se colocam no âmbito de relações de natureza jurídico-privada.” Ora, o contrato de empreitada principal apenas tem como sujeitos, de um lado, a sociedade comercial “C.......” e, do outro, a “Santa Casa da Misericórdia de ….”. Sendo esta uma pessoa jurídica de direito canónico privada, sujeita à autoridade eclesiástica e inserta na organização e hierarquia da igreja católica, e, à luz do direito estadual, reconhecida e tratada como instituição privada de solidariedade social, não exerceu, mormente na relação com o empreiteiro, quaisquer poderes públicos, mediante o contrato, nem visou, imediata e directamente, realizar um interesse público, mas antes conservar e melhorar o seu património imobiliário no exercício do seu direito de propriedade. No negócio entre ambas concluído nada está presente que vá além do previsto nos artºs 1207º a 1230º, do Código Civil, e dos interesses privados de cada um dos sujeitos. Nem o referido conceito de relação jurídica administrativa, nem o de contrato administrativo se ajustam, pois, a tal negócio. Ainda que o contrato de empreitada tenha sido outorgado no epílogo de concurso público obrigatório de acordo com a tutela estabelecida pelo Decreto-Lei 119/83, isso em nada modifica a fisionomia jurídica, caracteristicamente civil, da relação entre as partes nem o objecto do contrato. Ao pedir o registo como instituição particular de solidariedade social, a Misericórdia sujeita-se a alguns procedimentos tutelares, é certo. Nenhum deles, porém, tem o condão de modificar a sua natureza, organização, objecto e interesses, nem lhe atribui quaisquer poderes públicos ou similares, nem estabelece sujeições ou restrições que lhe confiram carácter de ente administrativo ou actuando como tal, muito menos com qualquer reflexo na negociação com a empreiteira, que não obedeceu a imposições com tal carácter. A obrigatória utilização do concurso público previsto na lei constitui contrapartida da atribuição do estatuto de que desfruta e uma garantia, para o mercado concorrencial e para a tutela, de observância das regras por aquele mecanismo supostamente prosseguidas, justificada porque, normalmente, em projectos da envergadura do dos autos, há capital público envolvido no âmbito de acordos de cooperação e financiamento. A remissão, no contrato, para o Decreto-Lei 55/99, em alguns outros aspectos, ainda que de natureza substantiva, só releva se uma das partes se puder vincular juridicamente em termos administrativos. De contrário, e como no caso sucede, está-se no domínio da liberdade e da autonomia contratual na fixação das regras e conteúdo do contrato previstas no artigo 405º, do C. Civil. O concurso público, embora então regulado em diploma relativo à empreitada de obras públicas, é apenas uma forma de organizar a chamada de interessados na execução da obra e de a publicitar. Não constitui propriamente um procedimento pré-contratual relacionado com a formação da vontade e decisão de contratar e ao qual a respectiva conclusão esteja subordinada e de onde derive a vinculação das partes ao direito público. Pelo contrário, para além daquela formalidade, tudo se passa entre entidades privadas e em termos que não extravasam o domínio da relação jurídico-civil. Nenhuma das partes é entidade pública ou concessionada à qual tenham sido dados poderes daquela natureza e no âmbito dos quais actue. Não se trata de negócio, em concreto, com objecto susceptível de acto administrativo, nem a respeito do qual haja normas de direito público que regulem o seu regime substantivo. É um vulgar contrato de empreitada, regulado em geral pelas normas civis atinentes e, em especial, pelas dos artºs 1207º e seguintes. Como se viu, a adopção de algumas daquelas previstas no DL 55/99 no conteúdo do negócio celebrado resultou de livre iniciativa das partes e não lhe retira a natureza de relação jurídica privada. Resulta, assim, do exposto, que o caso não cabe no âmbito do conceito de relação jurídica administrativa, nem em qualquer das hipóteses apontadas nas citadas alíneas e) e f), do nº 1, do artº 4º, do ETAF. Os sujeitos intervenientes não se movimentam nem se determinam por interesses de carácter administrativo nem no uso de prerrogativas próprias de autoridade, nem o objecto do negócio contende com o interesse público (no sentido administrativo). Sendo assim quanto ao contrato principal de empreitada, por maioria de razão o é relativamente ao contrato de subempreitada celebrado entre a “C.......” e a autora, ambas, em tal negócio, alheias à natureza da dona da obra e aos fins que prossegue, bem como às obrigações de carácter tutelar a que ela está sujeita. E assim será mesmo que, contra o entendimento acima expresso, se considere o contrato principal como de obra pública e, portanto, uma relação jurídico-administrativa. Como se decidiu em Acórdão de 29-03-2001 do Tribunal de Conflitos (Relator: Consº João Cordeiro), “pedindo-se na acção a condenação dos réus no pagamento de quantias, com base no incumprimento de um contrato de subempreitada realizado entre o empreiteiro e uma outra entidade privada, a que foi alheia a entidade pública dona da obra, está em causa uma relação jurídica exclusivamente privada, sendo competentes para a acção os tribunais comuns.” E que, caso se trate de empreitada de obra pública, o contrato de subempreitada celebrado entre a empresa construtora empreiteira e outra sua congénere, não é um contrato administrativo, decidiu também o Acórdão do mesmo Tribunal de 18-09-2007 (Relator: Salreta Pereira). Entendimento, aliás, reafirmado, mais recentemente, no Acórdão de 17-06-2010 (Relatora: Consª Angelina Domingues), onde se referiu como sendo jurisprudência pacífica que os tribunais administrativos carecem de competência para julgar a acção em cujo objecto se compreende o pagamento de quantias no âmbito do incumprimento de contrato de subempreitada, aí se ponderando que tal relação jurídica mantém-se no domínio do direito privado entre as partes que o celebram, não lhe sendo transmitida a – eventual – natureza administrativa do contrato matricial. A este propósito, esclareça-se que o aresto citado pela decisão objecto deste recurso se refere a subempreitada de obra indiscutivelmente pública (por ser seu dono um Município), mas ao exercício de direitos nos termos do artº 267º, do DL 55/99. Tratando-se de hipótese diversa da aqui configurada, não parece correcto tomá-lo como precedente a atender na resolução deste caso. De qualquer modo, e por fim, se voltarmos a recordar que a competência do tribunal se determina pelo pedido e pela causa de pedir, tal como alegados pelo autor na petição inicial, e que, afinal de contas, a demandada Santa Casa da Misericórdia de Arouca – apesar de algumas passagens equívocas ou contraditórias no articulado respectivo – apenas é chamada a responder por, como dona da obra e confrontada com o seu impasse causado por dificuldades financeiras da sociedade empreiteira e consequentes problemas de pagamento aos seus subcontratados, ter assumido ou garantido, perante aquela subempreiteira, e para viabilizar a sua continuação e fim, o pagamento de créditos respeitantes a trabalhos seus naquela executados, conforme acordaram, conclui-se que tal acordo é absolutamente despido de qualquer aspecto que juridicamente o conexione com uma relação de carácter administrativo ou público e capaz de legalmente poder ser tomado como critério decisivo de atribuição de competência aos tribunais administrativos. Quer o preço dos serviços quer as condições de pagamento, seja na empreitada ou na subempreitada (e mesmo a responsabilidade nisso assumida pela 2ª ré), aspectos que constituem o cerne do litígio, resultam da livre e expressa estipulação das partes, nada têm a ver com regras do Decreto-Lei 59/99, mormente com aquelas para que supletivamente o contrato remeteu. Não cremos, pois, que o litígio derive de uma relação jurídica administrativa, maxime no que concerne à subempreitada e à vinculação nesta assumida pela 2ª ré. Emerge, pois, a competência residual dos tribunais comuns – tal como, aliás, se decidiu em caso praticamente igual numa acção proposta, na mesma comarca, por outro subempreiteiro contra as mesmas rés, no Acórdão desta Relação de 17-01-2011 – Processo nº 91/05.8TBARC.P1. Por isso e em conclusão, procedendo o recurso, a decisão apelada não pode manter-se. V. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, na procedência da apelação, revoga-se a decisão recorrida e, em consequência, julga-se improcedente a excepção dilatória alegada e declara-se competente, em razão da matéria, o Tribunal (comum) Judicial da Comarca de Arouca, devendo os autos neste prosseguir em conformidade. Custas pela parte vencida a final – Tabela I-B, do RCP. Notifique. Porto, 04-04-2013 José Fernando Cardoso Amaral Fernando Manuel Pinto de Almeida Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo ________________________ Sumário (artº 713º, nº 7, CPC): É materialmente competente o tribunal comum, e não a jurisdição administrativa, para julgar acção em que o subempreiteiro pediu a condenação do empreiteiro e da dona da obra (uma santa casa da misericórdia) a pagarem-lhe, solidariamente, certa quantia, invocando, como causa de pedir, o incumprimento da obrigação de pagamento do preço, que esta teria garantido ou assumido, de obras executadas, mediante contrato de subempreitada entre aqueles celebrado, no hospital propriedade dela, apesar de financiadas pelo Estado e de beneficiar do estatuto de instituição particular de solidariedade social. |