Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANABELA DIAS DA SILVA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO TAXA DE ALCOOLEMIA SUPERIOR À PERMITIDA DIREITO DE REGRESSO SEGURADORA PRESSUPOSTOS | ||
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Nº do Documento: | RP20130115995/10.6TVPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/15/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Para que o direito de regresso da seguradora que satisfez a indemnização seja reconhecido tem a mesma, para além de provar a culpa do condutor na produção do evento danoso, alegar e provar, ainda, factos de onde resulte o nexo de causalidade entre a condução com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e o evento dele resultante. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação Processo n.º 995/10.6 TVPRT.P1 Varas Cíveis do Porto – 2.ª Vara, 2.ª secção Recorrente – Companhia de Seguros B…, SA Recorrido – C… Relatora – Anabela Dias da Silva Adjuntas – Desemb. Maria do Carmo Domingues Desemb. Maria Cecília Agante Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – A Companhia de Seguros B…, SA, com sede em Lisboa e delegação na Rua …, …, Piso ., no Porto, intentou nas Varas Cíveis do Porto, a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra C…, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de €92.794,00 acrescida de juros vincendos contados desde a citação até integral pagamento. Para tanto alegou, em síntese, que o proprietário do veículo de matrícula ..-AJ-.. transferiu para si a responsabilidade civil por danos decorrentes da circulação deste veículo, o qual foi interveniente em acidente de viação ocorrido em 20.08.2009. Que na sequência do acidente os ocupantes do veículo sofreram diversos danos, que a autora foi chamada a indemnizar, por força do contrato de seguro celebrado. Mais alegou que no momento do acidente o AJ era conduzido pelo réu que seguia com excesso de álcool no sangue e por influência desse mesmo álcool, já que aquele condutor veio a acusar uma TAS de 0,76 g/l, não se encontrando por isso em condições de conduzir o veículo com segurança, já que tal situação afectou a sua condução. Conclui assim que tem direito a receber do réu as quantias que despendeu no pagamento das indemnizações. * O réu foi pessoal e regularmente citado e veio contestar pedindo a improcedência da acção.Para tanto alegou que aceita a ocorrência do acidente em apreço, mas o mesmo não ocorreu em virtude de condução sob influência do álcool. Contudo, não se recorda sequer de ter efectuado qualquer teste ou ter consentido na recolha de sangue. * Foi dispensada a audiência preliminar foi proferido despacho saneador com selecção da matéria de facto e elaboração da base instrutória, de que a autora reclamou e foi oportunamente decidido.* Procedeu-se ao julgamento da matéria de facto com gravação em sistema audio dos depoimentos aí prestados, após o que foi proferida a respectiva decisão sem reclamação. * Por fim proferiu-se sentença que julgou improcedente a acção, pelo que em consequência absolveu o réu do pedido.* Inconformada com tal decisão dela recorreu, de apelação, a autora, pedindo a revogação da mesma e a sua substituição por outra que julgue a acção procedente, por provada.A apelante juntou aos autos as suas alegações onde formula as seguintes conclusões: 1. O Douto Tribunal "a quo" considerou que para a efectivação do direito da A. é necessária a alegação e prova pela seguradora que exerce o direito de regresso, do nexo de causalidade entre o estado de etilização e o acidente de que resultaram os danos de terceiro indemnizados por ela, isto é, que o álcool foi causa real, efectiva e adequada ao desencadear do acidente. 1. Contudo, salvo o devido respeito que é muito, esta não é nem pode ser a interpretação a ser dada ao referido normativo legal. 2. O DL 522/85 teve em vista não privar as vítimas de acidente de viação das respectivas indemnizações. 3. E segundo o normativo em causa, obrigado à prestação é o condutor quando, nomeadamente, tiver agido sob influência do álcool. 4. Debatia-se, na doutrina e jurisprudência, sobretudo antes da publicação do Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça n.º 06/2002 de 28.05, a questão de saber se devia existir nexo de causalidade entre o acidente de que resultaram os danos e a condução sob a influência do álcool e quem deveria suportar o ónus da desmonstração desse nexo causal. 5. A doutrina nele acolhida mantém a sua força vinculativa na ordem jurisdicional, enquanto a norma interpretada não for alterada pelo legislador, ou a jurisprudência não for alterada por outro acórdão uniformizador. 6. O Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21.08, veio entretanto revogar o DL 522/85 de 31.12. 7. Segundo o art.º 27.º n.º 1 alínea c) do DL 291/2007, aplicável ao caso vertente, "satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso (...) contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos". 8. Agora, as coisas são claras - o condutor dá causa ao acidente (qualquer que seja a causa) e, se conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à permitida por lei, a seguradora tem direito de regresso contra ele. 9. O art.º 9.º do C.C. aponta os critérios a seguir na interpretação da lei. 10. Não se afigura inocente a alteração da redacção introduzida no novo diploma. 11. O legislador do DL 291/2007, ciente da inicial controvérsia suscitada a propósito da interpretação do art.º 19.º alínea c) do DL 522/85, achando-se a mesma ultrapassada com o Acórdão Uniformizador n.º 6/02, certamente não teria alterado a redacção nos moldes em que o fez no art. 27.º n.º 1 c) do novo diploma se não quisesse atribuir-lhe distinto sentido. 12. O abandono da expressão "tiver agido sob a influência do álcool" contida no anterior diploma, com a inerente carga subjectiva que lhe está subjacente, e a sua substituição, no novo diploma, pela expressão "conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida", de cariz claramente objectivo e passível de concreta objectivação. 13. Só poderá ser entendida no sentido da actual inexigibilidade do nexo de causalidade adequada entre o estado de alcoolemia e a produção do acidente. 14. Ou seja, contrariamente ao que se verificava no anterior diploma, em que o estado etílico tinha de se reflectir no comportamento do condutor e ser causal do acidente, no novo diploma não se exige essa relação de causa/efeito, bastando a constatação, material e objectiva de que o condutor, no momento do acidente, era portador de uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida. 15. Assim, deve entender-se, salvo melhor opinião, que com a entrada em vigor do DL 291/2007 nomeadamente da alínea c) do n.º 1 do art.º 27.º, se postergou a orientação que, na vigência da alínea c) do art.º 19.º do DL 522/85, decorria do Acórdão do STJ n.º 6/02 e, portanto, que nos acidentes a que seja já aplicável o regime do DL 291/2007, para ser reconhecido o direito de regresso à seguradora que satisfez indemnização basta ter sido alegado e provado que o condutor deu causa ao acidente e conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à permitida por lei, dispensando-se a alegação e prova de nexo de causalidade adequada entre a etilização e o acidente. 16. Por força da previsão especial do art.º 27.º, n.º 1 alínea c) do DL 291/2007, não é aplicável o regime geral previsto no art.º 144.º, n.º 2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo DL 72/2008 de 16/04, sendo de concluir, numa interpretação centrada nos elementos literal e histórico do primeiro daqueles normativos, que a doutrina do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 06/02, caducou. 17. O Apelado seguia a velocidade não inferior a 80 km/h e por causa da velocidade imprimida, ao descrever a curva supra referida entrou em despiste e perdeu o controlo da viatura que conduzia. 18. Transpôs o eixo da via, invadiu a hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de marcha, galgou o passeio do lado esquerdo daquela artéria, e só se imobilizou de encontro a uma árvore implantada no passeio, das muitas que no passeio existem. 19. No momento do acidente o AJ era conduzido pelo R, que seguia com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 0,76 g/litro e sob influência desse álcool. 20. O facto de serem 6.20 h e o réu ter estado acordado toda a noite e ter ingerido bebidas alcoólicas, apresentando uma TAS de pelo menos 0,76 g/litro afectou a sua condução. 21. Violando assim, os art.ºs 81.º, n.ºs 1 e 2, 145.º, n.º 1 alínea I), e 146.º alínea j) do Código da Estrada. 22. Desta forma, comprovado que a Apelante satisfez a indemnização nos moldes descritos na Sentença recorrenda, resultando demonstrada a culpa do Apelado na produção do acidente e que o mesmo na altura era portador de uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida, tanto basta para que se considerem preenchidos os demais pressupostos necessários ao direito de regresso. 23. Ao decidir de forma diversa, o Douto Tribunal "a quo" fez incorrecta aplicação e interpretação da lei aos factos, pelo que a sua Decisão deverá ser revogada. * O apelado juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos não impugnados por via do presente recurso: 1. A Companhia de seguros B…, SA é uma sociedade constituída sob a forma comercial que tem por objecto a actividade seguradora; 2. No exercício da sua actividade e por força do contrato de seguro celebrado com C…, aceitou a transferência da responsabilidade civil por danos decorrentes da circulação do veículo ligeiro de passageiros com matrícula ..-AJ-.., dentro dos limites legais, pela apólice n.º ……… (doc n.º 10 que aqui se dá por integralmente reproduzido); 3. Tal contrato de seguro encontrava-se em vigor á data do acidente, em 20.08.2009; 4. No dia 20.08.2009, pelas 6.20 horas, na …, vulgarmente conhecida por …, verificou-se um acidente de viação, no qual foi interveniente o veículo seguro pela A. (AJ) conduzido pelo R. C…, transportando consigo E…, F… e G…; 5. Naquele dia e hora e nos momentos que precederam o acidente, circulava o veículo AJ na …, no sentido Oeste/Este, ou seja, …/…; 6. Como consequência do embate os ocupantes do AJ sofreram diversas, e graves lesões físicas, vindo a falecer E…: 7. A referida artéria, no local, descreve uma curva para a esquerda, atento o sentido de marcha do veículo AJ; 8. O R. seguia a velocidade não inferior a 80 km/h e por causa ia velocidade imprimida, ao descrever a curva supra referida entrou em despiste e perdeu o controlo da viatura que conduzia; 9. No momento do acidente o AJ era conduzido pelo R., que seguia com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 0,76 g/litro e sob influência desse álcool; 10. O facto de serem 6.20 h e o réu ter estado acordado toda a noite e ter ingerido bebidas alcoólicas, apresentando uma TAS de pelo menos 0,76g/litro afectou a sua condução 11. Transpôs o eixo da via, invadiu a hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de marcha, galgou o passeio do lado esquerdo daquela artéria, e só se imobilizou de encontro a uma árvore implantada no passeio, das muitas que no passeio existem; 12. Tendo a A. suportado a quantia de €294,00 euros que liquidou ao Centro Hospitalar do Porto - Hospital …- pelos episódios de urgência dos ocupantes F… e G…; 13. Igualmente foi liquidada a quantia de €92.000,00 euros relativo a indemnização devida aos herdeiros de E…. III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 684.º n.º3, 684.º-B n.º 2 e 685.º-A, todos do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. Sendo que ao presente recurso já é aplicável o regime processual estabelecido pelo DL 303/2007, de 24.08, por respeitar a acção instaurada depois de 1 de Janeiro de 2008, cfr. n.º 1 do artº 11.º e art.º 12.º do citado DL. Ora, visto o teor das alegações da recorrente é questão a apreciar neste recurso: - Saber se em acção de regresso tem a seguradora de alegar e provar o nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia de que o condutor é portador e e a ocorrência do acidente. * A 1.ª instância entendeu que para a efectivação do direito da autora é necessária a alegação e prova pela seguradora que exerce o direito de regresso, do nexo de causalidade entre o estado de etilização e o acidente de que resultaram os danos de terceiro indemnizados por ela, isto é, que o álcool foi causa real, efectiva e adequada ao desencadear do acidente. Já a apelante defende que basta com a demonstração da culpa do segurado e de que este conduzia com uma taxa de álcool no sangue superior à permitida por lei, sem exigência de nexo causal entre o estado de alcoolemia e o acidente. Mas vejamos. No caso, a autora pretende com a presente acção que o réu a reembolse das quantias que pagou, por força do contrato de seguro celebrado entre si e o referido réu, em reparação dos danos por ele causados a terceiros, enquanto condutor do veículo ..-AJ-.. e, porque à ocasião do acidente o mesmo apresentava uma TAS de 0,76g/l de álcool no sangue. O acidente em causa ocorreu em 20.08.2009, portanto na vigência do DL 291/2007, de 21 de Agosto. Ora, o art.º 27.º n.º 1 al. c) deste diploma legal dispõe que "Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso: Contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos”. O DL 291/2007, de 21.08, revogou o art.º 19.º al. c) do DL 522/85, de 31.12 e substituiu-o pelo referido art.º 27.º n.º 1 al. c). O art.º 19.º, al. c), do DL 522/85, de 31.12, que dispunha do seguinte modo: "Satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso: Contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, ou quando haja abandonado o sinistrado". No âmbito da vigência deste preceito foi publicado o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2002, de 28 de Maio de 2002, in D.R., Série I-A, de 18 de Julho de 2002, onde se declarou que a alínea c) do artigo 19º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31.12, exigia para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob a influência do álcool a prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente. Como se escreve doutamente no Ac. do STJ de 6.07.2011, in www.dgsi.pt, citado na decisão recorrida, a actual redacção do art.º 27.º n.º1 al. do DL 291/2007, de 21.08 “…suporta duas interpretações: Uma no sentido de que, circulando o condutor com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente admitida, se der causa a um acidente, relacionado ou não com a etilização, a seguradora tem direito de regresso; Outra com o entendimento de que não basta o condutor etilizado ter dado causa ao acidente, sendo necessário que esta causa tenha emergido da própria etilização. O condutor etilizado que vê uma pessoa conhecida no passeio ao lado e se distrai a olhar para ela, não reparando que está a entrar numa passadeira por onde passa um peão, que atropela, sem que o seu comportamento tenha algo a ver com a alcoolização, teria contra si o direito da seguradora na primeira das interpretações e não o teria na segunda. Ainda que mais apegada à letra da lei, a primeira das interpretações tem contra ela os mesmos argumentos que já ficaram referidos em VII. Acrescentados dum de índole histórica, pois, estando firmado o entendimento de que tinha que haver uma relação de causalidade entre a etilização e o evento, se se pretendesse romper com ela, a redacção havia de ser muito mais categórica. A referência “quando tenha dado causa” não encerra um alargar da previsão a todos os casos em que o condutor tenha dado causa ao acidente, mas antes o consagrar, em texto legal, do que faltara ao texto anterior e já vinha sendo entendimento constante…”. Nesse Acórdão perfilha-se e defende-se a referida segunda interpretação. E foi na esteira do mesmo que a sentença de 1.ª instância também decidiu. E quanto a nós correctamente. Na verdade, não ignoramos a actual divergência jurisprudencial existente sobre a questão, já que alguns sufragam a primeira das referidas interpretações - veja-se entre outros o Acs. do STJ de 8.01.2009, da Relação de Coimbra de 8.05.2012 e da Relação do Porto de 13.12.2011 e, outros defendem a segunda interpretação – cfr. entre outros, Acs. do STJ de 7.06.2011, da Relação de Lisboa de 17.05.2012 e da Relação do Porto de 13.12.2011, de 19.01.2012 e de 20.09.2012, todos in www.dgsi.pt. Também alguma doutrina tem defendido esta segunda interpretação, cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, in “Prova por Presunção no Direito Civil”, pág. 273. É verdade que a redacção anterior do art.º 19.º e a actual do art.º 27.º são diferentes, numa postulava-se “…tiver agido sob a influência do álcool… “ e agora dispõe-se “…tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida…”, todavia e como se sabe, segundo o disposto no art.º 9.º do C.Civil -“A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”. Logo é necessário para uma correta interpretação do actual texto da lei ter-se em consideração todos os elementos hermenêuticos de interpretação da lei e não dar apenas relevância ao elemento literal, descurando os restantes elementos histórico, sistemático e racional. A doutrina e a jurisprudência que têm defendido a segunda interpretação, ou seja, a de que se exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida a prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução com essa taxa e o acidente, com os seguintes argumentos: em primeiro lugar, um argumento de índole histórica, porquanto a redacção de 2007 vem na sequência do entendimento prevalecente anteriormente e plasmado no acórdão uniformizador de jurisprudência 6/2000, de 28.05, no sentido de que tinha de haver uma relação de causalidade entre a etilização e o evento. Dai que, se fosse propósito do legislador romper com tal estado de coisas, teria utilizado uma técnica legislativa mais assertiva. A referência a “tenha dado causa” visará, precisamente, consagrar a relação de causalidade entre a etilização e o acidente. Em segundo lugar, a desconsideração do nexo de causalidade levaria a uma objectivação das consequências da condução sob a influência do álcool em benefício da seguradora, imputando responsabilidades ao condutor que nada têm a ver com a conduta culposa consistente no estado etílico. Nós acompanhamos e também defendemos este entendimento. Na verdade, o direito de regresso é no dizer de Antunes Varela, in “Obrigações em Geral”, vol. II, pág.334 “um direito nascido ex novo na titularidade daquele que extinguiu a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta”, ou seja, este direito das seguradoras não poderá ultrapassar a amplitude do direito em que se fundamenta, in casu na responsabilidade civil do segurado. Daí que considerar-se que o segurado que provoca um acidente com uma taxa de alcoolemia superior à permitida por lei, por si só, é condição para legitimar o direito de regresso da seguradora, estar-se-ia a sancionar (civilmente) o agente (segurado) pela taxa de álcool no sangue de que é portador, sem a necessidade de se estabelecer um nexo causal entre esse mesmo estado de alcoolemia e os danos resultantes do acidente, e consequentemente a alterar a natureza reparadora do direito civil (ao invés de sancionadora), pois que se sancionar-se-ia o agente em função da sua culpa e não da causalidade entre a sua acção e os danos casuísticos da mesma. Assim entendemos que para que o direito de regresso, da seguradora que satisfez a indemnização seja reconhecido tem a mesma, para além de provar a culpa do condutor na produção do evento danoso, alegar e provar, ainda, factos de onde resulte o nexo de causalidade entre a condução com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e o evento dele resultante. * Retornando ao caso concreto dos autos, está assente que no dia 20.08.2009, pelas 6.20 horas, na …, vulgarmente conhecida por …, ocorreu um acidente de viação, no qual foi interveniente o veiculo seguro pela autora (AJ) conduzido pelo réu C…, transportando consigo E…, F… e G…. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar e nos momentos que precederam o acidente, circulava o veículo AJ na …, no sentido Oeste/Este, ou seja …/…. A referida artéria, no local, descreve uma curva para a esquerda, atento o sentido de marcha do veículo AJ. O réu seguia a velocidade não inferior a 80 km/h e ao descrever a curva referida entrou em despiste e perdeu o controlo da viatura. O réu transpôs o eixo da via, invadiu a hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de marcha, galgou o passeio do lado esquerdo daquela artéria, e só se imobilizou de encontro a uma árvore implantada no passeio, das muitas que no passeio existem. Está ainda assente que no momento do acidente o AJ era conduzido pelo réu, que seguia com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 0,76g/litro e sob a influência desse álcool e que o facto de serem 6.20 h e o réu ter estado acordado toda a noite e ter ingerido bebidas alcoólicas, apresentando uma TAS de pelo menos 0,76 g/litro que afectou a sua condução. É manifesto que o réu conduzia o veículo AJ, sendo portador de uma taxa de alcoolemia um pouco superior ao limite legal, cfr. n.º 2 do art.º 81.º do C.Estrada. que considera sob influência de álcool o condutor que apresente uma taxa igual ou superior a 0,5 g/l), e isso afectava a sua condução, já que naturalmente lhe causava limitação das capacidades necessárias para o exercício da condução (nomeadamente, diminuição da capacidade de concentração, da acuidade visual, do tempo de reacção, etc). Mas, como se decidiu na sentença recorrida, atentas as circunstâncias em que eclodiu o acidente em apreço podemos concluir que o mesmo foi ocasionado por o condutor do AJ, à ocasião, imprimir ao veículo uma velocidade excessiva para o local, designadamente, atentas as características da via. * Ora como resulta dos autos, a autora não alegou factos e, portanto não fez prova, do necessário nexo de causalidade entre a condução por parte do réu, portador de uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e o acidente resultante, daí que a decisão recorrida não nos mereça qualquer censura havendo de ser confirmada.Improcedem as conclusões da apelante. * Sumariando - Para que o direito de regresso, da seguradora que satisfez a indemnização seja reconhecido tem a mesma, para além de provar a culpa do condutor na produção do evento danoso, alegar e provar, ainda, factos de onde resulte o nexo de causalidade entre a condução com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida e o evento dele resultante.IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação totalmente improcedente, confirmando a sentença recorrida. Custas pela apelante. Porto, 2013.01.15 Anabela Dias da Silva Maria do Carmo Domingues Maria Cecília de Oliveira Agante dos Reis Pancas |