Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JORGE SEABRA | ||
Descritores: | EMBARGOS DE EXECUTADO RECURSO LIVRANÇA PREENCHIMENTO ABUSIVO ÓNUS DA PROVA ABERTURA DE CRÉDITO DENÚNCIA JUROS MORATÓRIOS | ||
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Nº do Documento: | RP201806274368/15.6T8LOU-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/27/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 677, FLS 263-299) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O sistema de recursos vigente assenta num modelo de modelo de revisão ou reponderação, por contraponto a um modelo de reexame. Como assim, os juízes do tribunal de 2ª instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª instância no momento de proferir a sua sentença, valendo para a 2ª instância as preclusões, ao nível das questões de facto e de direito, ocorridas na 1ª instância. II - Nesta linha de raciocínio, os recursos são os meios de impugnação de uma determinada decisão judicial e para obter o reexame das questões submetidas à apreciação do tribunal recorrido, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame daquele tribunal, salvo se se tratar de matéria de conhecimento oficioso. III - Sendo os embargos de executado o meio idóneo de alegação das excepções (factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito) que, em acção declarativa, incumbiriam ao réu demonstrar (artigo 342º, n.º 2 do Código Civil), daí decorre que incumbe ao embargante a alegação, através de factos concretos, e subsequente prova da excepção de preenchimento abusivo do título de crédito emitido em branco. IV - E daí decorre também que, sendo a excepção de preenchimento abusivo uma excepção material peremptória, a mesma carece de ser alegada e provada pelo executado que dela pretende beneficiar, não sendo do conhecimento oficioso pelo tribunal. V - O preenchimento do título emitido em branco quanto aos seus elementos essenciais deve ocorrer até à data de apresentação do mesmo a pagamento – sob pena de, mantendo-se incompleto, não valer como título de crédito - e com observância do acordo de preenchimento. VI - Os termos em que o completamento do título deve vir a ser efectuado tanto podem constar de documento escrito, de mero acordo verbal, como, ainda, podem resultar implicitamente do próprio contrato que dá origem ao título, isto é, da relação jurídica fundamental subjacente, hipótese em que o preenchimento será tácito. VII - O contrato de abertura de crédito é aquele pelo qual o banco – creditante – se obriga a colocar à disposição do cliente – creditado – uma determinada quantia pecuniária por tempo determinado ou não, ficando o último obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respectivos juros e comissões. VIII - A cessação do contrato de abertura de crédito por denúncia para o termo do prazo negocial em curso (enquanto oposição à sua renovação automática) importa para o mutuário a obrigação de restituir o capital utilizado, assim como os juros e demais comissões ou encargos convencionados. IX - Em execução fundada em livrança emitida e não paga em Portugal e dirigida contra os avalistas (que não intervieram na relação fundamental subjacente à emissão do título), é aplicável, quanto à indemnização pela mora, a taxa de juros prevista no artigo 4.º do DL n.º 262/83, de 16.06., e não a taxa de juros convencionada na relação fundamental subjacente, nem a taxa de juros supletiva prevista no artigo 102º, § 3º do Cód. Comercial. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 4368/15.6T8LOU-A.P1 - Apelação Origem: Lousada – Instância Central – Secção de Execução – J1. Relator: Des. Jorge Seabra 1º Adjunto: Des. Maria de Fátima Andrade 2º Adjunto: Des. Oliveira Abreu * Sumário (elaborado pelo Relator):................................................................ ................................................................ ................................................................ * * Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:I. RELATÓRIO: 1. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, fundada em livrança emitida a 23.07.2015, com vencimento a 31.07.2015, no valor de € 68.918,25, que “Banco B..., SA” move contra “C..., Lda.”, enquanto subscritora do título executivo, e D... e E..., estes últimos na qualidade de avalistas da subscritora, vieram estes executados deduzir oposição à execução pedindo a final que a mesma execução seja «julgada como improcedente e não provada com todas as consequências legais.» Para o efeito, os embargantes alegaram, em suma, que a livrança dada à execução teve a sua origem em contrato de abertura de crédito celebrado entre o banco exequente e a sociedade executada a 18.12.2012, mediante o qual o exequente concedeu à dita sociedade um crédito até ao montante de € 50.000,00, sendo que, como garantia do pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir pela sociedade perante o banco financiador pelo crédito concedido ou a conceder e valores descontados/adiantados, até ao limite de € 60.000,00, os ora embargantes subscreveram o dito título em branco como avalistas. A par com a subscrição do contrato de abertura de crédito e a entrega da livrança em branco foi ainda subscrito com a mesma data de 18.12.2012 um pacto de preenchimento da livrança, assinado pela sociedade e pelos avalistas, os ora embargantes, pacto esse do qual não consta nem a data, nem o local da emissão da livrança. Sucede que o banco exequente veio a proceder à resolução do contrato de abertura de crédito a 24.04.2014 por incumprimento do mesmo e a proceder ao preenchimento posterior da livrança nela colocando um local e data de emissão a que nunca os ora executados ou a executada “C...” deram autorização. Destarte, segundo os embargantes, ao não constar da livrança o local e data da sua entrega ao banco exequente – requisitos essenciais para a existência do título cambiário -, a livrança exequenda não pode valer como título executivo. Por outro lado, ainda, invocaram os embargantes que o exequente ao colocar na aludida livrança, sem o seu consentimento/autorização, como data de emissão o dia 23.07.2015 e como data de vencimento o dia 31.07.2015 e, ainda, o montante de € 68.918,25, violou o pacto de preenchimento do título. Com efeito, segundo os embargantes, tendo o exequente procedido à resolução do contrato de abertura de crédito em 24.04.2014 e exigido, nessa data, o pagamento da livrança, a mesma teria, nessa mesma data, de estar preenchida no que respeita ao local e data da sua emissão, ao local de pagamento, data de vencimento e o seu valor. Todavia, por razões que desconhecem, o banco exequente terá alterado, posteriormente, todos esses dados, apostos em 24.04.2014, fazendo dela constar os elementos que na mesma se mostram agora inscritos, tudo sem autorização e consentimento da executada “C...” e dos aqui oponentes. Por outro lado, ainda, não compreendem os embargantes como, admitindo o exequente que o valor em débito ascende a € 60.257,65, a que acrescem os juros de mora vencidos desde a data de vencimento (31.07.2015) e até integral pagamento, foi aposta na livrança o valor de € 68.918,25, pois que entre a data do vencimento do título e a data de instauração da execução não pode o valor em débito ser acrescido de € 8.660,60. Sustentam, assim, ter existido má-fé e abuso de direito do exequente que preencheu a livrança com um valor que sabe não corresponder à realidade, assim violando o pacto de preenchimento outorgado com os ora embargantes. Acresce, ainda, que, após a carta registada de 24.04.2014, enviada pelo banco exequente à executada e aos embargantes, nunca mais o Banco entrou em contacto com estes, nunca lhes tendo comunicado, por qualquer meio, o conteúdo da livrança dada à execução, nomeadamente o que dela consta quanto à data e local de emissão, quanto à data de vencimento e quanto ao valor nele inscrito, nunca a tendo apresentado a pagamento. Como assim, tratando-se de uma livrança em branco e com cláusula «sem despesas», não tendo o banco exequente comunicado aos embargantes a data da sua emissão, a data do seu vencimento, nem o valor inscrito na mesma, por força do preceituado no art. 53º da LULL, o mesmo perdeu o seu direito de acção contra os mesmos, pois que não estava dispensado da apresentação da livrança a pagamento no prazo prescrito e de avisar os embargantes desse preenchimento. Concluíram, assim, os embargantes no sentido de que a livrança em causa é uma livrança incompleta, que não pode produzir efeitos como livrança, em virtude de o exequente não estar autorizado a preencher a data de emissão, sendo que a aposição da data de 23.07.2015 é abusiva e nula, conduzindo à nulidade formal do próprio título cambiário por falta desse requisito essencial, nulidade que aproveita aos embargantes/avalistas. Por outro lado, ainda, sustentam os embargantes que pressupondo a execução o incumprimento da obrigação, este incumprimento não resulta do próprio título quando a prestação se apresenta, perante este, incerta, inexigível ou ilíquida, havendo então que a tornar certa, exigível ou líquida, sem o que a execução não pode prosseguir. * 2. Notificado, o exequente veio este sustentar que a livrança – que foi entregue apenas com a assinatura da subscritora e dos embargantes como avalistas - foi preenchida na sequência do incumprimento e denúncia do contrato de abertura de crédito que lhe esteve subjacente e em conformidade com o pacto de preenchimento em que intervieram a mesma subscritora e os ora embargantes, o que comunicou aos aqui executados/embargantes mediante carta enviada a 23.07.2015.Relativamente ao valor em débito alegou, ainda, que, apesar de a livrança ter sido preenchida pelo montante de € 68.918,25, o valor em débito, à data de vencimento da livrança (31.07.2015), era apenas de € 60.257,65, ficando o preenchimento a dever-se a lapso, pois que foi incluído no seu valor o montante de € 10.827,19, quando apenas se deveria ter incluído o valor de € 58.091,06, respeitante aos valores em dívida decorrentes da denúncia do contrato de abertura de crédito, e, ainda, o valor de € 2.166,59, respeitante ao saldo devedor existente na conta de depósitos à ordem da subscritora à data do vencimento da livrança. Mais alegou que os embargantes tinham pleno conhecimento de todas as cláusulas do contrato, assim como tinham perfeito conhecimento das suas consequências em caso de incumprimento por parte da subscritora, empresa de que eram sócios gerentes. Por outro lado, invocou, ainda, que a livrança foi apresentada a pagamento, razão pela qual a mesma possui a natureza de título executivo. Concluiu, assim, pela improcedência do embargos e pela condenação dos embargantes como litigantes de má-fé, em multa e indemnização a seu favor, de montante não inferior a € 3.000,00. * 3. Foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e os temas de prova, vindo a ser proferida sentença que julgou improcedentes os embargos de executado e determinou o prosseguimento da execução.* 4. Inconformados com a sentença, dela interpuseram recurso de apelação os embargantes, oferecendo alegações e deduzindo, a final, as seguintes CONCLUSÕES I. Os Recorrentes não autorizaram o banco exequente a colocar na livrança outra data de emissão que não fosse a de 18.12.2012. II. A data aposta como data de emissão da referida livrança é falsa, sendo que ao preencher data diferente da data em que a livrança foi emitida, o banco exequente violou o pacto de preenchimento. III. Por outro lado, o banco exequente concedeu à executada C... um crédito até ao montante de € 50.000,00. IV. Contudo o título, ou seja, a livrança dada à execução, é de € 68.918,25. V. Acresce ainda que confunde a exequente denúncia com resolução contratual, no limite, a livrança, só poderia ter sido preenchida pelo valor em dívida de € 50.000,00 e nunca com a indemnização podendo advir da resolução. VI. Ao não resolver o contrato imputado à C... e executada um incumprimento culposo que, na sua óptica, justificava a declaração resolutiva; simplesmente, a exequente denunciou o contrato e não se provou que houve incumprimento culposo da executada. VII. É certo que a exequente tinha (como fez) à sua disposição um outro meio de extinguir o negócio: a denúncia com pré-aviso. Conforme contrato. VIII. A denúncia do contrato não dá em regra direito a indemnização porque, consoante se viu, trata-se de facto lícito. Aliás, neste tipo contratual a denúncia pressupõe a existência de um negócio sem prazo já que, havendo prazo, o decurso deste faz eclodir outro factor de extinção contratual (a caducidade). IX. Na denúncia, a existência de direito indemnizatório da contraparte está indexada ao não cumprimento. Ou seja, na denúncia não se indemniza porque o denunciante quis fazer cessar o contrato. X. Daí que os danos indemnizáveis estejam correlacionados com a ilicitude do pré-aviso e não com a denúncia em si. XI. Se o contraente resolve o contrato motivadamente, porque, a outra parte o incumpriu, tem direito à indemnização “nos termos gerais pelos danos resultantes do incumprimento”; se a resolução advém da alteração da base negocial, a indemnização computa-se segundo as regras da equidade. XII. Mas o que aconteceu no caso vertente foi algo diferente. XIII. Acresce ainda que: Está proibida a cumulação da obrigação principal (50.000,00 €) com a cláusula penal (10.000,00€), segundo o art. 811º, n.º 1 do Cód. Civil, em que: “o credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário.” XIV. Não se compreende que a exequente dê à execução outros débitos dos executados e os incorpore no mesmo título executivo sem qualquer autorização dos executados. XV. Como sem qualquer interpelação admonitória para o cumprimento, como de prazo admonitório complementar para o pagamento. XVI. Tal incorporação, sem qualquer autorização dos executados, torna tal título executivo nulo e de nenhum efeito, sendo, inclusive, inconstitucional, violando, nomeadamente, o disposto no artigo 13º da Constituição da Republica Portuguesa, ou seja: XVII. O princípio de que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, ninguém podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever, em razão, essencialmente, da sua situação económica ou condição social, inconstitucionalidade essa que expressamente aqui se invoca em favor dos recorrentes. XVIII. Tal atitude seria conceder à entidade bancária um privilégio ilimitado, que conduziria a um desfasamento de toda a actividade creditícia. XIX. O crédito de € 50.000,00 concedido aos executados e formalizado pelo Contrato de Abertura de Crédito foi efectuado em 18 de Dezembro de 2012, pelo prazo de 6 meses. XX. Tal contrato seria prorrogado automaticamente por períodos sucessivos de 6 meses, salvo se diferentemente viesse a ser acordado entre as partes, ou qualquer delas o denunciasse, por escrito, com a antecedência mínima de 15 dias, relativamente ao termo do período em curso. XXI. Aquando da entrega da livrança em branco, entregue pelos executados ao banco exequente, e agora dada à execução, foi acordado que para o preenchimento dessa livrança os executados e o banco reuniriam e acordariam um prazo razoável para nela colocarem a data definitiva do seu vencimento. XXII. Apesar do banco exequente ter denunciado o contrato de abertura de crédito com a antecedência de 15 dias, o certo é que, nunca acordou (não foi dado como provado) com os executados a data definitiva de vencimento a inscrever na livrança que lhe foi entregue em branco. XXIII. Pelo que a data de vencimento inscrita na livrança pelo banco é uma data abusiva, que nunca foi acordada entre as partes, não podendo, assim, ser tida como data de vencimento da mesma. XXIV. Como é a data de emissão do título; a livrança em causa foi considerada como um título em branco, pois falta-lhe alguns dos requisitos essenciais, mas existe a assinatura de um obrigado cambiário. XXV. Os recorrentes afirmam que o seu preenchimento foi abusivo por banda do exequente, não só em relação à data de vencimento como também à data de emissão. XXVI. A interpretação que a douta sentença recorrida fez quer do contrato como das cláusulas do pacto de preenchimento, não foi correcta, não sendo aceitável a representação que a recorrida faz de tais itens. XXVII. A obrigatoriedade da exequente preencher a livrança (somente) na data do incumprimento pela mutuária das assumidas, como defende a exequente, não encontra qualquer apoio no pacto de preenchimento. XXVIII. O pacto de preenchimento é um contrato firmado entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular que define em que termos deve ocorrer a completude do título cambiário no que respeita aos elementos que habilitam a formar o título executivo, estabelecendo os requisitos que tornam exigível a obrigação cambiária. XXIX. O preenchimento deve respeitar aquele pacto – no fundo o contrato que deve ser pontualmente cumprido – já que a sua observância é o quid que confere força executiva ao título, mormente, quanto aos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade. XXX. Neste sentido, a data do Contrato de Abertura de Crédito foi efectuada em 18 de Dezembro de 2012. A data do pacto de preenchimento foi na mesma data, 18.12.2012. XXXI. Contudo, a data de emissão do título é de 23.07.2015, data impossível. A livrança foi entregue ao banco embargado, com a data de vencimento e o montante em branco, mas a data de emissão seria a data do contrato. O que não aconteceu. XXXII. Aliás, como refere o embargado no meu (rectius, seu) requerimento executivo no ponto III – Tendo sido entregue ao Banco exequente para garantia do pagamento de todas as responsabilidades assumidas no âmbito do contrato de abertura de crédito que outorgou em 18 de Dezembro de 2012, (…). XXXIII. No pacto de preenchimento da livrança, constante da cláusula de garantia, inserta no contrato de financiamento (Abertura de crédito) de 18.12.2012 apenas se alude expressamente à autorização para preenchimento do valor e data de vencimento, conforme artigos 3º, 12º, 13º e 14º. XXXIV. E muito menos com aquela data de emissão, concretamente, 2015-07-23, inserta no título, conforme documento 3º apresentado pelo exequente na sua contestação. XXXV. Sem esquecer que a denúncia é datada de 18.06.2014. A exequente denuncia o contrato naquela data e só passados 36 dias lhe é aposta a data de emissão? XXXVI. Pergunta-se: Como é que a data de emissão do título tem data de 23-07-2015 data muito depois quer do contrato 18-12-2012, como da data da denúncia? XXXVII. De qualquer modo, o preenchimento com a aposição da data de emissão de 23.07.2015 é abusivo, levando à nulidade dessa menção e conduzindo à nulidade formal do próprio título cambiário, de que os avalistas aproveitam. XXXVIII. Como, será o título nulo, conforme também jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: Processo 04A1044 – Relator AZEVEDO RAMOS – TÍTULO: LIVRANÇA – PREENCHIMENTO ABUSIVO – SUMÁRIO: I. A exigência da data de emissão de uma livrança destina-se a determinar, através do título cambiário, a capacidade do subscritor no momento da emissão; II. Quem emite uma letra incompleta ou em branco atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher em certos de determinados termos; III. Sendo impossível a data de emissão aposta na livrança, tal facto determina a nulidade dessa menção, tudo se passando como se o título não estivesse preenchido com a data em que foi emitido; IV. O que invalida o título cambiário, que não pode produzir efeitos como livrança; V. A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com a estipulação expressa ou com a norma supletiva do art.º 777º, n.º 1 do CC., de simples interpelação ao devedor; VI. Mas a prestação não é exigível, quando não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente da mera interpelação, como acontece com uma obrigação de prazo certo, em que este ainda não decorreu. XXXIX. Quer a livrança do presente apenso A como a outra livrança destes apensos de valor de € 10.000,00 euros, porque o primeiro título incorporava “todas as responsabilidades“ do contrato, conforme diz a exequente no seu requerimento executivo no Ponto III. XL. Acresce ainda que denunciou a exequente o contrato bilateral (contrato de abertura de crédito) datada de 20.04.2014 e produzir os seus efeitos a 18.06.2014. XLI. Depois, em carta de 23.07.2015, enviada à executada para pagamento do valor de € 68.918,25 euros e, no não pagamento, preenchia a livrança. XLII. Ou seja, antes da carta de denúncia, nenhuma outra interpelação foi endereçada aos executados. XLIII. Vejamos: Dispõe o art. 805º do Cód. Civil que: “O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.”´ XLIV. A missiva enviada pela exequente e recebida pela executada datada de 24.04.2014 não tem a virtualidade de interpelar conforme a norma acima, mas tão-só - a denúncia do contrato. XLV. Como referem os ilustres Professores (Pires de Lima e Antunes Varela), o princípio consagrado no n.º 1 do artigo 805º do Cód. Civil é, como regra geral, de acerto incontestável, pois sem a interpelação, sendo a obrigação pura, o devedor pode não saber que está em atraso no cumprimento; pode não saber se o credor está já interessado em receber a prestação. XLVI. Não ficou provado nos autos, e a douta sentença apenas refere a carta de denúncia e seus efeitos, que houve interpelação à executada para cumprir. XLVII. Foi neste segmento destas alegações violado pela exequente a norma do artigo 805º do Cód. Civil, levando à ineficácia da denúncia. XLVIII. Entendem os recorrentes que não foram interpelados para pagamento, como ainda, a existir essa interpelação, sempre a exequente teria obrigatoriamente de lhe facultar um prazo cominatório. XLIX. Apesar da exequente em carta datada de 23.07.2015 ter interpelado os executados para pagamento, também esta interpelação não tem a virtude de cumprir o dispositivo da norma do artigo 808º do Cód. Civil. L. O prazo cominatório ter que ser momento antes da denúncia ou resolução. LI. Ou seja, quer a interpelação do artigo 805º como concessão de outro prazo cominatório conforme artigo 808º, ambos do Cód. Civil, a existir teriam que ser antes do fim do contrato bilateral. Nunca depois como aconteceu. LII. Todas as missivas da exequente enviadas aos executados foram sempre depois da referida denúncia de 18.06.2014, a carta de 23.07.2015 e o vencimento 31.07.2015, respectivamente. LIII. Do exposto resulta, assim, que a mora do devedor não permite, por via de regra, a imediata denúncia ou resolução do contrato, a menos que se transforme em incumprimento definitivo. LIV. Por fim, os autos informam outra livrança apensa para o mesmo contrato. LV. Os recorrentes em tempo deduziram embargos de executado contra a segunda livrança de valor de € 10.000,00, tendo os mesmos sido sem motivo desentranhados. LVI. Os recorrentes dessa decisão (sem qualquer fundamento) não recorreram, porém, entendem que existem matérias de conhecimento oficioso. LVII. Concretamente, nulidades do título do apenso B, conforme se alega nestas alegações em relação ao título do apenso A, em ambas as livranças. LVIII. Nulidades que se invocaram e continuando inconformados, os embargantes pedem apelação, onde e: LIX. Resumidamente: - o pacto de preenchimento do título cambiário é omisso quanto à data de emissão. – A recorrida supriu ou colocou a data de emissão a seu bel prazer, apondo na livrança a data de 23.07.2015, quando a sua emissão apenas teve lugar em 18.12.2012, como resulta do contrato de Abertura de Crédito. Em ambas as livranças. LX. Tal preenchimento, por abusivo, leva à nulidade dessa menção e conduz à nulidade formal do próprio título cambiário, que não pode valer como tal. – Foram violados os artigos 223º, 280º, n.º 1, 777º, 805º e 808º, todos do Cód. Civil e os artigos 75º, n.º 6 e 77º da LULL. LXI. Há flagrante contradição entre a matéria de facto provada e as premissas em que assenta a decisão em crise. LXII. Acresce que não se provou que em 31.07.2015 (data de preenchimento da livrança) se tivesse vencido sequer a obrigação de pagar quaisquer juros. LXIII. A incorporação (vários valores no título), sem qualquer autorização dos executados, torna tal título executivo nulo e de nenhum efeito, sendo, inclusive, inconstitucional, violando, nomeadamente, o disposto no art. 13º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente se invoca a favor dos recorrentes. LXIV. Nem tal seria possível, pois o convencionado foi de que haveria uma reunião com todos os executados, o que não aconteceu. LXV. Se quisesse denunciar o contrato, o banco embargado não precisava de invocar qualquer incumprimento (trata-se de um direito potestativo que lhe é conferido pela redacção dos contratos), mas tinha de o fazer mediante declaração a dirigir e a expedir nos termos e prazo estipulados entre as partes – cláusula 3ª do contrato de 18.12.2012, dado como assente nos factos provados. LXVI. Se quisesse resolver o contrato com base num suposto incumprimento teria de remeter à subscritora uma declaração de resolução e, só então, poderia preencher a livrança, apondo-lhe o valor referido no pacto de preenchimento. LXVII. Nada disso foi feito – Os fundamentos de facto da sentença foram nitidamente distorcidos na fundamentação de direito, o que só por si implica decisão diversa da que foi proferida em 1ª instância. LXVIII. A decisão recorrida violou o disposto no art. 607º, n.º 2 do CPC, por não aplicar as disposições legais e contratuais adequadas aos factos apurados, designadamente o artigo 436º do Cód. Civil, a cláusula 4ª do contrato de abertura de crédito de 18.12.2012, como todas as cláusulas do contrato de abertura de crédito assentes nos factos provados. LXIX. A douta sentença recorrida deve ser revogada e os embargos julgados totalmente procedentes, ambos os apensos. O primeiro título de € 68.918,25 incorporava, como refere a embargada, no meu (rectius, seu) requerimento executivo no Ponto III – Tendo sido entregue ao Banco Exequente para garantia do seu pagamento de todas as responsabilidades assumidas no âmbito do contrato de abertura de crédito que outorgou em 18 de Dezembro de 2012 (….). LXX. Logo o banco embargado ao preencher o segundo título (livrança em branco valor incorporados na primeira) de valor de € 10.000,00, este é nulo. LXXI. Em face do exposto, os recorrentes pugnam que se configura uma (duas) livranças incompletas, que não produz efeitos como livranças, em virtude do embargado não estar autorizado a preencher a data da emissão, vencimento com aquelas datas, como dos valores neles insertos. Termos em que (…), deve o presente recurso recebido e a sentença recorrida ser substituída por outra que absolva os recorrentes da execução instaurada por preenchimento abusivo das livranças dadas à execução por parte do banco exequente. * 5. O Banco recorrido deduziu contra-alegações, nas quais pugnou pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença proferida em 1ª instância.* 6. Foram cumpridos os vistos legais.* II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso -cfr. arts. 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, na redacção emergente da Lei n.º 41/2013 de 26.06 [doravante designado apenas por CPC]. Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes em 1ª instância e, por isso, não apreciadas na decisão proferida, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no sistema de recursos vigente no nosso Código de Processo Civil, não se destina à prolação de novas decisões judiciais, mas ao reexame ou à reapreciação pela instância hierarquicamente superior da decisão proferida em 1ª instância, em função das questões oportunamente suscitadas pelas partes (nos seus articulados) e dos fundamentos da própria decisão recorrida. [1] Por conseguinte, as questões a decidir no presente recurso, em função das conclusões recursivas, são as seguintes: i. Preenchimento abusivo das livranças; ii. Falta de requisitos essenciais das livranças e da sua consequente nulidade como títulos de crédito. iii. Incumprimento da obrigação exequenda – falta de interpelação admonitória para pagamento. * III. FUNDAMENTAÇÃO de FACTO:O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1. O exequente instaurou a presente execução contra os embargantes com base na livrança junta aos autos principais e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 2. Essa livrança foi assinada em branco pelos embargantes, tendo sido entregue como garantia do cumprimento das obrigações assumidas num contrato de crédito celebrado a 18.12.2012 [2] entre o Banco exequente e a executada “C..., Lda.”. 3. Tal contrato consistia num contrato de abertura de crédito, através do qual o exequente concedeu à executada um crédito até ao montante de € 50.000,00. 4. O prazo de abertura de crédito era de 6 meses, renovável por igual período. 5. Juntamente com a livrança, os executados enviaram ao exequente um documento denominado de autorização de preenchimento [3], junto aos autos no requerimento executivo como documento n.º 3 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 6. Por carta enviada em 24.04.2014, o exequente denunciou o contrato em causa, deixando o mesmo de produzir efeitos a partir de 18.06.2014. 7. Nessa missiva, enviada à executada “C..., Lda.”, o exequente interpelou-a para proceder ao pagamento do capital mutuado, juros vencidos e demais encargos. 8. Em 23.07.2015, o exequente interpelou os embargantes e a executada “C..., Lda.” para procederem ao pagamento da quantia de 68.918,25 € até ao dia 31.07.2015, sob pena de proceder ao preenchimento da livrança que constitui título executivo nos presentes autos. * Além destes factos resulta ainda demonstrado à luz do requerimento executivo inicial deduzido nos autos e com interesse para a decisão, a seguinte factualidade:- Não obstante a livrança exequenda ter nela inscrita (em extenso e em numerário) a importância de € 68.918,25, a execução foi instaurada para cobrança apenas da quantia de € 60.257,65, valor este que, segundo o exequente, corresponde ao montante em débito à data de vencimento do título - 31.07.2015 -, acrescida de juros de mora vencidos à taxa contratual em vigor de 13,288%, desde a data do vencimento e até integral pagamento, bem como do imposto de selo à taxa legal sobre os juros de mora – vide artigos II, VIII, IX e XIII do requerimento executivo e a livrança exequenda junta com o mesmo, cujas cópias se mostram juntas, respectivamente, a fls. 320-323 e a fls. 324 dos autos na sua versão electrónica. * O mesmo Tribunal de 1ª instância julgou ainda como não provados:- «outros factos alegados no requerimento inicial, nomeadamente que o exequente tivesse preenchido a livrança em 24.04.2014 e que posteriormente tivesse rasurado os elementos constantes da livrança e a tivesse preenchido conforme consta dos autos.» * IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:IV.I. A primeira questão que importa dirimir refere-se à «segunda livrança» de € 10.000,00 que terá sido dada em execução pelo exequente/embargado e sobre a qual, segundo alegam os embargantes, foram deduzidos outros embargos (apenso B), embargos estes que foram, na sua expressão, «sem motivo», «desentranhados». Destarte, a pretexto de que, relativamente a esta outra livrança, «existem matérias de conhecimento oficioso», concretamente as mesmas «nulidades» que ora invocam quanto à livrança exequenda (no montante de € 68.918,25), mantendo-se «inconformados» pretendem os embargantes que este Tribunal conheça dessas «nulidades» quanto àquela «segunda livrança», julgando, pois, extinta a execução quanto a ambas as livranças. É evidente que esta pretensão dos embargantes só pode estar condenada ao insucesso. E duas razões impõem esse fim. Vejamos a primeira. Como se referiu a propósito da delimitação do objecto do recurso no nosso sistema de recursos vigora um modelo de revisão ou reponderação, por contraponto a um modelo de reexame. Neste último sistema, ao tribunal superior é permitida a reapreciação ex novo da questão decidida pelo tribunal a quo; No primeiro, que é o consagrado no nosso sistema de recursos, o tribunal ad quem apenas exerce um controlo da sentença recorrida. Por conseguinte, como refere F. Amâncio Ferreira, o tribunal ad quem produz um novo julgamento sobre o já antes decidido pelo tribunal a quo, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do tribunal da 2ª instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª instância no momento de proferir a sua sentença, valendo também para a 2ª instância as preclusões, ao nível das questões de facto e de direito, ocorridas na 1ª instância. Nesta linha de raciocínio, vem a doutrina e a jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são os meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. [4] No entanto, como é também reafirmado em termos pacíficos pela doutrina e jurisprudência, este princípio não funciona em termos absolutos ou puros, pois que, além de outras situações (que não relevam para este recurso [5]), ao tribunal ad quem está consentido o conhecimento de questões novas, ou seja, não levantadas no tribunal recorrido (pelas partes ou pelo próprio tribunal), desde que as mesmas sejam de conhecimento oficioso. Essas questões podem referir-se quer à relação processual (v.g., a quase totalidade das excepções dilatórias, nos termos do art. 578º do CPC), quer à relação material controvertida (v.g., nulidade do negócio jurídico, ante o estatuído no art. 286º do Cód. Civil, a caducidade, em matéria excluída da disponibilidade das partes, face ao disposto no art. 333º do mesmo Código, ou o abuso de direito, tal como o mesmo se encontra caracterizado no art. 334º do citado Código). Na verdade, sendo a questão de conhecimento oficioso pelo tribunal (seja o de 1ª instância, seja qualquer outro), daí decorre que pode o mesmo, a todo o tempo, na pendência do processo, e ainda que a questão não tenha sido suscitada ou dirimida pelo tribunal recorrido, dela conhecer, decidindo-a. É, aliás, estribado em tal possibilidade que os embargantes suscitam o conhecimento oficioso por este tribunal das alegadas nulidades da «segunda livrança», sobre a qual deduziram embargos de executado (apenso B) que vieram, porém, a ser rejeitados. No entanto, importa notar que o recurso é o meio próprio de impugnação de uma concreta decisão judicial, ou seja de suscitar o reexame das questões submetidas à apreciação do tribunal no âmbito de uma específica relação material controvertida, definida pela causa de pedir, enquanto fundamento jurídico da pretensão deduzida em juízo, pelo pedido, enquanto pretensão a uma determinada tutela jurisdicional, e pelas excepções deduzidas pelo réu/executado. Neste sentido, refere Miguel Teixeira de Sousa [6] o objecto do recurso é constituído por um pedido e por um fundamento, sendo que o pedido consistirá na pretensão de ser revogada a decisão impugnada, enquanto o fundamento há-de consistir na invocação de um vício no procedimento (error in procedendo) ou no julgamento (error in iudicando). Por conseguinte, sendo concebido o recurso no sistema adjectivo, como meio de impugnação de uma determinada decisão judicial (objecto do recurso), não pode o recorrente, sob pena de subversão das regras básicas desse sistema, atacar ou pôr em crise no recurso uma outra relação material controvertida que não foi objecto da específica decisão recorrida mas objecto de outra e autónoma decisão judicial, independentemente da conexão que possa eventualmente existir entre as decisões proferidas ou da similitude dos fundamentos da impugnação em ambas as decisões. Na verdade, para efeitos de recurso, cada decisão judicial proferida tem de ser atacada autonomamente, não podendo, sob pena de ostensiva violação das regras do sistema de recursos (e do caso julgado formado sobre as decisões judiciais), pretender-se no recurso de uma determinada decisão judicial, que tem por objecto determinada relação material controvertida, atacar uma outra decisão judicial que tem por objecto uma outra/diversa relação jurídica. O objecto ou thema decidendum do recurso interposto tem, pois, como antes se afirmou, e ora se confirma, sem prejuízo das questões que se apresentem como de conhecimento de oficioso (e dando de barato – mesmo discordando - que as questões do preenchimento abusivo da «segunda livrança» e da sua «nulidade formal» sejam de conhecimento oficioso), que se conter no objecto ou «thema decidendum» da decisão recorrida, ou seja no domínio da relação material controvertida ali convocada pelas partes e dirimida pelo tribunal recorrido, não podendo extravasar desse âmbito. O que, desde logo, importaria a improcedência desta questão ou questões atinentes à dita «segunda livrança», pois que é indiscutido que essas questões não foram conhecidas na sentença ora recorrida, extravasando, manifestamente, o seu âmbito, e intercedendo já com outra decisão judicial oportunamente proferida, qual seja a de rejeição de outros embargos de executado. Mas, ainda, avulta uma segunda razão para se nos impor a improcedência desta pretensão, razão que emerge, aliás, da própria alegação dos embargantes/recorrentes. Já se salientou que, não obstante o sistema de revisão ou reponderação da decisão vigente no nosso sistema de recursos, pode o tribunal de recurso conhecer de questões novas, desde que as mesmas sejam de conhecimento oficioso. Todavia, este conhecimento oficioso – que não se discute - não pode subverter, de forma ínvia, decisões judiciais que se mostrem a coberto da força do caso julgado antes formado. Este princípio é considerado como um meio de salvaguarda da estabilidade das decisões judiciais e consequente certeza do tráfico jurídico (e garantia do prestígio e dignidade dos tribunais judiciais e do seu labor), evitando redundantes ou contraditórias decisões judiciais sobre litígios, oportuna e definitivamente, dirimidos. Ora, o caso julgado enquanto insusceptibilidade de impugnação de uma decisão judicial decorrente do seu trânsito em julgado (art. 628º do CPC), traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão judicial antes proferida por qualquer tribunal (seja pelo próprio tribunal que a proferiu, seja ainda pelo tribunal de recurso) em consequência, precisamente, de tal decisão se mostrar insusceptível de ser sindicada ou reapreciada por reclamação ou recurso ordinário. «O caso julgado torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal, ou seja, o conteúdo da decisão desse órgão.» [7] Com efeito, como decorre do preceituado no art. 619º, n.º 1 do CPC, «transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º…» (caso julgado material), assim como decorre do preceituado no art. 620º, n.º 1 do mesmo Código que «as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.» (caso julgado formal). [sublinhados nossos] Ora, neste enquadramento, e mesmo desconhecendo este tribunal o teor do despacho que veio a rejeitar ou a «desentranhar» os embargos de executado deduzidos pelos embargantes à execução da «segunda livrança» (pois que uma tal decisão não consta, naturalmente, destes autos), o que não sofre dúvidas (pois que é expressamente reconhecido pelos embargantes no seu recurso – vide conclusão LVI.) é que de tal decisão, apesar de «inconformados» (?), os mesmos dela não interpuseram recurso. O que significa, pois, que essa outra decisão judicial (que, repete-se, não foi proferida neste apenso) se mostra transitada em julgado e, consequentemente, no mínimo – admitindo que não tenha essa decisão versado sobre o mérito de tais embargos mas sobre a relação processual – tem força obrigatória neste processo executivo, onde essa outra «segunda livrança» terá sido também dada em execução contra os ora embargantes. Ora, sendo assim, essa outra decisão judicial, transitada em julgado, mesmo que estivesse em causa (e não está [8]) matéria de conhecimento oficioso, não poderia ser, ainda assim, substituída ou modificada, seja pelo próprio tribunal que a proferiu, seja, ainda, por maioria de razão, por este tribunal ad quem; De facto, essa decisão impõe-se como indiscutível e obrigatória no processo de execução e, naturalmente, em todos os seus incidentes ou enxertos declarativos como é o caso destes outros embargos de executado. Aliás, se assim não fosse, nenhuma consequência adviria para os embargantes da não interposição oportuna de recurso sobre essa outra decisão judicial, pois que, não obstante dela não tenham manifestado, como deviam, a sua ora alegada discordância, sempre poderiam agora, contraditoriamente à posição que antes assumiram (de aceitação de tal decisão, pois que dela não interpuseram recurso – art. 632º, n.º 2 do CPC), ver, a coberto da pretensa oficiosidade de tais questões e no âmbito do recurso de outra e autónoma decisão judicial, dirimida nesta instância recursiva uma pretensão cujo conhecimento foi antes indeferido a título definitivo, atento o caso julgado que sobre tal decisão se formou a partir da data do trânsito em julgado da mesma. Note-se que, mesmo em relação às decisões proferidas no próprio processo em que é interposto o recurso (e a decisão em causa não foi proferida, como já se referiu, nestes embargos de executado mas em outros embargos de executado – o denominado apenso B), o legislador (art. 635º, n.º 5 do CPC) não deixou de advertir para a salvaguarda dos efeitos do caso julgado entretanto formado quanto à parte não recorrida da decisão, ou seja, que qualquer que seja a decisão a proferir na instância de recurso não pode o tribunal ad quem deixar de ter presente, respeitando-o, o efeito de caso julgado «que porventura se tenha formado a montante sobre qualquer decisão ou segmento decisório, o qual prevalece sobre o eventual interesse na melhor aplicação do direito.» [9] [sublinhado nosso] O que significa, pois, em conclusão, que, também por mor deste outro fundamento, a questão ou questões atinentes à «segunda livrança» não podem ser objecto de qualquer decisão a proferir nestes autos e nesta instância de recurso, sendo de rejeitar o seu conhecimento, o que se julga. Improcedem, pois, neste segmento, as conclusões do recurso interposto pelos embargantes, restringindo-se, pois, as questões a dirimir à livrança exequenda e objecto da específica decisão ora recorrida, ou seja da sentença proferida em 1ª instância a 14.11.2017. * IV.II. Dirimida esta questão prévia importa, em sequência, conhecer das questões suscitadas pelos recorrentes e atinentes ao título de crédito exequendo, ou seja, à livrança emitida com data de 23.07.2015, com data de vencimento a 31.07.2015, no montante inscrito de € 69.918,25, subscrita por “C..., Lda.” e avalizada pelos seus então sócios-gerentes, os ora embargantes/recorrentes E... e D....Antes, porém, de entrar na apreciação do recurso mostra-se imperioso compreender quais são em rigor os fundamentos da oposição que foram deduzidos pelos embargantes e que constituem afinal os limites de cognoscibilidade quer da 1ª instância quer desta Relação em sede de recurso. Com efeito, quer se considerem os embargos como contestação à petição inicial da acção executiva, quer, como maioritariamente se entende [10], como uma contra acção declarativa, enxertada no processo executivo, e tendente a obstar à eficácia executiva do título ou da acção executiva em que a mesma se baseia, é indiscutido que os embargos constituem o meio próprio à alegação dos factos que constituem matéria de excepção, seja esta respeitante à inexequibilidade do título executivo utilizado, à falta dos pressupostos processuais da acção executiva ou, ainda, à inexequibilidade da obrigação que se pretende realizar coactivamente. Mas, na estrita medida em que os embargos de executado são o meio de oposição à execução idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo. [11] Quer-se assim dizer que a matéria de excepção a deduzir pelo executado tem necessariamente que concentrar-se na petição de embargos de executado, petição essa que, consequentemente, delimitará os fundamentos da matéria exceptiva sobre a qual o tribunal de 1ª instância é chamado a pronunciar-se na sentença a proferir (art. 608º, n.º 2 do CPC) e sobre os quais, como já antes se expôs a propósito do nosso sistema de recursos, o tribunal ad quem é chamado a pronunciar-se, procedendo à revisão ou reponderação dessas excepções e dos seus fundamentos, ou seja, das que (antes) foram alegadas pelo executado em 1ª instância e através dos embargos por si deduzidos. A não ser assim, este último tribunal é colocado perante um novo julgamento, na medida em que, na reponderação que irá fazer da decisão proferida, não se encontra em situação idêntica àquela em que se encontrou o juiz de 1ª instância. Vem isto a propósito da circunstância de o recurso e as extensas «conclusões» nele aduzidas não traduzirem fielmente os verdadeiros fundamentos da oposição que os embargantes deduziram através do seu articulado, antes aproveitando os mesmos o recurso interposto para agora, e só agora, nesta instância, invocarem novos fundamentos e novas questões que antes não suscitaram, sendo que o seu articulado, como se referiu, cristaliza esses fundamentos e delimita, assim, os poderes de cognoscibilidade do tribunal de 1ª instância e desta Relação. Na verdade, neste contexto, importa recordar que os embargantes naquele seu articulado invocaram a título de oposição, em primeiro lugar, o preenchimento abusivo da livrança exequenda quanto ao local e data de emissão nela inscritos pelo banco exequente – com o fundamento de que no contrato de abertura de crédito e no pacto de preenchimento outorgados a 18.12.2012 não consta autorização para a inclusão de tais elementos ou, ainda, que a data de emissão (consentida) só poderia ser o dia 18.12.2012, coincidente com o dia da outorga do contrato de abertura de crédito e do pacto de preenchimento (cfr. arts. 9º, 10º, 13º, 16º e 17º da petição de embargos) -, quanto à data de vencimento e quanto à importância ali inscrita – com o fundamento de que não dispunha o banco exequente de consentimento para a inscrição de tais elementos à luz do contrato de abertura de crédito e/ou do pacto de preenchimento, de que a data de vencimento de 31.07.2015 não se coaduna com a data de «resolução» do contrato de abertura de crédito de 24.04.2014, resultando evidenciado que a livrança foi integralmente preenchida pelo exequente nessa data, vindo, posteriormente, esses elementos a serem alterados pelo exequente sem o seu consentimento, colocando os que agora constam do título exequendo (cfr. arts. 18º a 33º do mesmo articulado inicial). Destarte, e em concreto quanto à data de emissão da livrança, sustentaram os embargantes estar em causa uma livrança incompleta, que não produz efeitos como livrança, em virtude de o embargado não estar autorizado a preencher essa data, sendo certo que a data de emissão inscrita pelo embargado (23.07.2015), sendo posterior em mais de três anos à verdadeira data de emissão (18.12.2012) torna essa data «impossível», com a consequente falta desse requisito essencial e inerente nulidade da livrança exequenda (cfr. arts. 51º a 60º da petição inicial de embargos). Por outro lado, em segundo lugar, invocaram que nunca foram eles oponentes notificados por qualquer meio da data do vencimento da livrança dada em execução, nem a mesma lhes foi apresentada em pagamento, dando-lhes conhecimento da data da sua emissão, da data do seu vencimento, nem do valor inscrito na mesma, em razão do que se encontram extintos os direitos de acção contra os embargantes, enquanto avalistas (cfr. arts. 34º, 40º, 41º, 42º, 43º a 49º da petição de embargos). Mais, ainda, invocaram os embargantes que existe manifesta contradição entre o montante aposto na livrança (€ 68.918,25) e o valor do débito invocado pela exequente (€ 60.257.65) no seu requerimento executivo, sendo certo que entre a data de vencimento da livrança (31.07.2015) e a data de apresentação em juízo do requerimento executivo não poderia o débito ser acrescido do valor de € 8.660,60 (€ 68.918,25 - € 60.257,65). Por último, ainda, invocaram que o incumprimento da obrigação não resulta do próprio título, sendo necessário para o prosseguimento da execução que a prestação se mostre exigível, ou seja vencida. Ora, dito isto e tendo presente o que já antes se expôs a propósito dos limites da cognoscibilidade do tribunal de 2ª instância, sendo estes (e só estes) os fundamentos da oposição deduzida pelos embargantes só destes teria o tribunal de 1ª instância que conhecer (como fez) e só deles – e na medida em que se mostrem inseridos no objecto do recurso (definido pelas conclusões do recorrente) - tem esta Relação que conhecer e decidir, como em seguida se expõe. * Resulta indiscutido dos autos que subjacente à livrança exequenda se encontra um contrato de abertura de crédito por parte do banco exequente a favor da subscritora do título, a executada “C..., Lda.”, para apoio à sua tesouraria, contrato este que foi outorgado entre ambos a 18.12.2012.O contrato de abertura de crédito é aquele pelo qual o banco – creditante – se obriga a colocar à disposição do cliente – creditado – uma determinada quantia pecuniária por tempo determinado ou não, ficando o último obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respectivos juros e comissões. [12] Este contrato, enquanto instrumento de crédito com grande aplicação prática, serve os interesses de ambas as partes. Por força dele, o cliente/creditado assegura de antemão a disponibilização dos fundos necessários para a sua actividade em condições financeiras e operacionais mais vantajosas do que num empréstimo bancário; por seu lado, o banco/creditante assegura o percebimento de uma remuneração sem risco – a comissão de abertura de crédito ou comissão de reserva – eventualmente acrescida, relativamente aos fundos disponibilizados mas não utilizados pelo cliente, de uma comissão de imobilização, que surge como contrapartida da desvantagem de ter dinheiro tendencialmente imobilizado e não produtivo. O contrato de abertura de crédito constitui um contrato nominado mas atípico pois que o nosso Cód. Comercial apenas prevê a sua existência, sem proceder a qualquer regulamentação do seu regime jurídico - art. 362º do Cód. Comercial. Trata-se, porém, de um contrato socialmente típico, meramente consensual, por oposição ao contrato real quoad constituionem: - fica perfeito com o mero acordo entre as partes, sem necessidade de qualquer entrega monetária, ao contrário do que sucede no mútuo clássico; A abertura de crédito conclui-se, assim, com o mero acordo tendente à disponibilização daquele montante, o qual, de resto, poderá nem sequer vir a ser movimentado pelo cliente creditado. Além disso e quanto à forma aplicam-se as regras próprias do mútuo bancário, bastando, pois, a forma de documento escrito, salvo se a abertura de crédito for acompanhada da prestação de garantia sujeita a escritura pública como sucede com a hipoteca. [13] O contrato de abertura de crédito pode assumir diferentes modalidades, em função de critérios atinentes à utilização do crédito disponibilizado e à existência ou não de garantias a ele associadas. Assim, a abertura de crédito pode ser simples ou em conta-corrente: no primeiro caso, o crédito disponibilizado pode ser utilizado de uma só vez; no segundo, o cliente pode sacar diversas vezes sobre o montante do crédito disponibilizado, solvendo as parcelas de que não necessite, numa conta corrente com o banqueiro. Por outro lado, ainda, a abertura de crédito pode ser caucionada ou a descoberto, conforme o cumprimento da obrigação do creditado seja ou não assegurado por garantias reais, v.g., hipoteca, ou pessoais, v.g., livranças. A garantia – caso tenha sido acordada – é, muitas vezes, de ordem pessoal; na prática bancária portuguesa em que as aberturas de crédito operam a favor de sociedades, recorre-se, regra geral, a livranças subscritas pela própria sociedade e avalizadas pelos sócios. Fala-se, então, na gíria bancária, em conta-corrente caucionada. [14] No caso dos autos, o contrato de abertura de crédito celebrado assume-se como uma abertura de crédito (simples ou em conta-corrente) caucionada, pois que, dentro do valor disponibilizado pelo banco/creditante (ora exequente) – até ao valor de capital de € 50.000,00 -, assistia ao cliente/creditado o direito de utilização dos fundos por uma única vez ou em várias vezes [neste caso, em valores parciais não inferiores a € 2.500,00], sendo os fundos utilizados através de transferência bancária para conta bancária da cliente junto do banco, ficando o reembolso dos valores que se encontrassem em débito [até ao limite de € 60.000,00, acrescido de juros e encargos] caucionados pela emissão de uma livrança em branco, subscrita pela mutuária e avalizada, a título pessoal, pelos sócios-gerentes, E... e D..., os executados/embargantes – cfr. artigos 1º, 4º, n.ºs 1, 2 e 3 e 12º do contrato de abertura de crédito junto a fls. 23-31 dos autos. No que se refere ao seu conteúdo, o contrato em apreço é fonte de uma pluralidade de direitos e deveres. Do lado do banco creditante, destaca-se, naturalmente, a obrigação de disponibilização da soma pecuniária convencionada, obrigação que pode ser cumprida de múltiplas formas e através de prestações de tipo diverso, nomeadamente através da entrega directa de dinheiro, da disponibilização de fundos em conta bancária, pagamento de cheques sacados pelo creditado ou, ainda, sacando a descoberto sobre uma conta de depósito à ordem, anexa à abertura de crédito, sendo lícito às partes estipular os pressupostos ou limites da sua realização. Do lado do creditado, avulta, evidentemente, a obrigação do pagamento das comissões e juros acordados, assim como, naturalmente, no termo do contrato, o reembolso dos montantes utilizados e que lhe foram disponibilizados na execução/cumprimento do contrato de abertura de crédito. [15] A abertura de crédito produz, portanto, este efeito fundamental: uma disponibilidade de dinheiro, que o creditado pode utilizar através de actos subsequentes. [16] No domínio da utilização dos fundos vale, em toda a sua plenitude, o princípio da autonomia privada, tudo dependendo do que foi convencionado entre as partes: o cliente poderá movimentar as importâncias através de pedido escrito dirigido ao banqueiro ou através da celebração sucessiva de verdadeiros e próprios contratos de mútuos bancários, ou mesmo automaticamente, sacando a descoberto sobre uma conta de depósitos à ordem acoplada ou anexa à abertura de crédito. Por força da sua atipicidade, um ponto, deveras sensível, que não é objecto de previsão específica, é o da cessação do contrato. Neste domínio rege também, em toda a sua extensão, o princípio da autonomia privada: o modo, a forma e as consequências da cessação do contrato são as reguladas por convenção das partes – cfr. artºs 405 n.º 1 e 406 n.º 1, ambos do Código Civil. Na falta dessa convenção, serão aplicáveis, se for esse o caso, as regras da conta corrente em geral, as regras do mandato, relativamente à disponibilidade, e quanto ao saldo, no caso de cessação, as regras do mútuo. Em qualquer caso, serão sempre aplicáveis, subsidiariamente, as regras do mandato. [17] É discutida a exacta natureza do contrato de abertura de crédito. Seja ela qual for, neste contrato salienta-se o seu fundamento final - a disponibilidade de dinheiro, mas que não equivale a um crédito: o crédito surge, mas posteriormente, por via potestativa, em simples execução do contrato, enquanto contrato-quadro. Trata-se, pois, como salienta Menezes Cordeiro, de um contrato-base, que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa. O reconhecimento desta realidade e a utilização, neste contexto, da categoria do contrato-quadro – para caracterizar a relação entre o contrato inicial e os sucessivos contratos a que pode dar origem – não podem, porém, ter como consequência prejudicar a coerência e a unidade da operação económica nem a autonomia e o carácter unitário do contrato de abertura de crédito. Pelo contrário, deste modo sublinha-se o carácter instrumental e dependente dos sucessivos actos – designadamente contratos – que concretizam o programa negocial fixado no contrato-quadro. Ora, neste contexto, e como se referiu, afigura-se-nos indiscutido que entre a executada “C..., Lda.” foi celebrado um contrato de abertura de crédito (simples ou em conta-corrente, consoante a utilização do valor disponibilizado fosse utilizado em única vez ou em várias parcelas) caucionada, pois que o cumprimento das obrigações que dele emergem para a sociedade mutuária foi assegurado por uma livrança em branco, subscrita pela mesma mutuária/executada e avalizada, na qualidade de garantes, pelos embargantes (sócios gerentes) e ora recorrentes. Com efeito, estes últimos, ainda que não sendo partes no contrato de abertura de crédito – pois que nele não outorgaram, a título pessoal, mas apenas na veste de representantes da sociedade “C..., Lda. ”-, vieram, conforme acordado, a subscrever, enquanto avalistas da respectiva subscritora, uma livrança em branco e, ainda, a subscrever, a título pessoal, a autorização de preenchimento desse título (doc. n.º 3 junto com a petição de embargos), sendo que este se destinava a garantir o pagamento de todas as responsabilidades, assumidas ou a assumir pela dita mutuária “C..., Lda.” perante o banco, por crédito concedido ou a conceder e valores descontados e/ou adiantados até ao limite de 60.000,00 euros, acrescido dos respectivos juros, despesas e encargos, incluindo, por isso, os valores emergentes do aludido contrato de abertura de crédito. Caracterizado, assim, nos seus termos essenciais, o contrato subjacente à emissão da livrança exequenda e o seu regime jurídico, cumpre conhecer da própria relação cambiária, corporizada na dita livrança exequenda, livrança esta que foi emitida em branco. * Como é consabido, a livrança consiste no título de crédito pelo qual o emitente (subscritor) promete incondicionalmente o pagamento a determinada pessoa (tomador), ou à ordem desta, de uma determinada quantia em dinheiro, mostrando-se o seu regime jurídico plasmado nos arts. 75º a 78º da Lei Uniforme de Letras e Livranças (adiante designado por LULL), sendo regulada em tudo quanto ali não se preveja pelo regime jurídico das letras – art. 77º da LULL.Por seu turno, o aval é o negócio jurídico-cambiário através do qual uma terceira pessoa (avalista) garante o pagamento da letra (ou livrança) por parte de um dos seus subscritores. O aval configura uma obrigação pessoal materialmente independente e autónoma em face da obrigação do avalizado, mantendo-se ainda que a deste último seja nula por qualquer razão que não seja um vício de forma, e solidária (não subsidiária), respondendo o avalista ao lado dos subscritores do título, sem poder invocar perante o portador o benefício de excussão prévia. [18] A responsabilidade do avalista é, em suma, dada pela medida objectiva da responsabilidade do avalizado (pois que responde da mesma maneira que este – cfr art. 32º, I ex vi do art. 77º, ambos da LULL), mas independente da deste, sendo ainda aquele, quando avalista do aceitante ou do subscritor da livrança – a par de quem se colocou e com quem se solidarizou perante os outros obrigados cambiários –, um obrigado directo e não de regresso. Relativamente à livrança (ou letra) em branco é indiscutida a sua admissibilidade, não obstante a Lei Uniforme não lhe faça expressa referência, referindo-se apenas à letra incompleta (art. 10º da LULL). A livrança (ou letra) em branco consiste no documento que, não contendo todas as menções essenciais referidas no art. 1º da LULL, possua, pelo menos, a assinatura de um dos signatários cambiários, acompanhado de um acordo expresso ou tácito de preenchimento futuro dos elementos essenciais em falta. Em suma, como é consensual, para que exista uma livrança (ou letra) em branco é necessário, em primeiro, que se esteja perante um modelo normalizado de letra ou livrança, susceptível de traduzir a intenção por parte do seu respectivo subscritor de assumir uma obrigação cambiária, ainda que lhe faltem todos ou alguns dos demais elementos exigidos pelo art. 1º da LULL; em segundo, que o documento contenha a assinatura de, pelo menos, um dos obrigados com o propósito de se vincular em termos cambiários; e, em terceiro, é ainda exigido que o subscritor cambiário haja firmado com o sujeito a quem a livrança foi entregue um acordo destinado a fixar os termos do preenchimento futuro das menções em falta, ou seja do denominado pacto de preenchimento. [19] No entanto, esse acordo de preenchimento não está sujeito a forma, podendo ser expresso (por documento escrito ou mero acordo verbal) ou meramente tácito, mormente quando resulta concludentemente do negócio ou relação subjacente à emissão do título. [20] Destarte, como resulta do já citado art. 10º da LULL, a letra ou a livrança pode ser validamente emitida ou passada em branco, sem menção de qualquer dos requisitos essenciais previstos no art. 1º da LUUL, desde que, posteriormente, até à data de vencimento do título, esses elementos sejam feitos constar do título. [21] Consequentemente, apenas se pode falar em letra ou livrança incompleta – que não produzirá efeitos enquanto título de crédito cambiário -, se, à data do vencimento, esse título se mantiver não preenchido em algum dos seus elementos essenciais. Na verdade, como é consabido, a livrança (ou letra) em branco é um título de formação sucessiva, na estrita medida em que, enquanto não se mostrarem preenchidos os seus elementos essenciais previstos no art. 75º da LULL, a mesma não produz efeitos como livrança. A livrança em branco é, portanto, um documento que pode vir a ser um título de crédito, que aspira a sê-lo desde que os intervenientes hajam assumido essa intenção ou possibilidade futura, mas que no momento da sua emissão em branco não adquire logo essa qualidade e continua a não possuir enquanto aqueles elementos não forem preenchidos. Todavia, uma vez preenchidos esses elementos essenciais, a obrigação cambiária incorporada no título considera-se constituída (deixando, pois, de ser um título incompleto, destituído de valor cambiário), sem prejuízo da questão atinente aos termos desse (posterior) preenchimento e, portanto, do seu eventual preenchimento abusivo. Ora, quanto a este preenchimento e aos seus termos, o que parece resultar do art. 10º da LULL é que, ainda que o mesmo corresponda ao exercício de um poder atribuído pela LULL ao portador do título a quem o mesmo foi entregue voluntaria e conscientemente incompleto (ou seja com a intenção de deixar o seu ulterior preenchimento ao cuidado de outrem), o exercício desse poder de preenchimento do título há-de ser conforme à vontade que presidiu à assinatura do título em branco, seja essa vontade expressa e corporizada no pacto escrito de preenchimento (se existir) ou tácita ou implícita, decorrendo da própria relação fundamental que determinou a criação do título cambiário [22]. O que releva, assim, para efeitos de se poder afirmar que a autorização para o preenchimento foi dada é, segundo cremos, que o interveniente que assinou um título em branco tenha ou deva ter a consciência de aquele documento que assinou (como subscritor/aceitante ou avalista) se destina a assegurar o cumprimento de uma obrigação pecuniária, que em algum momento a pessoa que o recebeu poderá estar em condições de exigir esse cumprimento e poderá preencher o título para essa finalidade e nos termos dessa finalidade. Coisa diferente, mas que vem apenas depois, é a forma de apurar – já não existência da autorização de preenchimento – mas os termos dessa mesma autorização, a que se chegará não só através do próprio pacto de preenchimento (reduzido a escrito ou não), como, ainda, da definição da relação estabelecida entre os intervenientes na relação em que foi emitido o título e da vontade dos mesmos ao praticarem esse acto jurídico, ainda que para o efeito possa ser necessário proceder à integração das vontades das partes no caso de não ter havido a definição de alguns aspectos desse preenchimento. [23] Neste sentido, refere Carolina Cunha, na sua tese de doutoramento “ Letras e Livranças: Paradigmas Actuais e Recompreensão de um Regime “, Almedina, 2012, pág. 620, o seguinte: «Em nosso entender, a subscrição e entrega voluntária do título (conscientemente) deixado em branco, através do qual se manifesta a intenção de deixar o preenchimento do título ao cuidado do receptor, é suficiente para permitir a aplicação do art. 10º da LU. Já os termos em que o completamento deve vir a ser efectuado tanto podem constar de documento escrito, como podem ter sido objecto de mero acordo verbal (com as dificuldades probatórias que acarreta em caso de posterior conflito). Podem, ainda, «resultar implicitamente do próprio contrato que dá origem à letra, isto é, da relação jurídica fundamental, hipótese em que o acordo de preenchimento será tácito. (…) ressalvadas as hipóteses de incompletude proveniente de lapso, parece-nos que haverá sempre pelo menos um acordo tácito das partes quanto aos termos do preenchimento, hermenêuticamente extraível do contexto negocial mais vasto em que a subscrição e entrega do título se inserem. Não quer isto dizer que, na prática, não surjam dificuldades relacionadas com a reconstrução ou comprovação desse acordo. Em última análise, tais dificuldades resolvem-se por intermédio das regras relativas ao ónus da prova. Nunca é demais recordar que, em sede de art. 10º da LU, nos movemos no interior de um conflito aberto: cabe ao subscritor em branco demonstrar o quid com o qual o preenchimento é desconforme. Por conseguinte, se não lograr reconstruir em juízo os termos do acordo do preenchimento, o credor será admitido a exercer o seu direito cartular tal como o título o documenta.» Assim, como é consensual, no âmbito de uma livrança emitida em branco, incumbe ao obrigado, mormente o avalista, encontrando-se o título no domínio das relações imediatas, alegar e provar a violação do pacto de preenchimento, como decorre do disposto no artigo 10.º, a contrario sensu, aplicável ex vi do artigo 77.º da LULL e dos arts. 342º, n.º 2 e 378.º do Cód. Civil. [24] Ora, no caso em apreço, em que os embargantes e ora apelantes foram partes, a título pessoal, a par com o banco exequente (e a própria sociedade subscritora), no pacto de preenchimento da livrança exequenda, situando-se, pois, os mesmos, nesse âmbito, nas relações imediatas com o mesmo banco, é fora de dúvida de que podem os mesmos opor a este último, portador do título cambiário completado à sombra de tal pacto, em sede de embargos de executado, a excepção de preenchimento abusivo do título, ainda que lhes incumba a prova dos seus fundamentos de facto, como antes se referiu. [25] Ao invés, como é consabido, no domínio das relações mediatas, isto é, nas relações entre sujeitos cambiários que não foram parte interveniente nas respectivas convenções extracartulares, em conformidade com o disposto no citado art. 10º da LULL, a invocação da excepção de preenchimento abusivo pelo obrigado cambiário demandado é ainda possível, mas depende da prova (que lhe incumbe) da aquisição do título de má-fé por parte do seu portador ou de ter o mesmo actuado com culpa grave. [26] A questão que se coloca, no caso dos autos, é, assim, sequencialmente, a de saber se, atentos os princípios antes expostos, lograram os apelantes fazer prova desse preenchimento abusivo, tal como esta excepção se mostra configurada, através dos seus fundamentos, pelos mesmos no âmbito dos embargos de executado. * Neste conspecto releva, desde logo, o teor do pacto de preenchimento outorgado a 18.12.2012 (em que intervieram a subscritora “C..., Lda.“, representada pelos ora embargantes, os embargantes E... e D..., a título pessoal e enquanto avalistas, da livrança em branco, e o próprio exequente/banco, a quem o dito título foi entregue) e cujo texto é o seguinte (sic):«Nos termos acordados com V. Exªs, enviamos uma livrança em branco, por nós subscrita e avalizada pela (s) pessoa (s) abaixo identificada (s), destinada a garantir o pagamento de todos os valores que por nós se mostrarem em dívida a V. Exªs, por crédito concedido e/ou a conceder, e valores adiantados, até ao limite de € 60.000,00 (sessenta mil euros), acrescido dos respectivos juros, despesas e encargos, desde já autorizando V. Exªs a completá-la com todos os restantes elementos, nomeadamente quanto à data de vencimento, local de pagamento (BANCO B...) e ao valor a pagar, o qual corresponderá aos valores que por nós forem devidos aquando da sua eventual utilização (…). [sublinhados nossos]. Por outro lado, nessa mesma data, ou seja 18.1.2012, como já antes se referiu, foi outorgado o contrato de abertura de crédito em que interveio a sociedade “C..., Lda. “, enquanto beneficiária do crédito disponibilizado (até ao montante de € 50.000,00), representada pelos mesmos E... e D.... Dito isto, em termos de preenchimento abusivo, a primeira questão suscitada pelos apelantes (com os mesmos fundamentos que invocaram na petição inicial de embargos) é a data de emissão constante da livrança exequenda (23.07.2015), data esta que consideram abusiva, pois que, segundo alegam, do pacto de preenchimento não consta sequer autorização para a inclusão desse elemento essencial do título e, ademais, a existir autorização para a aposição de tal data teria sempre que ser ela correspondente à data em que a livrança foi assinada e outorgado o respectivo pacto de preenchimento, ou seja 18.12.2012. Por conseguinte, sustentam que a data aposta (23.07.2015) é uma data «impossível» o que torna a livrança incompleta, por falta desse seu elemento essencial, não podendo, pois, o documento em causa valer como livrança. (vide conclusões I, II, XXIV a XXXVIII). Ora, nesta matéria, sendo indiscutido que a data de emissão da livrança é um seu elemento essencial, como já antes se referiu, nada obsta a que esse elemento não figure inicialmente no título (livrança em branco), desde que o mesmo seja feito constar do título à data em que o mesmo é apresentado a pagamento e não se traduza numa violação do pacto de preenchimento, violação que cabe aos demandados demonstrar. Ora, sendo assim, é bem evidente que nenhuma razão assiste aos apelantes, bastando, para tanto, ler e interpretar devidamente o pacto de preenchimento acima transcrito. Desde logo, ao contrário do que sustentam os apelantes o pacto de preenchimento em causa não é omisso quanto a esse elemento essencial do título! Note-se que no pacto assinado pelos apelantes (e que os mesmos parecem ignorar) se concede autorização ao banco para completar o título «com todos os restantes elementos» em falta no mesmo; por conseguinte, se o título foi emitido em branco (apenas com a assinatura da subscritora e dos avalistas), é evidente, em face do texto e da interpretação que dele faria um declaratário normalmente diligente e sagaz (cfr. art. 236º do Có. Civil), que em tal pacto se autorizou o banco, quando tal se viesse a mostrar oportuno (isto é, quando estivesse em causa o reembolso dos valores em débito e emergentes do contrato de abertura de crédito), a colocar na livrança todos os restantes elementos em falta, incluindo, naturalmente, a data de emissão. Aliás, no texto em causa, antes da referência à data de vencimento, local de pagamento e valor a pagar, existe o cuidado de referir «nomeadamente», ou seja, quis-se ostensivamente dizer que, além do mais ou, entre outros elementos, em que se inclui a data de emissão, o banco exequente ficou autorizado a inscrever no título (então em branco) a data de vencimento, o local de pagamento e o respectivo valor (correspondente ao débito existente). Por conseguinte, a nosso ver, o pacto de preenchimento compreende, de forma implícita ou, tácita, como se refere na sentença recorrida, a autorização ao portador/banco (a quem foi entregue a livrança) para nele inscrever a data de emissão, quando se viesse a justificar a utilização do título entregue para garantia do futuro crédito do banco, data esta que, no momento da celebração do pacto se ignorava qual seria, nada evidenciando, pois, que essa data teria que ser necessariamente a data da subscrição do título ou da outorga do pacto de preenchimento, ou seja a data de 18.12.2012. Desta forma, afigura-se-nos que, tendo o apelado feito inscrever na livrança a data de 23.07.2015 [data que corresponde à da carta enviada pelo exequente à subscritora e aos avalistas/ora apelantes reclamando o pagamento dos valores em débito e decorrentes da denúncia do contrato de abertura de crédito e estabelecendo como data limite para o pagamento do valor em débito a data de 31.07.2015 – vide documentos a fls. 53-57 dos autos -], essa data não só não encerra qualquer violação do pacto de preenchimento outorgado, como, ainda, não é, manifestamente, uma data «impossível». Neste conspecto, e com o devido respeito, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.05.2004, relatado pelo Il. Sr. Juiz Conselheiro Azevedo Ramos [27], que os apelantes invocam em abono da sua pretensão, não apresenta qualquer similitude com o caso dos autos, pois que, no caso versado nesse aresto, a data de emissão da livrança era anterior à própria data de subscrição do título pelos avalistas/demandados, sendo, pois, em tais circunstâncias (que não ocorrem no caso sub judice), impossível que os mesmos tivessem previsto e dado o seu assentimento a uma tal data de emissão, anterior, repete-se, à data da sua subscrição do título exequendo. E, ainda, é de todo irrelevante, para efeitos de preenchimento abusivo da livrança, que a data do contrato de abertura de crédito seja 18.12.2012 e a data de emissão da livrança seja 23.07.2015 (sendo que o contrato se manteve em vigor até 18.06.2014) ou, ainda, que a denúncia do contrato tenha sido efectuada a 24.04.2014, com efeitos a partir de 18.06.2014, e a data de emissão da livrança seja a aludida data de 23.07.2015, sendo que, nenhuma condicionante ou restrição resulta, nesta matéria, do pacto de preenchimento em apreço. Como assim, sem mais, não se mostra evidenciada qualquer violação do pacto de preenchimento da livrança exequenda quanto à data de emissão nela inscrita, improcedendo, pois, neste segmento, a dita excepção de preenchimento abusivo. Improcedem, assim, as conclusões I, II, XXIV a XXXVIII do recurso dos apelantes, na parte atinente à data de emissão da livrança exequenda. Em segundo lugar, ainda, no âmbito da citada excepção, sustentam os apelantes que também a data de vencimento (31.07.2015) feita constar da livrança exequenda é abusiva pois que não foi consentida/acordada. Para tanto, nesta sede, invocam agora os apelantes (pois que em sede de petição inicial de embargos não suscitaram este outro fundamento, suscitando, pois, neste conspecto uma questão nova, antes não invocada em 1ª instância – o que, desde logo, como já referido, deveria conduzir ao não conhecimento e consequente improcedência de tal fundamento), que aquando da entrega da livrança em branco «foi acordado que para o preenchimento dessa livrança os executados reuniriam e acordariam um prazo razoável para nela colocarem a data definitiva do seu vencimento.» Por conseguinte, ainda que o banco exequente tenha denunciado o contrato de abertura de crédito com a antecedência de 15 dias, «o certo é que, nunca acordou (não foi dado como provado) com os executados a data definitiva de vencimento a inscrever na livrança que lhe foi entregue em branco.» Pelo que, segundo alegam, a data de vencimento inscrita é abusiva, pois nunca foi acordada entre as partes, não podendo, assim, ser tida como data de vencimento da mesma.» (conclusões XIX a XXIII do recurso) Ora, em tal matéria, é também patente que não assiste qualquer razão aos apelantes. Desde logo, é de referir que, não tendo nunca a matéria em apreço sido sequer alegada pelos embargantes na sua petição de embargos (a quem, como já antes se explicitou, incumbe a prova dos factos concretos demonstrativos do alegado preenchimento abusivo do título exequendo) e não tendo sido sequer produzida em audiência de julgamento qualquer prova (pois que ambos os Ils. Mandatários prescindiram da inquirição das suas testemunhas - vide acta de audiência a fls. 99 dos autos) não se vislumbra como essa matéria podia ser julgada como provada ou não provada… (aliás, por ser assim, a dita matéria não consta sequer do elenco da matéria de facto provada ou não provada da sentença recorrida – sendo que os recorrentes também não impugnaram esse elenco nos termos e para os fins previstos no art. 640º do CPC); Por outro lado, como é consabido, da não prova de um facto, não resulta a prova do seu contrário, antes tudo se passando como se essa factualidade não tivesse sido sequer alegada. Destarte, não se vislumbra em que base factual se sustentam os ora apelantes para afirmarem, por um lado, que ficou acordado entre as partes a realização de uma reunião para nela se definir a «data definitiva de vencimento» da livrança exequenda e, por outro, que essa reunião não teve lugar e não foi obtido esse acordo. A factualidade alegada – e logicamente – a factualidade provada (ou não provada) não fornecem qualquer sustento para tal afirmação. Mas, independentemente disso – mas que, por si só, já bastaria para excluir a procedência da questão arguida pelos apelantes -, certo é do pacto de preenchimento resulta, em termos expressos, o consentimento/autorização do banco exequente para a inclusão da data de vencimento do título subscrito para garantia dos valores em débito e decorrentes do contrato de abertura de crédito em apreço (e quando esse débito existisse, obviamente), sem dependência de qualquer reunião ou acordo prévio entre as partes para esse fim. Por conseguinte, mesmo a admitir-se que essa reunião entre as partes não tenha existido e não tenha sido obtido esse acordo, de tal circunstância não se poderia extrair uma qualquer violação do pacto de preenchimento, na estrita medida em que uma tal condição não existe no acordo de preenchimento subscrito pelos ora apelantes; Ora, se essa condição não existe, não foi estabelecida entre as partes (banco exequente, subscritora e avalistas) no pacto de preenchimento (ou no próprio contrato de abertura de crédito), não se vê em que medida ou sob que fundamento podem os apelantes invocar que o pacto foi, quanto à data de vencimento a inscrever no título entregue, incumprido ou desrespeitado pelo exequente. Recorde-se que, como já antes se referiu, é aos apelantes que incumbe demonstrar, através de factos concretos (que têm, pois, que ser oportunamente alegados em sede de petição inicial de embargos), a excepção de preenchimento abusivo, o que exige ao subscritor em branco demonstrar o quid com o qual o preenchimento é desconforme, ou seja, demonstrar qual o segmento ou ponto concreto do pacto de preenchimento que se mostra postergado. Sem essa demonstração, obviamente que a excepção em apreço não pode proceder, reconhecendo-se ao portador o direito de executar o título nos termos em que o mesmo certifica ou documenta. O que vem, em síntese, a conduzir à improcedência da excepção de preenchimento abusivo invocada pelos apelantes, também neste outro segmento, ou seja quanto à data de vencimento da livrança exequenda. Por outro lado, ainda, e segundo bem percebemos as alegações e conclusões recursivas dos apelantes, sustentam estes que o montante a inscrever na livrança só poderia ascender a € 50.000,00 (e não € 68.918,25, como dela consta). Para tanto, invocam os mesmos que não tendo o exequente procedido à resolução do contrato de abertura de crédito, mas à sua denúncia (não se provando o incumprimento culposo imputável à subscritora), não poderia o mesmo incluir no montante inscrito no título um qualquer montante a título indemnizatório ou, ainda, cumular com a obrigação principal (€ 50.000,00), uma cláusula penal de € 10.000,00 (proibida pelo art. 811º, n.º 1 do Cód. Civil). Por conseguinte, na sua perspectiva, o apelado incorporou no título executivo «outros débitos dos executados» sem a sua autorização, o que tornará o título executivo nulo e de nenhum efeito, sendo inclusive, inconstitucional, violando, nomeadamente, o princípio da igualdade previsto no art. 13º da Constituição da República, por assim se «conceder à entidade bancária um privilégio ilimitado». Nesta matéria, a primeira referência que se impõe fazer, na sequência do que já antes se deixou oportunamente consignado, é que os apelantes aproveitam, em termos evidentes, o recurso interposto da sentença recorrida para nesta instância invocar nova matéria e suscitar questões novas que não suscitaram, nem sequer de forma implícita, em 1ª instância, e que, nessa conformidade, não foram ali objecto de apreciação. Estamos, pois, perante argumentação nova que nunca tinha sido antes defendida pelos apelantes, o que coloca este tribunal ad quem perante um novo julgamento, na medida em que este, na reponderação que tem de fazer da decisão proferida, não se encontra em situação idêntica àquela em que se encontrou o juiz da 1ª instância. E não colhe, como cremos ser evidente, esgrimir com o pretenso conhecimento oficioso de tais questões, pois que, como já antes se justificou, e nos escusamos a repetir, a excepção de preenchimento abusivo de título de crédito (emitido em branco), nomeadamente quanto ao montante do crédito dele feito constar pelo portador a tanto autorizado pelo consequente pacto, não é de conhecimento oficioso, antes se trata, como é pacífico, de uma excepção material peremptória, a provar pelo executado em sede de embargos de executado. Ora, quanto à matéria atinente ao montante inscrito na livrança exequenda (€ 68. 918, 25), na sua petição de embargos os ora apelantes rigorosamente nada disseram ou invocaram quanto à ora alegada incorporação naquele valor de um montante indemnizatório decorrente da resolução do contrato ou, ainda, da incorporação naquele mesmo valor de uma alegada «cláusula penal» de € 10.000,00. Basta, para tanto, ler os 63 artigos da petição inicial de embargos para constatar que nada disto foi arguido ou esgrimido pelos apelantes. Com efeito, quanto ao montante de € 68.918,25 inscrito na livrança exequenda os apelantes referiram apenas que o dito montante era «abusivo», que esse montante se mostrava contraditório com o valor reclamado no requerimento executivo (de € 60.257,65), que o montante da livrança foi preenchido (em numerário e por extenso) em 24.04.2014 e posteriormente alterado sem autorização dos executados, que entre a data de vencimento da livrança (31.07.2015) e a data de entrada do requerimento inicial executivo não podia o valor em débito ser acrescido de € 8.660,60 [60.257,65 + 8.660,60], concluindo, assim, no sentido de que o exequente inscreveu na livrança um valor que sabia não corresponder à realidade – cfr. arts. 18º, 19º a 22º, 25º a 32º e 35º a 38º da petição de embargos. Sendo assim, nesta sede, estando em causa matéria e fundamentos novos, antes não suscitados em 1ª instância (e sobre a qual, consequentemente, o tribunal de 1ª instância não emitiu qualquer decisão – vide a sentença proferida a fls. 103 e segs. dos autos), atento o que já antes se referiu a propósito do nosso sistema de recursos e do fim de reponderação pelo tribunal ad quem sobre o antes conhecido/decidido pelo tribunal recorrido (e não a fazer um novo julgamento sobre factos ou questões antes não suscitadas em 1ª instância), é evidente, em nosso julgamento, que a questão ou questões ora suscitadas pelos apelantes não têm que ser conhecidas nesta instância, o que importa a sua inevitável improcedência. Mas, ainda que assim não fosse, estamos em crer que o julgamento e o sentido decisório a proferir não podia deixar de ser este mesmo, ou seja a improcedência da pretensão dos apelantes. É que, estando os apelantes onerados com a prova do preenchimento abusivo do título não é bastante para tanto que os mesmos façam considerações genéricas ou afirmações e conclusões que não colhem qualquer apoio na factualidade provada, factualidade essa que, repete-se, não foi objecto de impugnação. Com efeito, estando em causa, segundo os apelantes, a inclusão não autorizada no valor exequendo (que não é € 68.918,25, mas antes € 60.257,65, pois que o exequente restringiu a quantia cobrada na execução a este montante, por reconhecer que esse era o valor em débito decorrente da denúncia do contrato de abertura e à data de vencimento da livrança, não obstante o valor inscrito no título ser aquele primeiro - vide pontos II e VIII do requerimento executivo e, ainda, art. 12º do articulado de contestação aos embargos) [28], de um montante indemnizatório por mor da resolução do contrato de abertura de crédito (quando o banco procedeu à sua denúncia) e de uma «cláusula penal» de € 10.000,00, impunha-se que essas suas afirmações ou conclusões tivessem base de sustentação nos factos provados. Ora, procedendo-se à leitura dos factos provados não se colhem nos mesmos fundamento para tais afirmações ou conclusões. Ao invés, o que se colhe dos pontos 6. a 8. da factualidade provada é que o exequente pôs termo ao contrato de abertura de crédito, procedendo à sua denúncia junto da mutuária “C....” – vide carta de 24.04.2014 a fls. 59 dos autos e artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do contrato) -, vindo, em consequência desse termo, a exigir, em 23.07.2015, junto da subscritora e dos avalistas, os valores em débito e que seriam, à data de 31.07.2015, de € 60.257,25 - vide cartas a fls. 53-57 dos autos, embora fazendo referência ao valor de € 68.918,25, que foi, depois, corrigido no requerimento executivo para € 60.257,25). [29] Ora, em tal contexto, não existindo qualquer evidência probatória de que o montante exigido na execução se encontrava pago ou que não seja o devido por força da denúncia do aludido contrato, a título de reembolso dos valores mutuados, juros e comissões/encargos convencionados, e tendo-se presente que a cessação do contrato de abertura de crédito antes outorgado importa por mor da aplicação do regime do contrato de mútuo a obrigação do mutuário de restituir ao mutuante o capital utilizado, os juros, as despesas e comissões acordadas, tal significa que, de forma evidente, não lograram os apelantes – a quem incumbia tal ónus de prova – demonstrar, também neste segmento, a excepção de preenchimento abusivo do título. E falecendo a prova desse preenchimento abusivo por parte do banco exequente não colhe qualquer sustento a sua afirmação de que o montante reclamado corresponde a um benefício ou a um privilégio do banco exequente e, logicamente, a uma qualquer violação do princípio constitucional da igualdade. Este princípio, com o devido respeito, não é minimamente beliscado pela circunstância de a lei colocar a cargo dos executados – em razão da especial força probatória que é reconhecida aos títulos executivos e da presunção natural de que o conteúdo do título corresponde à vontade do seu respectivo subscritor – o ónus de demonstrar, enquanto excepção material, o preenchimento abusivo de um título emitido em branco, sendo que esta circunstância, como é consabido, sempre comporta um risco quanto ao seu ulterior preenchimento, risco este que os executados não podiam deixar de conhecer e de representarem ao subscreverem esse título e que lhes cumpria acautelar, alegando, em termos concretos, a base factual que demonstre a desconformidade entre o acordado e o preenchido e reunindo os pertinentes meios de prova. Improcedem, pois, também estas outras questões suscitadas pelos apelantes. Mas, além disso, invocam, ainda, os apelantes que, não tendo o exequente procedido a qualquer interpelação admonitória (dirigida à mutuária ou aos avalistas) para o pagamento dos valores em débito em data anterior à denúncia do contrato de abertura de crédito, verifica-se uma situação de simples mora e não de incumprimento definitivo do contrato, o que, segundo alegam, em última instância, não permitiria o preenchimento da livrança. Relativamente a este argumento invocado pelos apelantes também ele é novo, pois que na sua petição de embargos não o convocaram e sobre ele, logica e naturalmente, a sentença recorrida também nada veio a decidir. Por conseguinte, e à luz de tudo o que já antes se referiu quanto aos limites de cognoscibilidade deste tribunal ad quem, uma tal questão não poderia ser conhecida nesta instância recursiva, com a sua consequente improcedência. Mas, ainda que assim não fosse, a questão não podia deixar de improceder. Com efeito, em lado nenhum, seja no contrato de abertura de crédito celebrado entre a mutuária “C..., Lda.” e o banco exequente (e, recorde-se, em que os ora apelantes não são partes sequer em tal contrato), seja, ainda, no pacto de preenchimento (único em que os apelantes são partes), consta a exigência de uma tal interpelação admonitória (seja ela dirigida à mutuária, seja, por maioria de razão, aos avalistas, que não são partes em tal contrato), prévia à denúncia do contrato de abertura de crédito. Na verdade, os apelantes invocam que o banco exequente procedeu à resolução do contrato de abertura de crédito, mas essa sua afirmação é, também, destituída de qualquer apoio na factualidade provada, antes dela resultando que o banco exequente procedeu à denúncia do contrato, o que é coisa totalmente diversa. Mas, vejamos. Como é consabido, a resolução, enquanto meio de cessação do contrato, tanto pode resultar da lei, como da convenção das partes (art. 432º, n.º 1 do Cód. Civil). Por regra, a resolução assenta num poder vinculado, obrigando-se o autor a alegar e a provar o fundamento exigido por lei ou pela convenção das partes (arts. 801º e 802º do Cód. Civil), que justifica a destruição unilateral do contrato. [30] Nesta perspectiva, e como é pacífico, estando em causa a resolução fundada na lei é suposto que o autor da resolução do contrato demonstre uma situação de incumprimento definitivo imputável à parte contrária pois que, na maioria dos casos, não basta para a solução mais grave de destruição unilateral do contrato uma situação de mero atraso ou mora no cumprimento da prestação por parte do devedor; É suposto, pois, para efeitos resolutivos, que a mora do devedor seja convertida em incumprimento definitivo através de prévia interpelação admonitória, fixando um prazo limite e definitivo para o cumprimento. [31] [32] Isto que fica dito vale, pois, para a resolução. No que se refere à denúncia, enquanto meio de cessação do contrato, ao invés, a mesma é, via de regra, imotivada, pretendendo-se através da mesma impedir a subsistência de um vínculo contratual que se protela por um período indefinido. Como refere P. Romano Martinez, op. cit., pág. 231, citando C. Mota Pinto, «deve reconhecer-se, nos contratos de duração ou por tempo indeterminado, a existência de um poder de denúncia sem uma específica causa justificativa. O fundamento desta denunciabilidade “ad nutum” é a tutela da liberdade dos sujeitos que seria comprometida por um vínculo demasiadamente duradouro.» Nestes termos, a denúncia consiste, nos contratos duradouros, na declaração, imotivada, isto é, independentemente de causa justificativa, feita por um dos contraentes, em regra com antecedência sobre o termo do período negocial em curso, de que não quer a renovação ou a continuação do contrato renovável ou fixado por tempo indeterminado. Ora, no caso em apreço, tendo o contrato de abertura de crédito sido outorgado pelo prazo de seis meses (art. 3º, n.º 1), mas sujeito a automática prorrogação, salvo acordo em contrário das partes, ou denúncia a realizar por escrito e com a antecedência mínima de 15 dias relativamente ao termo que estiver em curso (art. 3º, n.º 2), o que o exequente fez, por meio da carta de fls. 59, foi, precisamente, denunciar o dito contrato (que se vinha prorrogando desde a data da sua celebração em 2012), em 24.04.2014, e com efeitos a partir de 18.06.2014 (observando a antecedência prevista), ou seja para o termo do prazo de 6 meses que estava em curso. Note-se que, em conformidade com o convencionado, a denúncia do contrato era livre, dependendo apenas e só de comunicação escrita dirigida à outra parte e com a antecedência mínima de 15 dias em relação ao prazo negocial em curso, não dependendo, pois, de qualquer interpelação prévia para pagamento! E, neste contexto, a carta de fls. 59 dos autos (enviada à mutuária “C..., Lda.” – e que não tinha que ser enviada aos ora apelantes, pois que os mesmos não são partes no contrato de abertura de crédito) é absolutamente clara, ali se referindo que «vimos pela presente comunicar-lhes que, nos termos do n.º 2 do artigo 3º, consideramos tal contrato denunciado, deixando o mesmo de produzir quaisquer efeitos a partir do dia 18 de Junho de 2014. Consequentemente, deverão V. Exªs, até ao dia 18 de Junho de 2014 proceder ao pagamento do capital mutuado, juros vencidos e demais encargos, caso seja devido.» Note-se que na dita missiva, estando em causa a denúncia do contrato e não a sua resolução, não se faz, nem tinha que se fazer, qualquer referência à resolução do contrato ou a qualquer incumprimento do mesmo por parte da mutuária; o que se refere é que o contrato é denunciado para o dia 18 de Junho e que, até essa data, teria a mutuária, conforme contrato, que proceder ao reembolso do capital mutuado, dos juros vencidos e demais encargos, que se mostrassem em débito. E são estes valores, ou seja o capital mutuado, juros e encargos, que, na ausência de pagamento, são, depois, em 23.07.2015, reclamados pelo exequente à mutuária e aos avalistas pelas cartas de fls. 53-57 dos autos e que vêm dar origem ao accionamento da livrança (em branco), previamente preenchida quanto aos elementos em falta, livrança essa destinada, precisamente, a garantir o pagamento dos valores em débito. O que significa, pois, que nenhuma interpelação admonitória prévia à denúncia do contrato de abertura de crédito era pressuposta ou exigida para que o banco exequente exigisse, como exigiu, aqueles valores em débito e para proceder ao preenchimento da livrança, verificado o não pagamento dos mesmos. E, assim, improcede também esta outra questão invocada pelos apelantes e, logicamente, o recurso interposto pelos apelantes, o que se julga. * Todavia, uma última questão se nos suscita, essa sim de conhecimento oficioso, qual seja a manifesta falta de título executivo no que se refere aos juros de mora reclamados pelo banco exequente.Como resulta do requerimento executivo o exequente reclama, a título de juros de mora vencidos e vincendos desde a data de vencimento da livrança exequenda (31.07.2015) uma taxa de juros de 13, 288%, invocando, contraditoriamente, a dado passo que a mesma corresponde à taxa legal em vigor (cfr. art. VIII do requerimento executivo), mas, em outro passo, que ela corresponde à «taxa contratualmente estipulada» (cfr. art. XIII do mesmo requerimento executivo). Ora, importa definir que a execução se funda na relação cambiária emergente da livrança exequenda (título executivo) e não na relação subjacente a esse título, ou seja no contrato de abertura de crédito celebrado apenas entre o banco exequente e a executada “C..., Lda.”. Por conseguinte, e sendo certo que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (cfr. art. 10º, n.º 5 do CPC), daí decorre que os juros exigíveis pelo portador do título de crédito são apenas os juros legais que se mostram previstos no art. 559º, n.º 1 do Cód. Civil e na Portaria n.º 291/03 de 8.04, ou seja, 4%, ao ano, em conformidade com o preceituado no art. 4º do DL n. 262/83, de 16.06, segundo o qual «o portador de letras, livranças ou cheques, quando o respectivo pagamento estiver em mora, pode exigir que a indemnização correspondente a esta consista nos juros legais.» Assim, pretendendo o portador obter o pagamento dos juros convencionados ou os juros à taxa supletiva prevista no art. 102º, 3º do Cód. Comercial só o poderá fazer em acção declarativa fundada na própria relação subjacente, mas já não em acção executiva fundada na relação cartular, que se apresenta, por natureza, como literal e abstracta. Por outro lado, esta questão foi já objecto de decisão do nosso mais Alto Tribunal e coincidente com o sentido antes exposto através do Assento do STJ n.º 4/92, de 13.07, publicado in DR, Iª série -A de 17.12.1997, onde se estabeleceu que «nas letras e livranças emitidas e pagáveis em Portugal é aplicável, em cada momento, aos juros moratórios a taxa que decorre do disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de Junho, e não a prevista nos n.ºs 2 dos artigos 48.º e 49.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças.» É certo que, como é consabido, os Assentos não constituem hoje doutrina obrigatória para os tribunais (sendo equiparados a acórdãos de uniformização de jurisprudência), mas também é certo que não se vislumbram quaisquer razões de fundo para divergir da doutrina firmada no aludido assento, doutrina esta que vem sendo sufragada pela larga maioria da jurisprudência das Relações e do Supremo que têm conhecido da questão ora em apreço. [33] Com efeito, se é indiscutido que o contexto histórico em que foi proferido o aludido assento do STJ (com taxa de juros legais então superiores à taxa de 6% prevista nos arts. 48º, 2º e 49º, 2º da LULL) é diverso do actual (em que a taxa de juros legais é inferior à taxa de 6% prevista nos arts. 48º e 49º da LULL ou inferior à taxa supletiva prevista no art. 102º, § 3º, Cód. Comercial), também é certo que o legislador, não obstante a posterior evolução em baixa das taxas de juro legais, nunca introduziu qualquer alteração ao citado art. 4º do DL n.º 262/83, antes o manteve, optando, pois, pela indexação dos juros de mora no pagamento de livranças e letras apenas aos juros legais. Ora, como se salienta no citado AC da RL de 8.05.2014, «se, porventura, o legislador tivesse pretendido determinar uma taxa de juros diversa, nomeadamente a aplicação dos juros comerciais, nos termos do art. 102.º, § 3.º, do Código Comercial, também alterado pelo DL n.º 262/83, tê-lo-ia declarado no texto da lei. Tal não sucedeu, sendo certo ainda que não existe na letra da lei um mínimo de correspondência verbal com semelhante intenção, ainda que imperfeitamente expressa.» O que significa, pois, que, no caso dos autos, em que a execução se estriba em título cambiário/livrança, os juros de mora exigíveis só podem ser os juros de mora legais, à aludida taxa de 4%, ao ano, desde a data de vencimento da livrança e até integral pagamento, sem prejuízo do respectivo imposto de selo sobre os juros, à taxa legal. Destarte, não obstante a improcedência do recurso interposto pelos apelantes, a execução deve prosseguir sobre a quantia exequenda de € 60.257,65, mas acrescida apenas de juros de mora, à taxa legal, hoje de 4%, e do respectivo imposto de selo à mesma taxa legal, conforme a respectiva Tabela. * * V. DECISÃO:Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida, mas, a título oficioso, decreta-se que ao valor de € 60. 257, 65 acrescem os juros de mora, à taxa legal, hoje de 4%, desde 31.07.2015 e até integral pagamento, e o respectivo imposto de selo, à taxa legal. * * Custas do recurso pelos apelantes, pois que, quanto ao seu objecto, nele ficaram integralmente vencidos – art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.* * Porto, 27.06.2018Jorge Seabra Fátima Andrade Oliveira Abreu (O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico) ____________ [1] Vide, neste sentido, por todos, F. AMÂNCIO FERREIRA, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8ª edição, pág. 147, A. ABRANTES GERALDES, “Recursos no Novo Código de processo Civil ”, 2ª edição, pág. 92-93. [2] Na sentença recorrida, por lapso, refere-se 18.12.2001 quando, conforme resulta do documento junto a fls. 23-31 destes autos de embargos, o dito contrato foi celebrado a 18.12.2012. [3] No elenco dos factos provados da sentença consta por lapso como denominação do documento “autorização de pagamento” quando, em conformidade com o documento a que ali se faz referência, o mesmo tem por assunto “ENVIO de LIVRANÇA – AUTORIZAÇÃO de PREENCHIMENTO”. Assim, procedeu-se à correcção da expressão “para pagamento” pela expressão “autorização de preenchimento.” [4] Vide, neste sentido, além de F. AMÂNCIO FERREIRA, op. cit., pág. 145-147, J. CASTRO MENDES, “Direito Processual Civil”, III volume, Revisto e Actualizado, AAFDL, pág. 29 e A. RIBEIRO MENDES, “Recursos em Processo Civil”, Lex, 1992, pág. 138-140 e 175. [5] Vide sobre a matéria, por todos, F. AMÂNCIO FERREIRA, op. cit., pág. 148-149. [6] MIGUEL TEIXEIRA de SOUSA, “Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 453. [7] MIGUEL TEIXEIRA de SOUSA, “Estudos …”, cit., pág. 567. [8] Como melhor se explicitará infra neste acórdão, a excepção de preenchimento abusivo – de que derivaria, na perspectiva dos apelantes, a nulidade da livrança – não é, conforme se entende de forma pacífica, uma excepção de conhecimento oficioso, mas uma excepção material peremptória que incumbe ao executado arguir e demonstrar em sede de embargos de executado, enquanto facto impeditivo ou extintivo do direito de crédito certificado pelo título executivo (cfr. art. 342º, n.º 2 do Cód. Civil e art. 731º do CPC). [9] A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 91. [10] Vide, neste sentido, por todos, J. LEBRE de FREITAS, “A Acção Executiva – À luz do Código Revisto”, 2ª edição, 1997, pág. 158, M. TEIXEIRA de SOUSA, “Acção Executiva Singular”, Lex, 1998, pág. 163 e J. CASTRO MENDES, op. cit., pág. 336. [11] J. LEBRE de FREITAS, op. cit., pág. 158. [12] Vide, neste sentido, J. ENGRÁCIA ANTUNES, “Direito dos Contratos Comerciais”, pág. 501, AC STJ de 13.12.2000, relator SOUSA DINIS, CJ, ano VIII, Tomo III, pág. 174-176, AC STJ de 8.06.1993, relator CARDONA FERREIRA, CJ, ano I, Tomo III, pág. 5-8 ou, ainda, desta Relação do Porto, o Acórdão de 29.06.2015, relator MANUEL DOMINGOS FERNANDES, e de 31.05.2016, relator LUIS CRAVO, disponíveis in www.dgsi.pt. [13] Vide, neste sentido, por todos, A. MENEZES CORDEIRO, “Manual de Direito Bancário”, 2ª edição, 2001, pág. 586 e J. CALVÃO da SILVA, “Direito Bancário”, 2001, pág. 365-366. [14] Vide, neste sentido, por todos, J. ENGRÁCIA ANTUNES, op. cit., pág. 502 e A. MENEZES CORDEIRO, op. cit., pág. 587. [15] Vide, neste sentido, J. ENGRÁCIA ANTUNES, op. cit., pág. 503 e J. CALVÃO da SILVA, op. cit., pág. 365. [16] Vide, neste sentido, A. MENEZES CORDEIRO, op. cit., pág. 587 e J. ENGRÁCIA ANTUNES, op. cit., pág. 503. [17] Vide, neste sentido, A. MENEZES CORDEIRO, op. cit., pág. 588 e, perfilhando a lição deste Autor, por todos, AC RP de 31.05.2016, antes citado, e AC RC de 19.12.2012, relator HENRIQUE ANTUNES, também in www.dgsi.pt. [18] Vide, neste sentido, por todos, FERRER CORREIA, “Lições de Direito Comercial”, Reprint, Lex, pág. 521 e J. ENGRÁCIA ANTUNES, “Títulos de Crédito – Uma Introdução”, 2ª edição, pág. 85-89. [19] Segundo ABEL DELGADO, “LULL Anotada”, 6ª edição, pág. 73, o acordo ou pacto de preenchimento é definido como acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá vir posteriormente a ser completado o título de crédito, definindo a obrigação cambiária, ou seja as condições relativas ao seu conteúdo. [20] Vide, neste sentido, por todos, J. ENGRÁCIA ANTUNES, “Títulos…”, cit., pág. 67-68 e FERRER CORREIA, op. cit., pág. 482-483. Em sentido distinto, CAROLINA CUNHA, “Manual de Letras e Livranças”, 2016, pág. 170-171, associando a letra em branco à emissão voluntária de uma letra incompleta, cujo completamento pode não decorrer de um pacto de preenchimento, mas das próprias estipulações constitutivas da relação fundamental e da convenção executiva subjacentes à emissão do título. Por conseguinte, «não é dele [pacto de preenchimento], mas sim da emissão voluntária de um título incompleto, que se retira o critério de identificação da fattispecie contemplada pelo art. 10º da LU; não é a ele, mas sim à vontade manifestada pelo subscritor em branco que se recorre para avaliar o caracter abusivo do preenchimento.» [21] Vide, neste sentido, FERRER CORREIA, op. cit., pág. 483 e JORGE H. PINTO FURTADO, “Títulos de Crédito”, 2000, pág. 145. [22] Vide, neste sentido, J. ENGRÁCIA ANTUNES, “Títulos …”, cit., pág. 68, nota 140, ABEL DELGADO, “LULL Anotada”, 6ª edição, pág. 73 e CAROLINA CUNHA, op. cit., pág. 171. [23] Vide, neste sentido, AC RP de 17.03.2016, relator ARISTIDES RODRIGUES de ALMEIDA, in www.dgsi.pt. [24] Vide, neste sentido, AC STJ de 12.10.2017, relator TOMÉ GOMES, AC STJ de 25.05.2017, relator FONSECA RAMOS, AC STJ de 15.05.2014, relator TAVARES de PAIVA, AC STJ de 30.09.2010, relator ALBERTO SOBRINHO, in www.dgsi.pt; Ao nível da doutrina, vide, por todos, CAROLINA CUNHA, “Manual …”, cit., pág. 180, JORGE H. PINTO FURTADO, op. cit., pág. 146, FERRER CORREIA, op. cit., pág. 484 e J. ENGRÁCIA ANTUNES, “Títulos …”, cit., pág. 69. [25] Sobre a oponibilidade da excepção de preenchimento abusivo no domínio das relações imediatas e, em especial, pelos avalistas que, sendo partes outorgantes no pacto de preenchimento outorgado com o exequente, não intervieram no contrato subjacente à subscrição da livrança em branco - como é o caso dos autos -, vide, por todos, AC STJ de 28.09.2017, relator TOMÉ GOMES, AC STJ de 25.05.2017, antes citado, AC STJ de 22.02.2011, relator SEBASTIÃO PÓVOAS, disponíveis in www.dgsi.pt. [26] Vide, neste sentido, por todos, ABEL DELGADO, op. cit., pág. 73-74, FERRER CORREIA, op. cit., pág. 484-485 e, ainda, CAROLINA CUNHA, “Manual …”, cit., pág. 180-184. [27] Disponível in www.dgsi.pt. [28] Conforme é pacífico, a violação do pacto de preenchimento mediante a inscrição de um valor superior não invalida totalmente a livrança, antes importa, por redução (art. 292º do Cód. Civil), que a mesma passe a valer pelo valor devido. Neste sentido, CAROLINA CUNHA, “Manual …”, cit., pág. 184-185, AC RP de 5.11.2012, relator CARLOS GIL, AC RP de 29.01.2013, relator MÁRCIA PORTELA, disponíveis in www.dgsi.pt. [29] Sobre a denúncia enquanto meio de cessação do contrato vide, por todos, A. VARELA, “ Das Obrigações em Geral ”, II volume, 4ª edição, pág. 269-270, P. ROMANO MARTINEZ, “Da cessação do Contrato”, 2ª edição, pág. 60. [30] Vide, neste sentido, por todos, A. VARELA, op. cit., pág. 265 e P. ROMANO MARTINEZ, op. cit., pág. 67-68. [31] Vide, neste sentido, por todos, A. VARELA, op. cit., pág. 118-119, I. GALVÃO TELLES, “Direito das Obrigações”, 6ª edição, pág. 303-304 ou, ainda, ALMEIDA COSTA, “Direito das Obrigações”, 11ª edição, pág. 1053-1054. [32] Sobre a interpelação admonitória e seus elementos vide, por todos, J. CALVÃO da SILVA, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, Separata do volume XXX do BFDC, 1987, pág. 127. [33] Vide, neste sentido, por todos, AC STJ de 23.10.2007, relator MÁRIO CRUZ, AC RG de 26.04.2006, relatora ROSA TCHING, AC RL de 8.05.2014, relator OLINDO GERALDES, AC RL de 18.10.2007, relator PEREIRA RODRIGUES, AC RC de 15.03.2011, relator FALCÃO de MAGALHÃES ou, ainda, mais recentemente, AC RG de 8.10.2015, relator JOSÉ AMARAL (este último com indicação de outros arestos no mesmo sentido), todos disponíveis in www.dgsi.pt. |