Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
287/12.6TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: CONTRATO DE PARTILHA
BENS PRÓPRIOS COMO COMUNS
VALIDADE
Nº do Documento: RP20150615287/12.6TVPRT.P1
Data do Acordão: 06/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Consubstanciadas as declarações negociais na formação do contrato de partilha, destinado a fazer cessar a indivisão de um património, mesmo concebendo que não concedendo que os bens, objecto do contrato articulado, seriam bens próprios do Autor, na medida em que sobre os mesmos tem efectivo poder de disposição, tem este legitimidade para outorgar a escritura de partilha.
II - A admitir a partilha de bens alheios ou a partilha de bens próprios como comuns, pode suscitar-se a questão da sua validade ou invalidade, nomeadamente, por se ter assumido a representação de que o outorgante estaria errado, no momento da outorga da escritura, acerca de quaisquer elementos do objecto do contrato, mormente, que os bens eram comuns, questionando-se, porventura, o erro vício da vontade, sendo o objecto, no entanto, e em todo o caso legalmente possível.
III - Tendo a partilha por objecto a extinção de um património colectivo visando atribuir a cada um dos cônjuges os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo a cada um deles o que dever a esse património, nos termos do direito substantivo civil (artºs. 1730.º n.º 1 e 1689 n.º 1 do Código Civil), a lei substantiva civil ao acolher que após o divórcio, apenas é possível proceder à partilha dos bens do casal se entre os cônjuges vigorar um regime de comunhão de bens (geral ou adquiridos), o contrato de partilha outorgado não deverá ser considerado nulo, por contrário à lei, na medida em que as aludidas disposições substantivas civis não assumem natureza imperativa, tão só interesse privado, pois, com esta proibição não se prossegue qualquer interesse público, defendendo-se apenas e só os interesses próprios dos ex-cônjuges.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 287/12.6TVPRT.P1‏
3ª Secção Cível
Relator - Juiz Desembargador Oliveira Abreu (131)
Adjunto - Juiz Desembargador António Eleutério
Adjunta - Juíza Desembargadora Isabel São Pedro
Tribunal de Origem do Recurso – Comarca do Porto - Póvoa de Varzim - Instância Central - 2ª Secção Cível - Juiz 2
Apelante/B…
Apelada/C…

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

No extinto Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim (3º Juízo Cível), B… veio propor contra C…, a presente acção declarativa, com processo especial, pedindo a declaração de nulidade da partilha de bens comuns celebrada entre ambos, que melhor identificou, a consequente restituição ao Autor de um quota de compropriedade e um prédio urbano objecto de tal negócio, a declaração de que o Autor nada tem a restituir à Ré, e o cancelamento das inscrições registrais averbadas às descrições prediais dos dois prédios em consequência da partilha.
Articulou, com utilidade, que na partilha em questão, subsequente a divórcio entre Autor e Ré, foram incluídos os dois imóveis em questão enquanto bens comuns quando, na verdade, em função da convenção antenupcial que precedeu o casamento entre ambos, tais bem são bens próprios do autor.
Na partilha em questão os bens foram adjudicados à Ré sem que o Autor tenha recebido qualquer bem ou tornas em dinheiro.
Regularmente citada, contestou a Ré, excepcionando ilegitimidade substantiva do Autor para invocar a nulidade, e conversão do negócio, se julgado nulo, em outro negócio diverso, com efeitos jurídicos idênticos, porque queridos pelas partes, e impugnando diversa factualidade e conclusões de direito, concluindo pela sua absolvição.
Foi proferido despacho que determinou que os autos prosseguissem os termos do processo comum ordinário
O Autor replicou, impugnando as excepções deduzidas, concluindo nos mesmos termos da petição inicial.
Foi proferido despacho que conheceu a excepção dilatória de incompetência territorial do tribunal, declarando as Varas Cíveis do Porto, onde a acção inicialmente fora proposta, territorialmente incompetentes, e julgando o Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa de Varzim territorialmente competente.
Foi realizada audiência preliminar, tendo sido proferido despacho saneador, com consignação expressa da matéria de facto seleccionada, assente e controvertida.
A audiência de discussão e julgamento foi calendarizada por cinco vezes, tendo sido sempre adiada, com fundamentos diversos.
Em 10 de Outubro de 2014 foi proferido despacho dando conta da intenção do Tribunal em conhecer, de imediato, do mérito da causa, ao abrigo do dever de gestão processual, convidando as partes a pronunciarem-se a este respeito.
O Autor pronunciou-se favoravelmente à intenção do Tribunal, pugnando pela imediata condenação da Ré no pedido.
A Ré sustentou a necessidade de realização prévia da audiência de discussão e julgamento, e, subsidiariamente, pugnou pela improcedência da acção.
Após compulsar as pronúncias de ambas as partes, o Tribunal manteve a convicção de que os autos reúnem todos os elementos necessários ao imediato conhecimento do mérito da causa.

Foi proferida sentença na qual o Tribunal “a quo”, julgou a presente acção totalmente improcedente, com consequente absolvição da Ré do pedido, contra si deduzido pelo Autor, com custas a cargo deste.

É contra esta decisão que o Autor/B…, se insurge, formulando as seguintes conclusões:
1.ª Vai o presente recurso interposto da sentença proferida 02/12/2014.
2.ª O objecto de presente recurso consiste em determinar a invalidade – rectius, nulidade – do contrato de partilha extra-judicial celebrado, por escritura pública lavrada no dia 22/04/2008, entre Recorrente e Recorrida com fundamento na inexistência de bens comuns do casal.
3.ª A sentença recorrida considerou que os bens imóveis objecto da partilha eram «efectivamente próprios do autor, e não comuns do casal, em consequência da convenção antenupcial, do divórcio, e dos títulos de aquisição».
4.ª Considerou, porém, o Tribunal “a quo”, e atendendo ao estipulado no art. 2123.º n.º 1 do Cód. Civil aplicável por analogia nos termos do art. 10.º do mesmo código (ou, caso assim se não entenda, atendendo ao preceituado no art. 939.º do Cód. Civil), subsumir-se o caso “sub judice” no regime da “venda de bens alheios”, concluindo, a final, não se verificarem os pressupostos da “venda de bens alheios” não sendo, assim, possível julgar nula a partilha enquanto partilha de bens alheios.
5.ª Não se alcança a fundamentação expendida na sentença recorrida, quer por inexistir qualquer caso omisso que fundamente o recurso à aplicação analógica, quer porque sempre o Recorrente alegou ser proprietário exclusivo dos bens que, indevidamente, foram partilhados, discordando-se, por essa razão, da subsunção jurídica feita pelo Tribunal “a quo”ao caso “sub judice” ao convocar para o mesmo as regras que disciplinam a “venda de coisa alheia”.
6.ª Ao pretender aplicar ao caso sob análise as regras relativas à “venda de coisa alheia”, não fez o Tribunal “a quo” a correcta qualificação jurídica dos factos trazidos à apreciação do Tribunal, pois, reitera-se, sendo os bens transmitidos, em consequência da partilha, propriedade exclusiva do Recorrente – como, aliás, a sentença recorrida reteve -, nunca aquela partilha poderia configurar, mesmo ao de leve, uma transmissão de bens alheios.
7.ª É possível determinar, sem grande esforço interpretativo, o sentido e alcance da convenção antenupcial celebrada em 16/01/1959 pelos Recorrente e Recorrida. Foi vontade dos cônjuges que, caso o casamento se dissolvesse por divórcio – como sucedeu “in casu” -, se lhe aplicassem as regras da separação de bens. É o que resulta de forma clara e inequívoca do texto da convenção antenupcial.
8.º No que tange à composição das massas patrimoniais dos cônjuges, no âmbito do regime de separação, é por todos sabido não existirem aqui bens comuns, existindo antes uma separação absoluta e completa entre os bens dos cônjuges.
9.ª É consabido que a partilha tem por objecto a extinção de um património colectivo visando atribuir a cada um dos cônjuges os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a esse património - cfr. arts. 1730.º n.º 1 e 1689 n.º 1 do Código Civil -, do que resulta que , após o divórcio, apenas é possível proceder à partilha dos bens do casal se entre os cônjuges vigorar um regime de comunhão de bens (geral ou adquiridos) – vide doutrina citada a pág. 10.
10.ª Sendo impossível proceder à partilha de bens se entre os cônjuges vigorar o regime da separação de bens, pois inexiste um património colectivo a partilhar – vide jurisprudência citada a pág. 10.
11.ª Apesar do Tribunal “a quo” qualificar correctamente os bens imóveis objecto da partilha como sendo «efectivamente próprios do autor, e não comuns do casal, em consequência da convenção antenupcial, do divórcio, e dos títulos de aquisição», acaba por legitimar um contrato de partilha extrajudicial tendo por objecto bens … próprios do Recorrente!
12.ª Isto é, a sentença recorrida tem como consequência a aquisição dos bens imóveis por parte da Recorrida apesar dos mesmos não poderem ser objecto de qualquer partilha dado o facto de serem «efectivamente próprios do autor, e não comuns do casal».
13.ª Ora, a partilha realizada entre Recorrente e Recorrida tem um objecto – partilha de dois bens propriedade exclusiva do Recorrente – legalmente impossível, na medida em que aquele negócio jurídico tem um objecto que se materializa num efeito jurídico não permitido – vide doutrina citada a pág. 11.
14.ª Quer isto significar que, vigorando entre Recorrente e Recorrida o regime da separação de bens, o contrato partilha extra-judicial por estes celebrado é nulo por impossibilidade legal do seu objecto – cfr. art. 280.º n.º 1 do Cód. Civil.
15.ª Por vezes revela-se muito esbatida a fronteira entre a impossibilidade legal do objecto negocial e a sua contrariedade à lei, tanto mais que o negócio juridicamente impossível é, em sentido amplo, simultaneamente contrário à lei – vide doutrina citada a pág. 12.
16.ª Em todo o caso, quer se considere ser “in casu” o objecto do contrato de partilha legalmente impossível ou contrário à Lei, a estatuição cominada na Lei é a mesma: a nulidade do negócio jurídico – cfr. art. 280.º do Cód. Civil.
17.ª Nulidade que opera «ipsa vi legis», pode ser declarada «ex officio» pelo Tribunal, é invocável por qualquer pessoa interessada, é insanável pelo decurso do tempo e é insanável mediante confirmação – cfr. art. 286.º e 288.º n.º 1 “a contrario sensu” –, sendo irrelevante que as partes a conhecessem ou devessem conhecer.
18.ª Pelo que deveria, assim, o Tribunal “a quo” ter conhecido oficiosamente da nulidade caso entendesse – como aliás entendeu – não se verificar “in casu” a impossibilidade legal do objecto do contrato, já que este sempre seria contrário à Lei.
19.ª Mantendo-se, em consequência do efeitos retroactivos da nulidade (cfr. art. 289.º do Cód. Civil), os dois prédios urbanos adjudicados à Recorrida na propriedade do Recorrente.
20.ª Ao não ter declarado a nulidade do contrato de partilha extra-judicial não fez o Tribunal “a quo” a melhor interpretação e aplicação do Direito aplicável, nomeadamente do estatuído nos arts. 280.º, 286.º e 289.º do Cód. Civil, pelo que deve este Douto Tribunal declarar a nulidade do referido contrato.
Termos em que, deve ser proferido acórdão que revogue a sentença recorrida, devendo, em consequência, ser declarada a nulidade do contrato de partilha extrajudicial celebrado entre Recorrente e Recorrida, baixando, porém, os presentes autos ao Tribunal de 1.ª Instância para aí prosseguir com vista a ser apreciada a temática controvertida relativa ao pagamento de tornas, assim se cumprindo a Lei e se fazendo Justiça.

Houve contra-alegações pugnando a Recorrida/C…, pela manutenção do julgado, sustentada nas seguintes conclusões:

A- A sentença ora em recurso não apreciou a questão da natureza dos dois prédios objeto da partilha em crise nos presentes autos. “o tribunal ultrapassará aqui a discussão sobre a natureza dos dois prédios em discussão nestes autos , que não seria de momento propriamente adquirida em face do alegado em contestação ….”.
B- A sentença recorrida, para demonstrar de forma inequívoca e inquestionável, a falta de fundamentação do pedido deduzido pelo A., partiu do raciocino jurídico de que os bens seriam do A. “…, e partirá do principio no raciocínio juridico infra expendido que tais bens seriam efectivamente próprios do autor ….”.
C- E partindo desse raciocínio jurídico, que não decisão, concluiu que, tendo em conta o estatuído no artº 2123 nº1 do C.C., aplicável por analogia nos termos do artº 10º nº2 do mesmo C.C., não se verificarem os pressupostos para decretar a nulidade da partilha, enquanto partilha de bens alheios.
D- Efetivamente os bens imóveis partilhados nunca se poderiam considerar como bens alheios.
E- Na verdade, tais bens ou são comuns aos outorgantes da partilha ou, na aplicação do raciocino jurídico utilizado na sentença recorrida, eram bens próprios de um dos outorgantes (o A.).
F- Além de que o A., conjuntamente ou isoladamente, tinha o poder de disponibilidade dos bens imóveis aquando da outorga da partilha.
G- Carece ainda o A. legitimidade para requerer a nulidade da partilha face ao estatuído no artº 892º do C.C..
H- Como dispõem o citado preceito nunca o vendedor pode opor a nulidade do negócio ao comprador de boa fé.
I- Ora o A., aquando da partilha, invocou que era titular de 50% dos bens imóveis partilhados, sendo R., titular dos restantes 50%.
J- Não pode, decorridos 5 anos, vir o A. invocar contra a R. a nulidade da partilha pois entende AGORA que os bens partilhados não são comuns, mas apenas de sua propriedade.
K- Igualmente não pode a partilha ser declarada nula por impossibilidade legal do seu objecto, face ao disposto no artº 280 nº1 do C.C.
L- A impossibilidade legal de um negócio com fundamento de que o seu objeto é ilegal não colhe no presente processo.
M- Na partilha são adjudicados bens imóveis a um dos outorgantes.
N- Tais bens imóveis, nos termos da artilha, são propriedade e estão na disponibilidade de ambos os outorgantes.
O- Mesmo que se utilize o já citado raciocínio jurídico utilizado na sentença, os bens imóveis partilhados seriam propriedade e estariam na disponibilidade de um dos outorgantes.
P- Logo, não existe qualquer negócio contrário à Lei.
Q- Acresce que, o A. nunca invocou que não foi sua vontade adjudicar os bens imóveis à R.
R- Nem invocou qualquer erro ou vicio na vontade aquando da outorga da partilha.
S- Assim sendo, como é, terá na douta sentença recorrida foi feita uma correta aplicação da Lei.
Termos em que deverá ser mantida a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.

Foram colhidos os vistos.

Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. A questão a resolver, recortada das conclusões apresentadas pelo Recorrente/Autor/B…, consiste em saber se:
(1) Considerando a facticidade demonstrada, a subsunção jurídica da mesma, deverá ser diversa da sentenciada?

II. 2. Da Matéria de Facto

Matéria de Facto alegada na petição, com relevância para a decisão da causa.
a) Autor e ré contraíram casamento católico no dia 25 de Janeiro de 1959; (doc. n.º 1 junto com a petição inicial)
b) Por decisão de 27 de Julho de 2006, proferida pela Conservatória do Registo Civil de Guimarães, o casamento entre autor e ré foi dissolvido por divórcio; (doc. n.º 2 junto com a petição inicial)
c) Por escritura pública de 16 de Janeiro de 1959, exarada a fls. 52 a 53 no livro de notas para escrituras do Primeiro Cartório Notarial da Póvoa de Varzim, com certidão junta como documento n.º 3 com a petição inicial e transcrição junta em 21/01/2013, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, autor e ré declararam nomeadamente “que convencionam o seguinte regímen de bens, no casamento ajustado entre ambos: Primeiro – O seu casamento será regulado pelo regímen da comunhão geral de bens somente no caso de existir descendência no momento da sua dissolução por morte de um dos cônjuges. Segundo – Em todos os outros casos, ou seja, se o casamento, com ou sem descendência, se dissolver por divórcio ou se interromper pela separação judicial de pessoas e bens, e ainda se não houver descendência no momento da dissolução por morte de um dos cônjuges, o regímen será o da separação absoluta de bens”; (doc. n.º 4 junto com a petição inicial)
d) O autor é titular de uma inscrição de aquisição, por compra, datada de 5/04/1993, com indicação de ser casado com a ré no regime da comunhão geral de bens, de 37/100 avos de um prédio urbano sito na Rua …, n.ºs .., .., .., e .. e Rua … n.º .., freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, com a área coberta de 339,5 m2 e descoberta de 79 m2, composto de morada de casas com três pavimentos e logradouro, com indicação de correspondência aos arts. 5714.º, 5715.º, e 3671.º da matriz, descrito na Conservatória do Registo Comercial sob o n.º 1763/19930405; (doc. n.º 5 junto com a petição inicial)
e) Por escritura pública de 15 de Junho de 1976, exarada de fls. 90 a 93, do livro escrituras diversas n.º 70-A, do Segundo Cartório da Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, com certidão junta como documento n.º 7 com a petição inicial, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, D…, actuando em representação de E…, declarou nomeadamente vender a B…, pelo preço de 466.110$50, 37/100 avos de um prédio urbano sito na Rua …, n.ºs .., .., .., e .. e Rua … n.º .., freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, composto de morada de casas com três pavimentos e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial sob os n.ºs 4869, 4867, 6747, inscrito na matriz sob os arts. 2065.º, 2066.º, e 3671.º, tendo B… declarado no mesmo acto, aceitar tal venda; (doc. n.º 7 junto com a petição inicial)
f) Por escritura pública de 19 de Agosto de 1968, exarada de fls. 21, verso, a 22, verso, do livro escrituras diversas n.º A-27, do Segundo Cartório da Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, com certidão junta como documento n.º 8 com a petição inicial, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, F… declarou nomeadamente vender a B…, pelo preço de 5.000$00, um moinho de vento com a circunferência de terreno sobre a qual é feita a rodagem do rabo do mesmo moinho, no …, freguesia …, concelho da Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 6840, inscrito na matriz sob o art. 231.º, tendo B… declarado no mesmo acto, aceitar tal venda; (doc. n.º 8 junto com a petição inicial)
g) Por escritura pública de 22 de Abril de 2008, exarada de fls. 74 a 75, verso, do livro n.º 199-A para escrituras diversas do Cartório Notarial G…, Póvoa de Varzim, com certidão junta como documento n.º 4 com a petição inicial, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, B… e H…, actuando em representação de C…, declararam nomeadamente adjudicar em partilhas a C…, 37/100 avos de um prédio urbano sito na Rua …, n.ºs .., .., .., e .. e Rua … n.º .., freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Comercial sob o n.º 1763, inscrito na matriz sob arts. 5714.º, 5715.º, e 3671.º, e um prédio urbano composto por um moinho de vento, sito no …, freguesia …, concelho da Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 6840, inscrito na matriz sob o art. 14.º. (doc. n.º 4 junto com a petição inicial)

II. 3. Do Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - artºs. 635º, 639º, e 663º, todos do Código Processo Civil.

II. 3.1. Considerando a facticidade demonstrada, a subsunção jurídica da mesma, deverá ser diversa da sentenciada? (1)
Perante a facticidade demonstrada nos autos, o Tribunal “a quo” concluiu no segmento decisório, pela improcedência da acção, e, nessa medida, pela absolvição da Ré do pedido.
O aresto escrutinado evidencia domínio dos conceitos e institutos jurídicos citados, sendo que não encontramos dificuldade em entender o processo intelectivo assumido pelo Tribunal “a quo”.
Assim, do cotejo do aresto apelado resulta que o Tribunal “a quo” cuidou de problematizar o assunto a apreciar nestes autos, enunciando como questões a decidir: saber se face às declarações negociais, adquiridas processualmente, que consubstanciam a formação de um contrato de partilha de bens comuns, enquanto negócio jurídico destinado a fazer cessar a indivisão de um património, é o mesmo nulo em razão de ter recaído sobre bens alheios, outrossim, considerando a invocação do Autor na presente demanda, importa saber se a partilha ajuizada é nula, por impossibilidade legal do seu objecto.
As consignadas questões apresentadas e dirimidas pelo Tribunal recorrido, identificam-se com aqueloutras entretanto apresentadas no recurso, ora a conhecer, sendo que, desde já podemos adiantar, ter o Tribunal recorrido conhecido das mesmas com proficiência.
Vejamos:
O Tribunal apelado, acompanhando, com critério, as pretensões formuladas pelo demandante e os actos ou factos jurídicos donde emerge o direito que o Autor se arroga e pretende fazer valer, actos ou factos concretos e regularmente traçados nos articulados apresentados em Juízo, não deixou de sustentar as mesmas, nos termos que passamos a consignar:
“O tribunal (…) partirá do princípio no raciocínio jurídico infra expendido que tais bens seriam efectivamente próprios do autor, e não comuns do casal, em sequência da convenção antenupcial, do divórcio, e dos títulos de aquisição.
As declarações negociais descritas na alínea g) (…) implicam a formação de um contrato de partilha de bens comuns, enquanto negócio jurídico “destinado a fazer cessar a indivisão de um património.” “(…) Nos termos do art. 2123.º, n.º 1, do CC, se tiver recaído sobre bens não pertencentes à herança, a partilha é nula nessa parte, sendo-lhe aplicável, com as necessárias adaptações e sem prejuízo do disposto no número seguinte, o preceituado acerca da venda de bens alheios.
Esta disposição é aplicável à partilha de heranças, mas considerando que são as mesmas as razões justificativas da regulamentação, nada obsta à aplicação analógica de tal norma à partilha de bens comuns do casal, nos termos do art. 10.º, n.º 2, do CC.
Ainda que assim não se considerasse, a aplicabilidade das normas sobre venda de bens alheios ao negócio jurídico de partilha poderia também resultar da remissão genérica prevista no art. 939.º, do CC. Chegamos assim à aplicação do art. 892.º, do CC, é nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar; mas o vendedor não pode opor a nulidade ao comprador de boa-fé, como não pode opô-la ao vendedor de boa-fé o comprador doloso.
Alheios serão todos os bens cujo direito de propriedade, e portanto a correspondente faculdade deles dispor, é titulado por pessoa não interveniente no negócio.”
Revertendo ao caso dos autos, o Tribunal “a quo” afirmou:
“Ora quem partilha bens próprios como se fossem comuns não partilha bens alheios, pois dispõe de bens sobre os quais tem efectivo poder de disposição. Mas ainda que porventura fosse possível sustentar uma partilha de bens alheios, nunca seria possível afirmar que o autor partilhante carecia de legitimidade para realizar a partilha, posto que tem o poder de disponibilidade sobre os bens. O autor poderia outorgar tal partilha por equívoco, por razões ligadas aos fundamentos do divórcio, em razão dos meios financeiros usados nas aquisições, mas poderia e teria legitimidade para o fazer.”
Concluindo, de seguida “Não se verificam por isso pressupostos para julgar nula a partilha descrita em g), enquanto partilha de bens alheios.”
No que respeita à segunda questão que importa conhecer, para bem decidir da demanda, o Tribunal “a quo”, por forma clara e congruente, fez constar do aresto sob escrutínio:
“Sustenta o autor que a partilha em questão é nula, por impossibilidade legal do seu objecto, uma vez que não é possível a partilha de bens comuns findo um casamento no regime da separação de bens.
Nos termos do art. 280.º, n.º 1, do CC, é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.”
“(…) Julgamos que a própria existência das normas sobre alienação de bens alheios implica a conclusão pela inviabilidade de enquadramento de tal instituto na impossibilidade legal de objecto, nos termos doutrinalmente recortados pelas citações que antecedem. A partilha de bens alheios ou a partilha de bens próprios como comuns pode suscitar a questão da sua validade ou invalidade, mas não tem um objecto legalmente impossível, e pode mesmo ser julgada válida no caso de venda de bens alheios como bens futuros ou de legitimidade do vendedor. Não obstante a invalidade, pode mesmo produzir efeitos jurídicos, dependendo da oportunidade do registo da aquisição.”
Cotejada a facticidade considerada provada, o Tribunal “a quo cuidou de observar, e passamos a citar:
“(…) O que pode ter acontecido é que, em função de alguma originalidade que emerge da convenção antenupcial, e provavelmente da sua antiguidade, o autor outorgou a partilha convencido que os bens eram efectivamente comuns. De momento assume a representação de que estaria errado e pretende invalidar o negócio.
O instituto que demanda aplicação num caso destes é o erro vício da vontade referido ao objecto do negócio, enquadrável nos termos dos arts. 251.º e 247.º, do CC, e que implica a anulabilidade do negócio. Não é no entanto este o pedido formulado nestes autos e não estão alegados os factos que permitam enquadrar os respectivos pressupostos.“
Daqui concluiu, categoricamente, o Tribunal apelado:
“Não se verificam assim razões para declarar a nulidade da partilha em causa, pelo que improcede tal pedido. Desta improcedência decorre a improcedência de todos os outros pedidos, simples decorrência da declaração de nulidade (…)”.

Assim, uma vez subsumidos os factos adquiridos processualmente, o Tribunal “a quo” dirimiu o conflito trazido a Juízo, proferindo decisão que sufragamos, sem deixarmos de sublinhar que enquadradas as ajuizadas declarações negociais na formação do contrato de partilha, destinado a fazer cessar a alegada indivisão de um património, e mesmo concebendo que não concedendo que os bens, objecto do contrato articulado, seriam bens próprios do Autor, na medida em que sobre os mesmos tem efectivo poder de disposição, podendo, nestas circunstâncias, tendo legitimidade para o efeito, outorgar a partilha, o que ora se reconhece, mesmo admitindo que as declarações negociais possam ter sido feitas pelo Autor, por equívoco.
Ademais, a aceitar que a partilha de bens alheios ou a partilha de bens próprios como comuns, pode suscitar a questão da sua validade ou invalidade, nomeadamente, por se ter assumido a representação de que estaria errado, no momento da outorga da escritura, acerca de quaisquer elementos do objecto do contrato, mormente, que os bens eram comuns, poder-se-ia questionar, porventura, o erro vício da vontade, importando, em todo o caso, ser o objecto do contrato legalmente possível.
Na verdade, estabelece o direito substantivo civil que é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, ou contrário à lei - artº. 280º, nº. 1, do Código Civil – sendo que a expressão “objecto do negócio jurídico” pode ter dois sentidos.
Um, correspondente ao objecto imediato, ou conteúdo, sendo preenchido pelos efeitos jurídicos que o negócio tende a produzir.
O outro, o objecto mediato, ou objecto “stricto sensu”, consiste naquilo sobre que incidem os efeitos do negócio.
Ambos estes sentidos estão abrangidos naquela disposição, conforme defendeu o Professor Mota Pinto, apud, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, página 547.
É legalmente impossível o objecto de um contrato quando a prestação consiste num acto cuja realização a lei não permite, podendo impedi-la (“quod iure impleri non potest”), portanto, o objecto de um contrato que o direito não consente.
Como também defendia o Professor Mota Pinto “será impossível legalmente o objecto de um negócio quando a lei ergue a esse objecto um obstáculo tão insuperável como o que as leis da natureza põem aos fenómenos fisicamente impossíveis”, apud, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, página. 550, o que só pode suceder, reconhecemos, em relação a realidades de carácter jurídico.
Revertendo ao caso dos autos, em que o objecto do contrato impugnado é a transmissão de propriedade de bens imóveis, não se pode dizer que seja legalmente impossível, podendo apenas questionar-se a sua ilicitude, por contrariar disposição legal, sendo que a conceber-se a ilicitude, esta só ocorrerá quando a lei contrariada tenha cariz imperativo, como resulta do disposto no artº. 294º, do Código Civil, neste sentido, Professor Menezes Cordeiro, apud, Tratado de Direito Civil Português, edição de 1999, volume I, tomo 1, página 423.
Como sabemos, os preceitos da lei que estatuem sobre o conteúdo dos negócios jurídicos nem sempre são normativamente mais fortes que as cláusulas que com eles colidam, sendo apenas ilícitas aquelas que contrariem normas com uma força injuntiva (normas imperativas).
Nos casos em que a própria lei não denuncia a sua força, a sua derrogabilidade pelo negócio celebrado é aferida pelas razões que presidiram à sua estatuição, donde, se ela visa proteger interesses de ordem pública, estamos perante uma norma imperativa que se sobrepõe à vontade negocial das partes, ao passo que, se ela apenas pretendeu proteger os interesses destas, elas próprias poderão renunciar a essa protecção.
Assim, mesmo concebendo que os bens objecto no negócio jurídico celebrado entre Autor e Ré eram bens próprio daquele, e sabendo nós que a partilha tem por objecto a extinção de um património colectivo visando atribuir a cada um dos cônjuges os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo a cada um deles o que dever a esse património, nos termos do direito substantivo civil (artºs. 1730.º n.º 1 e 1689 n.º 1 do Código Civil), a lei substantiva civil ao acolher que após o divórcio, apenas é possível proceder à partilha dos bens do casal se entre os cônjuges vigorar um regime de comunhão de bens (geral ou adquiridos), o contrato de partilha outorgado não deverá ser considerado nulo, na medida em que as aludidas disposições substantivas civis não assumem, como é bom de ver, natureza imperativa, por visar a satisfação de interesses de ordem pública, isto é de toda a sociedade, mas tão só interesse privado, pois, com esta proibição não se prossegue qualquer interesse público, defendendo-se apenas os próprios interesses dos ex-cônjuges.
Não há, pois, qualquer interesse da sociedade na partilha dos bens entre ex-cônjuge, e, nesta medida, tão pouco se poderá conceber a ilicitude, pois, o normativo substantivo civil contrariado não tem cariz imperativo, como acabamos de reconhecer.
De igual modo, as declarações consignadas na ajuizada escritura de partilha importam a legalidade do objecto do contrato, pois, não só os outorgantes declararam que estiveram casados no regime de comunhão geral de bens como de seguida declararam que “a partilhar do dissolvido casal há os seguintes bens“ identificando de seguida os imóveis que constituem as verbas 1 e 2, acordando adiante, quanto à adjudicação, ao anunciarem “divide-se aquele valor em duas partes iguais de setenta e cinco quatrocentos e dezasseis euros e oito cêntimos que constituem as meações dos interessados na partilha, uma de cada um“.
Assim, uma vez que o pedido formulado nestes autos não consubstancia a nulidade do negócio ajuizado, tão pouco da invocada causa de pedir emergem factos jurídicos que sustentem os pressupostos de um putativo erro vicio da vontade de quaisquer dos outorgantes da escritura de partilha ajuizada, temos de convir que o Tribunal “a quo” decidiu com propósito ao interiorizar os consignados ensinamentos.
Bem andou o Tribunal “a quo” ao concluir, nos exarados termos, pela infundada pretensão arrogada na presente demanda, não merecendo qualquer censura a decisão posta em crise pelo Apelante/Autor/B…, reconhecendo-se a falta de fundamento das alegações registadas no recurso que ora fomos chamados a conhecer.

III. SUMÁRIO (artº. 663º nº. 7 do Código de Processo Civil)

1. Consubstanciadas as declarações negociais na formação do contrato de partilha, destinado a fazer cessar a indivisão de um património, mesmo concebendo que não concedendo que os bens, objecto do contrato articulado, seriam bens próprios do Autor, na medida em que sobre os mesmos tem efectivo poder de disposição, tem este legitimidade para outorgar a escritura de partilha.
2. A admitir a partilha de bens alheios ou a partilha de bens próprios como comuns, pode suscitar-se a questão da sua validade ou invalidade, nomeadamente, por se ter assumido a representação de que o outorgante estaria errado, no momento da outorga da escritura, acerca de quaisquer elementos do objecto do contrato, mormente, que os bens eram comuns, questionando-se, porventura, o erro vício da vontade, sendo o objecto, no entanto, e em todo o caso legalmente possível.
3. Tendo a partilha por objecto a extinção de um património colectivo visando atribuir a cada um dos cônjuges os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo a cada um deles o que dever a esse património, nos termos do direito substantivo civil (artºs. 1730.º n.º 1 e 1689 n.º 1 do Código Civil), a lei substantiva civil ao acolher que após o divórcio, apenas é possível proceder à partilha dos bens do casal se entre os cônjuges vigorar um regime de comunhão de bens (geral ou adquiridos), o contrato de partilha outorgado não deverá ser considerado nulo, por contrário à lei, na medida em que as aludidas disposições substantivas civis não assumem natureza imperativa, tão só interesse privado, pois, com esta proibição não se prossegue qualquer interesse público, defendendo-se apenas e só os interesses próprios dos ex-cônjuges.

IV. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor/B…, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante/Autor/B….
Notifique.

Porto, 15 de Junho de 2015
Oliveira Abreu
António Eleutério
Isabel São Pedro