Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA DO CARMO DOMINGUES | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA PENHOR MERCANTIL PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO GERAL GRADUAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP2014070160/13.4TBCNF-G.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/01/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | O penhor mercantil é uma garantia real completa que prevalece sobre os créditos garantidos por privilégio creditório mobiliário geral os quais não confere ao respectivo titular direito de sequela sobre os bens em que recaíam. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 60/13.4TBCNF-G.P1 Espécie: Apelação Recorrentes: B…, C…, D…, E…, F…, G… e H… Recorridos: J…, S.A e outros Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B… e outras, todas credoras laborais e reclamantes, inconformadas com a sentença de graduação de créditos que considerou inútil a notificação da lista de credores reconhecida «rectificada» e que qualificou os créditos do J… como garantidos por penhor mercantil sobre o estabelecimento graduando os créditos laborais das recorrentes após os créditos dos J… garantidos por penhor mercantil sobre o estabelecimento e que considerou que o produto da venda do estabelecimento deverá ser afecto, em primeira linha ao credor J… em detrimento das credoras laborais com privilégio mobiliário geral vieram interpor recurso de apelação de cujas alegações extraíram as seguintes conclusões: 1) A sentença que considerou inútil a notificação da lista de credores reconhecida “retificada”, e qualificou os créditos dos J… como garantidos por penhor mercantil sobre o estabelecimento, graduando os créditos laborais das recorrentes, não antes, mas após a os créditos do J… garantidos por penhor mercantil sobre o estabelecimento, e, ainda, considerou que o produto da venda do alvará deverá ser afeto, em primeira linha, ao credor J…, em detrimento das credoras laborais com privilégio mobiliário geral, não se encontra em conformidade com a Lei e o Direito, devendo ser revogada. 2) Ao invés do sustentado pela Meritíssima Juiz “a quo” ao entender que, uma vez que a “retificação” da lista de créditos reconhecidos não afetava qualquer outro crédito ali constante, não via necessidade da notificação daquela lista, consubstanciando-o um ato inútil, é entendimento das recorrentes que, por um lado, a notificação se impunha, porquanto decorre da Lei e, por outro, afetava o direito de crédito das recorrentes que, passaram a ter de esgrimir prioridade com o penhor mercantil, quando, aquando da apresentação da lista inicial assim não sucedia. 3) Omissão que deverá ser declarada, com todos os legais efeitos, nomeadamente, fulminando de nulidade a homologação dos créditos reconhecidos decorrentes da “retificação”, constantes de fls. 83 e segs. 4) Por outro lado, a Meritíssima Juiz “a quo”, entendeu, em síntese, qualificar os créditos do J… como garantidos por penhor mercantil sobre o estabelecimento comercial, o que não é coincidente com a oneração do alvará, porquanto não se consubstancia em coisa móvel, para que o produto da sua venda possa ser imputado ao titular do penhor mercantil. 5) Não sendo válida a abrangência do Alvará pelo penhor mercantil inscrito a favor do J…. 6) Depois, mesmo que se entenda a abrangência do Alvará no âmbito do penhor mercantil sobre o estabelecimento, sempre se entenderá que o direito de crédito do J… terá que ser graduado após o das recorrentes, porquanto, e atento o disposto no artigo 735.º do CC, 7) Sendo certo que interpretação diversa consubstanciaria interpretação desconforme com os preceitos constitucionais da tutela constitucional do salário (ampliado aos demais créditos laborais), ao princípio da confiança, e igual dignidade social, com especial proteção da proteção do salário em sentido amplo. 8) Em face dos pressupostos constitucionais e das disposições legais aplicáveis (artigo 333.º do CT; art.º 735º, n.º 2, do Código Civil), considerando que os privilégios mobiliários gerais prevalecem sobre as garantias reais e outros direitos de preferência, devendo os créditos laborais das recorrentes, ser graduados antes dos créditos garantidos pelo penhor mercantil, o que se impõe, revogando-se a sentença posta em crise a este propósito. 9) Contudo, mesmo que assim não se entenda, os créditos do J… seriam garantidos por penhor mercantil sobre o estabelecimento comercial, e nesses precisos termos, sendo certo que, o que foi vendido não foi o estabelecimento, antes o alvará, que não é coisa móvel, não devendo o produto da sua venda ser imputado, primacialmente, a qualquer direito de crédito proveniente de penhor mercantil (dois). 10) Tendo sido violados, entre o mais, os artigos 129.º e 130.º do CIRE, artigo 735 e 736 do CC e artigo 333.º, do CT. Tendo em consideração que a sentença recorrida é datada de 15/03/2014 – data posterior à entrada em vigor do Novo Código de Processo civil é este o diploma aplicável ao presente recurso. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelo teor das conclusões e que nelas se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida são as seguintes as questões a decidir: 1ª) Nulidade da sentença por omissão da notificação da lista de créditos reconhecidos rectificada; 2ª) Qualificação dos créditos do J…; 3ª) Graduação dos créditos do J… considerados como garantidas por penhor mercantil antes das trabalhadoras recorrentes; 4ª) Subsidiariamente saber se o produto da venda do bem vendido não deve ser imputado, primacialmente a qualquer direito de crédito proveniente de penhor mercantil. Fundamentação II. De Facto: Factos e ocorrências processuais relevantes para a decisão a proferir: 1ª) Por sentença proferida em 12 de Abril de 2013 já transitada em julgado, foi declarada a insolvência de K…, Ld.ª com sede na rua …, nº .., ….-… Cinfães; 2ª) Aberta a fase de reclamação de créditos e decorrido o prazo para o efeito, o Sr. Administrador da Insolvência juntou aos autos relação dos créditos reconhecidos, nos termos do nº 2, do artigo 129º, do CIRE, juntando ainda comprovativo do cumprimento do nº 4, do citado normativo legal; 3ª) Na sequência da impugnação da lista de créditos reconhecidos judicialmente apresentada pelo credor J…, S.A e da resposta do Sr. Administrador da Insolvência veio a ser rectificada aquela lista; 4ª) Foi homologada a lista de créditos reconhecidos apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência, a fls. 83 e seguintes os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos, e para cuja fundamentação se remete; 5º) Nos presentes autos foram apreendidos para a massa insolvente: L…, sita na Rua …, nº .., ….-… Cinfães, que é de detentora do alvará nº …., de 13/10/1971, actualizado em 15/03/2012; 6ª) Os créditos das recorrentes foram qualificados como garantidos por privilégio mobiliário geral – nos termos do art. 333º, do Código de Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009; 7ª) Os créditos do J…, S.A no valor total de 193.683,06€ - sendo € 192.000,00 a título de capital e € 1.683,06 de juros e no valor total de 1.298.527,65 – sendo € 1.289.950,05 a título de capital e € 8.577,65 foram qualificados como créditos garantidos por penhor mercantil; 8ª) Na sentença de verificação e graduação de créditos ora recorrida procedeu-se designadamente, à graduação de créditos pela ordem seguinte: 1º. Os Créditos pignoratícios do: a) J…, S.A, no valor total de 193.683,06 € – sendo € 192.000,00 a título de capital e € 1.683,06 a título de juros; b) J…, S.A no valor total de 1.298.527,65 € – sendo € 1.289.950,05 a título de capital e € 8.577,60 de juros serão pagos proporcionalmente pelo procurado estabelecimento comercial apreendido para a massa insolvente. 2º. Os créditos de: (ora recorrentes) a) M…, no valor de € 3.691,69; b) C…, no valor de € 29.177,71; c) D…, no valor de € 18.304,93; d) E…, no valor de € 12.992,56; e) F…, no valor de € 28.913,61; f) B…, no valor de € 28.451.49; g) G…, no valor de € 25.619,69; h) H…, no valor de € 15.381,40 serão pagos proporcionalmente pelo remanescente do produto do estabelecimento comercial apreendido para a massa insolvente. III. De Direito: 1ª. As recorrentes invocam a nulidade da sentença proferida no âmbito destes autos, por omissão da lista de créditos reconhecidos rectificada. Ora na sentença recorrida considerou-se e bem «a lista apresentada a folhas 83 a 86 como mera decorrência das posições assumidas pelo credor J…, S.A e pelo Sr. Administrador da Insolvência sem afectar qualquer outro dos créditos que daí constam não se vê necessidade da notificação daquela lista». Os ora recorrentes foram notificados da impugnação apresentada pelo J…, S.A, nos termos do nº 1, do art. 131º, do CIRE e através do modo previsto pelo art. 22º, do Código de Processo Civil (cfr. folhas 21) pelo que poderiam os Recorrentes exercer o direito ao contraditório nesse momento o que não fizeram. E tal como refere o Exm. Magistrado do Ministério Público na resposta às alegações, face à posição do Administrador Insolvência vertida nos autos, verifica-se que o mesmo veio requerer a correcção da lista apresentada, tendo até requerido se desse sem efeito a audiência de tentativa de conciliação que o Tribunal desmarcou por manifesta desnecessidade. E deixou de existir litígio quanto aos créditos reconhecidos pelo A.I. em face do requerimento de 11/12/2013 e anteriores, podendo os ora recorrentes defender-se como de facto fizeram ou seja – após a sentença de verificação e graduação dos créditos. Acresce referir que nenhum efeito útil teria uma tomada de decisão dos recorrentes, porquanto apenas poderiam reagir utilmente à verificação e graduação de créditos interpondo recurso da sentença final como de facto fizeram. E tal como refere o Exm. Juiz do Tribunal recorrido «a notificação aos credores redundaria numa repetição das formalidades previstas pelo artigo 131º do CIRE que haviam já sido cumpridas: razão pela qual o Tribunal a considerou inútil (art. 130º, do Código de Processo Civil). Improcedem as respectivas conclusões e a invocada nulidade. 2ª. Qualificação dos créditos do J…, S.A –. A sentença recorrida qualificou os créditos do J…, S.A como créditos garantidos por penhor mercantil. Conforme se mostra da sentença recorrida nos presentes autos foram apreendidos para a massa insolvente: L… sita na Rua … nº .., ….-… Cinfães, que é detentora do alvará nº …., de 13/10/1971 actualizado em 15/03/2012. Conforme bem se refere na sentença recorrida os créditos sobre a insolvência são «Garantidos» - capital e juros – na medida em que beneficiem de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais (mobiliários e imobiliários) sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor desses bens (cfr. art. 47, nº4, alínea a), do CIRE). Do documento junto a fls. 91 e 92 dos autos – Alvará nº …. – constam na rubrica «Ónus sujeitos a averbamento»: Penhor mercantil (2) sobre o L… e saber os direitos emergentes do respectivo alvará de funcionamento constituído a favor do J…, S.A. Assim sendo decidiu bem e fundadamente o Tribunal recorrido ao qualificar os créditos do J… como garantidos por penhor mercantil. Improcedem as respectivas conclusões. 3ª. Graduação dos créditos do J… qualificados como Garantidos por Penhor Mercantil. Há que apreciar e decidir, se relativamente ao bem apreendido sobre o qual recaem dois penhores mercantis, os créditos das recorrentes – créditos garantidos por privilégio mobiliário geral – nos termos do art. 333º, do Código de Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009 devem ser graduadas em 1º lugar com preferência sobre os créditos pignoratícios, tendo sido na sentença graduados em segundo lugar, depois dos referidos créditos garantidos por penhor mercantil. Podemos desde já adiantar que a sentença recorrida de forma fundamentada e clara expressou o seu entendimento relativamente à matéria em questão e para a qual remetemos. Todavia, sempre se dirá que os privilégios creditórios mobiliários gerais não conferem ao respectivo titular direito de sequela sobre os bens que recaiam, pelo que, não obstante confiram preferência no pagamento em relação aos credores comuns, não devem qualificar-se como verdadeiras garantias reais de obrigação devendo, antes excluir-se dessa categoria sendo certo que constituem meros direitos de prioridade que prevalecem contra os credores comuns na execução do património do devedor, e ao contrario do que conforme art. 750º, sucede com os privilégios especiais, não são conforme o disposto no art. 749º, do Código Civil, oponíveis a outros direitos reais. E do nº 1, do art. 749º, do C.Civil resulta expressamente que o privilégio geral não vale contra terceiros titulares de direitos que recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente. O penhor como resulta do disposto no art. 666º, do Código Civil é uma garantia real completa, que confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito com preferência sobre os demais credores, sem excepção pelo valor da coisa ou do direito empenhado, originando em consequência em autentico direito de preferência sobre o produto da alienação dessa coisa ou direito, oponível erga omnes e determinante de que o credor pignoratício não sofra a concorrência de qualquer outro credor de graduação de créditos relativo a bens móveis em que concorram. Sustentam os apelantes que o direito de crédito do J… terá que ser graduado após o das recorrentes, porquanto interpretação diversa consubstanciaria interpretação desconforme com os princípios da tutela constitucional do salário, ao princípio da confiança e igual dignidade social, com especial protecção do salário em sentido amplo Como é sabido os privilégios creditórios em geral, como é o caso do que gozam as recorrentes assumem natureza excepcional, e à margem do princípio da autonomia privada afectam o princípio da igualdade entre os credores (artº 604º,nº1,do Código Civil ). O princípio constitucional da protecção da confiança consagrado no artigo 2º da Constituição e a segurança do comércio jurídico impõem a interpretação que o privilégio geral de que gozam as recorrentes – credores laborais – não pode prevalecer sobre o penhor atenta a sua natureza real. E assim no processo os direitos de crédito garantidos pelo penhor mercantil constituído a favor do J…, S.A e os créditos laborais das recorrentes beneficiários de privilégio mobiliário geral, nos termos do art. 333º, do Código de Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009 devem ser graduados por esta mesma ordem. Improcedem as respectivas conclusões. 4ª. Subsidiariamente suscitam as apelantes a questão de saber se o produto da venda do bem vendido não deve ser imputado primacialmente a qualquer direito de crédito proveniente de penhor mercantil. Conforme já acima referimos os créditos do credor J… estão garantidos por penhor constituído sobre o esclarecimento comercial de farmácia e sobre os direitos emergentes do respectivo alvará de funcionamento. O alvará é coisa móvel (artigo 205º, nº 1, do C.Civil). Assim sendo e face a natureza pignoratícia dos créditos reclamados pelo J… e estando apreendido para a massa insolvente – o L…, que é detentora do alvará nº …., de 13/10/1971 actualizado em 15/03/2012, e, devendo os mesmos serem graduados em 1º lugar pelas razões já referidas na sentença recorrida no ponto 4 supra serão pagos proporcionalmente e primacialmente pelo produto do bem apreendido e/ ou vendido. Improcedem as respectivas conclusões e a apelação interposta. IV. Decisão: Por todo o exposto acordam os juízes que compõem este Tribunal em julgar a apelação improcedente, confirmando-se em consequência, a sentença recorrida. Custas pelos recorrentes. Porto, 01 de Julho de 2014 Maria do Carmo Domingues José Carvalho Rodrigues Pires |