Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | SOUSA LAMEIRA | ||
Descritores: | ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES INCUMPRIMENTO EFECTIVAÇÃO DA PRESTAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP201609122226/13.8TMPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/12/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 631, FLS.174-184), | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | O desconto no vencimento do devedor de alimentos a filho menor tem apenas como limite o do montante da pensão social do regime não contributivo, o qual é considerado o mínimo exigível para se respeitar o principio da dignidade humana. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | RECURSO de APELAÇÃO Nº 2226/13.8TMPRT.P1 Relator: Sousa Lameira Adjuntos: Dr. Oliveira Abreu Dr. António Eleutério Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO 1- No Tribunal da Comarca do Porto, Matosinhos – Instância Central - 3ª Secção Família e Menores - J1, nos presentes autos de Incidente de Incumprimento da Prestação Alimentícia do menor B…, veio a Requerente C… interpor recurso do despacho de 08-03-2016, que determinou que a entidade patronal não deveria proceder aos descontos ordenados anteriormente, mais declarando que neste momento é inviável o recurso ao mecanismo de cobrança coerciva do art. 48º da Lei nº 141/2015, formulando as seguintes conclusões: a) Por douto despacho foi indeferida a penhora de salário ordenada com fundamento em mera declaração de entidade patronal. b) Foi dado como provado facto sem elementos consubstanciadores bastantes e de forma não fundamentada. c) Não se promoveu inquérito que permitisse aferir se a redução de horário foi, designadamente, um acto voluntário do trabalhador ou não, se aquele exerce qualquer outra actividade remunerada, se há registo de trabalho extraordinário, sequer se a redução de horário foi comunicada às autoridades inspectivas competentes. d) Só apreciados estes factos e outros factos e respectivos documentos probatórios é que o Tribunal “a quo” poderia ter ordenado a suspensão da penhora de salário. e) Caso assim não se entenda, sempre, com recurso a critérios de equidade, sempre se deveria ter fixado, alternativamente, um valor que, aquém dos € 150,00 determinados, impedisse a total obstaculização do mínimo de subsistência do Menor. f) Violou o despacho recorrido o artigo 154.º do Código do Processo de Processo Civil, devendo ser provido o recurso. Conclui pedindo que o Recurso seja julgado procedente. 2 – O Ministério Público apresentou contra-alegações não tendo formulado quaisquer conclusões. II - FACTUALIDADE PROVADA 1- Por acordo de regulação das responsabilidades parentais, de 17 de Janeiro de 2008, do menor B…, ficou decidido que o Requerido D… pagaria, a título de alimentos ao filho menor, a quantia mensal de € 150,00.2- Devido ao incumprimento desse acordo a ora Recorrente intentou o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais. 3- Em 25-02-2015 realizou-se a conferência de progenitores, tendo sido solicitada a realização de diversas diligências, melhor enunciadas na respectiva acta. 4- Após diligências várias foi proferida decisão, em 05-02-2016, sobre o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, do seguinte teor: «C… suscitou incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais referentes ao seu filho menor B…, sendo requerido o progenitor D…. Para o efeito alega, em síntese, que apesar de obrigado a prestar alimentos ao filho menor no montante mensal de 150€, e metade de determinadas despesas do filho, o requerido nunca cumpriu tal obrigação, encontrando-se em divida (à data da dedução do incidente - 22 de outubro de 2013) a quantia total de 16.230,19€. Requer que se proceda à cobrança coerciva dos alimentos vencidos e vincendos, tendo posteriormente requerido subsidiariamente a fixação de prestação alimentar substitutiva a cargo do FGADM. O tribunal efectuou diligências com vista a avaliar a situação do requerido bem como do agregado familiar que o menor integra. Foi ainda realizada conferência de progenitores. O Ministério Público teve vista nos autos emitindo parecer no sentido de se proceder à cobrança coerciva dos alimentos através do mecanismo previsto no art. 48º da Lei nº 141/2015. Da análise dos autos, documentos e elementos deles constantes e declarações prestadas em sede de conferência de progenitores, são de considerar demonstrados e com interesse para a decisão a proferir, os seguintes factos: - B… nasceu a 09 de junho de 2000 e foi registado como filho da requerente e do requerido - cf. doc. fls. 83 - O exercício das responsabilidades parentais referentes ao menor foi regulado no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento dos seus progenitores, que correu termos na 1ª CRC do Porto, por decisão de 17 de janeiro de 2008, tendo ficado determinado, além do mais, que o menor residiria com a mãe, obrigando-se o pai a prestar-lhe alimentos no montante mensal de 150€ e metade das despesas escolares e extracurriculares, bem como médicas e medicamentosas - cf. doc. fls. 10 a 13. - Não obstante o divórcio os progenitores do menor residiram na mesma casa até 2012, partilhando as despesas - cf. declarações prestadas por ambos em conferência de progenitores a fls. 78. - Desde que passaram a residir em casas separadas (no ano de 2012) o requerido não mais procedeu ao pagamento de qualquer quantia para o filho - admissão expressa do requerido em conferência de progenitores. - O menor reside com a mãe e avó materna, sendo que a progenitora aufere mensalmente 589,16€ e a avó materna recebe pensões de velhice e sobrevivência no montante mensal total de 1281,29€ - cf. fls. 126-127. - Há registo de actividade laboral actual por parte do progenitor, por conta da entidade id. a fls. 131 e com o vencimento mensal de 561,21€ - cf. doc. fls. 131. Enquadramento jurídico O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia. Não há nulidades principais que invalidem todo o processo. As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas Não há outras nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais que cumpra apreciar e susceptíveis de obstar ao conhecimento de mérito Da análise dos factos resulta claro que o requerido incumpriu a obrigação a que estava vinculado de contribuir com a quantia mensal a título de alimentos devidos ao filho menor. De considerar ainda que relativamente à obrigação de alimentos não vale o regime de impenhorabilidade previsto no nº 1 do art. 738º do CPC, sendo de considerar apenas como limite o do montante da pensão social do regime não contributivo (cf. nº 4 do art. 738º do CPC) que se encontra fixado em 201,53 €. Relativamente ao valor referente a alimentos vencidos e não pagos, tendo em conta as declarações prestadas por ambos é de considerar que até 2012 nada é devido uma vez que o casal continuou a viver na mesma casa repartindo despesas. Por outro lado o requerido na conferência de progenitores realizada em 25-02 de 2015 admitiu expressamente que desde que passou a residir em casa diversa da da requerente nada pagou ao filho. Assim, ainda que provisoriamente é possível considerar em divida as prestações mensais referentes a todo o ano de 2013, 2014 e janeiro e fevereiro de 2015 num total de 3.900 €. Relativamente ao ano de 2012 haverá que produzir prova relativamente ao mês em que se deu a separação de habitações entre requerente e requerido. Por outro lado desconhece-se ainda se após a conferência realizada nos autos o requerido procedeu a algum pagamento - situação que deve ainda ser apurada. Pelo exposto ao abrigo do disposto no art. 48º da Lei nº 141/2015 de 08-09 (Regime Geral do Processo Tutelar Cível) determino que se notifique a entidade patronal do requerido (id. a fls. 131) para que: a) Mensalmente passe a descontar a quantia de 150 € do vencimento do requerido, para satisfação das prestações vincendas, devendo remeter tal quantia directamente à mãe do menor sem qualquer encargo para esta b) Deverá ainda descontar do mesmo vencimento a quantia adicional de 50 € que enviará igualmente directamente à mãe do menor e sem qualquer encargo para esta, até perfazer o total em divida de 3.900€ (ainda provisório) Custas a cargo do requerido Notifique (o requerido, a entidade patronal e a requerente sendo esta também para, querendo, informar a entidade patronal do requerido do seu NIB a fim de facilitar o recebimento) Mais determino que seja a requerente notificada para informar se desde fevereiro de 2015 até ao momento o requerido procedeu voluntariamente ao pagamento de alguma quantia. Devem ainda ambas as partes informar nos autos qual a data em que passaram a residir em habitações diversas» 5- Tendo sido notificada para proceder aos descontos veio a entidade patronal informar o seguinte: «Em cumprimento da vossa notificação do dia 12/02/2016, onde vossas excelências solicitam o desconto da Prestação de alimentos ao nosso colaborador D…, informamos que o mesmo é colaborador da nossa empresa E…, Lda, no entanto, ocorreu uma alteração na sua carga horária sendo que actualmente aufere apenas um vencimento base de 265,00€. O valor de prestação de alimentos indicado é de 150€ acrescidos de 50€, contudo a existência de um valor mínimo de subsistência a entregar ao nosso colaborador, não deverá permitir esse desconto. Desta forma solicitamos o esclarecimento de vossa excelências relativamente ao desconto a efectuar. Dado as dúvidas existentes não iremos para já avançar com qualquer desconto, ficamos a aguardar instruções». 6- Foi, então, proferido o despacho recorrido, que é do seguinte teor: «Tendo em conta a informação prestada pela entidade patronal do requerido a fls. 143 e o disposto no art. 738º nº 4 do CPC, determino que a entidade patronal não deverá proceder aos descontos ordenados anteriormente por este tribunal por estar em causa a subsistência do requerido. Mais se declara que, neste momento, é inviável o recurso ao mecanismo de cobrança coerciva do art. 48º da Lei nº 141/2015. Notifique (a entidade patronal e ambos os progenitores, enviando à progenitora cópia de fls. 143)». III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil. Lendo as alegações de recurso bem como as conclusões formuladas pela Recorrente a única questão concreta de que cumpre conhecer é a seguinte: 1ª- A decisão recorrida devia ter ordenado outras diligências e deveria ter fixado um outro valor aquém dos 150 € determinados, que impedisse a total obstaculização do mínimo de subsistência do Menor? B) Vejamos a questão: Quanto à primeira parte da questão a resposta terá necessariamente que ser negativa. Afirma a Recorrente que o despacho recorrido terá violado o disposto no artigo 154.º do CPC, pois que não teria realizado um inquérito que confirmasse a informação prestada pela entidade patronal. Não lhe assiste qualquer razão. O citado preceito respeita ao «Dever de fundamentar a decisão», obrigação que assiste ao Magistrado que profere o despacho. Nos termos do n.º 1 desse preceito «As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas». Acrescenta o n.º 2 que «A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade». O despacho em crise está fundamentado. A ora Recorrente havia formulado determinado pedido. O Requerido não aceita o pedido. Foram realizadas diligências (veja-se a decisão enunciada supra em II-4), após o que se decidiu ordenar a penhora no montante de 150,00 €, no vencimento do Requerido. Nessa altura a entidade patronal do Requerido informa que ele apenas aufere 265,00 €. Após todas estas diligências a decisão recorrida com base na informação da entidade patronal – e é a esta que deve atender, pois é a entidade que deverá proceder aos descontos – ordena que a entidade patronal não proceda aos descontos. Não há qualquer censura no formalismo processual seguido pelo tribunal recorrido. Questão bem diversa é a desse saber se a decisão recorrida, que ordenou que a entidade patronal não procedesse a qualquer desconto, podia ou devia ter ordenado um desconto ainda que de montante inferior. Dispõe o artigo 189.ºda OTM, relativo aos Meios de tornar efectiva a prestação de alimentos que: 1 - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida dentro de dez dias depois do vencimento, observar-se-á o seguinte: a) Se for funcionário público, ser-lhe-ão deduzidas as respectivas quantias no vencimento, sob requisição do tribunal dirigida à entidade competente; b) Se for empregado ou assalariado, ser-lhe-ão deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respectiva entidade patronal, que ficará na situação de fiel depositária; c) Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, a dedução será feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários. 2 - As quantias deduzidas abrangerão também os alimentos que se forem vencendo e serão directamente entregues a quem deva recebê-las». A questão de se determinar qual o montante necessário à subsistência quer do Requerido (pai) quer do menor (filho) não é nova, tem sido apreciada pela Jurisprudência, designadamente pelos nossos Tribunais Superiores, muito concretamente pelo Tribunal Constitucional e nem sempre tem merecido acolhimento uniforme. A norma, artigo 189 n.º 1 al. c) da OTM, (Regime Jurídico da Organização Tutelar de Menores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, de acordo com a redacção conferida pela Lei n.º 32/2003, de 22 de Agosto), dispõe como já se disse que «Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida dentro de dez dias depois do vencimento, observar-se-á o seguinte: Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, a dedução será feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários». Este preceito legal tem necessariamente que ser conjugado com outros normativos legais. Assim, dispõe o artº 738º, nº 1 do CPC que «São impenhoráveis 2/3 da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado». E, nos termos do n.º 4 do mesmo normativo «O disposto nos números anteriores não se aplica quando o crédito exequendo for de alimentos, caso em que é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo». O valor desta pensão encontra-se actualmente fixado, pela Portaria 286-A/2014, de 31/12 em 201,53 Euros (artigo 7º, nº 1), sendo que no ano de 2014, a pensão social do regime não contributivo foi no montante de € 199,53 (artigo 7º, nº 1, da Portaria nº 378-B/2013, de 31 de Dezembro). Devemos por último ter em atenção que, nos termos da nossa Lei Fundamental «Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária», cfr. artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa. O despacho recorrido entendeu que não podia proceder ao desconto no vencimento do Requerido, que ´e de 265,00 € pois que isso colocava em causa a subsistência do Requerido. A Recorrente defende que podia e devia ter fixado um valor a descontar. A questão que agora se discute assenta fundamentalmente na possibilidade ou não de se penhorarem (ou ordenar o desconto, como na presente hipótese) rendimentos que o devedor recebe em virtude de uma prestação social (pensões, subsidio de desemprego – como é o caso presente – ou outras) ou do trabalho, quando essa penhora ofende o «princípio da dignidade humana» consagrado no artigo 1º da CRP. Importa fazer uma breve incursão pelas decisões dos nossos Tribunais. Decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29-03-2011, Proc. 651/06.0TBGMR-B.G1 que «Não é ilegal nem inconstitucional a interpretação do art.º 189.º da OTM no sentido de se poderem efectuar deduções no vencimento de devedor de prestações alimentares, vencidas ou vincendas, devidas a menores seus filhos, ainda que, de tal dedução resulte para aquele devedor rendimento inferior ao salário mínimo, desde que essas deduções não ponham em causa o mínimo de sobrevivência, garantido por montante equivalente ao do rendimento de inserção social». Em idêntico sentido, o Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 2 de Julho de 2015, podendo ler-se no seu sumário «I - Em execução por alimentos devidos a menor ou em cobrança desses alimentos através dos meios coercivos previstos no art. 189º da OTM, o limite de impenhorabilidade, nos termos do n.º 3 do art. 738º do CPC, é a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo, actualmente atento o disposto no art. 7º n.º 1 da Portaria n.º 286-A/2014, de 31.12.2014, no montante de € 201, 53» II - Este limite não é inconstitucional por violação do princípio da dignidade humana por se estar a dar cumprimento a um dever fundamental por parte do progenitor e também porque pode estar em causa o princípio da dignidade do filho» No mesmo caminho se direccionou, o recente Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 01-02-2016, proferido no Processo nº 897/15.0T8VNG.P1 no qual se pode ler «No caso dos autos, apurou-se que a mãe do menor F… aufere um vencimento mensal de € 252,50, recebendo, em espécie, subsídio de alimentação no montante global de € 42,80 e descontando, a título de taxa social única, o valor de € 27,78. Assim, deduzido o valor do desconto obrigatório a título de taxa social única, a mãe do menor aufere o vencimento líquido de € 224,72, excedendo em € 23,19 o valor da pensão social do regime não contributivo. Deste modo, a importância de € 23,19 pode e deve ser descontada do vencimento de G…, já que, desta forma, o seu vencimento líquido fica com valor idêntico ao da pensão social do regime não contributivo». Em sentido contrário o Acórdão da 5ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de Janeiro de 2013 desaplicou a norma extraída do artigo 189º, n.º 1, alínea c), do Regime Jurídico da Organização Tutelar de Menores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, de acordo com a redacção conferida pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, «quando interpretada no sentido de “não se definir qualquer base mínima da pensão social que possa ser afectada ao pagamento da prestação alimentar a filho menor, podendo, assim, permitir que, na sua aplicação concreta, se afronte directamente o princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito, com referência aos n.ºs 1 e 3, do artigo 63º da CRP». Como se disse o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta questão. Assim, o Tribunal Constitucional no Ac. n.º 177/2002, de 23 de Abril, decidiu «declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que resulta da conjugação do disposto na alínea b) do nº 1 e no nº 2 do artigo 824º do Código de Processo Civil, na parte em que permite a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao salário mínimo nacional, por violação do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito, e que resulta das disposições conjugadas do artigo 1º, da alínea a) do nº 2 do artigo 59º e dos n.ºs 1 e 3 do artigo 63º da Constituição». No mesmo sentido o Tribunal Constitucional no Ac. n.º 509/2002, de 19 de Dezembro pronunciou-se «pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo 4º, nº 1, do Decreto da Assembleia da República nº 18/IX, por violação do direito a um mínimo de existência condigna inerente ao princípio do respeito da dignidade humana, decorrente das disposições conjugadas dos artigos 1º, 2º e 63º, nºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa». Também o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 96/2004, de 11 de Fevereiro, decidiu «julgar inconstitucional, por violação do princípio da dignidade humana, decorrente do princípio do Estado de direito, constante das disposições conjugadas dos artigos 1º, 59º, n.º 2, alínea a), e 63º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa, a norma que resulta da conjugação do disposto na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 824ºdo Código de Processo Civil (na redacção emergente da reforma de 1995/96), na parte em que permite a penhora de uma parcela do salário do executado, que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, e na medida em que priva o executado da disponibilidade de rendimento mensal correspondente ao salário mínimo nacional». No que ao artigo 189 da OTM concerne também já o Tribunal Constitucional se pronunciou. Assim, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 312/2007 de 16 de Maio, entendeu-se que «No caso sub judicio o valor da pensão de invalidez auferida pelo progenitor obrigado a alimentos, após subtrair a prestação de alimentos, ascende a 301,68 euros. Tal montante é superior ao valor do rendimento social de inserção, ao contrário do que alegou o recorrente, pelo que não ilustra uma interpretação inconstitucional do artigo 189º, nº 1, alínea c), da Organização Tutelar de Menores, por violação dos princípios consagrados nos artigos 1º, 26º, nºs 1 e 3, e 63º, nº 3, da Constituição. Por estas razões, é de indeferir o presente recurso». Por sua vez o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2005 de 8 de Junho decidiu «Julgar inconstitucional, por violação do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito, com referência aos n.ºs 1 e 3 do artigo 63.º da Constituição, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 189.º da Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, interpretada no sentido de permitir a dedução, para satisfação de prestação alimentar a filho menor, de uma parcela da pensão social de invalidez do progenitor que prive este do rendimento necessário para satisfazer as suas necessidades essenciais». Também no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 394/2014, de 7 de Maio, se decidiu «Julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 189º, n.º 1, alínea c), do Regime Jurídico da Organização Tutelar de Menores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, de acordo com a redacção conferida pela Lei n.º 32/2003, de 22 de agosto, quando interpretada no sentido de não se ter em consideração qualquer base mínima da pensão social que possa ser afectada ao pagamento da prestação de alimentos a filho menor, na medida em que prive o obrigado à prestação de alimentos do mínimo indispensável à sua sobrevivência, por violação do princípio da dignidade da pessoa humana, tal como previsto no artigo 1º da Constituição da República Portuguesa», (todas estas decisões estão disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tcacordaos). Este último Acórdão n.º 394/2014, de 5/6 incidiu e apreciou o recurso interposto pelo Ministério Público do Acórdão da 5ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de Janeiro de 2013, supra referido, o qual, por sua vez, tinha acolhido a fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2005 de 8 de Junho. Feita esta incursão pela Jurisprudência é patente que estão em confronto duas posições completamente distintas. Uma primeira, que defende a inconstitucionalidade do artigo 189 n.º 1 al. c) da OTM (posição do Recorrente), «quando interpretada no sentido de não se ter em consideração qualquer base mínima da pensão social que possa ser afectada ao pagamento da prestação de alimentos a filho menor, na medida em que prive o obrigado à prestação de alimentos do mínimo indispensável à sua sobrevivência» e uma outra (posição do Ministério Público e do despacho recorrido) que defende que o artigo 189.º, n.º 1, alínea c), da Organização Tutelar de Menores (OTM) «não é inconstitucional, se interpretado no sentido de permitir a dedução, para satisfação de prestação alimentar a filho menor, de uma parcela da pensão social de invalidez do progenitor que não prive este do rendimento necessário para satisfazer as suas necessidades de sobrevivência, o qual deve ser aferido em função do valor da garantia constitucional do mínimo de existência», cfr. Voto de vencido do Conselheiro Pedro Machete no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 394/2014, de 7 de Maio. Importa realçar, antes de se abordar a questão concreta da eventual inconstitucionalidade do artigo 189 n.º 1 al. c) da OTM, que a Jurisprudência do Tribunal Constitucional tem afirmado desde muito cedo a existência de um direito fundamental a um mínimo de existência (condigna), fazendo-o decorrer do princípio da dignidade da pessoa humana. Afirmou-o, por exemplo, a propósito da actualização das pensões por acidente de trabalho, no acórdão n.º 232/91. Reafirmou a existência desse direito, a propósito da impenhorabilidade de certas pensões de reforma nos acórdãos nºs 349/91 e 411/93. Significa isto que há um mínimo (necessário à salvaguarda da dignidade humana) que é intocável, ou seja impenhorável. Nesse sentido, o Tribunal Constitucional já entendeu serem impenhoráveis as pensões sociais que não excedam o salário mínimo nacional, cfr. Acórdão n.º 177/2002, ou que não excedam o rendimento social de inserção, cfr. Acórdãos n.º 66/2002 e n.º 509/2002 (todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos). Por isso mesmo, na apreciação da eventual inconstitucionalidade da norma em causa (artigo 189 n.º 1 al. c) da OTM) não podemos deixar de ponderar e de ter em consideração os valores e princípios que se encontram em jogo. O Recorrente encontra-se obrigado ao pagamento da quantia de 150,00 Euros a título de alimentos devidos ao seu filho menor. Porém, o recorrente apenas tem como rendimento o valor de 265,00 Euros. Torna-se evidente para o mais comum dos cidadãos que quem aufere 265 euros e tem certamente tem algumas despesas muito dificilmente (senão mesmo de forma impossível) acomodará mais uma obrigação de 150 (a que acresciam os 50 para pagamento da divida acumulada). Temos de ponderar que é neste contexto particular que o desconto dessa quantia de 200 euros no vencimento de 265 que recebe o Requerido pode colocar em causa «o princípio da dignidade humana» consagrado no artigo 1º da C.R.P. Todavia, temos de lembrar que o ser humano «filho menor» do Requerido também é um sujeito de direitos, tal como o ser humano «pai/requerido». E, do mesmo modo que o requerido, também o seu filho menor necessita de ver acautelada a sua «dignidade humana». Acresce que, também não podemos deixar de ter em consideração que a obrigação do Requerido não é meramente pecuniária, obrigacional, mas emerge de um dever constitucionalmente autonomizado como dever fundamental, resultando do n.º 5 do artigo 36 da C.R.P, o qual dispõe que os pais têm o dever de educação e manutenção dos filhos. A obrigação de alimentos do pai para com o filho é a face visível deste dever. Daí que, o Tribunal Constitucional também já tenha deixado expresso que, quando estão em causa obrigações alimentares, o direito do filho menor em assegurar uma existência condiga pode pôr em causa o “direito fundamental a uma existência condigna” do progenitor quando este dispõe de uma concreta prestação social abaixo do salário mínimo nacional, como é o caso do Recorrente. Ou seja, os direitos do filho menor podem entrar (e entram) em colisão com os direitos fundamentais do progenitor. De todo o modo, «o princípio da essencial dignidade da pessoa humana [impõe que tenha] de ser salvaguardado relativamente a todas as pessoas envolvidas, procurando-se a concordância prática dos respectivos direitos» (vide Acórdão n.º 312/2007, disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos). E como conjugar estes dois direitos? A norma em causa estipula que «Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida dentro de dez dias depois do vencimento, …… se for pessoa que receba …. subsídios, ….., a dedução será feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários». Ou seja, este normativo permite que quando uma pessoa está obrigada ao pagamento a outrem, de certa quantia a título de alimentos, seja possível descontar aquela quantia no subsídio que recebe. É evidente que esta norma não coloca qualquer limite no montante a descontar. Nem a lei nos diz qual é o montante necessário atribuir a alguém de modo a que não seja violado o princípio da dignidade humana, constitucionalmente consagrado. Será que esse montante é o salário mínimo nacional? Ou será o Rendimento social de Inserção? Ou será qualquer uma quantia que o Estado atribui a título de prestação social? A lei não o diz expressamente. Porém, na aplicação de uma norma não podemos ignorar todo o sistema legal em que a mesma se insere. No que concerne à penhora, seja de vencimentos seja de qualquer outra quantia que o executado receba, a lei processual estabelece limites. Assim, o artigo o artº 738º, nº 1 do CPC dispõe que «São impenhoráveis 2/3 da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado». Os rendimentos do Requerido são provenientes do seu vencimento, pelo que seriam impenhoráveis 2/3 do montante que ele recebe. Todavia estamos perante uma obrigação a título de alimentos. E, nos termos do n.º 4 do mesmo normativo «O disposto nos números anteriores não se aplica quando o crédito exequendo for de alimentos, caso em que é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo». Deste modo, no caso da penhora, apenas não pode ser penhorada o montante «equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo» Como já se disse, o valor desta pensão encontra-se actualmente fixado, pela Portaria 286-A/2014, de 31/12 em 201,53 Euros (artigo 7º, nº 1), sendo que no ano de 2014, a pensão social do regime não contributivo foi no montante de € 199,53 (artigo 7º, nº 1, da Portaria nº 378-B/2013, de 31 de Dezembro). Recebendo o Recorrente 265 euros de vencimento apenas lhe podem ser retirados os valores que superem os 201,53 supra referidos, que é o valor que o Estado fixou como limite impenhorável (201,53 Euros), ou seja como aquele limite que satisfaz o direito fundamental da generalidade dos cidadãos que dele beneficiam a um mínimo de existência condigna. Este montante será suficiente – na óptica do Estado – a garantir a dignidade humana da generalidade dos cidadãos que dele beneficiam, devendo de igual modo ser suficiente para garantir a dignidade humana do Recorrente. Assim o artigo 189 n.º 1 al c) da OTM deve ser interpretado no sentido de que os descontam na prestação do obrigado a alimentos são possíveis desde que garantam, como garantem no caso concreto, para o obrigado uma prestação mínima indispensável à sua sobrevivência condigna. Deste modo deve ser ordenado o desconto de 60 euros mensais, o que deixa intocado um mínimo indispensável à sobrevivência condigna do Recorrente (205,00 Euros), ou seja garante-se ao obrigado a alimentos um montante «equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo» que o Estado entende como o mínimo exigível para se respeitar o princípio da dignidade humana. Em suma, com esta interpretação entendemos que a norma em causa não enferma de qualquer inconstitucionalidade. Assim, apesar de o TC, no acórdão n.º 394/2014, seguindo na esteira do ac. n.º 306/2005, ter decidido julgar inconstitucional a norma extraída do art. 189º, n.º 1, alínea c), do Regime Jurídico da Organização Tutelar de Menores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, de acordo com a redacção conferida pela Lei n.º 32/2003, de 22 de Agosto, quando interpretada no sentido de não se ter em consideração qualquer base mínima da pensão social que possa ser afectada ao pagamento da prestação de alimentos a filho menor, na medida em que prive o obrigado à prestação de alimentos do mínimo indispensável à sua sobrevivência, aderimos à posição do voto de vencido. Efectivamente, com esta interpretação, o artigo 189.º, n.º 1, alínea c), da Organização Tutelar de Menores (OTM) não é inconstitucional, uma vez que permite a dedução, para satisfação de prestação alimentar a filho menor, de uma parcela do subsídio de desemprego do progenitor, mas não priva este do rendimento necessário para satisfazer as suas necessidades de sobrevivência, ou seja não priva o obrigado/recorrente do rendimento necessário para satisfazer as suas necessidades essenciais. Este rendimento necessário para satisfazer as suas necessidades essenciais deve ser aferido em função do montante «equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo» que o legislado considerou como impenhorável. Deste modo se garante o respeito do princípio da dignidade humana constitucionalmente consagrado. Podemos assim afirmar que, estando o obrigado a alimentos vinculado por decisão transitada a pagar ao filho menor a quantia de 150,00 € mensais e auferindo apenas a quantia de 265 Euros pode e deve ordenar-se o desconto da quantia de 60 euros mensais, o que deixa intocado um mínimo indispensável à sobrevivência condigna do Recorrente (205,00 Euros), ou seja garante-se ao obrigado a alimentos um montante «equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo» que o Estado entende como o mínimo exigível para se respeitar o princípio da dignidade humana. Em conclusão, impõe-se a procedência desta questão e, consequentemente deve proceder o recurso, ordenando-se o desconto no vencimento do requerido da quantia de 60 euros mensais. IV - Decisão Por tudo o que se deixou exposto e nos termos dos preceitos citados, acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação e, em consequência revoga-se a decisão recorrida, ordenando-se o desconto da quantia de 60 Euros mensais no vencimento do Requerido, a título de alimentos devidos ao filho menor.Sem custas. Porto, 2016/09/12 Sousa Lameira Oliveira Abreu António Eleutério |