Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0415408
Nº Convencional: JTRP00037834
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: FÉRIAS
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
Nº do Documento: RP200503140415408
Data do Acordão: 03/14/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: I - A retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem ao serviço efectivo e deve ser paga antes do início daquele período – artigo 6, n.1 do Dec. Lei 874/76, de 28 de Dezembro.
II - Nos casos de retribuição variável, o subsídio de férias deve atender à média dos valores recebidos nos últimos 12 meses.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B.......... instaurou acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C.........., pedindo que se condene a R. a pagar-lhe a quantia de €41.451,22, sendo € 34.366,97 relativa à parte da retribuição de férias dos anos de 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003, correspondente à média das comissões recebidas nos doze meses que antecederam em cada ano o respectivo gozo e a restante relativa a diferenças devidas nas férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal de cada um dos referidos anos e correspondente à retribuição recalculada com a inserção das comissões acima referidas na retribuição das férias de cada ano, acrescidas das diferenças que entretanto se forem vencendo, para além de juros de mora vencidos e vincendos sobre cada uma das prestações até à data da respectiva regularização.
Alega, para tanto, que na retribuição de férias a R. pagou a retribuição fixa e, quanto às comissões, não pagou a média das vencidas nos últimos doze meses que antecederam em cada ano o respectivo gozo de férias, mas apenas as que se venceram no mês em que as férias foram gozadas; daí que tenha vindo reclamar as diferenças da retribuição das férias gozadas em cada um daqueles anos, correspondentes à média das comissões vencidas nos últimos doze meses que antecederam o gozo das férias em cada ano, bem como as diferenças da retribuição das férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal pagos nos mesmos anos, correspondentes à inserção da média das comissões acima referidas na retribuição das férias de cada ano, para além das diferenças vincendas e juros.
A R. contestou, por impugnação, alegando em síntese que na parte variável da retribuição de férias considerou o valor das comissões vencidas no mês em que as mesmas foram gozadas em cada ano que, sendo superior à média das comissões vencidas nos doze meses que antecederam, em cada ano, o gozo das respectivas férias, não ocasionou quaisquer diferenças salariais, pelo que conclui pela improcedência da acção.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, na procedência parcial da acção, decidiu condenar a R. a pagar ao A. a quantia de € 34.363,92, relativa à parte da retribuição de férias dos anos de 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003, correspondente à média das comissões recebidas nos doze meses que antecederam em cada ano o respectivo gozo, acrescida de juros de mora, à taxa legal.
Inconformada com o assim decidido, a R. interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogue a sentença, tendo formulado a final as seguintes conclusões:
1. O direito às férias pagas significa, nos termos do Art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28/12, garantir que o trabalhador receba no mês de férias tal como se ao serviço estivesse.
2. A Apelante pagou a retribuição dos meses de férias como se o Apelado estivesse ao serviço, ou seja, pagou-lhe a remuneração base e as comissões que se venceram naqueles específicos meses.
3. A Apelante pagou ao Apelado, além disso, o subsídio de férias que foi calculado segundo o apuramento da média de remuneração base e comissões, de acordo com o disposto no n.º 2 do Art.º 84.º da L.C.T., aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24/11/69.
4. Porque a lei pretende que ao trabalhador no período de férias seja assegurada uma retribuição como se estivesse ao serviço e, dado que a retribuição é mista e porque naquele período não foi inferior à respectiva média, impõe-se que as comissões que se vencerem nesse período integrem a retribuição de férias - veja-se fotocópia do acórdão do S.T.J. de 7/10/98, nos autos.
5. Porque o montante pago a título de férias, incluindo remuneração base e comissões, sempre foi superior ao valor de referência encontrado para pagamento do subsídio de férias, a Apelante nada deve ao Apelado a título de remuneração de férias.
6. A decisão recorrida fez errada interpretação do Art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28/12.
Irresignado, por sua vez, com o assim decidido, o A. interpôs também recurso de apelação, pedindo que se revogue a sentença, tendo formulado a final as seguintes conclusões:
A) Foi dada procedência ao pedido principal ou seja, reconhecido ao A. o crédito reclamado respeitante à parte variável das retribuições de férias vencidas na pendência da relação laboral sub judice.
B) Os valores reconhecidos constituem parte integrante daquelas retribuições.
C) Com igual dignidade.
D) E, como rendimentos efectivos de trabalho que são, devem integrar e ser incluídos nas verbas que participam no cálculo da componente variável das retribuições que lhe sucedem.
E) "Mutatis mutandis", nos subsídios das férias correspondentes bem como dos subsídios de Natal que, de modo igual, se venceram.
F) Razão porque, deverá a R., complementarmente, ser condenada a pagar ao A., ora Recorrente, os valores identificados e peticionados nos Art.ºs 13.º a 15.º da P.I..
A R. apresentou a sua alegação de resposta ao recurso do A., concluindo que ele não merece provimento.
Por sua vez, o A. apresentou a sua alegação de resposta ao recurso da R., pedindo a confirmação da sentença na parte impugnada pelo recurso desta.
O Sr. Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que deve ser negado provimento a ambas as apelações.
Apenas a R. tomou posição quanto ao teor de tal parecer, no que respeita à apelação de sua autoria.
Recebidos os recursos, foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.
São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:
a) O A., mediante contrato de trabalho, em Setembro de 1996, foi admitido ao serviço da R. para, sob a sua direcção, orientação e fiscalização, exercer as funções profissionais de vendedor.
b) Mediante uma retribuição mista constituída por urna componente fixa e outra variável, vulgo, comissões.
c) Da parte fixa, recebeu o A. a retribuição mensal de (Em 1997 - Esc. 98.000$00 (€ 488,82), Em 1998 Esc. 101.000$00 (€ 498,81), em 1999 Esc. 115.000$00 (€ 573,62), em 2000 Esc.118.500$00 (€ 591,08), em 2001 Esc. 123.000$00 (€ 613,52), em 2002 Esc. 127.306$00 (€ 635,00) e em 2003 Esc. 130.513$00 (€ 651,00).
d) Das vendas efectuadas pelo A., recebeu as respectivas comissões em média mensal as quantias de 540.118$00 em 97; de 1.002.485$00 em 1998; de 948.882$00 em 1999; de 1.094.086$00 em 2000; de 695.912$00 em 2001; de 1.557.872$00 em 2002.
e) A Ré pagou ao A. as quantias constantes dos docs. de fls. 80 a 103 e a titulo aí especificado.
f) O A. gozou férias nos meses de Ag./97, Jul./98, Jul./99, Jul./2000, Ag./01, Jul./02, Ag./03.

O Direito.

Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto [Cfr. Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, 2003, pág. 972 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 359, págs. 522 a 531], como decorre das disposições conjugadas dos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, ex vi do disposto no Art.º 1.º, n.º 2, alínea a) do Cód. Proc. do Trabalho, são duas as questões a decidir:
I - Apelação da R.: saber se na parte variável da retribuição de férias dos anos de 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003, deve ser incluída a média das comissões recebidas nos doze meses que antecederam, em cada ano, o respectivo gozo.
II - Apelação do A.: saber se existe omissão de pronúncia na sentença e se ela foi deduzida extemporaneamente.
Vejamos a 1.ª questão a decidir, respeitante à apelação da R. e que consiste em saber se na parte variável da retribuição de férias dos anos de 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003, deve ser incluída a média das comissões recebidas nos doze meses que antecederam, em cada ano, o respectivo gozo.
Entende a R. que a parte variável da retribuição de férias, devida ao A., corresponde às comissões vencidas no mês em que as férias são gozadas pois, se se pagasse também a média das comissões vencidas nos doze meses que antecedem o mês em que as férias são gozadas, o A. acabaria por receber em férias duas vezes como se estivesse ao serviço, mais...o subsídio de férias.
Vejamos se tem razão.
Dispõe o Art.º 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, o seguinte:
A retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo e deve ser paga antes do início daquele período.
Por seu turno, estabelece o Art.º 84.º, n.º 2 do regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 1969-11-24 (também designado por LCT):
Para determinar o valor da retribuição variável tomar-se-á como tal a média dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber nos últimos doze meses ou no tempo da execução do contrato, se este tiver durado menos tempo.
Tratando-se de retribuição ficcionada, porque não é o correspectivo de trabalho prestado, mas mera correcção dos valores recebidos pelo trabalho prestado durante um ano, aquele primeiro dispositivo legal estabelece que a retribuição correspondente ao período de férias não pode ser inferior à que os trabalhadores receberiam se estivessem em serviço efectivo. Trata-se de uma retribuição padrão ou modular que se usa no caso do pagamento de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, bem como no cálculo de indemnizações ou compensações, devidas ou acordadas, pela cessação do contrato de trabalho.
Tratando-se de retribuição ficcionada, estabelece o segundo dispositivo legal citado que no cálculo da parte variável da retribuição se deve atender à média dos últimos doze meses [Ou ao tempo de execução do contrato de trabalho, se este tiver durado menos tempo], dos valores que o trabalhador recebeu ou tinha direito a receber. Trata-se da forma concreta de converter em fixo um valor variável.
Assim, para calcular o valor das férias, respectivo subsídio, subsídio de Natal, indemnizações ou compensações, devidas ou acordadas, pela cessação do contrato de trabalho atende-se, no que à parte variável da retribuição respeita, à média dos últimos doze meses dos valores que o trabalhador recebeu, ou tinha direito a receber, a esse título.
No entanto, se na execução normal do contrato de trabalho, o pagamento da parte variável da retribuição só se efectuar no mês seguinte àquele a que disser respeito, deve ser imputada na retribuição de férias a retribuição variável vencida nesse mês, embora correspondente ao trabalho prestado no mês anterior, sob pena de se estar a efectuar o mesmo pagamento em dobro?
A resposta positiva da R. a esta pergunta esquece a diferença entre retribuição padrão ou modular e retribuição como correspectivo de trabalho efectivamente prestado. A retribuição de férias é modular porque a lei ficciona o trabalho prestado, como se o trabalhador estivesse ao serviço efectivo. Daí que no caso da retribuição variável, à falta de trabalho efectivamente prestado, se deva atender à média dos últimos doze meses, à média dos valores recebidos nos últimos 12 meses, correspectivo da média do trabalho efectivo prestado nos últimos doze meses. Ora, imputando a R. na retribuição de férias, no que respeita à parte variável, as comissões vencidas no mês do gozo das férias, respeitantes ao trabalho prestado no mês anterior, está a pagar a retribuição - variável - por trabalho efectivamente prestado e a não pagar a retribuição modular, padronizada ou abstracta. Dizendo de outro modo, com a retribuição de trabalho prestado está a pagar o trabalho ficcionado previsto na lei, ou ainda, está a pagar o descanso - de férias - com trabalho.
Em realidade, contrariamente ao que refere a R., ela não paga duas vezes as férias, no que à retribuição variável concerne, atento o reclamado pelo A., pois paga as comissões vencidas por trabalho prestado efectivamente no mês anterior às férias e não paga as comissões padrão, modulares ou abstractas, nas férias, correspondentes à média dos últimos doze meses. Trata-se de realidades completamente distintas, quer pela natureza das comissões, quer pelo seu montante, destinando-se as primeiras a retribuir trabalho efectivamente prestado e as segundas a retribuir o descanso de férias, digamos assim.
A tese da R., a prevalecer, conduz a resultados não queridos pelo legislador. Na verdade, trabalhando-se 11 meses por ano e recebendo-se 14 retribuições durante o mesmo período de tempo, a prática da R. conduziria a que o A. recebesse, em cada ano, comissões por 13 vezes, quando tem direito a 14, sendo 11 por trabalho efectivo e 2 por trabalho ficcionado, respeitante aos subsídios de férias e de Natal [Cfr., na doutrina, Bernardo da Gama Lobo Xavier, in Introdução ao estudo da retribuição no direito do trabalho português, REVISTA DE DIREITO E DE ESTUDOS SOCIAIS, Ano I (2.ª Série) – N.º 1, 1986, págs. 65 e segs., nomeadamente, págs. 95 e segs. e CURSO DE DIREITO DO TRABALHO, 2.ª edição, 1996, págs. 394 e segs. e António de Lemos Monteiro Fernandes, in Noções Fundamentais de Direito do Trabalho 1, 3.ª edição, 1979, págs. 264 e 265, DIREITO DO TRABALHO, 11.ª edição, 1999, págs. 449 a 452 e 12.ª edição, 2004, págs. 467 a 470.
Cfr., na jurisprudência, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1996-12-11 e de 2000-05-16, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, respectivamente, Ano IV-1996, Tomo III, págs. 262 a 264 e Ano VIII-2000, Tomo II, págs. 264 a 269].
Daí que se nos afigure que a decisão do Tribunal a quo, na parte impugnada pela apelação da R., não mereça qualquer censura, pois se limitou - e bem - a cumprir a lei.
Improcedem, deste modo, as conclusões do recurso intentado pela R.
Vejamos agora a 2.ª questão, respeitante à apelação do A., que consiste em saber se existe omissão de pronúncia na sentença e se ela foi deduzida extemporaneamente.
O A., com a sua impugnação, veio realmente pedir a condenação da R. na quantia de € 7.084,25, correspondente a diferenças devidas nas férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal de cada um dos anos acima referidos e respeitante à retribuição recalculada com a inserção das comissões - acima também referidas - na retribuição das férias de cada ano.
A R. suscitou a questão prévia de que há omissão de pronúncia na sentença, pois o Tribunal a quo não se pronunciou sobre tal matéria e pedido. Porém, tendo a questão sido suscitada nas alegações e conclusões do recurso e, não, no respectivo requerimento de interposição, tal nulidade foi extemporaneamente deduzida, pelo que o recurso não merece provimento.
Vejamos.
As nulidades podem ser processuais ou da sentença. Aquelas, constituindo anomalia do processado, devem ser conhecidas no Tribunal onde ocorreram e, discordando-se do despacho que as conhecer, pode ele ser impugnado através de recurso de agravo. As nulidades da sentença, tendo sido praticadas pelo Juiz, podem ser impugnadas no requerimento de interposição do recurso, expressa e separadamente e não na alegação, como dispõe o Art.º 77.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho, sob pena de delas não se poder conhecer, por extemporaneidade [Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 175 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1990-12-13, 1991-01-31, 1991-04-09, 1994-03-09 e 1995-05-30, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 402, págs. 518-522, n.º 403, págs. 382-392, n.º 416, págs. 558-565, n.º 435, págs. 697-709 e n.º 447, págs. 324-329].
Ora, in casu, verifica-se a figura da nulidade da sentença, pois o Tribunal a quo praticou omissão de pronúncia quando não conheceu o pedido das referidas diferenças de retribuição. Porém, a questão não foi suscitada no requerimento de interposição do recurso, mas apenas na alegação deste, pelo que não pode ser conhecida, por extemporaneidade.
Assim e sem necessidade de mais considerações, o recurso do A. não merece provimento, pois dele não se pode conhecer.
Termos em que, na improcedência da alegação dos recorrentes, se acorda em negar provimento às apelações, confirmando a sentença.
Custas por ambas as partes, na respectiva proporção.

Porto, 14 de Março de 2005
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais
António José Fernandes Isidoro