Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FERREIRA DA COSTA | ||
Descritores: | PERÍODO EXPERIMENTAL AVISO PRÉVIO INDEMNIZAÇÃO CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM | ||
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Nº do Documento: | RP201101101097/09.3TTMTS.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/10/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE. | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Não tendo as partes celebrado qualquer acordo a propósito do período experimental do contrato de trabalho, a liberdade de desvinculação, para além de recíproca, é total, pois cada uma delas pode, por sua iniciativa e unilateralmente, denunciar o contrato, verbalmente ou por escrito, imotivadamente e sem qualquer antecedência, por princípio. II – Não se trata de despedimento, nem de rescisão do contrato, como referia a LCCT, mas de denúncia, ou seja, desvinculação sem necessidade de invocar motivos ou razões, por via de regra. III – No entanto, se o período experimental de 90 dias tiver durado mais de 60, a denúncia está sujeita ao aviso prévio de 7 dias, sob pena de o denunciante ter de pagar ao denunciado a retribuição correspondente ao aviso prévio em falta, isto é, a cessação do contrato opera-se sempre, haja ou não cumprimento do aviso prévio, só que se este não for cumprido parcial ou totalmente, o denunciante fica constituída no obrigação de pagar ao denunciado a retribuição correspondente ao aviso prévio em falta. IV – Por isso, a falta de cumprimento de tal aviso prévio não transforma a denúncia em despedimento ilícito. V - Ainda que o A., na petição inicial, não tenha peticionado o pagamento da indemnização correspondente à falta de aviso prévio, mas sim o da indemnização de antiguidade proveniente do alegado despedimento ilícito, o direito àquela está contido dentro dos limites do objecto da acção, quer atendendo à sua natureza, quer quanto ao seu montante, isto é, a condenação em tal indemnização não significa uma condenação ultra vel extra petitum. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Reg. N.º 729 Proc. N.º 1097/09.3TTMTS.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B………. deduziu em 2009-12-11 contra C………., Ld.ª acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, pedindo que se declare ilícito o despedimento e que se condene a R. a pagar ao A.: a) As retribuições que este deixar de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que vier a declará-lo ilícito; b) As férias não gozadas e respectivo subsídio, no montante de € 580,00, tal como se concluiu no artigo 30º; c) O proporcional do subsídio de Natal, no montante de € 325,75, tal como se concluiu no artigo 31º; d) A retribuição correspondente aos 21 dias de trabalho do mês de Novembro de 2009, no montante de € 1.015,00, tal como se concluiu no artigo 32º; e) O subsídio de refeição correspondente àqueles 21 dias de trabalho, no montante de €105,00, tal como se concluiu no artigo 33º; f) A indemnização, pela qual opta em detrimento da reintegração, a qual, atenta a duração do contrato e o disposto no artigo 391º/3 do CT, deverá corresponder, no mínimo, a três meses de salário base, no montante de € 4.350,00. Alega o A., para tanto, que [sic]: 1. Por contrato de trabalho reduzido a escrito e celebrado por tempo indeterminado, foi o A. admitido ao serviço da R. para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de gerente de restauração e bebidas, no estabelecimento comercial de confeitaria e snack-bar denominado "D……….", de que a R. é proprietária, sito na Rua ………., nº …, r/c, em ………., Matosinhos (doc. 1). 2. O contrato teve o seu início no dia 01 de Setembro de 2009, tendo sido convencionado o pagamento mensal do salário base de € 1.450,00 (doc. 1). 3. Toda a actividade comercial da R. e a gestão do pessoal no dia-a-dia do estabelecimento onde o A. trabalhava, eram superentendidas pelo Senhor E………, que o A. presume ter sido para o efeito incumbido por aquela. 4. No dia 21 de Novembro de 2009, cerca das 09,30 horas, aquele Sr. E………. interpelou o A. para que exigisse mais empenhamento dos restantes trabalhadores. 5. Respondeu o A. que não poderia exigir-lhes mais, uma vez que a A. ainda se encontrava em débito para com aqueles relativamente ao salário do mês de Outubro de 2009. 6. O Sr. E………. mostrou-se extremamente desagradado com a observação feita pelo A. e insurgiu-se contra ele, dizendo-lhe “se não está bem vá-se embora". 7. Retorquiu o A. dizendo-lhe que, estando a despedi-lo, deveria passar-lhe a "carta de despedimento", querendo referir-se ao impresso legal para obtenção do subsídio de desemprego. 8. Respondeu-lhe o E………. dizendo-lhe que viesse na segunda-feira seguinte, pelas 15 horas, buscar tal carta. 9. Ao que o A. respondeu dizendo que não saía do local sem a "carta de despedimento". 10. Porque a situação entrou num impasse, o A. resolveu chamar a polícia que fez deslocar ao local dois agentes a quem o A. relatou o sucedido, tendo estes tomado nota da ocorrência. 11. No dia seguinte (22.11.2009) o A. não compareceu no local de trabalho porque, sendo Domingo, era seu dia de descanso semanal. 12. Tendo comparecido na segunda-feira seguinte, dia 23.11.2009, pelas 07,15 horas. 13. Assim que entrou no estabelecimento, seu local de trabalho, dirigiu-se-Ihe o Sr. E………. que lhe disse: “o que é que estás aqui a fazer ?". 14. O A. respondeu que vinha trabalhar. 15. Tendo aquele retorquido dizendo que não o queria lá mais a trabalhar. 16. Em face daquela decisão, o A. voltou a chamar a polícia ao local, tendo-se lá deslocado outros dois agentes que, de igual forma, tomaram conta da ocorrência. 17. De seguida, dirigiu-se o A. à Autoridade para as Condições de Trabalho para saber que atitude deveria tomar e quais seriam os seus direitos. 18. Foi então aconselhado de que deveria apresentar-se no local de trabalho da parte da tarde desse mesmo dia (23.11.2009), acompanhado por duas pessoas que pudessem testemunhar a reiteração do despedimento. 19. Assim fez o A. e, cerca das 16 horas daquele dia, apresentou-se no local de trabalho acompanhado por duas pessoas que neste articulado são apresentadas como testemunhas. 20. Aí chegado o A. pediu ao sub-gerente F………. que chamasse o Sr. E………., que recusou comparecer, tendo, ao invés, comparecido o Sr. G………., sócio e gerente da R. (doc. 2). 21. Assim que o referido G………. chegou junto do A., logo lhe disse que não o deixava trabalhar mais. 22. Donde resulta que a R. despediu o A. 23. Como consequência do despedimento, no dia seguinte o A. remeteu à R. uma carta registada com aviso de recepção, pela qual solicitou que, no prazo legal de 5 dias, lhe fosse enviado o impresso contendo a declaração de situação de desempregado (doc. 3 e 4). 24. A referida carta, que a R. recebeu (doc. 5) não produziu qualquer efeito. 25. Por essa razão, e usando da faculdade legal, requereu o A. à ACT que lhe emitisse a declaração de substituição (doc. 6). 26. Resulta do exposto que o A. foi despedido de forma gratuita e verbal. 27. Sem precedência de qualquer processo disciplinar. 28. Razão pela qual é o despedimento considerado ilícito, devendo a R. pagar ao A. os créditos laborais e indemnizatórios inerentes. 29. O contrato de trabalho cessou sem que o A. tivesse gozado qualquer período de férias, sendo que, no caso, caber-lhe-ia gozar, até 30 de Junho de 2010, dois dias úteis de férias por cada mês de duração do contrato. 30. Deste modo, assiste-lhe o direito a receber as férias não gozadas e o respectivo subsídio, no montante de € 580,00 (€ 290,00 x 2). 31. Bem como lhe assiste o direito a receber o proporcional do subsídio de Natal correspondente ao tempo de serviço prestado no presente ano de 2009, no montante de € 325,75. 32. O contrato terminou sem que a R. tivesse pago ao A. a remuneração correspondente aos 21 dias de trabalho do mês de Novembro de 2009, no montante de € 1.015,00. 33. Bem como também não lhe pagou o subsídio de refeição referente a esses 21 dias de trabalho, no montante de € 105,00 (21 dias x € 5,00). Realizada a audiência de partes e notificada a R. para contestar, não o fez. Proferida sentença, foi a R. condenada a pagar ao A.: a) - A quantia de € 386,66 (trezentos e oitenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos) a título de retribuição e subsídios de férias correspondentes à duração do contrato; b) - A quantia de € 325,75 (trezentos e vinte e cinco euros e setenta e cinco cêntimos) a título de subsídio de Natal proporcional à duração do contrato de trabalho; c) - A quantia de € 1 015,00 (mil e quinze euros) relativa à remuneração de 21 dias do mês de Novembro de 2009; d) - A quantia de € 105,00 (cento e cinco euros) a título de subsídio de alimentação relativo a 21 dias de Novembro de 2009. Inconformado com o assim decidido, veio o A. interpôr recurso de apelação, invocando a nulidade da sentença – apenas – na alegação e nas conclusões respectivas e pedindo a revogação da mesma decisão e a sua substituição por outra que julgue ilícito o despedimento do recorrente e que condene a recorrida a pagar àquele as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão, bem como a pagar-lhe a indemnização devida pela ilicitude do despedimento, a qual, atenta a duração do contrato, não poderá ser inferior a três meses de salário base, no montante de € 4.350,00 ou, caso assim se não entenda, deve a recorrida ser condenada a pagar ao recorrente a retribuição correspondente ao período de aviso prévio de denúncia do contrato de trabalho, que, no caso, é de sete dias, tendo formulado a final as seguintes conclusões: 1ª A recorrida despediu ilicitamente o recorrente, pois que o fez de forma verbal, sem precedência de processo disciplinar. 2ª Tal facto, há-de ser considerado provado por confissão da recorrida, ante a falta de contestação sua, como prevê o artigo 57º/1 do CPT.3ª Não podendo o despedimento ser tido como consubstanciando o uso do expediente legal previsto no artigo 114º/1 do CT, que prevê a possibilidade de denúncia do contrato de trabalho no período experimental, pois nunca a recorrida transmitiu ao recorrente que a cessação do contrato nele se fundava. 4ª Acaso tivesse sido essa a intenção da recorrida, haveria ela, por um lado, de tê-Ia comunicado ao recorrente, com esse preciso sentido, conteúdo e alcance e, por outro lado, haveria também de ter contestado a acção contra ela proposta, defendendo-se com esse preciso argumento. 5ª No caso concreto, a declaração de despedimento constitui uma declaração unilateral receptícia, que apenas se torna eficaz quando o seu sentido, conteúdo e alcance sejam percepcionados pelo seu destinatário. 6ª O que não sucedeu no caso concreto, nem por recurso à “teoria da impressão do destinatário", que a Lei corporiza no artigo 236º/1 do CCivil. 7ª Ao invés, verificou-se, de forma inequívoca, que não foi essa a intenção da recorrida porque, por um lado, declarou na diligência de audiência de partes, que não despediu o recorrente e, por outro, porque moveu-lhe, a posteriori, um processo disciplinar. 8ª Ao Tribunal recorrido estava pois vedada a possibilidade de, confessado o facto do despedimento ter sido ilícito, substituir-se à recorrida e considerar cessado o contrato durante o período experimental, fazendo funcionar indevidamente o comando do artigo 114º/1 do CT e desconsiderando o disposto no artigo 57º/1 do CT. 9ª Nessa medida, a douta sentença é nula nos termos previstos nas disposições conjugadas dos artigos 264º/2 e 668º/1, al. d), ambos do CPCivil.10ª Mas, ainda que se entenda ser correcta a subsunção dos factos ao Direito, levada a efeito pelo Tribunal a quo, então deveria a recorrida ter sido condenada a pagar ao recorrente o correspondente a sete dias de retribuição, por desrespeito pelo prazo de aviso prévio consignado no artigo 114º/2 e 4 do CT.11ª Omitindo o Tribunal a quo tal condenação, violou, por omissão, aqueles dispositivos legais.O A. juntou, com o recurso, um documento que consiste na nota de culpa e autos de declarações de testemunhas que lhe terá sido remetido pela R. por carta datada de 2009-12-09 – cfr. fls. 60 a 66. O Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu seu douto parecer no sentido de que não se deve conhecer a nulidade da sentença e de que a apelação não merece provimento. Apenas o A. tomou posição quanto ao teor de tal parecer. Recebido o recurso, elaborado o projecto de acórdão e entregues as respectivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[1], foram colhidos os vistos legais. Cumpre decidir. Estão provados os factos constantes do relatório que antecede e ainda: a) Na audiência de partes a que se procedeu em 2010-02-01, a R. declarou “que se propõe contestar a acção, por entender não ter ocorrido o invocado despedimento verbal do Autor, pelo que além dos créditos salariais nada mais do peticionado lhe é devido”. Fundamentação. Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto[2], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo diploma referido na nota (1), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 2000, salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, o que não ocorre in casu, são quatro as questões a decidir nesta apelação, a saber: I – Junção de documentos com a alegação de recurso. II – Nulidade da sentença. III – Despedimento ilícito. IV – Indemnização por falta de aviso prévio. A 1.ª questão. Trata-se de saber se o apelante podia juntar documentos com a alegação do recurso. Na verdade, conforme se refere no relatório que antecede, o A. juntou, com a alegação do recurso um documento, que consiste numa nota de culpa e em autos de declarações de testemunhas, que lhe terá sido remetido pela R., por carta datada de 2009-12-09 – cfr. fls. 60 a 66. Dispõe, adrede, o Cód. Proc. Civil: Artigo 693.º-B As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524.º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.ºJunção de documentos Artigo 524.º 1. Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. (Apresentação em momento posterior) 2. Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo. Artigo 691.º 2 — Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:De que decisões pode apelar-se a) Decisão que aprecie o impedimento do juiz; b) Decisão que aprecie a competência do tribunal; c) Decisão que aplique multa; d) Decisão que condene no cumprimento de obrigação pecuniária; e) Decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo; f) Decisão que ordene a suspensão da instância; g) Decisão proferida depois da decisão final; i) Despacho de admissão ou rejeição de meios de prova; j) Despacho que não admita o incidente ou que lhe ponha termo; l) Despacho que se pronuncie quanto à concessão da providência cautelar, determine o seu levantamento ou indefira liminarmente o respectivo requerimento; m) Decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil; n) Nos demais casos expressamente previstos na lei. Atento o relatório supra, vem provado que o documento em causa foi remetido pela R. ao A. por carta de 2009-12-09, que a presente acção foi intentada em 2009-12-11, que a acção não foi contestada e que terminou por sentença de mérito. Ora, considerados estes factos e as normas acima transcritas, parece claro que a junção do documento não é legalmente admissível, uma vez que ele já existia antes da propositura acção, ou antes da realização da audiência de partes, a prova dos factos resultou de confissão ficta derivada da falta de contestação, atento o disposto no Art.º 57.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 2000 e o caso dos autos não está previsto em nenhuma das hipóteses legais assinaladas. Aliás, mesmo que assim não fosse, o documento não teria qualquer interesse para a decisão de mérito, uma vez que visaria o exercício do poder disciplinar depois da extinção da relação laboral [2009-12-09 e 2009-11-21, respectivamente], isto é, tal exercício já não poderia ocorrer, pois o poder disciplinar cessa quando a relação laboral termina. Assim e sem necessidade de outras considerações, deve tal documento ser desentranhado dos autos e entregue à parte, o que será oportunamente ordenado. A 2.ª questão. Trata-se de saber se a sentença é nula. Na verdade, tendo o A. invocado a nulidade da sentença – apenas – na alegação e nas conclusões do recurso, dirigidas ao Tribunal da Relação, aí alegou que a sentença é nula porque, 8ª Ao Tribunal recorrido estava pois vedada a possibilidade de, confessado o facto do despedimento ter sido ilícito, substituir-se à recorrida e considerar cessado o contrato durante o período experimental, fazendo funcionar indevidamente o comando do artigo 114º/1 do CT e desconsiderando o disposto no artigo 57º/1 do CT. 9ª Nessa medida, a douta sentença é nula nos termos previstos nas disposições conjugadas dos artigos 264º/2 e 668º/1, al. d), ambos do CPCivil.Vejamos. As nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença; podem também ser da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo Juiz na sentença. Aquelas, constituindo anomalia do processado, devem ser conhecidas no Tribunal onde ocorreram e, discordando-se do despacho que as conhecer, pode este ser impugnado através de recurso de agravo. Porém, as nulidades da sentença, tendo sido praticadas pelo Juiz, podem ser invocadas no requerimento de interposição do recurso [dirigido ao Juiz do Tribunal a quo, para que este tenha a possibilidade de sobre elas se pronunciar, indeferindo-as ou suprindo-as] e não na alegação [dirigida aos Juízes do Tribunal ad quem], como dispõe o Art.º 77.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho, sob pena de delas não se poder conhecer, por extemporaneidade[3]. No entanto, recentemente, o Tribunal Constitucional, pelo seu Acórdão n.º 304/2005, de 2005-06-08, proferido no Proc. n.º 413/04 decidiu, nomeadamente, o seguinte: Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.ºs. 2 e 3), com referência aos n.ºs. 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, a norma do n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro [que corresponde, com alterações, ao Art.º 72.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 1981], na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência a que se apresenta arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior[4]. In casu, o A., ora apelante, invocou e fundamentou a nulidade da sentença na alegação e nas conclusões do recurso, dirigido aos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação. Trata-se de invocação intempestiva, pois pelo menos a invocação da nulidade tinha de ser dirigida ao Tribunal de 1.ª instância, possibilitando que este se pronunciasse acerca do vício invocado e que eventualmente o suprisse, pois o decisivo é que a invocação da nulidade da sentença seja efectuada perante o Juiz do Tribunal do Trabalho, dando-lhe a possibilidade de a suprir, mesmo que a fundamentação apenas esteja contida na alegação, dirigida ao Tribunal ad quem. Ora, nada tendo sido referido no requerimento de interposição do recurso, a invocação da nulidade apenas na alegação e nas conclusões do recurso é intempestiva, pelo que dela não devemos tomar conhecimento. No entanto, mesmo que pudéssemos conhecer a nulidade invocada, certo é que ela não se verificaria. Dispõe, adrede, o Cód. Proc. Civil: ARTIGO 668.º 1. É nula a sentença quando:(Causas de nulidade da sentença) d) O juiz … conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Ora, vista a sentença, o Tribunal do Trabalho, apoiando-se nos factos considerados provados na decorrência da falta de contestação, decidiu que não existiu um despedimento ilícito, mas que ocorreu uma denúncia do contrato de trabalho no período experimental, em que existe recíproca liberdade de desvinculação, sem que tenha de ser instaurado procedimento disciplinar por banda do empregador. No entanto, trata-se de uma conclusão em matéria de direito, área onde não impera o princípio do dispositivo, pelo que o Tribunal a quo decidiu dentro dos seus poderes/deveres normais, sem praticar qualquer excesso de pronúncia, atento o disposto no Art.º 668.º, n.º 1, alínea d) do Cód. Proc. Civil: tendo a desvinculação ocorrido durante o período experimental, tempo em que existe recíproca liberdade de fazer cessar o contrato de trabalho, sem precedência de procedimento, não ocorreu um despedimento ilícito, mas uma lícita denúncia do contrato, por banda da R., como à frente melhor se explicitará. Ora, a questão colocada era exctamente a de saber se exisitiu ou não despedimento ilícito, pois o A. entende que sim e a R. afirmou o contrário na audiência de partes, pelo que a conclusão da sentença em sentido negativo corresponde ao exercício normal da actividade jurisdicional, dentro dos respectivos limites. Assim, mesmo que se pudesse tomar conhecimento da invocada nulidade, certo é que ela não se verificaria. De qualquer modo, tendo sido intempestiva a invocação da mesma [nulidade], dela não se toma conhecimento. A 3.ª questão. Trata-se de saber se, como pretende o A., ora apelante, a R. proferiu um despedimento ilícito qunado em 2009-11-21 fez terminar o contrato de trabalho, a que ambos estavam vinculados. A R. não contestou mas, atenta a posição expressa na audiência de partes, entende que não despediu ilicitamente o A. Vejamos. Tendo presente a confissão ficta derivada da falta de contestação, atento o disposto no Art.º 57.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 2000, consideram-se confessados os factos articulados pelo A. na petição inicial, pelo que a eles atenderemos e ainda ao supra aditado. Assim, vem provado, nomeadamente, que o A. foi admitido ao serviço da R. em 2009-09-01, por tempo indeterminado, tendo a R. feito cessar o contrato em 2009-11-21, de forma verbal e imotivada. O procedimento disciplinar referido no recurso não pode ser considerado, como acima se referiu, quer porque o documento junto com a nota de culpa teve de ser mandado desentranhar por ter sido apresentado intempestivamente, quer porque tal procedimento, cujo desfecho se ignora, teve início quando o poder disciplinar da R. já havia findado. Daí que apenas vamos considerar a cessação do contrato, ocorrida em 2009-11-21. É aqui aplicável o Cód. do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que entrou em vigor, nos termos gerais, em 2009-02-17, cujo Art.º 114.º dispõe: 1 — Durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização. 2 — Tendo o período experimental durado mais de 60 dias, a denúncia do contrato por parte do empregador depende de aviso prévio de sete dias. 3 — Tendo o período experimental durado mais de 120 dias, a denúncia do contrato por parte do empregador depende de aviso prévio de 15 dias. 4 — O não cumprimento, total ou parcial, do período de aviso prévio previsto nos n.os 2 e 3 determina o pagamento da retribuição correspondente ao aviso prévio em falta. Não se tendo provado que as partes tenham celebrado qualquer acordo a propósito do período experimental do contrato de trabalho em causa, a liberdade de desvinculação, para além de recíproca, é total. Na verdade, cada uma das partes pode, durante tal período, por sua iniciativa e unilateralmente, denunciar o contrato, verbalmente ou por escrito, imotivadamente e sem qualquer antecedência, por princípio. Não se trata de despedimento, nem de rescisão do contrato, como referia o Art.º 55.º, n.º 1 da LCCT[5], mas de denúncia, ou seja, desvinculação ad nutum, sem necessidade de invocar motivos ou razões, por via de regra. No entanto e considerada apenas a hipótese vertente, se o período experimental de 90 dias [cfr. o disposto no Art.º 112.º, n.º 1, alínea a) do CT2009] tiver durado mais de 60, a denúncia está sujeita ao aviso prévio de 7 dias, sob pena de o denunciante ter de pagar ao denunciado a retribuição correspondente ao aviso prévio em falta, isto é, a cessação do contrato opera-se sempre, haja ou não cumprimento do aviso prévio, só que se este não for cumprido parcial ou totalmente, o denunciante fica constituído no obrigação de pagar ao denunciado uma indemnização de montante igual à retribuição correspondente ao aviso prévio em falta. Por isso, a falta de cumprimento de tal aviso prévio não transforma a denúncia em despedimento ilícito, como se chegou a entender no silêncio da norma correspondente – Art.º 105.º – do Cód. do Trabalho de 2003. Na verdade, este diploma, tendo inovado ao criar o aviso prévio de 7 dias na hipótese de desvinculação durante o período experimental que tenha durado mais de 60 dias, nenhuma consequência estabeleceu para o seu incumprimento. Tal omissão levou ao surgimento de divergência na doutrina[6] e na jurisprudência, tendo uns entendido que o incumprimento do aviso prévio traduzia um despedimento ilícito com as legais consequências ao nível da indemnização de antiguidade e dos chamados salários de tramitação[7], enquanto outros entendiam que tal incumprimento dava lugar ao pagamento de uma indemnização de montante igual à retribuição correspondente ao aviso prévio em falta[8]. Ora, como vimos acima, foi este último o caminho seguido pelo CT2009. Revertendo ao caso dos autos e tendo o A. considerado que foi ilicitamente despedido, pedindo em conformidade que a R. seja condenada a pagar-lhe indemnização de antiguidade e as retribuições vencidas e vincendas, certo é que a elas não tem direito, pois estamos perante um caso de denúncia do contrato. Assim tendo a sentença decidido, deverá ser confirmada, nesta parte, destarte improcedendo as correspondentes conclusões do recurso. A 4.ª questão. Trata-se de saber se o A. tem direito a indemnização por falta de aviso prévio. Prevenindo a hipótese de não lhe ser reconhecido o direito a indemnização de antiguidade por despedimento ilícito, o A. formulou subsidiariamente o pedido de indemnização por falta de aviso prévio no final da sua alegação de recurso, sendo certo embora que não o fez na petição inicial. Vejamos. Como vimos na questão anterior, o incumprimento do prazo de aviso prévio dá lugar, no CT2009, ao pagamento de uma indemnização de montante igual à retribuição correspondente ao aviso prévio em falta. No entanto, a circunstância de o A. não ter formulado tal pedido expressamente na petição inicial, como o fez no recurso, não significa que ele não deva ser contemplado. Na verdade, na petição inicial o A. pediu uma indemnização pela cessação do contrato, sendo que a correspondente ao aviso prévio está contida naquela, quer atendendo à sua natureza, quer quanto ao seu montante, isto é, a condenação em tal indemnização não significa uma condenação ultra vel extra petitum. Ailás, assim se decidiu no Acórdão desta Relação de 2008-01-14, citado anteriormente em nota: “Ainda que o A., na petição inicial, não tenha peticionado o pagamento dessa indemnização, mas sim o da indemnização proveniente do alegado despedimento ilícito, o direito àquela está contido dentro dos limites do objecto da acção… Entendemos, assim, que à A. é devida a quantia de … a título de indemnização pela inobservância, pela Ré, de … dias do aviso prévio de denúncia contratual…” Neste entendimento das coisas e considerados os factos provados, ao A. é devida, a título de indemnização por falta de 7 dias de aviso prévio, a quantia de € 338,33 [1450,00:30x7]. Daí que a sentença deva ser revogada na parte impugnada, sendo substituída pelo presente Acórdão em que se condena a R. a pagar ao A. a quantia de € 338,33, destarte procedendo as conclusões respectivas do recurso. Decisão. Termos em que se acorda em: a) Ordenar o desentranhamento dos documentos de fls. 60 a 66 e a sua entrega à parte. b) Não tomar conhecimento da nulidade da sentença e b) Conceder parcial provimento à apelação, assim revogando a sentença na parte impugnada, a qual se substitui pelo presente Acórdão, em que se condena a R. a pagar ao A. a quantia de €338,33. Custas por ambas as partes, na respectiva proporção. Porto, 2011-01-10 Manuel Joaquim Ferreira da Costa António José Fernandes Isidoro Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho ___________________ [1] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma. [2] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532. [3] Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 175 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1990-12-13, 1991-01-31, 1991-04-09, 1994-03-09 e 1995-05-30, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 402, págs. 518-522, n.º 403, págs. 382-392, n.º 416, págs. 558-565, n.º 435, págs. 697-709 e n.º 447, págs. 324-329. [4] In www.tribunalconstitucional.pt. [5] Regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro. [6] Cfr. Tatiana Guerra de Almeida, in Do Período Experimental No Contrato de Trabalho, Almedina, 2007, págs., nomeadamente, 162 a 165, Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho Anotado, Almedina, 2003, pág. 198, Paula Quintas e Hélder Quintas, in Código do Trabalho Anotado e Comentado, Almedina, 2009, págs. 244 e 245, Júlio Manuel Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, Volume I, Coimbra Editora, 2007, págs., nomeadamente, 493 e 494, João Leal Amado, in Contrato de Trabalho À luz do novo Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2009, págs. 183 e 184 e João Soares Ribeiro, in Aviso Prévio na Denúncia do Contrato no Período Experimental, Estudos Jurídicos em Homenagem ao Professor António Motta Veiga, Almedina, 2007, págs., nomeadamente, 157 a 163. [7] Cfr. o Acórdão da Relação do Porto de 2006-06-19 [Domingos Morais], in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXI-2006, Tomo III, págs. 234 a 237. [8] Cfr. os Acórdãos da Relação do Porto de 2007-02-05 [Paula Leal de Carvalho], Processo 0646280, in www.dgsi.pt e de 2008-01-14 [Paula Leal de Carvalho], Processo 0743726, in www.dgsi.pt e in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXIII-2008, Tomo I, págs. 224 a 227. ____________________ S U M Á R I O I - Não tendo as partes celebrado qualquer acordo a propósito do período experimental do contrato de trabalho, a liberdade de desvinculação, para além de recíproca, é total, pois cada uma delas pode, por sua iniciativa e unilateralmente, denunciar o contrato, verbalmente ou por escrito, imotivadamente e sem qualquer antecedência, por princípio. II – Não se trata de despedimento, nem de rescisão do contrato, como referia a LCCT, mas de denúncia, ou seja, desvinculação sem necessidade de invocar motivos ou razões, por via de regra. III – No entanto, se o período experimental de 90 dias tiver durado mais de 60, a denúncia está sujeita ao aviso prévio de 7 dias, sob pena de o denunciante ter de pagar ao denunciado a retribuição correspondente ao aviso prévio em falta, isto é, a cessação do contrato opera-se sempre, haja ou não cumprimento do aviso prévio, só que se este não for cumprido parcial ou totalmente, o denunciante fica constituída no obrigação de pagar ao denunciado a retribuição correspondente ao aviso prévio em falta. IV – Por isso, a falta de cumprimento de tal aviso prévio não transforma a denúncia em despedimento ilícito. V - Ainda que o A., na petição inicial, não tenha peticionado o pagamento da indemnização correspondente à falta de aviso prévio, mas sim o da indemnização de antiguidade proveniente do alegado despedimento ilícito, o direito àquela está contido dentro dos limites do objecto da acção, quer atendendo à sua natureza, quer quanto ao seu montante, isto é, a condenação em tal indemnização não significa uma condenação ultra vel extra petitum. Manuel Joaquim Ferreira da Costa |