Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | AUGUSTO LOURENÇO | ||
Descritores: | LEGÍTIMA DEFESA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP20150415183/08.1/PBVLG.P2 | ||
Data do Acordão: | 04/15/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REC PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Age em legitima defesa o arguido que apenas empunhou a faca como forma de dissuadir os co-arguidos de se aproximarem e continuarem a agressão de que fora vitima, e só se socorreu da mesma em face da recorrente aproximação destes da sua pessoa, tendo atingido um deles com ela como forma de preservar a sua integridade física ou mesmo a sua vida de molde a que os arguidos se afastassem, fazendo-o para se defender, constituindo este o único meio de resposta que tinha perante o numero de indivíduos que o rodeavam, em superioridade numérica e de força. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. nº 183/08.1PBVLG.P2 Acordam, em conferência, os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, RELATÓRIO No âmbito do processo nº 183/08.1PBVLG.P2, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo em processo comum singular, foi o arguido B… (entre outros – não recorrentes), julgado e condenado por aquele Tribunal nos seguintes termos: - «Por tudo quanto antecede, decido: a) Absolver o arguido C… da prática, em autoria material e na forma tentada do crime de homicídio privilegiado, p. e p. pelo artigo 133º/1 e 22º, ambos do Código Penal. b) Condenar os arguidos D…, E… e B…, como co-autores materiais e na forma consumada, de um crime de ofensas à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 143º/1, 145º/1/al. a) e 2, por referência ao artigo 132º/2/al. h), todos do Código Penal e, consequentemente, condenar o primeiro arguido, D… na pena de 2 (dois) anos de prisão, e os dois arguidos E… e B… na pena, cada um, de 18 (dezoito) meses de prisão. c) Suspender a execução das penas de prisão aplicadas em b) por iguais períodos de tempo, suspensões essas com regime de prova, durante o período da suspensão determinada, nos termos do artigo 53º do Código Penal, com plano de reinserção social a elaborar pelos serviços de reinserção social e a executar pelos mesmos, durante tal período. d) Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil contra o demandado C…. e) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante C… e consequentemente condenar os demandados E…, D… e B… no pagamento, solidário, da quantia de € 10.000.00 (dez mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais e a quantia de € 700.00 (setecentos euros) a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora vencidos desde a notificação para contestar do pedido cível até efectivo e integral pagamento. As custas criminais serão suportadas pelos arguidos, E…, D… e B…, fixando-se a taxa de justiça individual em 2 U.C. As custas cíveis serão suportadas pelo demandante C… e pelos demandados na proporção dos respectivos decaimentos- artigo 446º/1 e 2 do Código de Processo Civil e pelo demandante B… no que concerne ao pedido cível por si deduzido. * Inconformado com a decisão, veio o arguido B… a recorrer nos termos de fls. 1.569 a 1.632, tendo apresentado as seguintes conclusões:«1. É notória a incongruência que resulta da descoordenação factual patente e da fundamentação da decisão quanto à matéria de direito. 2. A prova produzida em julgamento não permite concluir que o B…, ora Recorrente, tivesse praticado, em coautoria, o crime que lhe foi sentenciado (ofensas à integridade física qualificadas); 3. Impunha-se, por lógica implicância, que o Tribunal a quo tivesse absolvido o B…; 4. Ao invés, a prova produzida em audiência de julgamento, impunha que fosse declarada a ilicitude da conduta do arguido C…; 5. O C…s, ao golpear o B… no pescoço, causando-lhe laceração da carótida, tinha consciência das características corto-perfurantes da faca com que se munira há já vários dias e da perigosidade e consequências que poderiam advir da sua utilização como arma de defesa; 6. O C… procurou atingir, como aliás atingiu, uma zona do corpo do B… de enorme vulnerabilidade, sabendo bem que o golpe desferido no pescoço poderia ser fatal; 7. Sendo certo que o arguido C… agiu para repelir uma agressão actual ou eminente, fê-lo conscientemente e com premeditação, recorrendo a meio desproporcionado e extravasando claramente o “animus deffendendi”; 8. Efectivamente, excluem a justificação dos factos praticados pelo arguido C… a utilização de meios que, embora adequados a repelir a agressão, são mais danosos (para o “agressor”) do que os considerados necessários; 9. O meio que transponha a barreira da estrita necessidade – necessidade do meio, mas também da própria defesa – entrará em excesso de legítima defesa; 10. Impõe-se, assim, a condenação do arguido C… pela prática do ilícito penal de que vinha acusado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 22º, 33º nº1 e 133º, todos do Código Penal; 11. No que ao pedido de indemnização civil formulado pelo Demandante C… concerne, e na parte que respeita ao B…, não existindo prova da prática do crime que lhe foi sentenciado, impõe-se naturalmente que o Demandado seja absolvido; 13. No que tange pedido de indemnização civil formulado pelo Demandante B…, e atenta a factualidade provada, designadamente no que respeita aos danos de natureza patrimonial e aos danos de natureza não patrimonial sofridos pelo B…, considerando a intensidade da dor, o longo período de incapacidade a que esteve sujeito, as intervenções cirúrgicas a que foi submetido, o prejuízo estético permanente, o desgosto sofrido, a sintomatologia psicótica que sobreveio, a labilidade emocional, a permanente perturbação de stress pós-traumático e a deterioração da sua autoestima, tudo sequelas emergentes da agressão de que foi vítima, impõe-se que o mesmo seja julgado parcialmente provado e procedente, e o Demandado C… condenado a pagar ao Demandante o quantum indemnizatório em EUR 25.390,21 por ser este adequado a uma justa reparação. Nestes termos e nos melhores de Direito que doutamente forem supridos, deverá dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência: I. Revogar-se a douta decisão recorrida, no segmento em que condenou o arguido B… pela prática, em coautoria, do crime de ofensas à integridade física qualificadas que lhe foi sentenciado; II. Revogar-se a douta sentença, na parte em que julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo Demandante C…, na parte respeitante ao Demandado B…; III. Revogar-se a douta decisão na parte em que absolveu o arguido C… da prática do crime que lhe era imputado, substituindo-se por outra que condene o dito arguido pela prática do crime de homicídio privilegiado, na forma tentada, por ser manifesto o excesso dos meios empregados em legítima defesa; IV. Revogar-se a douta decisão na parte em que absolveu o Demandado C… do pedido de indemnização civil formulado pelo Demandante B…, condenando-se aquele a pagar ao Demandante a quantia de EUR 25.390,21, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos juros moratórios vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento. Assim se fará lídima Justiça». * O Ministério Público em 1ª instância respondeu nos termos de fls. 1650, limitando-se aí a remeter para as conclusões de anterior recurso, constante de fls. 1328 a 1351 e que na ocasião foram as seguintes:«1. Vem o arguido recorrer da douta sentença na parte em que absolveu o arguido C… da prática de um crime de homicídio privilegiado tentado e julgou improcedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo recorrente, e ainda na parte em que condenou o arguido B… pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, alegando que a mesma padece do vício de erro notório na apreciação da matéria de facto, colocando ainda em crise o entendimento que levou à absolvição do arguido C…, por ter agido em legítima defesa. 2. Constitui entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça, há muito estabelecido, que não há erro na apreciação da prova quando o que o recorrente invoca não é mais do que uma discordância sua quanto ao enquadramento da matéria de facto provada, pelo que, o facto de o recorrente entender que as declarações do arguido C… e o depoimento da testemunha F… não seriam merecedores da credibilidade que lhe foi conferida pelo Tribunal não integra tal vício. 3. A matéria de facto provada é suficiente para fundamentar a condenação do arguido B… pelo crime de que vinha acusado, não existindo quaisquer motivos para que a mesma seja alterada. 4. A actuação do arguido C…, tal como resulta dos factos provados, foi motivada pelo intuito se defender, constituindo o único meio de resposta que tinha perante o número de indivíduos que o rodeavam, traduzindo-se num contra-ataque absolutamente necessário para afastar a agressão que era contra si perpetrada, pelo único meio capaz de rivalizar com os meios que estavam a ser empregues pelos seus agressores, pelo que nenhuma censura merece a sentença recorrida ao considerar que tal actuação configura uma situação de legítima defesa. 5. Ainda que se entendesse que o arguido C… agiu em excesso de legítima defesa, o que não se concede, sempre seria a sua conduta motivada por perturbação, medo e susto não censuráveis, motivo pelo qual, nos termos do nº 2 do artigo 33º do cód. penal, não deveria ser-lhe aplicada qualquer pena. 6. Quanto ao pedido de indemnização civil formulado pelo recorrente, outra não poderia ser a decisão senão a sua improcedência, atenta a não ilicitude da conduta do arguido C…, sustentada na figura da legítima defesa. 7. Nenhuma censura merece, nestas partes, a sentença recorrida, que não violou nenhum dos preceitos legais invocados. Termos em que, decidindo pela manutenção da douta sentença recorrida, nos seus exactos termos e fundamentos, farão V. Exas., como sempre, Justiça!» * Respondeu ao recorrente, o ofendido (e também co-arguido), C…, nos termos de fls. 1651 a 1660, tendo concluído nos seguintes termos:- «Não se verificou manifestamente qualquer excesso de legítima defesa, o que inequivocamente funda e determina a absolvição do arguido, ora recorrido. No que toca ao pedido indemnizatório e tendo em conta o princípio da adesão o mesmo tem de soçobrar em consequência da total improcedência da acusação e da absolvição do recorrido. Além disso e à cautela do patrocínio faz-se menção de que inexistem elementos factuais nos autos e igualmente na douta sentença que fundamentem a quantia ligeiramente superior a 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) que o recorrente pretende seja fixada a título indemnizatório. Quanto à condição do aqui recorrente no pagamento da indemnização ao recorrido, a mesma deve manter-se por ajustada. Termos em que o recurso deve improceder in to tum, por infundado, e em consequência ser julgado que as decisões sob recurso não padecem de qualquer vício, foram proferidas em conformidade com os factos provados e com a lei e não merecem qualquer censura, devendo ser integralmente mantidas. Assim decidindo farão Vªs Exªs, aliás, como sempre Justiça»! * Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu o Douto Parecer de fls. 1676/1677, defendendo a improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida.* O recurso foi tempestivo, legítimo e correctamente admitido.Colhidos os vistos, cumpre decidir. * FUNDAMENTOSO âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, extraídas pelo recorrente da respectiva motivação[1], que no caso “sub judice” se circunscrevem aos seguintes itens: 1. Vícios do artº 410º nº 2 do cód. procº penal. Erro notório na apreciação da prova em duas vertentes: a) Relativamente à condenação do recorrente B… b) E em relação à absolvição do C…; 2. Pedidos de indemnização civil: a) Improcedência do pedido formulado pelo recorrente contra C…; b) E procedência do pedido contra o recorrente, B…. * FACTOS PROVADOSO Tribunal “a quo” deu como provados os seguintes factos: 1. Desde data não concretamente apurada do ano de 2004, o arguido C… passou a residir, juntamente com a mulher, numa casa sita na Rua …, nº .., em …, …, Valongo, que adquirira aos sogros. 2. Pouco tempo depois de se ter instalado nessa casa, os vizinhos da casa contígua (G… e H…) providenciaram pela construção clandestina de um galinheiro a uma distância de cerca de 90 cm do muro da sua casa e ampliaram a zona de criação de coelhos a que se dedicavam. 3. Tendo demonstrado aos ditos vizinhos o seu desagrado pelas referidas edificações e pelos maus odores provenientes das zonas de criação de animais, aqueles ao invés de porem termo à situação, passaram, juntamente com familiares e amigos, a insultá-lo e a ameaçá-lo de morte constantemente, onde quer que o encontrassem – o que o levou a participar criminalmente contra eles por diversas vezes. 4. Tais comportamentos agudizaram-se mercê da exposição apresentada pelo arguido C… à Câmara Municipal … a denunciar a ilegalidade das ditas construções que levou à abertura de um processo e culminou, depois de várias vicissitudes, com a emissão, pela autarquia, de uma ordem de demolição coerciva do dito galinheiro, em inícios de Janeiro de 2008 – facto dado a conhecer aos destinatários, por funcionários da Câmara, em 12 de Janeiro de 2008. 5. Na sequência do referido circunstancialismo, no dia 19 de Janeiro de 2008, cerca das 16.00 horas, junto do Café “I…”, em …, Valongo, o arguido C… foi mais uma vez insultado, ameaçado e até agredido por duas mulheres que se encontravam na presença da vizinha G… e por esta (factos em relação aos quais não formalizou queixa crime). 6. Nesse mesmo dia, cerca das 22.10 horas, quando se encontrava dentro de casa, foram-lhe dirigidas, em voz alta e tom sério, repetidamente, por várias pessoas de identidades não concretamente apuradas, as seguintes expressões: “és um homem morto… vais pagar pelo que fizeste à minha mãe”. 7. Tal episódio motivou a ida da família do arguido C… para Montalegre, apenas este tendo permanecido a viver em …, por questões de ordem profissional. 8. Não obstante após essa data ter havido um período de calma, no dia 12 de Fevereiro de 2008, cerca das 21.45 horas, quando se encontrava quase a chegar a casa, o arguido C… foi perseguido por um grupo de cerca de cinco indivíduos, depois de um deles dizer: “olha é aquele o homem, é aquele…”, tendo estes, depois de o mesmo ter conseguido refugiar-se em casa, pontapeado a sua porta de entrada, partindo-a. 9. Desde esta data, o arguido C…, temendo que algo de mal lhe acontecesse, alterou as suas rotinas, aumentou a segurança da sua casa e passou a evitar passar pelos sítios onde aqueles indivíduos pudessem encontrar-se, chegando mesmo a diligenciar pela venda da casa. 10. Pelas mesmas razões, sempre que previa que ia chegar a casa mais tarde, passou a transportar num dos bolsos do casaco que envergava ou na sua pasta uma faca de cozinha. 11. Nesse contexto, no dia 19 de Fevereiro de 2008, cerca das 21.35 horas, quando se dirigia para sua casa, sita na Rua …, nº .., …, em …, Valongo, a cerca de trinta metros da mesma, o arguido C… foi rodeado pelos arguidos B…, E… e D…, depois de o arguido D… o ter avistado e ter dito aos demais: “olha ele… vamos atrás dele… vamos caçá-lo”. 12. Após uma breve troca de palavras e sem que nada o justificasse, o arguido D… desferiu uma bofetada numa das faces de C…. 13. De seguida, tendo este tentado fugir e começado a correr, os arguidos B…, E… e D… perseguiram-no e, sem que nada o justificasse, de forma concertada e em união de esforços, desferiram-lhe um número indeterminado de murros e pontapés em várias partes do corpo, atingindo-o, ainda, na cabeça, com um cabo de um pau, ao mesmo tempo que o arguido D… dizia aos demais: “anda… passa-lhe uma rasteira… vamos matá-lo já”. 14. Nessas circunstâncias, depois de ter solicitado auxílio em vão, o arguido C… empunhou uma faca, com o comprimento total de 19,5 cm e com lâmina de um só gume serrilhada, do tipo corto-perfurante, com um comprimento correspondente à extensão perfurante de cerca de 9,5 cm e com gume de 7,5 cm (cfr. auto de exame de fls. 187), que transportava consigo e desferiu um golpe com a mesma no pescoço de B…. 15. Como consequência directa e necessária da conduta concertada dos arguidos B…, E… e D…, C… (beneficiário da Segurança Social nº ………..) sofreu, além de dor física, vários hematomas e tumefacções nas regiões frontal e parietal esquerdas, nos membros superiores, no dorso e na região lombar, bem como escoriações dispersas por todo o corpo, bem como dano psíquico que apenas se estabilizou em Junho de 2010, 16. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido C…, B… (beneficiário do SNS nº ………) sofreu, além de dor física, cicatriz pós-cirúrgica, com vestígios cicatriciais dos pontos da sutura, linear de forma meia-lua, não dolorosa à palpação e não aderente aos planos subjacentes que estende-se desde a face lateral do terço superior do pescoço juntamente com rebordo inferior do ramo superior esquerdo da mandíbula de 5,5 cm de comprimento; outra cicatriz irregular não dolorosa à palpação e não aderente aos planos subjacentes que começa juntamente com anterior ao nível do ângulo esquerdo da mandíbula e prolonga-se obliquamente para a linha média do tórax de 10,5 cm por 0,7 cm de maiores dimensões; outra cicatriz linear que começa a 2 cm debaixo do ponto de início do anterior descrita de 2 cm de comprimento, orientada para a linha média clavicular esquerda; mobilidade do pescoço conservada, que lhe determinaram 562 dias para a consolidação médico-legal, com afectação da capacidade de trabalho geral pelo período de 30 dias e com afectação da capacidade de formação pelo período de 60 dias (cfr. fls. 499 a 502 dos autos). 17. Os arguidos B…, E… e D… agiram de forma livre, voluntária e consciente, cientes que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. 18. Os arguidos B…, E… e D… agiram de forma concertada e em conjugação de esforços, com a intenção de magoarem, como magoaram, C…, bem sabendo que se encontravam em situação de superioridade numérica, o que lhes conferia maior capacidade agressiva, revelando especial censurabilidade da sua parte. 19. O arguido C… actuou da forma descrita encontrando-se num estado de pânico e medo, sentindo-se fortemente intimidado e temendo pela sua vida, face às ameaças de que vinha sendo vítima, designadamente por parte dos arguidos. 20. O arguido C… actuou igualmente da forma descrita por estar convicto, quando se viu cercado e agredido por estes, que iriam por em práticas as ameaças propaladas, querendo, com a sua conduta, defender a sua vida. 21. O arguido C… encontrava-se sozinho perante 4 indivíduos mais jovens, que o cercavam, não se encontrando qualquer outra pessoa nas imediações que o pudesse socorrer. 22. Num primeiro momento, o arguido apenas empunhou o instrumento supra referido como forma de dissuadir os co-arguidos de se aproximarem e só se socorreu do mesmo em face da recorrente aproximação destes da sua pessoa, tendo atingido o arguido B… como forma de preservar a sua integridade física ou mesmo a sua vida, de molde a que os co-arguidos se afastassem, fazendo-o para se defender, constituindo este o único meio de resposta que tinha perante o número de indivíduos que o rodeavam, em superioridade numérica e de força. 23. Actuou de forma livre, voluntária e consciente. 24. O ofendido/arguido C… sofreu, como consequência das condutas dos demais co-arguidos, humilhação, pânico e vexame, atento, ademais, o facto de ser noite e a superioridade numérica dos demais, julgando que ia ser morto, vivendo uma experiência de terror. 25. Recorda com frequência o sucedido, sentindo angústia, ansiedade, agitação, nervosismo e tristeza, tendo vivido, durante os dois anos que se seguiram, em stress pós-traumático, com angústia, ansiedade e sobressalto. 26. Deixou de produzir, na sequência do sucedido, trabalhos e obras no âmbito de estudo de línguas e outras, o que fazia habitualmente, por falta de concentração, o que causa tristeza. 27. No decurso das agressões sofridas, o ofendido C… viu os óculos que trazia partidos, incluindo armação e lentes, tendo que adquirir uns novos, que lhe custaram € 700.00. 28. As lesões sofridas pelo ofendido B… determinaram 562 dias para consolidação médico-legal, com afectação da capacidade para o trabalho geral durante um período de 30 dias, e da capacidade de formação pelo período de 60 dias. 29. Em 10 de Fevereiro de 2009, foi submetido a intervenção cirúrgica de natureza plástica no Hospital de S. João, para excisão das cicatrizes do pescoço e plastia por retalhos locais, ficando impossibilitado de comparecer no estabelecimento de ensino que frequentava pelo período de 4 dias. 30. Suportou, em assistência médica e medicamentosa o valor de € 390.21. 31. Desde o final de Fevereiro de 2008 que frequenta consulta de psicologia na J…, com frequência quinzenal, pois que, após o período de internamento, começou a experimentar sentimentos de tristeza, tendendo para o isolamento, demorando cerca de 6 semanas a retomar o contacto com a escola, os amigos e suas actividades normais. 32. Tornou-se mais ríspido após o sucedido e como consequência do mesmo, mostrando-se intolerável ao contacto social e a conversas sobre o ocorrido. 33. As cicatrizes que resultaram da agressão sofrida condicionam a sua auto-estima e auto-realização, fazendo-o sentir-se minimizado na sua imagem física, sendo que perspectivava uma carreira de modelo, sofrendo tristeza e frustração com a marca física em causa. 34. Sofreu perturbações do sono, com pesadelos recorrentes, que lhe afectaram o desempenho escolar, sendo, actualmente, um jovem apático, triste e com dificuldades de socialização. Mais se provou que: 35. O arguido C… é professor universitário, auferindo mensalmente a quantia de € 2000.00, é casado, tem um filho menor, vive em casa própria e não tem antecedentes criminais. 36. O arguido B… encontra-se desempregado, não auferindo qualquer subsídio, vive com os pais e um irmão; frequentou um curso profissional de equivalência ao 12º ano de escolaridade, tendo posteriormente frequentado formação modular na área de informática no Centro Social de …; mantém enquadramento e apoio familiar, apresentando no meio sócio residencial uma imagem social adequada; mantém inscrição actualizada no Instituto de Emprego e Formação Profissional; não tem antecedentes criminais. 37. O arguido E… encontra-se desempregado, não auferindo qualquer subsídio, subsistindo com os rendimentos auferidos pela progenitora, com quem vive, tem o 9º ano de escolaridade, mantém ocupação estruturada como bombeiro voluntário nos Bombeiros Voluntários de …; encontra-se inscrito no Instituto de Emprego, possui uma imagem de inserção positiva e ajustada no contexto ocupacional; foi condenado no 1º Juízo deste Tribunal no processo nº 167/11.2GNPRT pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, em pena de multa que foi substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, que cumpriu, por sentença proferida em 11/07/2011. 38. O arguido D… encontra-se actualmente em cumprimento de pena, nunca tendo exercido qualquer actividade profissional, tem uma filha menor de 4 anos, que reside com a mãe emigrada na Áustria, sendo conotado, no seu meio de residência, por problemáticas associadas à pequena criminalidade; tem o 9º ano de escolaridade e foi condenado: - No processo nº 181/08. 5PBVLG do 3º Juízo deste Tribunal pela prática de um crime de roubo, por factos reportados a 18/02/2008, sentença proferida em 19/02/2009 e transitada em julgado em 28/04/2009, na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo; - No processo nº 329/07.7PBVLG do 1º Juízo deste Tribunal pela prática de um crime de dois crimes de coacção na forma tentada, por factos reportados a 22/04/2008, sentença proferida em 08/07/2009 e transitada em julgado em 28/07/2009, na pena de 6 anos de prisão. - No processo nº 238/09.5PBVLG do 3º Juízo deste Tribunal pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples, por factos reportados a 28/02/2009, sentença proferida em 22/04/2010 e transitada em julgado em 07/05/2010, na pena de 90 dias de multa á taxa diária de € 5.00. - No processo nº 240/09.7GAVLG do 3º Juízo deste Tribunal pela prática de um crime de furto simples, por factos reportados a 18/06/2009, sentença proferida em 11/05/2010 e transitada em julgado em 11/06/2010, na pena de 90 dias de multa á taxa diária de € 5.00. - No processo nº 546/09.5TAVLG do 2º Juízo deste Tribunal pela prática de um crime de roubo, por factos reportados a 18/02/2009, sentença proferida em 22/09/2010 e transitada em julgado em 22/10/2010, na pena de 1 ano e 1 mês de prisão. - No processo nº 490/09.6PBVLG do 2º Juízo deste Tribunal pela prática de um crime de furto qualificado, por factos reportados a 03/06/2009, sentença proferida em 14/03/2011 e transitada em julgado em 14/11/2011, na pena de 2 anos de prisão. * Factos Não provados:Não se lograram provar quaisquer outros factos para além dos que excedam ou estejam em contradição com a factualidade apurada, designadamente que: a) O arguido C… actuou da forma descrita prevendo e aceitando como consequência possível da sua conduta que a utilização do objecto descrito, naquelas circunstâncias e na zona do corpo por si visada e atingida, era susceptível de causar a morte a B…, conhecendo o carácter ilícito e criminalmente punido da sua conduta. b) O ofendido B… havia já realizado, à data dos factos, trabalhos como modelo fotográfico, tendo deixado de poder aceder a tal carreira em face da cicatriz que ostente. * Motivação da matéria de facto provada (tribunal “a quo”):“A convicção do Tribunal fundou-se na apreciação global da prova produzida, e designadamente, quanto aos factos provados: Em 1 a 10: Na conjugação das declarações do arguido C… com os depoimentos das testemunhas F…, K…, L…, respectivamente sogros e esposa do arguido, e M…, proprietário de um estabelecimento comercial de pastelaria que o arguido frequentava assiduamente e onde tiveram lugar os factos descritos em 5). Coligidos estes elementos de prova, foi possível ao Tribunal fazer a reconstrução do sucedido antes dos factos ocorridos em 19 de Fevereiro de 2008 e que contextualizam os mesmos, na sucessão temporal descrita no libelo acusatório. Senão veja-se. Para além das declarações do arguido C…, que descreveu de forma minuciosa os episódios elencados, as testemunhas F…, K… e L…, sogros e esposa do arguido, relataram ao Tribunal, de forma credível, pese embora as relações de parentesco com o arguido, que, em 19 de Janeiro de 2008, vieram a … visitar o genro, a filha e o neto, sendo que, uma vez chegados, a testemunha F… e L… viram o arguido chegar do café onde tinha ido apresentando várias escoriações no rosto, que o obrigaram a recorrer ao Hospital de Valongo. Por seu turno, a testemunha M…, proprietário do estabelecimento comercial de café onde o arguido se havia deslocado, confirmou ao Tribunal que, naquela data, o mesmo foi insultado dentro daquele estabelecimento, tendo ainda sido agredido por duas senhoras e 4/5 adolescentes, tendo sido o depoente quem os desapartou. Asseverou também que o arguido C… ficou com arranhões na face. A testemunha K…, sogra do arguido, por sua vez, explicou ao Tribunal que, no dia em causa, após se ter dirigido ao estabelecimento comercial em questão, e não obstante não ter assistido a qualquer agressão, deparou-se com o genro já sem óculos e com ferimentos na face, presença esta que a testemunha M… confirmou no local após a ocorrência do sucedido. A testemunha K… referiu ainda que, pese embora não tinha presenciado a agressão, viu no local a dita vizinha G…, próxima dos acontecimentos. As testemunhas F…, K… e L... relataram ainda ao Tribunal que, nesse mesmo dia, ou seja, no dia 19/01/2008, quando se encontravam todos dentro de casa do arguido e da depoente L…, ouviram um barulho ruidoso na persiana de casa, ao que se seguiram vozes dizendo “És um homem morto”, “Tens um filho morto”. A testemunha F… explicitou que veio à janela, tendo visto dois indivíduos jovens e mais três ao longe, sendo que, após lhes ter perguntado o que queriam, lhe responderam “O teu filho é um homem morto”. Todos relataram ao Tribunal, de forma credível, que em face do sucedido e do que vinha sucedendo, a esposa do arguido e o filho foram com os pais daquela para Montalegre, naquela mesma noite, tendo pedido escolta policial até à auto-estrada, onde ficaram a residir, permanecendo o arguido C… a viver em …, sozinho, por razões profissionais. No que tange ao episódio reportado a 12/02/2008, foram consideradas as declarações do co-arguido C…, que foram merecedoras de credibilidade, e que são sustentadas, ainda que em parte, pelo depoimento das testemunhas F…, que recebeu uma chamada do arguido, tendo-se deslocado a …, onde pode constatar que, de facto, a porta de casa do arguido havia sido arrombada, tendo a mesma sido substituída por uma outra, blindada, tendo o depoente ali permanecido uma noite. O arguido C… confirmou ao Tribunal que, após os episódios em causa, passou a andar munido de uma faca de cozinha, alterando as suas rotinas, tendo colocado a casa à venda, o que as testemunhas elencadas confirmaram, designadamente a testemunha M…, asseverando que desde o sucedido em 19/01/2008, o arguido C… não mais compareceu no seu estabelecimento comercial, que frequentava assiduamente e para onde ia ler. Analisando, agora, a prova produzida e que conduziu à formação da convicção do Tribunal quanto ao vertido em 11 a 23 da factualidade provada: O Tribunal alicerçou a sua convicção na conjugação das declarações do arguido C…, conjugadas com os depoimentos das testemunhas F…, O… e P…, cujos depoimentos se mostraram credíveis e coerentes entre si e que sustentam a versão aos autos trazida por este arguido, como infra se explicará, conjugados, ainda, com os exames médico-legais e registos clínicos juntos aos autos. Concretizando: O arguido C… descreveu, com minúcia (e deixando perceber, ainda hoje, perturbação ao relatar o sucedido), o sucedido no dia a que os factos se reportam, estabelecendo dois momentos temporais, sequenciais, mas ainda assim distintos. Relatou que, quando chegava a casa, viu duas pessoas perto de entrada da mesma, sendo que, quando se aproximou pode ver que se tratavam de dois jovens a falar ao telemóvel, tendo optado, em face do que vinha sucedendo, por não entrar em casa, seguindo. Cerca de 5 minutos depois regressou no sentido de sua casa, uma vez que não via já ninguém, sendo nesse momento que, quando se encontrava a cerca de 20 metros da entrada da sua residência, saíram 5 jovens de trás de uma viatura, rodeando-o. Apesar de ter recuado e ter tentado obter refúgio nos logradouros das habitações ali existentes, não o conseguiu fazer, por se encontrarem com os portões fechados à chave, tendo, então, o arguido D…, sem mais, lhe desferido um murro na face. O arguido relatou que gritou por socorro, sendo que, ao mesmo tempo, era agredido pelos arguidos da forma descrita na acusação, com murros, pontapés, tendo o arguido D… ido buscar um pau, com o que o atingiu em cima de um olho. Gritando por socorro, exibe a faca que traz consigo, libertando-se, assim, do cerco que lhe era feito e começa a correr na direcção de sua casa, sendo perseguido, ao mesmo tempo que ouvia dizer “Apanha, apanha o gajo, vamos atrás dele, passa-lhe uma rasteira”. Não conseguindo entrar em casa, mercê da perseguição que lhe era movida, continuou a fuga, tendo, então, lugar o segundo momento temporal: ficou cercado pelos co-arguidos, momento em que, para afugentar os mesmos, agitou a faca que tinha consigo na direcção dos mesmos, ao mesmo tempo que estes se iam, à vez, e de forma alternada, aproximando de si, confirmando que um dos co-arguidos ficou ferido, sentindo que o atingiu. É, então, nesse instante que se consegue libertar, indo refugiar-se e procurar ajuda nas imediações. Os factos descritos são, ainda que em parte, corroborados pelas testemunhas F…, vizinho do arguido C…, e O…, depoimentos que se mostraram essenciais em ordem a fixar a sequência temporal do sucedido naquela noite. A testemunha F…, de forma irrepreensivelmente credível (não mantendo, com qualquer dos arguidos, qualquer relação de amizade ou inimizade que pudesse contingentar o seu depoimento), descreveu que, naquela noite, da janela de sua casa, ouviu a voz do arguido C…, a pedir socorro, tendo visto, então, um conjunto de pessoas (mais do que três), a baterem no mesmo, designadamente com um pau e aquele no meio deles, “aflito”. Explicou que o ocorrido teve lugar mesmo em frente a sua casa, sendo a rua dotada de iluminação pública, pelo que não tem dúvidas do que relatou. Vendo o que sucedia – explicou - desceu e ainda viu o arguido C… a fugir, sendo perseguido pelos demais indivíduos, após o que regressou a casa. Este depoimento sustenta, sem reservas, as declarações do arguido C… quanto ao 1º segmento temporal da noite a que os factos se reportam. A testemunha O…, por sua vez, cujo depoimento nos conduz, já, ao segundo segmento temporal dos factos, relatou que em 19/02/2008, quando se encontrava a jantar em casa, ouviu um barulho, o que o motivou a vir ver o que se passava, tendo visto, a sair da escuridão, um vulto, que veio a ver tratar-se do arguido C…, “ofegante”, relatando que vinha a fugir de um grupo de indivíduos que lhe batiam. Ouviu, então, mais vozes e pessoas que se aproximavam da entrada do portão da sua residência, perguntando por um senhor que teria agredido outro com uma faca, manifestando intenções de entrar. Foi, então, solicitada a intervenção policial, tendo a testemunha P…, agente da PSP de …, se deslocado ao local, que confirmou que encontrou o arguido C… nas imediações do local onde se encontrava o arguido B… a ser socorrido, com uma faca, que voluntariamente lhe entregou, tendo a mesma sido apreendida, conforme auto de fls. 6 e exame de fls. 187. Relevante se torna, agora, proceder à leitura e análise do descrito chamando à colação outros elementos relevantes que auxiliaram o Tribunal a formar a sua convicção, designadamente quanto ao descrito em 19 a 23. Vejamos. Os demais co-arguidos apresentaram, em audiência de julgamento, quanto aos factos que lhe são imputados, uma versão vazia de qualquer credibilidade à luz das regras da normalidade. De facto, e pese embora algumas incoerências nos seus depoimentos, no essencial, pretenderam fazer crer ao Tribunal que se cruzaram com o arguido C…, que não conheciam, tendo-se apercebido que este seguia munido de uma faca, pretendendo, em face disso, imobilizá-lo até chegarem as autoridades policiais, numa conduta de elevada civilidade pouco comum em jovens da idade dos arguidos. Ou seja: reconhecendo a sua presença no local naquele dia e hora, bem como a abordagem ao arguido C… e o encetamento de uma perseguição ao mesmo quando este pretendia fugir pretenderam fazer crer ao Tribunal que em momento algum este foi agredido, da forma descrita, tendo sido este quem, sem mais, agrediu o arguido B… com uma faca. Ora, tal versão dos factos é, desde logo, contrariada pelo depoimento da testemunha F… que, conforme supra se explicitou, presenciou o arguido C… a ser agredido pelos demais co-arguidos, designadamente com um pau, e bem assim não explica as lesões documentadas nos registos clínicos do arguido C…, na noite dos factos, juntas a fls. 438 e ss. dos autos. Por outro lado, não pode dividir-se no ocorrido na noite de 19 de Fevereiro de 2008 do anteriormente ocorrido com o co-arguido C… e que igualmente resultou como provado, pois que só assim se compreende o quadro global em que este actuou e que explica a sua conduta. Na verdade, o arguido C…, como resulta provado, vinha sendo alvo de ameaças, que não se esgotavam em si mesmas, mas compreendiam já com expressões já significativas de intenções de concretização das mesmas (como o facto de ter sido anteriormente agredido, sem mais, no café, de terem propalado ameaças contra a sua vida para o interior da sua residência e de a porta da mesma ter sido derrubada). No dia 19/02/2008, os factos têm lugar à noite, quando o arguido C… se encontrava sozinho, sem ninguém nas imediações que o pudesse socorrer, cercado por um grupo de indivíduos que, para além da superioridade numérica, contavam também com a vantagem de serem muito jovens. Não pode escamotear-se, ademais, o facto de o arguido, tempos anteriores, se ter visto já ficar sozinho, sem a esposa e o filho menor, que, em face dos acontecimentos sucedidos, se refugiaram em Montalegre. E, num primeiro momento, o arguido C… se liberta do grupo em causa com a exibição da dita faca, o certo é que, ainda assim, os co-arguidos não desistiram dos seus intentos, perseguindo-o, acabando por o encurralar e cercar, deixando-o numa posição de manifesta inferioridade nos meios de defesa de que podia socorrer-se e lançar mão. Chamando à colação das regras da experiência comum e fazendo apelo ao homem médio normal colocado perante aquelas circunstâncias concretas, ficou o Tribunal convicto que o arguido C…, ao desferir com a faca no arguido B…, actuou não com intenção de atentar contra a vida deste ou contra a sua integridade física, nem tão pouco se conformou com tal possibilidade, tendo antes actuado de forma a repelir a agressão de que estava a ser vítima, visando proteger a sua integridade física e mesmo a sua vida, sendo que, naquelas circunstâncias, não tendo a quem pedir ajuda, encontrando-se sozinho e sendo noite, não vislumbrava meios alternativos em ordem a tal protecção. No que respeita aos factos vertidos em 24 a 27, factos esses atinentes ao pedido de indemnização civil formulado pelo demandante C…, estribou a sua convicção na conjugação dos depoimentos das testemunhas K… e L…, respectivamente sogra e esposa do mesmo, que pelas relações de parentesco mantidas, experimentaram a angústia, tristeza e pânico sentido pelo demandante, sentimentos esses absolutamente compatíveis com as regras da experiência comum à luz do ocorrido. Relevantes nesta sede foram igualmente os depoimentos das testemunhas Q…, S…, ambos professores universitários e colega do arguido C…, que atestaram, de forma credível, o estado de espírito que o demandante deixava perceber bem como as alterações que puderam notar na forma como trabalhava, designadamente o facto de ter deixado de investir na parte de investigação de colaboração em obras, notando-o mais retraído, muito cauteloso nos seus movimentos e comportamentos, muito abalado, na tradução clara de alguém que viam sob uma enorme pressão, angustiado. Os depoimentos em causa foram ainda conjugados com o teor dos documentos de fls. 517 a 523 (exame médico-legal do demandante), os registos clínicos de fls. 438 e ss e bem assim os documentos de fls. 952/953, estes suportando os danos patrimoniais alegados. No que tange aos factos considerados como provados em 28 a 34, estes reportados às consequências sofridas pelo arguido/demandante B…, valorou o Tribunal os depoimentos das testemunhas Dra. T…, psicóloga, que justificou cabalmente a sua razão de ciência com o facto de ter acompanhado o arguido em causa entre 11 de Março de 2008 a 13/10/2009, tendo subscrito o relatório junto a fls. 616/617, cujo teor integralmente subscreveu em sede de audiência de julgamento, asseverando que os factos descritos tiveram neste demandante um impacto profundo e traumático, com alterações na estrutura da personalidade, apresentando sintomatologia depressiva e ansiosa e com um comportamento híper-vigilante; da testemunha X…, amigo do demandante, que relatou ao Tribunal que, após o sucedido, passou a ver o mesmo mais revoltado, não gostando de falar no assunto, refugiando-se mais em casa, evitando sair da mesma forma, sendo patente que sente de forma particularmente dolorosa o dano estético da cicatriz com que ficou. Também a testemunha U…, mãe do demandante, de forma credível, explicou ao Tribunal as alterações que vivenciou no seu filho após o sucedido, que reconduziu ao facto de se encontrar muito mais impaciente, tapando a cicatriz que ostenta com lenços, mesmo no Verão, muito revoltado, sofrendo de pesadelos nocturnos, isolando-se mais dos amigos. Tais depoimentos, coligidos com o relatório de fls. 616/617 e com o exame médico-legal de fls. 627 e ss. e registos clínicos, mormente do INEM, juntos aos autos, documentadores da assistência clínica a que o mesmo foi sujeito e as intervenções de que, em face do sucedido, foi alvo, formaram a convicção do Tribunal quanto aos factos descritos e ora analisados na sua motivação. Por fim, quanto às condições pessoais, sociais e económicas dos arguidos, vertidas em 35 a 38, o Tribunal valorou, nesta sede, as declarações dos arguidos, prestadas, os relatórios sociais juntos aos autos e quanto aos seus antecedentes criminais (ou ausência dos mesmos), no teor dos certificados de registo criminal juntos aos autos. * Dos Factos Não Provados:No que concerne ao facto descrito em A) e correndo o risco de nos repetirmos, dir-se-á que, em face das declarações do arguido C…, devidamente coligidas com o depoimento da testemunha F… e O… quanto ao dia 19/02/2008 em particular e os demais quanto ao período de tempo que antecedeu tal dia, e bem assim com as regras da experiência comum, ficou o Tribunal convicto que o arguido C… não tinha intenção nem queria atingir o arguido B… de forma a colocar em risco a sua integridade física ou mesmo a sua vida, mas apenas defender a sua própria. Relembramos que no quadro da situação - que não se revela de todo simples - o arguido C… vinha sendo ameaçado de forma recorrente, experimentado já manifestações concretas de intenção de concretizar tais ameaças, o que havia já levado a sua esposa e filho a deixarem a casa de morada de família para própria protecção. O descrito culmina numa noite de Inverno, em que o arguido se acha sozinho, na rua, sem ter ninguém nas imediações de quem se socorrer, cercado por um grupo de jovens, em superioridade numérica e de força física em razão da idade, sendo que, qualquer homem médio, colocado perante aquelas circunstâncias concretas e tendo vivenciado os episódios anteriores, sentiria pânico e terror num momento daqueles, temendo pela própria vida e tentando defendê-la. Não é demais não esquecer que, nessa mesma noite, o arguido havia sido já agredido pelos demais co-arguidos, inclusivamente com um pau, tendo conseguido, num primeiro momento, fugir, vindo a ser perseguido pelos demais co-arguidos, que o cercam, deixando-se sem saída. Todos estes elementos de prova, analisados no seu conjunto, levaram o Tribunal a concluir da forma descrita, Quanto ao descrito em B), nenhuma prova, testemunhal inclusive, foi feita no sentido de que o arguido B… havia já efectuado trabalhos como modelo fotográfico, apenas tendo as testemunhas ouvidas nesta sede referido que o mesmo havia feito um “book”, ou seja, um livro de apresentação, por iniciativa própria, tendo mesmo a testemunha U…, mãe do arguido, referido que ele chegou a recusar trabalhos posteriormente pelo facto de ter a cicatriz (sendo a recusa de mote próprio do demandante), o que a testemunha V… e W… também referiram (sendo que nesta sede, pouco ou nada de relevante trouxeram em audiência de julgamento quanto ao estado de espírito do arguido B…). * DO DIREITOComo atrás aludimos, os recursos são delimitados pelas conclusões, extraídas da respectiva motivação. No caso concreto, o recorrente põe em causa a motivação e fundamentação da sentença, bem como a consequente aplicação do direito, feita pelo Tribunal recorrido, situando a questão ao nível do erro notório na apreciação da prova, por um lado na parte em que decidiu absolver o co-arguido C… e por outro na parte em que o condenou, reportando-se tais circunstâncias tanto a nível criminal como civil. Embora na motivação deixe a certo momento dúvidas sobre se pretendia impugnar a matéria de facto, a verdade é que atento o teor das conclusões, tal possibilidade é de excluir. Como é sabido, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito (artº 428º do cód. procº penal), o recurso pode ter como fundamento a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, devendo, nesse caso, o recorrente teria de dar cumprimento ao disposto no artº 412º, nº 3, do cód. procº penal, o que manifestamente não ocorreu no caso concreto. Assim, no que respeita à condenação do arguido/recorrente o mesmo limita as suas conclusões ao seguinte: - “É notória a incongruência que resulta da descoordenação factual patente e da fundamentação da decisão quanto à matéria de direito, (cls. 1). - A prova produzida em julgamento não permite concluir que o B…, ora Recorrente, tivesse praticado, em coautoria, o crime que lhe foi sentenciado (ofensas à integridade física qualificadas), (cls. 2); - Impunha-se, por lógica implicância, que o Tribunal a quo tivesse absolvido o B…”, (cls. 3); Ao certo nem se compreende bem que vício imputa à sentença recorrida, mas tendo em conta o teor da motivação depreende-se que pretendeu apontar essencialmente o denominado erro notório na apreciação da prova, previsto no artº 410º nº 2, al. c) do cód. procº penal. Tanto este, como os demais aí previstos são de conhecimento oficioso e devem resultar do texto da sentença em si mesma. Quanto ao mais, o recurso assenta basicamente na discordância do recorrente em relação ao facto do co-arguido e também vítima, C… ter sido absolvido (civil e criminalmente) por se considerar que actuou em legítima defesa da sua própria vida. Vejamos. Apreciando em primeiro lugar a condenação do arguido B…/recorrente e analisada a sentença recorrida, quer ao nível dos factos provados, quer da própria fundamentação, análise crítica da prova e raciocínio lógico explicitado pelo Tribunal “a quo”, desde já se diga que não vislumbramos onde possa residir o erro notório na apreciação da prova, nem aliás o mesmo o especifica ao longo do seu recurso. Também não se pode falar em contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão. Uma coisa é a existência de erro na apreciação da prova ou mesmo erro de julgamento e outra é a discordância do condenado em relação à apreciação, valoração e fundamentação feita pelo tribunal. A prova de um facto deve resultar da análise crítica do conjunto das provas apresentadas e discutidas em audiência de julgamento (artº 374º nº 2 do cód. procº penal) o que no caso se mostra devidamente realizado. Não podemos esquecer o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artº 127º do cód. proc. penal, que refere: “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Tal princípio não é absoluto, e entre as excepções a tal regra incluem-se o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados, o caso julgado, a confissão integral e sem reservas no julgamento e a prova pericial, cfr. Ac. STJ, de 1-10-08, Proc. nº 08P2035, in www.dgsi.pt. Para que se pudesse verificar um erro notório na apreciação da prova deveria existir uma manifesta discrepância entre o que se escreveu na fundamentação (mormente na análise das provas) e os factos dados como provados e não provados ou ainda entre os factos dados como provados e a aplicação do direito, o que claramente não resulta da sentença recorrida. “Há erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que está notoriamente errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando de um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (…)”, - cfr. Leal-Henriques e Simas Santos no Código de Processo Penal Anotado, vol. II, 2ª edição, pág. 740, em anotação ao artigo 410º. «O erro notório na apreciação da prova consubstancia-se na incorrecção evidente da valoração, apreciação e interpretação dos meios de prova, incorrecção susceptível de se verificar, também, quando o tribunal retira de um facto uma conclusão ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum», - cfr. Ac. STJ de 19.07.2006 relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes e disponível em www.dgsi.pt/stj. Como bem salientou o Ac. do Tribunal Constitucional 198/2004 de 24/03/2004, D.R. II Série, de 02/06/2004 - «a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de quaisquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. De outra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.»[2] Também o vício previsto na al. a) do nº 2 do artº 410º do cód. procº penal é de excluir. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, ocorre quando a matéria de facto [dada como provada] se mostra exígua para fundamentar a solução de direito encontrada, ou seja, quando da factualidade vertida na decisão se constata a falta de elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição – neste sentido, cfr. Acórdão do S. T. J. de 05.12.2007, proferido no processo 07P3406, disponível em www.dgsi.pt. O que claramente não resulta da sentença recorrida. O mesmo se diga em relação a contradições insanáveis entre a fundamentação ou entre esta e a decisão, (artº 410º nº al. b) do cód. procº penal), que em relação à situação do recorrente simplesmente não existem. Assim, no tocante à imputação dos factos de relevância criminal e civil ao arguido B…, bem como à qualificação jurídica que dos mesmos foi feita pelo Tribunal “a quo”, nada há a censurar, sendo por isso, manifestamente infundada a pretensão do recorrente. O recurso improcede neste ponto. * Passando agora à análise da sentença na parte em que absolveu o C… do crime que lhe fora imputado pela acusação, homicídio privilegiado, na forma tentada, p. e p. pelo artº 133º nº 1 do cód. penal, com referência ao artº 22º do mesmo diploma, bem como do pedido cível, importa apreciar a factualidade provada e não provada, relativamente a este arguido, (e vítima simultaneamente). Alega o recorrente o seguinte a este propósito: - “(…) a prova produzida em audiência de julgamento, impunha que fosse declarada a ilicitude da conduta do arguido C…, (cls. 4); - O C…, ao golpear o B… no pescoço, causando-lhe laceração da carótida, tinha consciência das características corto-perfurantes da faca com que se munira há já vários dias e da perigosidade e consequências que poderiam advir da sua utilização como arma de defesa, (cls. 5); - O C… procurou atingir, como aliás atingiu, uma zona do corpo do B… de enorme vulnerabilidade, sabendo bem que o golpe desferido no pescoço poderia ser fatal, (cls. 6); - Sendo certo que o arguido C… agiu para repelir uma agressão actual ou eminente, fê-lo conscientemente e com premeditação, recorrendo a meio desproporcionado e extravasando claramente o “animus deffendendi”, (cls. 7). Parece claro que o recorrente admite que o C… agiu em legítima defesa ao usar a faca que transportava consigo, simplesmente entende que houve excesso e por isso a sua conduta deve ser considerada ilícita, culposa e aquele condenado criminal e civilmente. Realçamos antes de mais que a factualidade dada como provada e não provada pelo Tribunal “a quo” não foi impugnada nos termos do artº 412º nº 3 do cód. procº penal, o recorrente simplesmente se limitou a discordar da valoração feita pelo tribunal recorrido e invocou vícios (também não devidamente especificados, diga-se), que já verificámos não terem fundamento. Impõe-se no entanto uma abordagem sobre os factos dados como “provados” e “não provados” que permitiram ao Tribunal “a quo” excluir a ilicitude da conduta do arguido C…. Provou-se no tocante a este que: - “O arguido C… actuou da forma descrita encontrando-se num estado de pânico e medo, sentindo-se fortemente intimidado e temendo pela sua vida, face às ameaças de que vinha sendo vítima, designadamente por parte dos arguidos, (19). - O arguido C… actuou igualmente da forma descrita por estar convicto, quando se viu cercado e agredido por estes, que iriam por em prática as ameaças propaladas, querendo, com a sua conduta, defender a sua vida, (20). - O arguido C… encontrava-se sozinho perante 4 indivíduos mais jovens, que o cercavam, não se encontrando qualquer outra pessoa nas imediações que o pudesse socorrer, (21). - Num primeiro momento, o arguido apenas empunhou o instrumento supra referido como forma de dissuadir os co-arguidos de se aproximarem e só se socorreu do mesmo em face da recorrente aproximação destes da sua pessoa, tendo atingido o arguido B… como forma de preservar a sua integridade física ou mesmo a sua vida, de molde a que os co-arguidos se afastassem, fazendo-o para se defender, constituindo este o único meio de resposta que tinha perante o número de indivíduos que o rodeavam, em superioridade numérica e de força, (22). - Actuou de forma livre, voluntária e consciente”, (23). Por seu turno foi dado como não provado que: - “O arguido C… actuou da forma descrita prevendo e aceitando como consequência possível da sua conduta que a utilização do objecto descrito, naquelas circunstâncias e na zona do corpo por si visada e atingida, era susceptível de causar a morte a B…, conhecendo o carácter ilícito e criminalmente punido da sua conduta”, (al. a). Perante estes factos, parece-nos que a imputação do crime de homicídio, ainda que privilegiado estaria sempre excluída, todavia, persiste uma conduta típica susceptível de enquadrar na prática de um crime de ofensas à integridade física. A questão que se coloca é a de saber se a ilicitude se deve considerar excluída por força da verificação dos pressupostos da legítima defesa, como o entendeu a decisão recorrida. O legislador afastou do campo da ilicitude e, consequentemente, da punibilidade o facto praticado em legítima defesa, nos termos do artigo 31º, nº 1 e 2, alínea a), do cód. penal Nos termos do artº 32º do cód. penal: “constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão atual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiros”. É pacífico entre a doutrina e a jurisprudência, que a verificação da legítima defesa pressupõe o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: a) Agressão actual e ilícita; b) O “animus deffendendi”; c) A necessidade do meio empregado; e, d) A impossibilidade de recorrer em tempo útil à força pública. A legítima defesa, como causa de exclusão da ilicitude, constitui o exercício de um direito: o direito de legítima defesa que tem, entre nós, assento na Constituição da República, (artº 21º), no Código Civil, (artº 337º e 338º) e, como referimos, previsto para efeitos penais no art. 31º nº 2 al. a) e 32º do ambos do cód. penal, estando dependente a sua capacidade exclusória da ilicitude da verificação dos seguintes requisitos acima assinalados ou seja uma defesa necessária e com intenção defensiva. A decisão de excluir a ilicitude da conduta do co-arguido C… foi analisada pelo Tribunal recorrido à luz do contexto global em que ocorreram os factos. Ficou claramente demonstrada a existência de um clima de confronto e perseguição ao C… em consequência das questões de vizinhança assinaladas; havia um clima de ameaça e agressão que o mesmo vinha sofrendo, o que o levou a andar com uma faca no bolso para se precaver de mais agressões, sendo inclusive a sua família, mulher e filho obrigados a afastarem-se da casa de morada de família, para Montalegre com medo da concretização das ameaças que vinham sendo feitas. Os factos provados vieram a ocorrer neste contexto e depois de outras agressões e perseguições, numa noite em que o arguido seguia sozinho, na rua, sem ter ninguém nas imediações de quem se socorrer, tendo então sido cercado por um grupo de jovens, em superioridade numérica e de força física em razão da idade, que logo o começaram a agredir com um pau enquanto um deles dizia “vamos matá-lo já”[4]. É de linear compreensão que num cenário desta natureza o agredido se socorra do objecto mais adequado que tinha para defender a própria vida, tanto mais que nessa noite já havia sido agredido pelos demais co-arguidos, inclusivamente com um pau, tendo conseguido fugir num primeiro momento, vindo a ser perseguido pelos demais co-arguidos, que o cercaram, deixando-se sem saída. Sobre esta matéria escreveu o Cons. Oliveira Mendes no seu Douto acórdão acima citado[5]: - «Conquanto parte da nossa jurisprudência e certo sector da doutrina continuem a exigir, como elemento ou requisito essencial da legítima defesa, a ocorrência de animus defenddendi, isto é, a vontade ou intenção de defesa, muito embora com essa vontade possam concorrer outros motivos, tais como indignação, vingança e ódio, a verdade é que a doutrina mais representativa defende que o elemento subjectivo da acção de legítima defesa se restringe à consciência da «situação de legítima defesa», isto é, ao conhecimento e querer dos pressupostos objectivos daquela concreta situação, o que se justifica e fundamenta no facto de a legítima defesa ser a afirmação de um direito e na circunstância de o sentido e a função das causas de justificação residirem na afirmação do interesse jurídico (em conflito) considerado objectivamente como o mais valioso, a significar que em face de uma agressão actual e ilícita se deve ter por excluída a ilicitude da conduta daquele que, independentemente da sua motivação, pratica os actos que, objectivamente, se mostrem necessários para a sua defesa». Em face do exposto não temos dúvidas em sufragar o entendimento do Tribunal “a quo” de que o C… actuou em legítima defesa da sua integridade física e da própria vida, ao defender-se com a faca que trazia consigo, considerando assim verificados todos os pressupostos da legítima defesa. Facto este, que o recorrente até aceita no seu recurso[6]. No entanto não podemos ignorar que a lei exclui a legítima defesa perante excesso dos meios empregados (art. 33°, nº l, do cód. penal), dispensando porém o agente de punição quando o excesso resultar de perturbação, medo ou susto, não censuráveis (art. 33°, nº 2, do cód. penal). No caso em apreço, o tribunal “a quo” deu como provado que o C…, aquando dos factos, não dispunha de outros meios de defesa, para além do utilizado, e que ”num primeiro momento, o arguido apenas empunhou o instrumento supra referido como forma de dissuadir os co-arguidos de se aproximarem e só se socorreu do mesmo em face da recorrente aproximação destes da sua pessoa, tendo atingido o arguido B… como forma de preservar a sua integridade física ou mesmo a sua vida (cfr. facto nº 22), de molde a que os co-arguidos se afastassem, fazendo-o para se defender, constituindo este o único meio de resposta que tinha perante o número de indivíduos que o rodeavam, em superioridade numérica e de força. Inclinamo-nos para considerar a inexistência de excesso de legítima defesa, tendo em conta não só o circunstancialismo referido em que os factos ocorreram, os antecedentes da ocorrência, o medo em que vivia o C… e família (factos determinantes para que o mesmo andasse munido daquele objecto) e sobretudo porque decorre da análise da prova que o mesmo empunhou a faca só depois de ser fortemente agredido e não a dirigiu a ninguém em especial, antes agitou o braço com a faca no ar de modo a afastar os agressores, em número de quatro, o que demonstra que o seu objectivo primordial era ver-se livre de quem o atacava e não matar ou ferir. A razão porque foi o B… a ser atingido e não outro ficou a dever-se à provável persistência da agressão por parte deste que não se intimidou com a faca. O direito não exige a quem quer que seja que recorra à fuga para evitar uma agressão. Não se pode pretender, sob pena de desonra, que alguém seja forçado, para evitar uma agressão, a recorrer à fuga, [que neste caso a vítima nem conseguiu] ou mesmo a recorrer à força pública, abandonando entrementes a defesa do direito, sendo pois inadmissível a exigência de que o agredido deve procurar salvar-se pela fuga[7]. Assim, encontrando-se justificada, por razões óbvias, a posse da faca, estando o C… a ser agredido daquela forma por 4 elementos mais jovens, em que um deles apela para que o matassem e não tendo ninguém à sua volta que o pudesse socorrer parece-nos razoável concluir como o fez o tribunal “a quo”. Convém ter presente que o excesso de legítima defesa se situa entre as causas de exclusão da culpabilidade ou seja, circunstâncias que impedem que determinado acto considerado ilícito pela lei, seja atribuível de forma culposa ao seu autor, motivos que anulam, pois, o conhecimento ou a vontade do agente, o que não nos parece ter acontecido no caso que analisamos. Numa situação em certos pontos similar, se pronunciou o Douto acórdão do STJ, relatado pelo conselheiro Simas Santos: - «A necessidade da defesa há-de apurar-se segundo a totalidade das circunstâncias em que ocorre a agressão e, em particular, com base na intensidade daquela, da perigosidade do agressor e da sua forma de agir. - Não age com excesso de legítima defesa quem: - vira momentos antes o seu domicílio invadido, violado e danificado por 8 pessoas, armados de paus, ferros e tacos de basebol, fora agredido por eles e assistira impotente à agressão da sua mulher e à produção de vultosos danos; e - que nessa altura conseguira munir-se de uma pistola e efectuar disparos para o ar, com o intuito de amedrontar os demais arguidos levando-os a abandonar o seu domicílio; - aqueles fugiram mas preparavam-se para entrar de novo na residência do recorrido, por julgarem tratar-se de uma pistola de alarme, tendo o agente ainda tentado fechar a porta da sua residência sem o conseguir; - perante essa situação, tornou a efectuar dois disparos para o ar, que, no entanto, se revelaram infrutíferos, continuando os demais arguidos e, nessas circunstâncias, disparou mais 2 tiros que atingiram os dois arguidos que encabeçavam o grupo colocando em fuga todos os restantes elementos», - Cfr. Ac. STJ de 18.04.2002 - Simas Santos, disponível em www.dgsi.pt/stj. Estando excluída a ilicitude da conduta do C…, naturalmente que o pedido cível que sobre ela assentava é igualmente de julgar improcedente. É um facto que a culpa criminal e a culpa civil podem não ser coincidentes, mas neste caso, nem há que falar em culpa, quando o acto não é em si ilícito, pelo que, se exclui o direito a qualquer indemnização com base nos factos provados e cometidos pelo C… contra o recorrente B…. O recurso improcede assim na totalidade. * DECISÃO* * * Nestes termos, acordam os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto por B…. * Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (cinco unidades de conta). * Porto 15 de Abril de 2015Augusto Lourenço[8] Moreira Ramos ___________ [1] - Cfr. Ac. STJ de 19/6/1996, BMJ 458, 98. [2] - Cfr. Tribunal Constitucional in www.tribunalconstitucional.pt/acordaos. [3] - Sublinhado nosso. [4] - Cfr. facto provado so o nº 13 in fine. [5] - Idem, Ac. STJ de 19.07.2006, disponível em www.dgsi.pt/stj [6] - Cfr. conclusão nº 7 do recurso. [7] - Idem, Ac. STJ de 19.07.2006, Cons. Oliveira Mendes, disponível em www.dgsi.pt/stj. [8] - Elaborado e revisto pelo relator, sendo da sua responsabilidade a não aplicação do acordo ortográfico. |