Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
591/14.9TBVLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: MANDATO JUDICIAL
RESPONSABILIDADE CIVIL
PERDA DE CHANCE
Nº do Documento: RP20150623591/14.9TBVLG.P1
Data do Acordão: 06/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A perda de chance, enquanto dano autónomo suscetível de reparação, não dispensa um juízo sobre a sua seriedade, consistência e grau de probabilidade, uma vez que só a perda de oportunidade que reúna estes predicados é suscetível de caracterizar a posição favorável preexistente que integrava a esfera jurídica do lesado por aquela eliminada.
II – Não demonstrando o autor as razões que justificariam o recurso não admitido e de cujo despacho de não admissão, o seu advogado, por falta de diligência, não reclamou atempadamente, não se pode concluir pela seriedade, consistência e grau de probabilidade da oportunidade que acusa perdida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 591/14.9TBVLG.P1
Valongo

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório.
1. B…, residente no …, …, .º dto., em São João da Madeira, a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Tomar, instaurou contra C…, advogado, com escritório na …, …, .º Bl, …-.º dto F, em Vale de Cambra.
Em síntese, alegou que:
Constituiu o réu como seu mandatário no processo-crime que correu termos no Tribunal Judicial de Valongo no qual veio a ser condenado, por acórdão de 19/12/2012 desta Relação, na pena única de oito anos de prisão.
No exercício do mandato que o autor lhe conferiu, o réu recorreu do acórdão e o recurso não foi admitido, com fundamento na sua irrecorribilidade.
O réu apresentou então reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça do despacho que não admitiu o recurso o que fez fora de prazo e não obstante notificado para proceder ao pagamento de multa, com a advertência que não o fazendo se considerava perdido o direito de praticar o ato, o réu não pagou a multa e a reclamação não foi admitida.
O autor foi preso para cumprimento da pena e o réu recorreu do despacho que ordenou a condução do autor ao estabelecimento prisional o que fez fora de prazo, designadamente do prazo que lhe permitia praticar o ato com o pagamento de multa, razão pela qual o recurso, por intempestivo, não foi admitido.
Ao apresentar a reclamação e o recurso fora de prazo, o réu agiu de forma negligente e não defendeu os interesses do autor, como era sua obrigação e decorre dos deveres consignados no Estatuto da Ordem dos Advogados.
Em consequência da atuação do réu o autor foi preso, viu reduzido para 1/3 o vencimento base que auferia enquanto militar da Guarda Nacional Republicana e foi-lhe retirado o suplemento forças de segurança, o que lhe causou já um prejuízo de € 7.818,58, para além do prejuízo que lhe advirá da falada redução enquanto se mantiver a prisão.
Para além destes danos patrimoniais, a atuação do réu provocou ao autor danos relacionados com a privação da sua liberdade e do convívio com a sua família que o autor computa em € 50.000,00.
Como resultado direto da atuação do réu o autor foi objeto de processo disciplinar desconhecendo o autor qual será o seu desfecho propondo-se liquidar em execução de sentença os prejuízos decorrentes da pena que eventualmente lhe venha a ser aplicada.
Concluiu pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia € 57.818,58, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos prejuízos referentes á redução remuneratória que continua a suportar e da indemnização dos prejuízos decorrentes da pena disciplinar que lhe vier a ser aplicada, a liquidar em execução de sentença e juros sobre as quantias em que o réu venha a ser condenado.
Citado, o réu não contestou.

2. Foi proferido despacho que afirmou a regularidade da citação e considerou provados os factos alegados pelo autor e depois foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o réu dos pedidos.

3. O recurso.
É desta sentença que o autor recorre, exarando as seguintes conclusões que se transcrevem:
“A)- Vem o presente Recurso da douta decisão de fls.... pela qual, julgou totalmente improcedente a acção, absolvendo o Réu dos pedidos;
B)- A Douta Decisão ora posta em crise é errada;
C)- Relativamente à fundamentação, para a total improcedência da acção, de que, quanto ao recurso do despacho que ordenou a passagem dos mandados de detenção para cumprimento de pena, por alegadamente o arguido não ter sido notificado pessoalmente das decisões subsequentes à decisão da primeira instância, não se vislumbra nenhuma possibilidade de sucesso a essa intenção, não se percebendo sequer qual o alcance desse recurso, diga-se, com o devido respeito, que a ausência de vislumbre de sucesso advém unicamente do facto do Tribunal não ter sequer percebido o alcance desse recurso;
D)- O alcance do recurso do despacho que ordenou a passagem dos mandados de detenção para cumprimento de pena, por alegadamente o arguido não ter sido notificado pessoalmente das decisões subsequentes à decisão da primeira Instância reside no facto de, a ser assim, pela fundamentação constante nas respectivas alegações, que constam da certidão junta aos Autos e aqui se invocam e se dão por inteiramente reproduzidas para todos os efeitos legais, e pelo disposto no artigo 113º, nº10 do Código de Processo Penal pelo qual a notificação do Douto Acórdão da Relação do Porto, assim como a decisão de não admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, deveriam ter sido notificados pessoalmente ao Arguido, ora Apelante, e não somente ao seu advogado, contando-se o prazo para a prática de acto processual subsequente a partir da data da notificação efectuada em último lugar, não tendo ocorrido aquela notificação pessoal do Arguido, ora Apelante, não teria ainda sequer começado a contagem do prazo para aquela reclamação, não tendo, por isso, ainda ocorrido sequer o trânsito em Julgado, e daí existir, com o devido respeito por opinião contrária, o máximo de probabilidade de sucesso neste concreto recurso;
E)- O recurso do despacho que ordenou a passagem dos mandados de detenção para cumprimento de pena de prisão ao ser apresentado de forma extemporanea, impediu a concretização de tal desiderato, concretizando-se o trânsito em Julgado e o imediato cumprimento da pena de prisão efectiva a que fora condenado;
F)- Não tendo tal recurso do despacho que ordenou a passagem dos mandados de detenção para cumprimento de pena sido apreciado, devido à sua rejeição por não ter sido apresentado dentro do prazo legalmente admissível para o efeito, não se concretizou a apreciação da reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça da não admissão do recurso do Douto Acórdão da Relação do Porto, havendo total perda de chance face à máxima probabilidade de sucesso neste concreto recurso;
G)- Pelo que no caso do recurso do despacho que ordenou a passagem dos mandados de detenção para cumprimento de pena encontra-se totalmente preenchida a definição de perda de chance sufragada na Douta Sentença;
H)- Por outro lado, quanto à outra fundamentação para o entendimento de não concretização da figura de perda de chance, isto é, quanto à improbabilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ser admitido e, no caso, improvável, de o ser, na improbabilidade de tal recurso ter sucesso e conduzir à absolvição do arguido ou, já numa hipótese marginal, levar a que não lhe fosse aplicada pena de prisão efectiva, diga-se, com o devido respeito, não se concordar com tal posição, estando tal desacordo intrinsecamente inerente ao desacordo com a definição de perda de chance sufragada na Douta Sentença;
I)- Com o devido respeito pela posição assumida na Douta Sentença e sufragada pela Doutrina e Jurisprudência a que aquela se refere, e com a humildade que é sempre devida, principalmente nos casos em que se contraria a posição eventualmente dominante, aquela definição de perda de chance indicada na Douta Sentença não colhe, não se podendo aderir à mesma num único, pequeno, mas primordial aspecto: O da dependência de uma probabilidade altamente razoável; Isto é, na tese sufragada peloTribunal apenas estaremos perante verdadeira perda de chance se probabilisticamente foi altamente razoável supor a obtenção de uma vantagem ou a não verificação de uma desvantagem;
J)- É nosso modesto entendimento que não há que estabelecer uma qualquer dose de prognose na definição da figura de perda de chance que definimos como um dano (actual) autónomo consubstanciado numa frustração irremediável, por acto ou omissão de terceiro, de verificação de obtenção de uma vantagem ou de não verificação de uma desvantagem;
K)- Esta definição, com o devido respeito, que é muito, pela sufragada pelo Tribunal, é que melhor resolve a questão de erro na prognose exigida pela definição assumida pelo Tribunal, o que aliás se constatou, como se demonstrou, no caso vertente relativamente ao recurso do despacho que ordenou a passagem dos mandados de detenção, cuja prognose falha radicalmente por não se ter atingido o alcance do mesmo;
L)- Estaremos sempre perante a figura da perda de chance verificando-se a frustação irremediável quer da verificação de obtenção de uma vantagem quer de não verificação de uma desvantagem;
M)- Não nos podemos alhear, e tal é ligeiramente aflorado na Douta Sentença, estarmos perante responsabilidade contratual, derivada de contrato de mandato, mais propriamente de mandato forense que obedece a regras próprias por imposição legal;
N)- Não é por acaso que na Douta sentença se refere a violação do disposto no artigo 92º, nº2 do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) caracterizando a conduta do r, ora Apelado, como uma “...actuação que fica alijada do cuidado legalmente exigível e, consequentemente, um cumprimento ilícito e culposo, dos deveres de patrocínio que impendiam sobre o Réu.”;
O)- O mandato forense pressupõe deveres, para além daqueles expressos na Douta sentença e previstos no artigo 92º,nº2 e artigo 95º, nºa, b), ambos do EOA, tais como não dever aceitar o patrocínio de uma questão se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se ocupar prontamente (artigo 93º, nº2 EOA) ou dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca (Artigo 95º, nº1, a) EOA);
P)- Se o Réu nada referiu ao Autor sobre a viabilidade, ou não, dos recurso e reclamação, pressupõe-se que assumiu a sua, embora necessariamente relativa, viabilidade, sempre dentro das reservas resultantes de estarmos perante obrigação de meios e não de resultados, sob pena de violação daquele dever expresso no artigo 95º, nº1 do EOA;
Q)- Por outro lado, não tendo o Réu manifestado ao Autor qualquer reserva quanto à sua disponibilidade para se ocupar de tais recurso e reclamação, não tendo estes sido admitidos por, no caso, omissão do Réu, então, dúvidas não subsistem que este incumpriu a sua obrigação de meios.
R)- O que se pretende realçar é que o Autor, ora Apelante, viu irremediavelmente frustada a sua pretensão de ver apreciada a sua situação perante o Supremo Tribunal de Justiça devido a conduta que se consubstanciou em cumprimento ilícito e culposo, dos deveres de patrocínio que impendiam sobre o Réu;
S)- E se a obrigação do Réu era uma obrigação de meios e não de resultados, tendo o Réu incumprido a sua obrigação de meios, não tem de se trazer à colação a maior ou menor viabilidade, maior ou menor probabilidade de êxito, da pretensão do Autor, ora Apelante, pois isso mais não seria do que estar a tratar a tal referida obrigação como sendo igualmente de resultados, que, efectivamente, não é, e daí o entendimento de que na definição de perda de chance não deve entrar aquele elemento de prognose;
T)- Independentemente do elemento de prognose, no entanto, o certo é que com a conduta do Réu, o Autor viu ocorrer, antecipadamente em relação ao expectável, o trânsito em Julgado da decisão condenatória e com ele a emissão dos amndados de detenção e a privação da sua liberdade, em contrário ao que resultaria do correcto exercício do mandato forense que havia conferido ao Réu;
U)- E, sendo, assim, não subsistem dúvidas de que, neste âmbito, resulta inegável o nexo de causalidade entre a conduta do Réu e o dano da antecipada privação de liberdade;
V)- Pelo que, sem conceder relativamente ao anteriormente alegado, neste âmbito, resulta inegável o preenchimento de todos os pressupostos de verificação da obrigação de indemnizar;
W)- Donde, deve a Douta Sentença ser revogada e substituída por decisão que considere procedente e provada a acção e, consequentemente, condene o ora Apelado nos termos peticionados ASSIM SE FAZENDO, JUSTIÇA ! ”[1]
Não houve lugar a resposta.
Observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso.
Considerando as conclusões da motivação do recurso, importa decidir se o réu deve ser condenado a indemnizar o autor pelo facto de, na qualidade de seu defensor num processo-crime, não ter reclamado atempadamente do despacho que não admitiu o recurso do acórdão que condenou o autor em pena de prisão e não ter recorrido atempadamente do despacho que ordenou a condução do autor ao estabelecimento prisional para cumprimente de pena.

III. Fundamentação.
1. Factos.
Na falta de contestação, a decisão recorrida julgou provados os factos articulados pelo autor que, por ausência de impugnação, são os que importa agora considerar e que são os seguintes:
1 - O A. constituiu o R. como seu mandatário para o defender em processo-crime que correu termos sob o nº 1327/11.1JAPRT, no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo;
2 - O R., no exercício do mandato que o A. lhe conferiu, apresentou recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, do Acórdão da Relação do Porto de 19/12/2012 que, dando provimento parcial ao recurso interposto pelo Autor, o condenou, todavia, em sete anos de prisão pela co-autoria de um crime (doloso) de tráfico simples de cocaína p.p. pelo art 21-1 e Tabela I-B do DL 15/93 e na pena única de oito anos de prisão em cúmulo jurídico conforme art. 77º do Código Penal com a inalterada pena parcelar de dois anos e seis meses de prisão aplicada a quo pela co-autoria material de um crime (doloso) de tráfico e mediação de armas p.p. pelos arts. 86-1-c, 87-1 e 3-3 da Lei 5/2006 de 23/2 na redação da Lei 17/2009 de 6/5 (doc. nº 1 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido);
3 - Tal recurso não foi admitido por ter sido considerado tal Acórdão irrecorrível;
4 - Após notificação desta decisão de não admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e sempre no exercício do mandato que lhe foi conferido pelo Autor, o Réu apresentou reclamação para o Exmo. Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça dessa mesma decisão de não admissão do recurso;
5 - Essa mesma reclamação, contudo, foi apresentada fora do prazo, pelo que o Réu foi notificado, nos termos do disposto na al. b) do art. 107º-A do CPP e no nº6 do art.145º do CPC, para proceder ao pagamento da multa, com a advertência de que não o fazendo se considerava perdido o direito de praticar o ato;
6 - Tal pagamento não foi efetuado pelo Réu, motivo pelo qual não foi admitida a reclamação apresentada;
7- Tendo o Réu sido devidamente notificado de tal decisão de não admissão da reclamação;
8 - Como consequência da não admissão da reclamação, o Acórdão proferido pela Relação do Porto transitou em julgado e:
A)- Foi ordenado o seu cumprimento;
B)- Foi emitido o respetivo mandado de detenção do ora Autor;
C)- Foi cumprido no dia 19/06/2013 o respetivo mandado de detenção do Autor, que foi, nesse mesmo dia, detido e conduzido ao Estabelecimento Prisional Militar de Tomar;
9 - Após a notificação do supra referido mandado de detenção, o Réu apresentou recurso do mesmo para o Tribunal da Relação do Porto;
10 - Novamente, contudo, o Réu apresentou este recurso fora do prazo, mesmo para além daquele que lhe permitiria apresentá-lo com o pagamento de multa;
11- Mesmo esta multa tendo sido paga pelo Réu, foi proferida decisão de não admissão do recurso interposto por motivo de intempestividade;
12- Os factos supra referidos fizeram quebrar a confiança do Autor no Réu pelo que promoveu a revogação do mandato que lhe havia conferido;
13 - O Autor foi privado da sua liberdade, do convívio com a sua família, esposa e filhos, assim como foi privado de parte da sua remuneração profissional, e objeto de procedimento disciplinar;
14 - O Autor, antes da sua prisão auferia uma remuneração mensal, em virtude da sua profissão enquanto militar da Guarda Nacional Republicana, no montante líquido de € 672,07 (Seiscentos e setenta e dois euros e sete cêntimos)
15- Após a sua prisão, o Autor viu ser-lhe reduzido o seu vencimento base para um terço daquele que auferia antes da prisão;
16 - Para além de lhe ter sido retirado ao seu vencimento o suplemento forças de segurança;
17- O Autor foi privado, até entrada da ação em juízo, na sua remuneração mensal, da quantia de € 1.116,94 (Mil cento e dezasseis euros e noventa e quatro cêntimos);
18 - Totalizando, até à data da entrada da ação em juízo, uma redução mensal na remuneração do Autor de € 7.818,58 (Sete mil oitocentos e dezoito euros e cinquenta e oito cêntimos).
19 - Esta redução na remuneração mensal do Autor vai manter-se enquanto se mantiver a sua privação de liberdade;
20 - Com a privação da sua liberdade, o Autor sofreu igualmente a privação do convívio com a sua família, esposa e filhos;
21 - O Autor foi, ainda, objeto de procedimento disciplinar, no qual apresentou a sua defesa, não tendo ainda sido proferida qualquer decisão.

2. Direito
A decisão recorrida após considerar que, pelo mandato forense, o réu assumiu uma obrigação de defender os interesses do autor, de acordo com as normas deontológicas que regem a sua profissão de advogado e de ponderar que a intempestiva apresentação da reclamação do despacho que não admitiu o recurso do acórdão desta Relação, que condenou o autor em oito anos de prisão, bem como a intempestiva apresentação do recurso do despacho que ordenou a emissão dos mandados de detenção para cumprimento da referida pena, caracterizam “uma atuação que fica alijada do cuidado legalmente exigível e consequentemente um cumprimento ilícito e culposo dos deveres de patrocínio que incidiam sobre o réu”, julgou a ação improcedente por considerar não poder concluir “com elevado grau de probabilidade, ou verosimilhança, longe disso, que o autor obteria o benefício pretendido ou não teria a desvantagem que teve não fosse as chances perdidas”.
O autor diverge desta decisão argumentando essencialmente que com a atuação do réu, viu irremediavelmente frustrada a sua pretensão de ver apreciada a sua situação perante o Supremo Tribunal de Justiça devido a conduta que se consubstanciou em cumprimento ilícito e culposo, dos deveres de patrocínio que impendiam sobre o réu e que se a obrigação do réu era uma obrigação de meios e não de resultados, tendo o réu incumprido a sua obrigação de meios, não tem de se trazer à colação a maior ou menor viabilidade, maior ou menor probabilidade de êxito, da pretensão do autor, ora apelante, pois isso mais não seria do que estar a tratar a tal referida obrigação como sendo igualmente de resultados, que, efetivamente, não é, e daí o entendimento de que na definição de perda de chance não deve entrar aquele elemento de prognose.
Assente que o réu, no cumprimento do mandato forense que o autor lhe outorgou, não observou as regras de zelo e diligência que o seu estatuto profissional lhe impõe, na defesa dos interesses dos seus clientes (artº 92º, nº2, do Estatuto da Ordem dos Advogados) e, no caso, do autor, caraterizado se mostra a atuação ilícita e culposa do réu, como se afirmou na decisão recorrida e o autor não contesta.
Mas esta atuação reprovável ou censurável do réu não basta para afirmar a sua responsabilidade; a responsabilidade civil, extracontratual ou contratual, traduz-se na obrigação de reparar prejuízos (artºs 483º e 798º, ambos do Cód. Civil), e portanto, sem estes não existe, como também não existe, em ambos os casos, sem a identificação de um nexo causal entre a atuação ilícita e os prejuízos pois, como decorre da lei a “obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” (artº 563º, do Cód. Civil) e o “devedor que falta ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” (artº 798º, nº1, do Código Civil).
E é precisamente nestes pressupostos que reside a divergência colocada no recurso; a decisão recorrida considerou não demonstrados quaisquer prejuízos designadamente os potencialmente decorrentes da perda de chance e o autor defende no recurso que o transito em julgado da decisão condenatória, por intempestiva apresentação da reclamação do despacho que não admitiu o recurso e do recurso do despacho que ordenou a emissão dos mandados, lhe ocasionou o dano da antecipada privação da liberdade [concl. U].
Esta argumentação do autor representa uma alteração das razões jurídicas que constavam na petição inicial; o autor havia identificado, na petição inicial, uma relação de causa e efeito entre a falta de diligência do réu na sua defesa no processo crime e os danos consequentes à sua prisão, ou seja, entre aquela falta de diligência e o benefício esperado, caso o réu houvesse procedido de acordo com a sua legis artes (a indemnização que o autor peticionou tinha como paradigma a reconstituição a sua situação patrimonial e não patrimonial que existiria não fora a sua prisão; ora, o autor não foi preso, como cremos para todos evidente, por atos ou omissões do réu mas por atos que julgados seus tipificam crimes, o que é coisa bem diferente) e aderindo à fundamentação jurídica da decisão recorrida, embora para obter um outro resultado, identifica agora no recurso a perda de chance ou a oportunidade perdida, com a intempestividade da reclamação e do recurso, como causa de ressarcibilidade de danos emergentes da sua antecipada privação da liberdade.
A figura da perda de chance não tem consagração no direito português como fonte de responsabilidade civil, surpreendendo-se na doutrina vozes autorizadas que consideram não existir “entre nós base jurídico-positiva para apoiar a indemnização da perda de chance” e jurisprudência que designadamente versando, em concreto, sobre a perda de oportunidade de utilização de uma via processual ajuíza não constituir esta, em si mesma, um dano patrimonial.[2]
A dificuldade está em caracterizar o prejuízo decorrente da perda de oportunidade à luz da causalidade adequada e da teoria da diferença enquanto pressupostos e limites da obrigação de indemnizar.
Não obstante a perda de chance enquanto causa da obrigação de indemnizar vem, também entre nós, trilhando o seu caminho e isto porque, como já se escreveu, a “figura da “perda de chance” visa superar a tradicional dicotomia: responsabilidade contratual versus responsabilidade extracontratual ou delitual, summa divisio posta em causa num tempo em que cada vez mais se acentua que a responsabilidade civil deve ter uma função sancionatória e tuteladora das expectativas e esperanças dos cidadãos na sua vida de relação, que se deve pautar por padrões de moralidade e eticidade, como advogam os defensores da denominada terceira via da responsabilidade civil”.[3]
Sobre o que se entende por perda de chance e da sua natureza enquanto dano indemnizável, Carlos Alberto Fernandes Cadilha[4], teoriza o seguinte:
«Segundo é geralmente aceite, a indemnização por perda de chance traduz-se na probabilidade de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo, representando, por conseguinte, o desaparecimento de uma posição favorável preexistente que integrava a esfera jurídica do lesado. Com esse conteúdo, a perda de chance não deixa de constituir um dano certo, na modalidade de dano emergente, na medida em que não equivale à perda de um resultado ou de uma vantagem, mas à perda da probabilidade de o obter. Quando essa consequência negativa é imputável a um facto lesivo de outrem coloca-se a questão da sua possível indemnizabilidade.
Nesse sentido, a perda de chance não corresponde a um mero dano eventual ou a um dano futuro, mas a um dano certo e actual, visto que se trata da perda da possibilidade concreta — e já existente no património do interessado — de obter um resultado favorável. A dificuldade coloca-se na avaliação do dano, uma vez que, embora exista uma expectativa, a obtenção do resultado vantajoso é meramente hipotética. A perda de chance não se confunde, neste plano, com o lucro cessante: o lucro cessante pressupõe que o lesado era titular, no momento da lesão, de uma situação jurídica que lhe proporcionava o direito a um ganho, que, por virtude do facto lesivo, se frustrou. A prova do lucro cessante não incide propriamente sobre os ganhos que se deixaram de obter, mas sobre a titularidade da situação jurídica que permitiria obtê-los, podendo conjecturar-se, por isso, alguma relativa certeza sobre a ocorrência do dano. No caso da perda de chance, os indícios probatórios operam sobre a expectativa de obter um ganho e não sobre a própria verificação desse ganho.
O direito ao ressarcimento com fundamento em perda de chance depende, assim, da avaliação que se faça da probabilidade da obtenção de uma vantagem e do lucro que o lesado teria alcançado se essa probabilidade se tivesse realizado. A questão não está, pois, na demonstração do nexo de causalidade, visto que é sempre possível determinar se existe ou não uma ligação causal entre o facto lesivo e a eliminação da probabilidade de ganho; mas antes na existência ou quantificação do dano, uma vez que este é o efeito lesivo que poderá ter resultado da ilícita eliminação dessa probabilidade, traduzindo-se numa mera expectativa jurídica.
O juiz irá considerar a existência de um prejuízo ressarcível em função do grau de consistência da probabilidade, e, por conseguinte, apenas quando se depara com uma chance real e séria.
Não existindo qualquer indicação legal quanto aos termos em que a perda de chance poderá ser aceite no direito português, e sendo ainda incipiente a prática jurisprudencial, neste âmbito, a figura deverá ser encarada com grandes cautelas e apenas nas situações em que a privação da probabilidade de obtenção de uma vantagem se possa caracterizar, com mais evidência, como um dano autónomo.»
E a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, tem vindo a consagrar a ressarcibilidade do dano da perda de chance, desde que a chance perdida seja séria, consistente, com razoável grau de probabilidade[5], uma vez que só a perda de oportunidade que reúna estes predicados é suscetível de caracterizar a posição favorável preexistente que integrava a esfera jurídica do lesado e constituir, enquanto tal, um dano autónomo suscetível de reparação, orientação que não se mostrando reconhecidamente isenta de dificuldades também aqui se perfilhará, pelas razões que resumidamente já se afloraram.
Avaliar, porém, a seriedade, consistência e plausibilidade da chance perdida, enquanto elementos caracterizantes do dano autónomo que a perda de chance deverá, por natureza, evidenciar coloca-nos, no caso, uma outra dificuldade, ou seja, a avaliação, das possibilidades de êxito da reclamação e do recurso fora de prazo, apresentados pelo réu, pois é esta intempestividade da prática de atos em juízo que serve de mote à pretensão do autor.
E isto porque, em oposto ao (aparentemente) sustentado pelo autor no recurso, a obrigação de indemnizar, ainda que com fundamento na perda de chance, não prescinde dos prejuízos, pois sem estes, como supra dito, tal obrigação não existe e é precisamente a seriedade, consistência e probabilidade da perda de oportunidade que permite caraterizar o dano e com ele a medida da indemnização.
Vejamos, pois, se estes predicados se mostram reunidos na perda de chance que o autor acusa.
O réu, no exercício do mandato que o autor lhe conferiu, apresentou recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, do Acórdão da Relação do Porto de 19/12/2012 que, dando provimento parcial ao recurso interposto pelo autor, o condenou, em sete anos de prisão pela co-autoria de um crime (doloso) de tráfico simples de cocaína e na pena única de oito anos de prisão em cúmulo jurídico com a inalterada pena parcelar de dois anos e seis meses de prisão pela co-autoria material de um crime (doloso) de tráfico e mediação de armas; o recurso não foi admitido por se haver considerado irrecorrível o acórdão e o réu apresentou, fora de prazo, reclamação para o Exmo. Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça; o réu foi notificado para proceder ao pagamento da multa, com a advertência de que não o fazendo se considerava perdido o direito de praticar o ato, não pagou a multa e a reclamação não foi admitida (cfr. pontos 2 a 7 dos factos provados); foi depois proferido despacho que ordenou o cumprimento da pena de prisão imposta ao autor, com a emissão dos respetivos de detenção, que foram cumpridos e o réu apresentou, fora de prazo, recurso deste despacho que, por intempestivo, não foi admitido (cfr. pontos 8 a 11 dos factos provados).
Esta a matéria que se prova com relevo para a caracterização da perda de chance e perante ela não podemos deixar de raciocinar nos mesmos termos da decisão recorrida: os autos não comportam os factos necessários à caraterização da seriedade, consistência e plausibilidade da perda de chance e, como tal, não se evidencia a demonstração de uma qualquer posição favorável preexistente que integrava a esfera jurídica do autor.
Procurando explicar.
A reclamação do despacho que não admitiu o recurso do acórdão da Relação – cópia junta aos autos de fls. 20 a 24 - tinha como fim último a reapreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça deste acórdão condenatório; idêntico fim tinha o recurso do despacho que ordenou a condução do autor ao estabelecimento prisional – cópia junta aos autos de fls. 35 a 37 -, pois o que visava era a notificação pessoal do autor, enquanto arguido no processo-crime, do acórdão da Relação e do despacho de não admissão do recurso (as notificações terão sido efetuados apenas na pessoa do seu defensor) e, assim, fazer correr de novo o prazo para interpor recurso do acórdão condenatório, visando aquela reapreciação; nenhum destes atos representa, em si, a perda de uma qualquer vantagem, a potencial desvantagem que resultou para o autor da prática intempestiva destes atos processuais, resultaria da não reapreciação do recurso; seria esta a posição favorável preexistente que integrava a sua esfera jurídica e que a intempestividade dos atos praticados eliminou e é sobre esta que importava fazer incidir os juízos de seriedade, consistência e plausibilidade para avaliar da sua ressacibilidade; ora, o autor não demonstra, nem alega, as razões que justificariam o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que, dando-lhe parcial razão, o condenou na pena única de oito anos de prisão e, assim, não se mostra possível formular nenhum juízo sobre a seriedade, consistência e plausibilidade da oportunidade que acusa perdida.
O autor não prova o dano e, como tal, a sua pretensão não merece proceder como, a nosso ver, acertadamente se decidiu.
Nem este dano decorre da sua antecipada privação da liberdade, como agora anota no recurso; em primeiro lugar porque o momento em que ocorre a privação da liberdade para cumprimento de uma determinada pena não traduz, a nosso ver, uma qualquer posição favorável com expressão na esfera jurídica do interessado como é próprio do dano relevante para caraterizar a perda de chance e depois, mesmo admitindo, em abstrato, que não fosse indiferente para o autor a data do início do cumprimento da pena de prisão que lhe foi imposta, que é o cremos ínsito na sua qualificação como dano da sua antecipada privação da liberdade, o certo é que o autor não concretiza este dano, inviabilizando assim qualquer juízo sobre o prejuízo que, em concreto, lhe resulta de haver iniciado o cumprimento da pena em data anterior à que ocorreria caso o recurso houvesse sido admitido; o único argumento parece ser a dilação mas esta, enquanto tal, não se afigura digna de proteção legal.
Improcede, pois, o recurso, restando confirmar a decisão recorrida, por razões que, na sua essência, desta não divergem.

Sumário (da responsabilidade do relator – artº 663º, nº7, do CPC):
I- A perda de chance, enquanto dano autónomo suscetível de reparação, não dispensa um juízo sobre a sua seriedade, consistência e grau de probabilidade, uma vez que só a perda de oportunidade que reúna estes predicados é suscetível de caracterizar a posição favorável preexistente que integrava a esfera jurídica do lesado por aquela eliminada.
II – Não demonstrando o autor as razões que justificariam o recurso não admitido e de cujo despacho de não admissão, o seu advogado, por falta de diligência, não reclamou atempadamente, não se pode concluir pela seriedade, consistência e grau de probabilidade da oportunidade que acusa perdida.

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.

Porto, 23/6/2015
Francisco Matos
Maria de Jesus Pereira
Maria Amália Santos
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[1] Reprodução de fls. 90 a 93.
[2] Cfr. Acs. STJ de 14/3/2014, de 18/10/2012, de 29/5/2012, de 26/10/2010 e de 29/5/2012 (doutrina e jurisprudência neles coligida), todos disponíveis em www.dgsi.pt
[3] Cfr. Ac.STJ de 1/7/2014, in www.dgsi.pt
[4] Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, Coimbra Editora, pg. 98-100:
[5] Cfr. Acs. do STJ de 29/4/2010, de 10/3/2011, de 4/12/2012, de 14/3/2013, de 1/7/2014 e de 30/9/2014, todos disponíveis em www.dgsi.pt.