Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP00035673 | ||
Relator: | COSTA MORTÁGUA | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL LICENÇA DE UTILIZAÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP200303050213277 | ||
Data do Acordão: | 03/05/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | T J LOUSADA | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | . | ||
Decisão: | . | ||
Área Temática: | . | ||
Legislação Nacional: | DL 168/97 DE 1997/07/04 ART11 ART12 ART15. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Havendo cessão da exploração de estabelecimento, a obtenção da licença de utilização é da responsabilidade do cessionário. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Na comarca de....., a arguida “L....., Lda.”, veio interpor recurso de impugnação judicial da decisão proferida pela Câmara Municipal de..... que a condenou na coima do montante de 500.000$00, e custas, pela prática da contra-ordenação prevista e punível pelos artigos, 10°, n° 1°, e 38°, nº 1°, al. f), de Decreto-Lei n° 168/97, de 4 de Julho, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n° 139/99, de 24 de Abril, na redacção vigente à data dos factos. O recurso foi julgado improcedente, confirmando a decisão da autoridade administrativa. Inconformada a arguida interpôs o presente recurso. Na motivação apresentada formula as seguintes conclusões: 1. Atenta a matéria de facto dada como provada, maxime nos pontos, 5, 9 e 11 da decisão da matéria de facto plasmada na sentença recorrida, resulta claramente que era o Sr. Ivo..... quem, no dia 10 de Novembro de 2001 estava a explorar o estabelecimento de café/bar denominado "T....", quem mantinha aberto ao público e em pleno funcionamento tal estabelecimento, quem, por força da celebração de um contrato de cessão de exploração celebrado com a recorrente em 31/10/2000, estava a utilizar a mencionada fracção "Q", propriedade da recorrente, para a exploração de um estabelecimento de café/bar sem que para tal estivesse munido da respectiva licença de utilização. A recorrente nada tinha, pois, a ver com a exploração de tal estabelecimento à data dos factos, sendo certo que, conforme resulta dos factos dados como provados, à mesma estava juridicamente vedado o exercício de tal actividade comercial. 2. Parece claro que andou mal a sentença a quo ao considerar que quem praticou os factos que consubstanciam a contra-ordenação em causa não foi quem, à data dos factos, utilizava a fracção “Q” do mencionado prédio urbano para nela explorar um estabelecimento café/bar, mas sim a proprietária dessa mesma fracção, a aqui recorrente que, à data dos mesmos, nada tinha a ver com a exploração de tal estabelecimento, acabando por confirmar a aplicação da coima à pessoa que não cometeu a contra-ordenação em causa. A sentença a quo violou, pois, o disposto no supracitado artigo 38°, n° 1°, al.f), do Decreto-Lei n° 168/97, de 4 de Julho, na redacção dada pelo Decreto-Lei n° 139/99, de 24 de Abril, o que, nos termos do disposto no artigo 412°, n° 2°, al. a), do CPP, constitui fundamento bastante para o presente recurso ordinário. 3. O facto do estabelecimento em causa não estar munido da respectiva licença de utilização não constitui nem constituía um impedimento jurídico para a celebração do contrato de cessão de exploração celebrado entre a recorrente e o Sr. Ivo...... 4. No caso em apreço, à data da cessão do estabelecimento café/bar em causa pela recorrente ao Sr. Ivo....., não restam dúvidas que o mesmo existia e estava pronto a funcionar na mencionada fracção "Q", com todas as obras e equipamentos necessários ao funcionamento daquele tipo de estabelecimentos, sendo que, pela celebração do referido contrato, se operou a transferência temporária da exploração do mesmo, com todas as suas instalações e utensílios, que incluía o gozo da dita fracção, para o Sr. Ivo.....; que, em contrapartida, passou a pagar à recorrente uma determinada quantia mensal. 5. Como resulta do teor do próprio contrato de cessão celebrado com a recorrente, o Sr. Ivo..... tinha conhecimento da inexistência da licença de utilização necessária ao funcionamento do estabelecimento seu objecto, assumindo aí, inclusive, o pagamento "de todas as contribuições, impostos, taxas e multas inerentes à exploração do referido estabelecimento". 6. Sendo válido o contrato de cessão celebrado em 31/1 0/2000, tendo o cessionário conhecimento àquela data da inexistência de licença de funcionamento do estabelecimento objecto daquela cessão e tendo o mesmo, efectivamente e na realidade, passado a explorar tal estabelecimento a partir daquela data, fica claro que, objectivamente, a partir de então o Sr. Ivo..... passou a ser o único e exclusivo responsável pela utilização da fracção "Q" para a exploração daquele estabelecimento de café/bar, maxime sem que para isso estivesse munido da respectiva licença de utilização, que bem sabia ser necessária. 7. Não pode o facto dos representantes da recorrente terem conhecimento da falta de licença de utilização necessária ao funcionamento do estabelecimento objecto de tal cessão, maxime à data da celebração do contrato de cessão de exploração, ser razão para que se mantenha a responsabilidade da mesma pela exploração/utilização do estabelecimento por parte do Sr. Ivo..... depois dessa data, ainda por cima sabendo este que não estava munido da licença necessária para o seu funcionamento, e nada fazendo para a obter, sendo que a própria sentença recorrida reconhece que o Sr. Ivo....., a quem a recorrente cedeu tal exploração, não podia manter em funcionamento tal estabelecimento naquelas condições. 8. Ao considerar que, apesar do contrato de cessão da exploração do estabelecimento celebrado entre a recorrente e o Sr. Ivo..... e do facto deste, à data dos factos, ser a pessoa que estava a explorar o estabelecimento em causa utilizando a fracção onde o mesmo estava instalado para esse fim, a recorrente é ainda responsável por essa utilização, a sentença a quo faz uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto no supracitado artigo 38°, n° 1°, al, f), do Decreto-Lei n° 168/97, de 4 de Julho, na redacção dada pelo Decreto-Lei n° 139/99, de 24 de Abril, ao caso em concreto, o que, nos termos do disposto no artigo 412°, n° 2°, al. c), do CPP, constitui fundamento bastante para o presente recurso ordinário. Termos em que, na procedência do recurso, a sentença deverá ser revogada e a recorrente absolvida. Responde o Ministério Público em ordem à manutenção da decisão recorrida. Nesta Instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, como é seu timbre, emitiu Parecer, que, pela sua clareza, não pode deixar de se transcrever, no essencial: "(...) o que tem de perguntar-se é quem estava interessado na obtenção da licença. pois é o “...interessado..” quem deve requerer a licença ao presidente da Câmara Municipal, como decorre do artigo 11°, segs. do citado DL n° 168/97. E, sendo assim. havendo um contrato de cessão de exploração, provando-se que, na data dos factos, era o cessionário quem explorava o café, parece não ser descabido dizer-se que “interessado” na licença era o falado cessionário e não a empresa cedente. E daí que, segundo se crê, o pedido a solicitar à Câmara Municipal haveria de ser feito pelo interessado, o cessionário que, deste modo, estaria, por falta da dita licença na altura dos factos a que respeitam os autos, com o estabelecimento aberto ao público, mas sem a autorização exigida por lei. A proprietária da fracção não necessitaria nunca de uma qualquer licença das exigidas no DL n° 168/97 pelo simples facto de ser proprietária, mas já lhe incumbia deter licença se, no local, pretendesse, fazer funcionar um café ou bar. Se é assim, o que resta é que tem de concluir-se que as licenças impostas pela lei em causa devem ser requeridas não pelos proprietários dos prédios, mas por aqueles (proprietários ou não) que, nos mesmos prédios pretendam exercer as actividades previstas no tal DL, designadamente as actividades elencadas no artigo 15, nºs 1 e 2 do mesmo. E donde se infere, como consequência que aos mesmos, e só aos mesmos, é exigido, legalmente, ter licença de funcionamento. (...)." Foi observado o disposto no artigo 417°, n° 2°, correram os ‘vistos', e teve lugar a audiência designada no artigo 423°, ambos do CPP . É a seguinte a matéria de facto dada como PROVADA na sentença recorrida (transcrição): 1. Em 11 de Novembro de 2000, no lugar de......, ....., freguesia de..... encontra-se aberto o estabelecimento comercial café/ bar "T..... ". 2. O referido estabelecimento comercial não possuía licença de utilização para serviço de Bar/Café. 3. Em 11 de Novembro de 2000 a empresa arguida "L....." deu entrada na Câmara Municipal de ..... de um requerimento onde se pode ler que: "(...) vem requerer a V. Exa ao abrigo do disposto no art. 10° e seguintes o D.L. n° 168/97, de 4 de Julho, na sua actual redacção (D.L. nº 139/99) a realização da competente vistoria e concessão de licença para o fim referido em epígrafe (Bar/Café) em relação à fracção "Q", do prédio acima identificado onde pretende exercer a actividade de Bar/Café funcionando o estabelecimento com o nome T....." (...). 4. O requerimento supra-aludido encontra-se datado de 17.10.2000. 5. Em 31 de Outubro de 2000 entre os sócio-gerentes da empresa arguida, José....., Adriano, Fernando..... e Rafael....., e Ivo..... foi celebrado um contrato a que as partes designaram por "Contrato de Cessão de Exploração" com as seguintes cláusulas, entre outras: (...) Pelos representantes da Primeira Outorgante foi dito: Que a sua representada é dona e legítima possuidora de um estabelecimento de café/bar, instalado na fracção "Q" do prédio urbano, sito na Rua....., freguesia de....., concelho de....., inscrito na matriz sob o artigo 743. Que pelo presente contrato cede ao segundo outorgante, a exploração do referido estabelecimento, nos termos das cláusulas seguintes: A cessão de exploração é feita pelo prazo de três anos, tendo o seu inicio no dia 01 de Novembro de 2000 e terminando no dia 30 de Outubro de 2003. O segundo outorgante, no uso desta cessão de exploração utilizar-se-á de todos os móveis e utensílios que se encontram no aludido estabelecimento (...). Por esta cessão pagará o segundo outorgante a importância de 7.800.000$00 (sete milhões e oitocentos mil escudos) em 36 (trinta e seis) prestações mensais. (...). Ficam a cargo do Segundo outorgante, o pagamento de todas as contribuições, impostos, taxas e multas inerentes à exploração do referido estabelecimento. A primeira outorgante fica livre de trespassar o estabelecimento, mas atribui ao Segundo outorgante o direito de preferência, devendo aquela, para o efeito, comunicar a este, todas as condições do pretendido negócio. (...). 6. Quando a GNR se deslocava ao estabelecimento em causa e solicitava a licença quem vinha falar com a GNR era o sócio da arguida de nome José...... 7. A empresa arguida “L....." é proprietária de um estabelecimento de espectáculos instalado na fracção “Q” com entrada pela R....... do prédio urbano sito na R. de....., ....., ...... 8. O objecto social da empresa arguida é a exibição de filmes cinematográficos e a realização de outras actividades culturais e recreativas. 9. A empresa arguida adquiriu e colocou no estabelecimento comercial todo o equipamento necessário ao funcionamento de um café, bem como realizou as obras necessárias. 10. No dia a que se reportam os factos constantes do auto de notícia quem se encontrava a explorar o café/bar era o referido Ivo...... 11. Foi sempre a empresa arguida, através nomeadamente do seu sócio Rafael....., quem, junto da Câmara Municipal, forneceu os elementos por esta solicitados com vista a obtenção da licença de utilização. 12. Os sócios-gerentes da empresa arguida "L....." sabiam ao subscrever o contrato de cessão a que se alude supra que o estabelecimento não possuía licença de utilização. 13. Não ignoravam os sócios-gerentes que a sua conduta era proibida e punida por lei. O presente recurso versa, apenas, matéria de direito (artigo 75°, n° 1°- cfr-, também, e ainda, o seu n° 2°), sem obstáculo, porém, desta Relação poder conhecer amplamente, sendo caso disso, nas hipóteses contempladas nos nºs. 2° e 3° do artigo 410°, todos do CPP (artigo 41°, n° 1°, este e aquele do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n° 244/95, de 14 de Setembro). Certo é que, do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum (cit. Nº2°), não se antolha qualquer dos vícios ali apontados, igualmente se não topando qualquer inobservância de requisito cominado com nulidade e que se não deva considerar sanada. Contudo, a recorrente aponta - sem a mínima concretização expressa - a existência dos vícios alinhados nas als. a) e c), do n° 2°, do artigo 412°, do CPP - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova. Tais vícios não existem já que a matéria de facto dada como provada é suficiente para tomar uma decisão de direito, não necessitando de ser completada, e, no texto da decisão recorrida, não se vislumbra qualquer erro notório - enquanto erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta – na apreciação da prova, excluído que se acha o recurso a quaisquer outros elementos do processo (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III. 325. segs-). Definitivamente assente, pois, a matéria de facto dada como provada, acima transcrita. Dispõe o artigo 10°, n° 1 o, do Decreto-Lei n° 168/97, de 4 de Julho que “o funcionamento dos estabelecimentos de restauração e de bebidas depende apenas de licença de utilização para serviços de restauração ou de bebidas a emitir nos termos do disposto nos artigos seguintes, a qual constitui relativamente a estes estabelecimentos a licença prevista no artigo 26° do Decreto-Lei n° 445/91, de 20 de Novembro”. E o artigo 38°, n° 1°, al. f), do mesmo normativo, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 139/99, de 24 de Abril, vigente à data dos factos, estatui que constituem contra-ordenações a 'utilização, directa ou indirecta, de edifício ou parte de edifício para a exploração de serviço de restauração ou de bebidas sem a respectiva licença de instalação turística emitida nos termos do presente diploma ou autorização de abertura emitida nos termos do artigo 36° do Decreto-Lei n° 328/96, de 30 de Setembro, ou de legislação anterior' . A licença de utilização é requerida ao presidente da câmara municipal pelo interessado (artigo 11°), que participa na vistoria prévia (artigo 12°), especificando o alvará de licença de utilização o nome da entidade exploradora (artigo 15°, todos do citado Decreto-Lei n° 168/97), versus, a identificação do titular da licença (artigo 28°, n° 1°, al. a), do mencionado Decreto-Lei n° 445/91 - cfr., ainda, o artigo 3° daquele mesmo Decreto-Lei, em cujo Preâmbulo se explicita que o processo de licenciamento passa a ser organizado de acordo com o estabelecido no Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, que regula o licenciamento das obras particulares, e em cujo artigo 14°, nº 1°, se define a legitimidade do requerente para o respectivo pedido). Posto isto, diga-se que assiste razão à recorrente. Desde logo parece-nos de afastar, decisivamente, ao contrário da, tese seguida na decisão recorrida, a tónica dominante, essencial, aí dada aos efeitos do contrato de cessão de exploração, celebrado entre os sócios-gerentes da arguida e Ivo....., em 31 de Outubro de 2000. Nele, a outorgante arguida, enquanto proprietária do estabelecimento em causa, cedeu, validamente, ao co-outorgante Ivo....., a exploração do mesmo, com início em 1 de Novembro de 2000, expressamente ficando a cargo deste o pagamento de todas as contribuições, impostos, taxas e multas inerentes à exploração do estabelecimento. Relações comerciais, privadas, pois, com o seu próprio e adequado regime legal, de todo alheio ao caso, concreto, dos autos. Em 11 de Novembro de 2000, quando se encontrava a explorar o estabelecimento em causa o aludido Ivo...., foi levantado o auto de notícia (fls. 2) por falta de licença de utilização, figurando no mesmo, como infractor, a arguida. Não se topa qualquer fundamento legal que permita imputar à recorrente a contra-ordenação em causa, por se não achar licenciada para a exploração de um estabelecimento... cuja exploração não era sua, mas de outrem, concretamente identificado! Como bem anotou o Ministério Público nesta Instância, e, acima de tudo, decorre do complexo legal acima examinado, é ao utilizador (=explorador) do estabelecimento que compete, durante o tempo da sua utilização (=exploração) - certamente com fins lucrativos, acrescentamos - estar licenciado para a exploração do mesmo. Este é, naturalmente, o 'interessado' de que fala o artigo 11° supra citado. E, dessas qualidades (interessado/utilizador/explorador), em princípio de verdade, não se desinteressa o legislador, fazendo-as coincidir. Assim, v.g., qualquer alteração aos elementos constantes do alvará deverá ser comunicada á câmara municipal (vd. artigo 15°, cit.). E só esta interpretação harmoniza os textos legais em confronto, de que se fez menção (artigo 9°, maxime n° 1°, do CC). Termos em que, sem outras considerações, desnecessárias, se concede provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, e absolvendo-se a recorrente 'L....., Lda.'. Sem tributação. Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso nomeado em audiência de acordo com a tabela. * Porto, 05 de Março de 2003 António Joaquim da Costa Mortágua Francisco Augusto Soares de Matos Manso Manuel Joaquim Braz |