Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12/15.0GAMCN.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUÍSA ARANTES
Descritores: PESSOA COLECTIVA
OFENSA DO BOM NOME
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP2016070712/15.0GAMCN.P1
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 1014, FLS.63-76)
Área Temática: .
Sumário: Os danos por sociedades comerciais em virtude da lesão do seu bom nome ou do seu crédito são indemnizáveis enquanto danos de natureza não patrimonial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 12/15.0GAMCN.P1

Acordam, em conferência, os juízes no Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO
No processo comum [com intervenção do tribunal singular] n.º12/15.0GAMCN da Comarca do Porto Este, Instância Local de Marco de Canaveses, Secção Criminal, J1, por sentença proferida e depositada em 19/1/2016, o arguido B… foi condenado pela prática de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva p. e p. pelos arts.30.º, 187., n.º1 e 2 e 183.º, n.º1, alíneas a) e b), do C.Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de €10,00 e ainda condenado no pagamento de uma indemnização à demandante C… Unipessoal, Lda, no valor de €5.102,00, acrescido de juros.
Inconformado com a decisão condenatória, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]:
A. A sentença proferida pelo tribunal a quo viola o preceituado nos termos do artigo 410°. n°1 e n°2. razão pela qual se interpõe o presente recurso
B. O Tribunal a quo atento a prova produzida, não poderia concluir pela ocorrência do crime em causa, considerando a análise da queixa apresentada pela ofendida, confrontando com os relatos das suas testemunhas de dúbia, pouca ou nenhuma credibilidade, situação e circunstancia que se repetiu em sede de audiência de julgamento, de forma exaustiva
C. A legal representante da ofendida e as diversas testemunhas "base" da ofendida, são os mesmos participantes activos que com os seus testemunhos e depoimentos nas várias queixas-crime contra o aqui arguido, bem como denúncias e vários processos cíveis, não se coíbem nem inibem de depor o que for preciso e necessário para denegrir e prejudicar intencionalmente o arguido, sem que das mesmas resultasse qualquer credibilidade ou o resultado pretendido,
D. O Tribunal "a quo" foi completamente induzido em erro, ao criar uma falsa convicção global e em especial de que o arguido não é uma pessoa de bem, o que é completamente falso, estamos perante um humilde homem com 77 anos de idade, com uma vida dura, árdua de trabalho e sacrifício ao ponto de em 77 anos nunca ter tirado um dia de férias, o qual, desde há dois anos a esta parte mais não faz que defender-se das dezenas de processos, queixas, etc., que contra ele um conjunto de pessoas apresenta e que aqui algumas se identificaram e fizeram parte, todas elas comandadas e coordenada pelo seu filho D…, ex-marido e actual companheiro da legal representante da ofendida
E. O aqui arguido está a ser "literalmente atacado de todas as maneiras" atento as dezenas os processos, queixas e denuncias, as quais não fossem os diversos tribunais e nos inúmeros processos já julgados darem razão ao mesmo, o que aqui incompreensivelmente não sucedeu, de facto a vida deste homem de 77 anos de idade e aqui arguido seria um verdadeiro inferno ainda maior,
F, Na modesta opinião do arguido e com o devido respeito por outra, a errada indução do tribunal de uma história surrealista com a comunhão de esforços do conjunto de pessoas já identificadas, levou a convicções e conclusões erráticas por parte do tribunal, tudo e tendo em conta os depoimentos de todas as testemunhas da ofendida, todas com um interesse direto nos autos.
G. Não podemos ignorar que o arguido vive de uma modesta reforma de 750€ e recebe de renda do matadouro metade de 375€, tendo de partilhar metade com a sua legítima esposa, o que perfaz um rendimento mensal de 937,50€, tendo a seu cargo a actual companheira doméstica e uma filha de 8 anos.
H. Por tudo isto, mesmo considerando a condenação da pena respeitante ao crime imputado, resulta que a condenação pelo dano de imagem é desproporcionada na modesta opinião do arguido, e atento o facto de não ficar provado a existência de quaisquer danos patrimoniais, pelo que, entende-se que a quantia a esse título deveria ser inferior e mesmo reduzida a um terço
I. Do teor dos documentos juntos pela ofendida, quanto à alegada quebra de facturação da mesma, confrontando-os com o teor da IES de 2014, resulta claramente que ao contrário do que a ofendida alega em sede de pedido de indemnização civil tenta fazer crer ao tribunal, teve no último trimestre do ano de 2014 um aumento de facturação/vendas face aos meses e trimestres anteriores que representou aproximadamente 36% do volume de vendas anual, tendo tudo redundado numa facturação/vendas no montante de €344.467,46.
J. Resulta assim claro que a ofendida, para além de não ter tido quaisquer prejuízos nos termos em que alegou e suportou o seu pedido de indemnização civil por danos patrimoniais, muito pelo contrário, procurou sim e de forma ardilosa, escamotear a facturação e/ou vendas dos seus produtos através de mecanismos que lhe permitissem omitir vendas e um lucro no final do ano de 2014 de €1.048,64.
K. A ofendida desde o início da sua actividade empresarial, teve uma evolução francamente positiva, com o seu apogeu no exercício de 2014 em particular com o especial contributo do 4a trimestre, o qual representou aproximadamente 36% do volume de vendas anual, com uma margem de lucro sobre as vendas de aproximadamente 48.26%
L. Na verdade, relativamente ao exercício do ano de 2013 a empresa/ofendida apresentou um resultado negativo no exercício num montante de 17.009,11€, sendo certo que, quanto ao exercício do ano de 2014 a empresa apresentou um resultado positivo no exercício num montante de 1 048.64€.
M. Desta forma, de um resultado negativo (prejuízos) no exercício de 2013 a empresa passou para um resultado positivo (lucro) no exercício de 2014, pelo que e relativamente aos danos patrimoniais, a ofendida não teve qualquer dano patrimonial o que deveria corresponder ao mesmo raciocínio perante a existência do dano de imagem.
N. Para além da ofendida não provar qualquer lesão, é o próprio tribunal "a quo" que refere; "... não foi possível estabelecer um nexo de causalidade directo entre os dois acontecimentos, por forma a afirmar que se não se tivesse verificado a conduta do arguido a ofendida não teria apresentado tais resultados."
O. Se a ofendida não provou qualquer lesão, aliás, até aumentou as vendas no último trimestre de 2014 e empresa esteve sempre a crescer desde a sua fundação até ao presente momento, se o tribunal " a quo" não estabeleceu ou não conseguiu estabelecer qualquer nexo de casualidade, logo o arguido não poderia/deveria ser condenado no pagamento de qualquer dano, seja ele patrimonial ou não patrimonial.
P. Ou, se assim não se entenda, o que só se coloca por mera hipótese e não se concebe, face ao referido no ponto anterior sobre a ausência de prejuízos e aos escassos rendimentos do arguido, bem como, à prova produzida em sede de audiência de julgamento, a ser condenado a pagar danos de imagem/morais seria sempre por um valor meramente simbólico, até porque a ofendida não teve qualquer dano patrimonial ou prejuízo, peto contrário, aumentou as vendas logo não sofreu qualquer dano de imagem ou não patrimonial,
Q. Pelo que, tendo em conta os indícios de inocência, bem como, o notório enfraquecimento da responsabilização criminal extraída da conduta do Recorrente e que resultam a favor deste, e ainda o depoimento das testemunhas, deveria este ser absolvido com base Princípio "In dúbio pro reo" principio fundamental de todo o Direito Penal e Processual Penal que aqui expressamente se invoca e que assim foi violado, e também plasmado no Artigo 32,°, n.° 2ªa parte, da Constituição da República Portuguesa, o qual foi igualmente violado, ou, quando assim não se entenda, o que só se coloca por mera hipótese académica ser condenada a uma pena simbólica e não nos moldes em que o foi.
R. Pelo que a decisão recorrida deve ser substituída por outra que absolva o Recorrente do crime que lhe foi imputado, bem como, da multa e indemnização cível ou, ainda que de forma ténue e considerando a pratica dos factos, reduzir a medida da pena pelas razões acima expostas.
S. Absolver o Recorrente quanto aos valores indemnizatórios a que foi condenado a título de danos de imagem, ou se assim não se entenda, rectificar os referidos valores, considerando a ausência de qualquer prejuízo, atento a subsunção dos factos e a diversa prova produzida e prova documental constante dos autos.
O Ministério Público e a assistente responderam ao recurso, pugnando pela sua improcedência [fls.923 a 926 e 927 a 968].
Remetidos os autos ao Tribunal da Relação e aberta vista para efeitos do art.416.º, n.º1, do C.P.Penal, o Exmo.Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se pelo não provimento do recurso [fls.1021 e 1021 v.].
Cumprido o disposto no art.417.º, n.º2, do C.P.Penal, não foi apresentada resposta ao parecer.
Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
Decisão recorrida
A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos e respetiva fundamentação:
«Factos Provados:

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1. A assistente – C…, Unipessoal, Ldª, pessoa colectiva com o NIPC … … …, com sede na rua …, casa ..,n.º…, ….-…, …, do concelho de Marco de Canaveses, é uma sociedade por quotas que tem por objecto social o comércio por grosso de animais vivos e comércio por grosso e a retalho de produtos à base de carnes;
2. A citada sociedade é representada por E… que foi em tempos casada com o filho do arguido, D…;
3. Nessa qualidade, a assistente explorava vários talhos, sitos em Baião, …, Marco de Canaveses e explorava, à data dos factos, um talho no mercado municipal da cidade de Marco de Canaveses;
4. O referido talho, sito no mercado Municipal de … “F…”, pertence à firma G…, Ldª, sujo sócio maioritário e gerente é o aqui arguido, B…;
5. D…, ex-marido de E…, é também sócio da sociedade G…, Ldª”, e em tempos foi ainda gerente;
6. Desde o ano de 2013, que a assistente tinha a cessão de exploração do talho denominado “F…”, no âmbito da qual pagava a retribuição mensal de €250,00 (duzentos e cinquenta euros);
7. Em resultado de divergências entre o arguido e o seu filho devido à administração da sociedade “G…, Ldª”, foram intentados diversos processos judiciais, entre eles com os nºs 725/14.3TBMCN-J3, 727/14.0TBCN-J1, ambos de Amarante, onde E… foi arrolada como testemunha;
8. Na sequência deste circunstancialismo, o arguido, em datas não concretamente apuradas, mas que se reportam aos meses de Outubro/Novembro de 2014, por mais que uma vez, deslocou-se ao mercado municipal …, sito na rua …, …, Marco de Canaveses e aí abordou pessoas que sabia serem clientes da ofendida, em particular, H… e a mulher, I…, dizendo, em tom audível para qualquer um que por ali passasse, que as carnes da ofendida eram impróprias para consumo, nomeadamente “compraram a carne aí (referindo-se ao talho explorado pela ofendida), a carne é estragada, é só de porcos rejeitados e abafados, é de animais que não passam no veterinário”
9. Também em finais de 2014, em data não concretamente apurada, no “restaurante da J…”, sito em …, Marco de Canaveses, pela hora do almoço, perante vários clientes, nomeadamente, K…, o arguido começou por perguntar à proprietária se a carne que consumia no restaurante era da ofendida, facto que já sabia;
10. Perante a resposta afirmativa da citada J…, o arguido disse, de forma audível para quem ali se encontrava, “a carne é estragada, é só de porcos rejeitados e abafados”, acabando ainda por dizer, “não vou comer aqui”;
11. Não obstante as afirmações proferidas, o arguido acabou por almoçar um prato de carne no citado restaurante;
12. O arguido desde finais do ano de 2014 tem vindo, de forma contínua, a propalar factos inverídicos, ofensivos da credibilidade, prestigio e confiança da ofendida;
13. O arguido bem sabe que tais afirmações não têm fundamento, nem as pode reputar, de boa-fé, como verdadeiras, apesar de saber que terceiros as iriam reputar como verdadeiras, tanto mais que era sogro da representante legal da assistente;
14. O arguido sabia que tais factos inverídicos se iriam espalhar pelos vários talhos que a assistente explora e que com tal atingia o bom nome, consideração, credibilidade, prestigio e confiança da assistente, enquanto pessoa colectiva que se dedica ao comércio de carnes;
15. O arguido sabia que com tais actos afectava a imagem e credibilidade da assistente e que lhe causava prejuízos;
16. Actuou de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
17. Com as mencionadas afirmações daqueles factos, que o arguido sabia que eram ofensivos do bom nome, consideração, credibilidade, prestigio e confiança da assistente e que eram falsos e que não os podia reputar, de boa fé, como verdadeiros, foi a assistente publicamente humilhada e vexada no seu bom nome e prestigio perante clientes, empregados e todos os demais que os rodeiam;
18. Sendo a ofendida atingida no que mais importante há numa empresa, pessoa colectiva, o seu bom nome, consideração, credibilidade, prestigio e confiança na qualidade dos produtos vendidos;
19. Ficando, assim, a assistente afectada na sua imagem, o que muito a prejudicou;
20. A assistente era uma pessoa colectiva com boa imagem na praça, que transmitia confiança aos clientes quanto à qualidade da sua carne;
21. Teve a requerente despesas com o pagamento da taxa de justiça devida para a constituição de assistente, no valor de 102,00€;
22. O arguido encontra-se reformado auferindo a este título a quantia de 750€ mensais e bem ainda a quantia de 375€ por mês de renda do matadouro explorado pela sociedade de que é sócio gerente;
23. Não está a amortizar nenhum empréstimo bancário;
24. Vive num barraco por opção, juntamente com a companheira, doméstica, e uma filha de 8 anos;
25. O arguido tem 6 filhos, mantendo uma relação conflituosa com alguns deles, designadamente com D… e L…;
26. Possui uma viatura de marca Mercedes do ano de 2001 e vários bens imóveis em seu nome, designadamente uma quinta avaliada em cerca de 500.000,00€;
27. O arguido não tem antecedentes criminais.
*
Factos não provados

Não se provaram outros factos relevantes para a discussão da causa para além ou em contradição com os que foram dados como assentes, designadamente que:

A) O aqui arguido jamais proferiu quaisquer afirmações relativas à sociedade, mas sim no que respeita ao facto de o ex-marido da ofendida realizar abates ilegais junto da habitação deste e da representante da ofendida;
B) É absolutamente impossível o arguido ter-se deslocado ao mercado municipal sozinho, porquanto no período referido nunca em circunstância alguma o ter feito, por receio da sua integridade física, resultado das diversas ameaças efectuadas pelo seu filho ex-marido da representante da ofendida;
C) A ofendida facturava até Novembro de 2014 uma média de €63.558,94€ por mês;
D) Contudo, devido a atitude do arguido supra descrita, a ofendida perdeu imensos clientes, tais como estabelecimentos escolares e outros a quem fornecia, o que provocou uma queda da facturação logo no mês de Dezembro, apesar de ser o mês no qual a ofendida, em virtude do seu ramo comercial, mais vender, para somente €5.077,26;
E) O que levou a ofendida a fechar o talho que explorava no mercado municipal, bem como a tomar outras medidas para redução de custos.
*
MOTIVAÇÃO

Como dispõe o artigo 127.º, do Código de Processo Penal, a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Significa este princípio que o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo.
Na sequência do ora exposto, o Tribunal alicerçou a convicção probatória referente à factualidade provada na apreciação crítica e articulada de toda a prova produzida em julgamento, à luz das elementares regras da experiência, do senso comum e da normalidade.
Não olvidando que foram objecto de atenta análise e ponderação, com respeito pelo já mencionado princípio da livre apreciação da prova e sem postergar o princípio “in dubio pro reo”, os seguintes elementos que contribuíram para formar, para além de qualquer dúvida razoável, a convicção positiva do Tribunal.
O arguido B…, no essencial, negou a prática dos factos que lhe são imputados, atribuindo o teor da acusação particular à desavença que tem com o filho D…, que no seu dizer o “persegue e quer desgraçar a vida”. Questionado, não conseguiu explicar a razão pela qual, sendo assim, esse seu filho não compareceu em julgamento nos presentes autos para depor como testemunha tendo sido arrolado na acusação particular, bem como não soube, ou não quis, explicar o motivo pelo qual várias pessoas que não o conheciam pessoalmente, não eram da família, nem com o mesmo tinham qualquer atrito, relataram em audiência de julgamento que ouviram da boca do arguido a dizer mal da carne comercializada pela assistente, sem qualquer motivo aparente. Importa salientar que tal versão, a nosso ver, não singrou, porquanto destituída de qualquer fundamento lógico, contrariando as regras da experiência comum, tendo ademais resultado amplamente infirmada pela restante prova testemunhal produzida, como de seguida se explicitará.
Nesses termos, atendeu-se ao depoimento da legal representante da assistente E…, que esclareceu desde logo o objecto social e actividade a que se dedica a assistente e que a mesma até finais de 2014 explorava três talhos, sitos em …, Baião e Marco de Canaveses.
Explicou que existem vários litígios entre o arguido e o seu ex-marido, filho do arguido, relacionados com a sociedade G…, Ldª” de que são ambos sócios e aquele gerente e que degeneraram na instauração de dezenas de processos judiciais, tendo sido ouvida como testemunha no decurso do ano de 2014 em alguns desses processos que corriam termos em diversos tribunais (Amarante e Marco de Canaveses) e que envolviam pai e filho, situação essa que terá desagradado o arguido, o qual a partir dessa data, que situa próxima de Outubro/Novembro de 2014 e sempre que podia passou a espalhar factos falsos em diversos locais públicos (Marco Canaveses, … e Baião), dizendo mal das carnes que a assistente vendia nos seus talhos aos respectivos clientes, afirmando nomeadamente que eram impróprias para consumo, que provinham de “porcos abafados” e que era carne rejeitada (significando que era carne não autorizada a consumo público pelo médico veterinário), o que fez sabendo da falsidade de tais factos, com o único propósito de prejudicar a imagem e prestigio da assistente e dessa forma atingir o negócio explorado pela sua representante legal. Ficou a saber de tais ocorrências através dos seus funcionários e também por intermédio dos clientes – que identificou – e que se queixavam do sucedido. Relatou que por força dessa actuação acabou por perder clientela, que terá acreditado na seriedade das afirmações proferidas pelo arguido, o que teve reflexos na quebra da facturação dos talhos designadamente no último mês do ano no que concerne ao talho do Marco de Canaveses, muita embora também tivesse assumido que, por força da crise que o país atravessa, as vendas também se tivessem ressentido.
Disse que o arguido não tinha qualquer razão séria para crer na verdade das afirmações que fez quanto à qualidade da carne comercializada pela assistente, tanto mais que era cliente e consumidor habitual dos produtos da assistente, nunca tendo reportado qualquer problema ou anomalia.
Por seu turno, a testemunha M…, funcionário da assistente desde 2013, exerce funções de empregado de talho e cortador de carnes, tendo trabalhado no talho “F…” no mercado municipal em … por conta da assistente, referiu que a determinada altura próxima e anterior ao Natal de 2014, o arguido dirigiu-se para a porta do mercado com vista a abordar os clientes da assistente e nessa sequência dizia mal da carne comercializada pela assistente, afirmando que se tratava de carnes “rejeitadas”, podres e de “porcos abafados”, sem qualidade, o que sabe não só por ter visto o arguido várias vezes à porta do mercado a conversar com pessoas, como os próprios clientes queixavam-se que o arguido o fazia, tal como H… e a esposa deste. Em resultado dessa actuação, notaram uma quebra acentuada na clientela e decréscimo nas vendas do talho no Marco de Canaveses, o que fez com que tivessem de encerrar o mesmo em Dezembro desse ano.
Também as testemunhas H… e I…, confirmaram que em data situada em Novembro de 2014 foram ambos ao talho no mercado municipal no …, tendo adquirido carne e saído com os sacos ostentando o nome do talho, quando à saída foram abordados pelo arguido o qual, sem que nada o fizesse prever, lhes disse em voz alta que a carne daquele talho não prestava, que era rejeitada, estava podre, estragada e era imprópria para consumir, aconselhando a não voltar a comprar naquele talho. Estranharam na altura o comportamento do arguido, até porque não o conheciam pessoalmente e não o tinham interpelado naquelas circunstâncias, mas o certo é que ficaram com algumas reservas quanto à qualidade da carne por força das palavras proferidas pelo arguido. A testemunha H… mencionou que, posteriormente, volvidas algumas semanas, cruzou-se com o seu amigo M… que conhece por “M1…”, funcionário do talho do mercado municipal, tendo este questionado o motivo pelo qual deixou de consumir produtos na assistente, ao que explicou que tinha sido com base na conversa tida com o arguido à porta do talho, relatando o seu teor, tendo o dito “M1…” explicado que tal não correspondia à verdade, e que tal conduta se prendia com desavenças familiares, exortando a testemunha a retomar o consumo de carne na assistente, o que aquela passou a fazer. Cumpre referir que tais depoimentos, em particular, pela forma objectiva, espontânea, desinteressada e escorreita como foram prestados mereceram inteira credibilidade por parte do Tribunal, e por essa razão foram absolutamente determinantes para formar a sua convicção, posto que nenhuma contradição de relevo foi encontrada que pudesse abalar a seriedade dos mesmos, ao que acresce que se tratam de testemunhas especialmente isentas já que não são familiares, nem amigos próximos ou inimigos de nenhum dos intervenientes, concretamente do arguido, dos filhos deste ou da legal representante da assistente.
A testemunha O… foi funcionária da assistente até Maio de 2015 e tinha como funções empregada de balcão do talho de Baião, referiu que a determinada altura, que situa em final do ano de 2014, notou uma quebra nas vendas, o que associa à circunstância do arguido andar a espalhar publicamente o boato junto de vários clientes da assistente que a carne comercializada por esta era podre, que não prestava, que era carne provinda do “refugo” do matadouro, o que bem sabia que era falso, pois toda a carne vendida era de qualidade. Relatou inclusivamente que forneciam para uma cliente que então explorava um estabelecimento de restaurante de … denominado “P…”, onde o arguido era cliente habitual ao fim de semana, e que esta telefonou para o talho a avisar que o arguido andava a dizer mal da carne oriunda da assistente, o que fez com deixasse de comprar lá no imediato, tendo posteriormente retomado o consumo mas fazendo-o de forma oculta de modo a que não fosse perceptível no exterior que continuava a ser cliente da assistente. Descreveu as dificuldades financeiras com que se debateu a assistente relacionadas com a quebra de vendas, o que conduziu à necessidade de dispensar funcionários, situação que a atingiu.
A testemunha K…, encontrava-se presente a almoçar no restaurante “Q…”, em …, explorado por uma senhora que conhece por D. J…, num dia em que o arguido lá compareceu, tendo-se dirigido em voz alta, perante os vários clientes que lá estavam, à proprietária questionando-a da proveniência da carne, ao que aquela respondeu que a adquiria à assistente, dizendo então o arguido de seguida que essa carne não prestava, que era de “porcos abafados e rejeitados”, que não iria lá almoçar, mas apesar disso sentou-se e pediu uma refeição. Tal situação foi alvo de comentários entre a população, que ficou receosa sobre a qualidade da carne comercializada pela assistente, tanto mais que o arguido é ex-sogro da legal representante da assistente e é uma pessoa sobejamente conhecida no comércio das carnes, o que conferiu foros de seriedade às suas palavras.
Tal depoimento foi inteiramente corroborado pela testemunha J…, proprietária há cerca de 1 ano e 3 meses do restaurante “Q…”, situado em …, que relatou que em certa ocasião o arguido foi ao seu estabelecimento e perguntou-lhe em voz alta onde comprava a carne, dizendo-lhe que se a carne fosse do talho da E… estava estragada, duvidando da qualidade da carne que aí se consumia, isto numa altura em que o restaurante estava cheio, mas apesar disso sentou-se e consumiu um prato de carne. Os clientes aperceberam-se do comentário e questionaram-na da razão de ser das afirmações proferidas pelo arguido.
Importa sublinhar que tal depoimento revelou-se essencial na medida em que transpareceu total sinceridade e equidistância, sobretudo se tivermos em conta que é uma testemunha que não tem qualquer relação de parentesco, amizade, proximidade existencial ou conflito com nenhum dos intervenientes processuais, pelo contrário, a sua postura em audiência denotou algum desconforto e embaraço por ter de versar sobre a conduta do arguido, que para além de seu cliente, é pessoa conhecida e influente na localidade.
A testemunha L…, filha do arguido, confirmou que ouviu comentários de pessoas suas conhecidas que relataram que o seu pai falou mal em público da carne comercializada pela assistente, dizendo que era carne podre e de “rejeitados”, que não era de confiança, designadamente através do pai da proprietária do restaurante “Q…”, sabendo o arguido que tais factos eram falsos, pois o próprio era também consumidor da carne da C… e ao que saiba nunca teve razões de queixa sobre a sua qualidade, associando tal comportamento ao propósito de denegrir a imagem da assistente, com vista a prejudicar o negócio e por essa via atingir a sua legal representante, com que está desavindo desde a altura em que a mesma depôs em tribunal contra o arguido, relatando factos que supostamente beneficiavam a parte contrária. Referiu que tal situação contribuiu para que a assistente registasse uma quebra nas vendas dos talhos, o que fez com que a gerente, ex-nora do arguido, tivesse atravessado uma fase complicada tendo de fechar o talho do Marco de Canaveses, despedir funcionários e recorrer a crédito para pagar as dívidas.
A testemunha S…, mãe da legal representante da assistente, confirmou que ouviu rumores concretamente na “festa do verde”, em …, em que o arguido andava a espalhar publicamente que a carne comercializada pela assistente era imprópria para consumo, de fraca qualidade, que provinha de “porcos abafados”, o que o arguido bem sabia não corresponder à realidade, até porque era seu cliente habitual pois fornecia a cantina do matadouro que explorava com carne que adquiria na assistente.
De referir que todos os supra mencionados depoimentos mereceram credibilidade por se afigurarem espontâneos, assertivos e coerentes, e nenhuma contradição ou incongruência foi detectada que porventura pudesse abalar a convicção adquirida por via dos mesmos.
Complementarmente atendeu-se aos elementos documentais existentes nos autos, concretamente o comprovativo da taxa de justiça liquidada a fls. 10, despacho de constituição de assistente de fls. 18, a certidão permanente de fls. 276-278, cópia da cessão de exploração de fls. 279 a 281, documentos de fls. 50 a 160, 172, 203 a 263, 304-326, 429-491, estes últimos bem expressivos do grau de litigância existente entre o arguido e o filho, respectivos familiares, amigos, conhecidos, trabalhadores e sociedades envolvidas e ainda os inventários, declarações periódicas de IVA, IES, extractos de facturação e extractos de conta de fls. 492-776, elementos contabilísticos estes que serviram para apurar as condições económicas e financeiras da demandante e os quais demonstram realidade diversa da alegada no pedido cível, pois que já no exercício de 2013 a sociedade ofendida havia fechado as contas com um resultado negativo (de -17.009,11€), ao passo que no exercício de 2014 apresentou lucro (de 1.048,64€), sendo que, em particular, o último trimestre de 2014 foi aquele que registou maior evolução em termos de vendas (344.467,46€).
Foi assim da conjugação da prova testemunhal nos moldes supra explanados e da prova documental certificativa da pendência de várias queixas e processos judiciais, analisadas à luz das regras da experiência comum, que o Tribunal adquiriu a convicção positiva de que os factos ocorreram da forma como vinham descritos no despacho de pronúncia, o que de resto é consentâneo com o clima latente de conflitos familiares, decorrente da circunstância de o arguido estar desavindo com o filho, ex-marido da legal representante da assistente, por questões familiares e muito em particular por esta ter testemunhado em processos a favor da parte contrária. Inversamente e pelas razões já apontadas a versão do arguido não mereceu crédito e não encontrou suporte em nenhum meio de prova que pudesse infirmar os já produzidos, na medida em que as testemunhas de defesa T…, U… e V…, não demonstraram conhecimento directo quanto aos factos vertidos na pronúncia, já que não estavam presentes em nenhuma das ocasiões aí descritas e por conseguinte nada afirmaram que pudesse colocar em causa a dinâmica dos acontecimentos segundo o relato feito por quem lá esteve, sendo que as mesmas limitaram-se a descrever a existência dos litígios familiares existentes, estes já bem patentes nos autos e abonaram o comportamento do arguido, dando boas referências naquilo que dele conhecem.
Socorreu-se, também, o Tribunal, das regras da experiência comum, válidas ao nível da convicção, conforme supra se referiu.
Os elementos considerados provados e relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente à conduta do arguido foram considerados assentes a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas supra, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
Quanto à situação económica e pessoal do arguido interessaram as suas próprias declarações que, neste particular, nos pareceram dignas de crédito.
No que respeita à ausência de antecedentes criminais do arguido, foi determinante o CRC junto aos autos a fls. 403, tendo em consideração o disposto no artigo 169º do Código de Processo Penal.
Os factos considerados como não provados mereceram resposta negativa por sobre eles não ter incidido prova e prova suficiente nesse sentido, justamente pela ausência da comprovação testemunhal e documental, clara e inequívoca, nesse sentido, já que não resulta que a assistente tivesse uma quebra de vendas na sua globalidade pois que se tivermos em conta a totalidade da actividade da assistente a mesma apresentou lucro nesse ano e até mesmo uma evolução de vendas no último trimestre, sendo que também não resulta que a eventual quebra de vendas que a ofendida apresentou no mês Dezembro de 2014 (€5.077,26) por comparação com o anterior mês de Novembro (€63.558,94) desse ano - isto apenas reportado ao talho do Marco de Canaveses –, se ficasse a dever ao comportamento do arguido supra descrito, designadamente não foi possível estabelecer um nexo de causalidade directo entre os dois acontecimentos, por forma a afirmar que se não se tivesse verificado a conduta do arguido a ofendida não teria apresentado tais resultados, pois nestes seguramente interferem outras variantes como as condições actuais de mercado derivadas da crise económica que assolou o país e que conduziu a que imensas empresas tivessem de encerrar as portas e cessar a sua actividade, designadamente na área do comércio de carnes, sendo certo que já no ano de 2013 (logo muito antes da data dos factos) a sociedade ofendida havia fechado as contas com um resultado negativo (de -17.009,11), tal como espelhado nas IES de fls. 509 e ss.
Por outro lado, também não foi feita prova suficiente que a ofendida tivesse fechado o talho que explorava no mercado municipal, bem como a tomar outras medidas para redução de custos, directamente por causa do factos praticados pelo arguido, posto que existia já uma denúncia do contrato de cessão de exploração do dito talho por carta enviada pelo arguido à ofendida datada de 18-08-2014, para produzir efeitos a 28-03-2015, sendo que a entrega do estabelecimento, com as chaves do locado, por parte da ofendida ter-se-á realizado justamente nessa altura segundo parece decorrer do teor da missiva por esta enviada ao arguido e constante de fls. 172.
A demais matéria fáctica invocada nos articulados, e não expressamente referida em sede de factos provados e não provados, deveu-se às circunstâncias de se ter entendido constituir matéria meramente conclusiva ou por não se afigurar com relevância para a boa decisão da causa.»

Apreciação do recurso
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, as quais devem constituir formulações claras e sintéticas que resumam as razões da discordância, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso, como são os vícios da sentença previstos no art.410.º n.º2 do C.P.Penal.
No caso vertente, face às conclusões apresentadas, que pecam pela falta de sintetização, afigura-se-nos que as questões trazidas à apreciação deste tribunal são as seguintes:
-impugnação da matéria de facto, com fundamento nos vícios previstos no art.410.º, n.º2, do C.P.Penal,
- violação do princípio in dúbio pro reo,
- medida da pena de multa,
-pedido de indemnização civil.

Antes da apreciação das questões suscitadas, impõe-se conhecer uma questão prévia: a junção de documentos pela recorrida/assistente na resposta que apresentou ao recurso.
O art. 165.º do C.P.Penal, sob a epígrafe Quando podem juntar-se documentos preceitua no seu n.º1 que «o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência.»
Os documentos que não sejam pareceres, não podem ser juntos com a alegação de recurso ou em momento posterior a este, como é o caso, atento o disposto no citado n.º 1 do art. 165º.
O tribunal ad quem apenas reexamina o decidido em 1ª instância e por isso não pode conhecer elemento de prova que o tribunal a quo, por não dispor do mesmo, não apreciou (v. Ac.R.P de 9/12/2004, P.04/5010, Desembargador Fernando Monterroso, Ac.R.L de 17/4/2004, P.2989/07.9, Desembargador Ribeiro Cardoso).
Nesta conformidade, os documentos ora apresentados pela assistente na resposta ao recurso não serão atendidos.
Conhecida esta questão, apreciemos as demais suscitadas:
1ªquestão: impugnação da matéria de facto
O recorrente impugna a matéria de facto dada como provada que permitiu a sua condenação, com fundamento nos vícios do art.410.º, n.º2, do C.P.Penal, sustentando que os depoimentos das testemunhas de acusação não são credíveis, contrariamente ao que sucede com os depoimentos das testemunhas T…, U… [que transcreve na íntegra] e V… e que o tribunal, tal como em relação às declarações do arguido, desvalorizou.
O recorrente confunde a impugnação ampla da matéria de facto com a revista alargada, pois embora pretenda a reapreciação da prova gravada invoca os vícios do art.410.º do C.P.Penal.
É consabido que a matéria de facto pode ser impugnada por duas formas: invocando os vícios do art. 410.º n.º2 do C.P.Penal, a designada «revista alargada» ou através da impugnação ampla da matéria de facto, nos termos do art. 412.º n.º3 e 4 do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido art. 410.º, os quais têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos estranhos àquela, para a fundamentar.
No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise da prova produzida em audiência, mas dentro dos limites do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art.412.º do C.P.Penal.
O recurso que impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe a reapreciação total dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorretamente julgados. Daí que o recorrente tenha de especificar os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, sendo que quando as provas tenham sido gravadas, as especificações de prova fazem-se por referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar as concretas passagens em que se funda a impugnação – art.412.º n.º3 e 4 do C.P.Penal.
Analisando o recurso interposto, verifica-se que nem na motivação nem nas conclusões, o recorrente deu cumprimento ao ónus de especificação previsto nos n.º3 e 4 do art.412.º, não discriminando relativamente a cada um dos factos que considera incorretamente julgado as concretas passagens em que se funda a impugnação e que impõem uma decisão diversa da recorrida. Limitou-se antes a impugnar genericamente a factualidade assente, a fazer a transcrição integral dos depoimentos das testemunhas T… e U… e a discorrer sobre a apreciação que faz dos mesmos, por contraposição aos depoimentos das testemunhas de acusação, a que atribui falta de isenção.
«O uso pela relação dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto deve, portanto, restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados. Daí a imprescindibilidade de os recorrentes indicarem concretamente os pontos de facto que se encontram incorrectamente julgados e especificarem as provas que impõem decisão diversa, em relação a esses pontos de facto.» - Ac.STJ de 19/5/2010, relatado pela Conselheira Isabel Pais Martins, in www.dgsi.pt,
Uma vez que o recorrente não deu cumprimento ao ónus de impugnação especificada, nem nas conclusões, nem na motivação de recurso, não havia que endereçar-lhe convite para aperfeiçoamento quanto a tal questão, pois isso traduzir-se-ia na concessão de novo prazo para recorrer, o que não está compreendido no próprio direito ao recurso [v.Ac. do Tribunal Constitucional nº140/2004, de 10/03/2004, in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordãos)
Não cumprido o ónus da especificação nos termos do art.412.º, n.º3 e 4.º, do C.P.Penal, a apreciação da matéria de facto tem de se cingir aos vícios do art.410.º n.º2 do C.P.Penal, vícios, aliás, de conhecimento oficioso.
Dispõe o art.410.º nº2 do C.P.Penal: «Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
O vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão verifica-se quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição.
O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ocorre quando há uma incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através do texto da decisão recorrida, entre os factos provados, entre factos provados e não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Existe erro notório na apreciação da prova quando, analisada a decisão recorrida na sua globalidade e sem recurso a elementos extrínsecos, resulta de forma inequívoca que o tribunal fez uma apreciação ilógica da prova, em patente oposição às regras básicas da experiência comum, ou seja, sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal. Trata-se de um erro ostensivo, que é detetado pelo homem médio.
Através da indicação das provas que serviram para formar a convicção do julgador e do seu exame crítico, o tribunal ad quem verifica se o tribunal a quo seguiu ou não um processo lógico e racional na apreciação da prova.
Analisando a sentença recorrida, não se verificam quaisquer dos vícios do art.410.º n.º2 do C.P.Penal.
Desde logo, não há erro notório na apreciação da prova, sendo que o recorrente se limita a divergir do modo como o tribunal a quo apreciou a prova produzida em audiência, apresentando antes a sua própria convicção no sentido de que os depoimentos das testemunhas S…, L…, K…, M… e O… não são credíveis pelas relações conflituosas que têm com o arguido e os depoimentos das testemunhas H…, I… e J… não merecem credibilidade pela proximidade que têm com a representante legal da ofendida e seu companheiro.
A sentença recorrida explica de forma coerente e segundo um raciocínio lógico, as razões pelas quais deu credibilidade aos depoimentos das testemunhas de acusação em detrimento da versão do arguido, que negou os factos. Quanto às testemunhas T…, U… e V… explicitou que «as testemunhas de defesa T…, U… e V…, não demonstraram conhecimento directo quanto aos factos vertidos na pronúncia, já que não estavam presentes em nenhuma das ocasiões aí descritas e por conseguinte nada afirmaram que pudesse colocar em causa a dinâmica dos acontecimentos segundo o relato feito por quem lá esteve, sendo que as mesmas limitaram-se a descrever a existência dos litígios familiares existentes, estes já bem patentes nos autos e abonaram o comportamento do arguido, dando boas referências naquilo que dele conhecem.»
No fundo, o que o recorrente impugna, é a valoração que o tribunal fez da prova produzida segundo o princípio da livre apreciação [art.127ºdo CPP], pretendendo, ao invés, que vingue a opinião que ele [recorrente] formulou sobre a prova produzida em audiência.
Dispõe o art.127.º do C.P.Penal [livre apreciação da prova] «Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.»
Este princípio assume particular relevo na fase de julgamento. Se é certo que a convicção do juiz não pode ser puramente subjetiva, imotivável e por isso, o art.374.º n.º2 do C.P.Penal exige que a sentença contenha «uma exposição tanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação do exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal», também não se pode esquecer que a decisão do juiz é sempre uma convicção pessoal, «até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais» in Jorge de Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, edição 1974, pág.204.
Ao princípio da livre apreciação da prova, estão intimamente associados os princípios da imediação e da oralidade.
A avaliação da prova produzida em audiência não se resume ao conteúdo literal de algumas expressões usadas pelos participantes na audiência, antes pressupõe uma análise global de todas as provas à luz de critérios de experiência comum. Só essa avaliação global permite a formação de um juízo sobre a consistência de um depoimento.
Com efeito, o juiz, beneficiando do contacto direto com a testemunha, ao valorar o seu depoimento tem de atender a vários aspetos que têm a ver, designadamente, com a razão de ciência, a imparcialidade, a espontaneidade do depoimento, as hesitações, as contradições, os gestos, etc.
Na situação em apreço, decorre da fundamentação constante da sentença, que o tribunal a quo atribuiu credibilidade aos depoimentos da representante legal da assistente e das testemunhas de acusação, que mostraram ter conhecimento dos factos, sendo que a fundamentação explana um raciocínio lógico, coerente, que se adequa às regras da experiência comum.
Não ocorre, pois, o vício do erro notório na apreciação da prova.
Analisada a sentença, também não se verificam os vícios da insuficiência da matéria de facto para a decisão e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, previstos, respetivamente nas alíneas a) e c) do n.º2 do art.410.º do C.P.Penal, que, aliás, o recorrente nem explicita o seu raciocínio para os apontar, considerando-se assim definitivamente fixada a factualidade assente.
2ªquestão: violação do princípio in dúbio pro reo.
Este princípio, enquanto corolário da presunção de inocência do arguido até ao trânsito em julgado da sentença condenatória consagrada no art. 32.º, n.º2 da CRP, pressupõe a existência de um non liquet que deve ser resolvido a favor do arguido. A sua violação só ocorre quando do texto da decisão recorrida decorre que o tribunal ficou na dúvida em relação a qualquer facto e, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. A dúvida é a dúvida que o tribunal teve, não a dúvida que o recorrente acha que o tribunal deveria ter tido.
No caso dos autos, a fundamentação da decisão impugnada não revela qualquer dúvida do tribunal a quo quanto aos factos ocorridos; ao invés, explica os motivos pelos quais se decidiu em favor da versão dos factos constantes da pronúncia.
O recorrente, com a sua alegação, faz uma errada interpretação do princípio in dubio pro reo, pretendendo que havendo duas versões, funcionaria sempre aquele princípio. Ainda que a prova se produza com uma única testemunha, desde que o seu depoimento seja convincente, o tribunal não tem que lançar mão do princípio in dubio pro reo, pois nenhuma dúvida ocorre na convicção do julgador.
Improcede, por isso, também nesta parte, o recurso.
3ªquestão: da medida da pena de multa e da taxa diária
O recorrente insurge-se quanto à medida da pena de multa, entendendo que deve ser reduzida para €500, não explicando se entende que o número de dias é excessivo ou também a taxa diária.
A determinação da medida da pena faz-se com recurso ao critério geral estabelecido no art.71.º do C.Penal, tendo em vista as finalidades das penas, quais sejam a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente em sociedade, constituindo a culpa o limite inultrapassável da medida da pena – cfr. art.40.º n.º1 e 2 do C.Penal.
A este propósito, como refere a Prof.Anabela Rodrigues, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, Ano 12, n.º 2 Abril-Junho de 2002, 147/182, «em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas».
Em síntese, culpa e prevenção são os dois termos do binómio com base no qual se determina a medida concreta da pena.
O arguido praticou um crime de ofensa a pessoa coletiva p. e p. pelos arts.187.º, n.ºs 1 e 2 alínea a) e 183.º, n.º1, alíneas a) e b), todos do C.Penal, com pena de prisão até oito meses ou com pena de multa até 320 dias.
No caso vertente, cabe ponderar:
-o grau da ilicitude dos factos é mediano, atentas as consequências da atuação do arguido,
- o arguido agiu com dolo direto, intenso,
- as exigências de prevenção geral positiva são medianas, havendo a necessidade de manter a confiança da comunidade na tutela do ordenamento jurídico;
- as necessidades de prevenção especial - necessidade de induzir o arguido a evitar a prática de futuros crimes e a adotar um comportamento de acordo com as regras em sociedade – não são acentuadas, dado que o arguido não tem antecedentes criminais, embora não manifeste interiorização do desvalor da sua conduta.
Na determinação da medida concreta da pena todos estes fatores têm de ser ponderados e, aliás, assim fez o tribunal recorrido.
Tudo ponderado, afigura-se-nos que a aplicada pena de 150 dias de multa, situando-se próxima de ½ da pena máxima de multa, é adequada e proporcional, pelo que se mantém a mesma.
Relativamente ao quantitativo diário da pena de multa art. 47.º, n.º 2, do C.Penal [na redação introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 04/9] dispõe que «cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais».
Como refere o Prof. Taipa de Carvalho «a multa enquanto sanção penal, não pode deixar de ter um efeito preventivo e, portanto, não pode deixar de ter uma natureza de pena ou sofrimento, isto é e por outras palavras, não pode o condenado na multa deixar de a “sentir na pele”» [As Penas no Direito Português após a Revisão de 1995, in Jornadas de Direito Criminal-Revisão do Código Penal, ed. do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1998, vol II, pág. 24].
No mesmo sentido salientou o Ac. do STJ de 2-10-1997, in Col. de Jur., Ano V, tomo 3, págs. 183-184, «como a multa é uma pena, o montante diário da mesma deve ser fixado em termos de tal sanção representar um sacrifício real para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade de impunidade».
Na sentença em apreço, a propósito da situação económica do recorrente, apurou-se que o arguido é reformado, auferindo uma pensão de €750,00 mensais e ainda a quantia de €375,00 por mês de renda do matadouro explorado pela sociedade de que é sócio-gerente. Vive num barraco por “opção”, juntamente com a companheira, doméstica, e uma filha de 8 anos, possui um veículo, da marca mercedes, do ano de 2001 e vários bens imóveis em seu nome, designadamente, uma quinta avaliada em €500.000,00.
Ponderadas estas circunstâncias, afigura-se que a taxa diária de €10,00, foi fixada adequadamente pelo tribunal a quo, tendo tido em conta a situação económica do arguido e não deixando de atender que é necessário que a multa represente um sacrifício, sob pena de perder a sua eficácia penal.
Pelas razões apontadas, mantém-se o número de dias de multa e a taxa diária fixados.
4ªquestão: pedido de indemnização civil
Sustenta o recorrente que a ofendida não provou qualquer lesão, tendo até aumentado as vendas no último trimestre de 2014, não tendo o tribunal a quo estabelecido qualquer nexo de causalidade, pelo que não podia ter sido condenado no pagamento de qualquer indemnização a título de danos patrimoniais ou não patrimoniais.
Não assiste razão ao recorrente, o qual incorre em algumas confusões, tratando do mesmo modo os danos patrimonias e não patrimoniais.
Desde logo, a decisão recorrida refere que não foi possível estabelecer um nexo de causalidade entre a quebra de vendas invocada pela assistente e o comportamento do arguido, sendo com base nessa quebra de vendas que a assistente reclamava danos patrimoniais em montante superior a €50.000,00. O tribunal a quo não deu estes danos patrimoniais como provados e em consequência o pedido de indemnização civil improcedeu neste conspeto, apenas procedendo quanto às despesas efetuadas pela assistente, no valor de €102,00.
Porém, dos pontos 17, 18, 19 e 20 dos factos dados como provados da decisão recorrida, resulta que em consequência da atuaçao do arguido a imagem, o bom nome e o prestígio da ofendida foram atingidos.
Face a tal factualidade dada como provada, o arguido/demandado foi condenado a pagar à assistente/demandante uma indemnização no montante de 5.000,00 € por danos morais que lhe foram provocados pela violação grave da sua imagem, considerando que apesar de ente coletivo, esta imagem pode ser violada por conduta grave de alguém, como ocorreu o caso concreto.
A propósito dos danos sofridos por sociedades comerciais em virtude da lesão do seu bom nome ou do seu crédito, não existe entre nós, unanimidade jurisprudencial.
Segundo uma corrente jurisprudencial há que distinguir entre o bem jurídico atingido e o dano que resulta dessa lesão, e considerando que as empresas têm como objetivo primordial a obtenção do lucro, o bom nome e a reputação apenas relevam na medida em que contribuam para a obtenção de vantagens económicas. Assim, a sua ofensa apenas pode produzir um dano patrimonial indireto, ou seja, um reflexo negativo na potencialidade de lucro a auferir, não sendo, pois, suscetível de indemnização por danos estritamente morais, que apenas afetam os indivíduos com personalidade moral [v., entre outros, Ac.STJ de 9/6/2005, relatado pelo Conselheiro Araújo de Barros, proc.n.º05B1616, Ac.Relação de Lisboa de 23/9/2007, relatado pela Desembargadora Graça Amaral, proc.n.º8509/2006-7 e de 8/1/2011, proc.n.º 4694/04.OTCLRS.L1, relatado pela Desembargadora Rosa Colho, in www.dgsi.pt.].
Para outra corrente da jurisprudência, a ofensa ao bom nome das empresas, ainda que se não projete num dano patrimonial, gera obrigação de indemnizar o respetivo dano de natureza não patrimonial. Como refere o Ac.STJ de 12/9/2013, relatado pelo Conselheiro Oliveira Vasconcelos, proc. n.º 372/08.9TBBCL.G1.S1, 2ªsecção, in www.dgsi.pt «Parece não haver dúvidas que as pessoas coletivas, “maxime” as sociedades comerciais, podem ser titulares de determinados direitos subjetivos estruturalmente idênticos aos direitos de personalidade, como sejam o direito ao nome, ao bom nome, à honra, ao crédito, à consideração social, etc. - cfr. artigos 12º, nº2, do Constituição da República Portuguesa, 17º, 160º, nº1 e 484º, todos do Código Civil, 6º, nº1 do Código das Sociedades Comerciais e 187º do Código Penal.
Questão é se os valores e motivações pessoais subjacentes aqueles direitos se ajustem à particular natureza e às específicas características das sociedades, ao seu círculo de atividades e aos seus interesses dignos de tutela.
Assim e desde logo, parece ser o caso do direito à identidade pessoal, abarcando o direito ao nome a outros sinais jurídicos recognitivos e distintivos. (…)
Em princípio, qualquer ofensa a esses direitos acaba por se projetar num dano patrimonial, revelado, por exemplo, por dificuldade com os fornecedores, e afastamento de clientela, que se pode traduzir, evidentemente, numa diminuição ou frustração das vendas, com a consequente diminuição dos lucros.
Mas pode acontecer que não ocorra essa projeção e nesse caso, não se vê porque razão não há-se a sociedade ser compensada pela ocorrência desse dano de natureza não patrimonial.
O que não pode acontecer e em obediência ao princípio da boa-fé, é que um mesmo facto revista ao mesmo tempo natureza patrimonial e não patrimonial para o efeito de o lesado ser indemnizado em duplicado». No mesmo sentido se pronunciou o Ac.STJ de 12/2/2008 proc. n.º07A4618, relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos.
No caso das empresas, na fixação do “quantum” compensatório por danos não patrimoniais releva a repercussão que a imputação teve na vida da empresa, o que é aferível pela sua situação no mercado antes e depois dos factos.
Considerando o exposto, reputa-se equitativa a indemnização de €5.000,00 fixada na decisão recorrida, a título de danos não patrimoniais.
Por todo o exposto, mantém-se a decisão recorrida.

III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes no Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando em 4 Ucs a taxa de justiça.
[texto elaborado pela relatora e revisto por ambas as signatárias].

Porto, 7/7/2016
Maria Luísa Arantes
Ana Bacelar