Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FILIPE CAROÇO | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACTOS ILÍCITOS SERVIDÃO ADMINISTRATIVA | ||
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Nº do Documento: | RP201705181803/16.0T8LOU.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/18/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 96, FLS.2-17) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Não constitui servidão administrativa a construção licenciada de um posto de transformação de energia elétrica pelo promotor de um loteamento para servir este loteamento, que, uma vez concluída, é entregue à D…, S.A. com afetação ao domínio público e à concessão autárquica da distribuição de energia. II - Esta concessão constitui o título da posse do PT que se inicia com o seu recebimento pela D…, S.A. e afetação ao fim a que se destina. III - Se a causa de pedir da ação assenta na responsabilidade por ato ilícito, é pela verificação dos respetivos fundamentos e da matéria de exceção que o pedido será julgado (procedente ou improcedente). IV - Se os AA. não provam, desde logo, o alegado ato ilícito da R., falta um dos pressupostos da responsabilidade civil e a ação fica condenada ao fracasso, com improcedência do pedido. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 1803/16.0T8LOU.P1 (apelação) Comarca de Porto Este – Instância Local Cível de Lousada Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Judite Pires Adj. Desemb. Aristides de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto B… e C…, casados entre si e residentes na Rua …, nº …, …. - …, …, instauraram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra D…, S.A., sociedade comercial com o NIPC ………, com sede na Rua …, .., …. - … Lisboa, alegando essencialmente que, no ano de 2008, adquiriram um determinado imóvel, correspondente a um lote de terreno destino à construção urbana, onde a R. instalou um posto de transformação (PT), sem a sua autorização, nem dos anteriores proprietários, e em violação do alvará de loteamento que o prevê para um lote diferente do mesmo loteamento. Não existe qualquer servidão ou autorização municipal para a ocupação do imóvel dos AA. pelo PT.I. A desconformidade de colocação do PT é declarada (tal como transmitido à R.) pela Câmara Municipal E… e a R. recusa-se a removê-lo. Além de incómodos que este assunto vem dando aos AA., atenta a sua delonga, a ocupação do imóvel em crise diminuiu a área útil de construção e o valor do prédio. A R. desobedeceu ao projeto de infraestruturas elétricas previsto e aprovado para o loteamento e viola o direito de propriedade dos AA., sendo responsável pela remoção do PT e pelo pagamento de uma indemnização, que estima em €7.500,00, por danos não patrimoniais a favor dos mesmos, em sede de responsabilidade civil extracontratual. Fazem os AA. culminar o seu articulado com o seguinte pedido: « (…), deverá a presente ação ser julgada procedente, por provada e em consequência ser a Ré condenada a proceder à remoção do Posto de Transformação nº 173/LSD, bem como ser condenada a pagar a quantia de €7.500,00 (Sete Mil e Quinhentos Euros) a título de danos não patrimoniais.» (sic) Citada, a R. contestou a ação, por exceção e por impugnação. Alegou que os AA. adquiriram o imóvel a F…, tendo sido este loteador quem escolheu o local onde o PT foi implantado, ainda antes do projeto de infraestruturas ter sido apresentado pelo loteador à R., tendo sido ele também quem executou a obra de implantação, sem qualquer intervenção da contestante. A integração do PTD 173/LSD na rede elétrica de serviço público e na concessão municipal são factos constitutivos da servidão administrativa que onera o imóvel dos AA. Ao adquirirem o imóvel com o PTD nele implantado, os AA. aceitaram e conformaram-se com esse ónus, correspondente à servidão administrativa, já previamente aceite pelo anterior proprietário do prédio. À data da venda do imóvel, o promotor sabia que o PTD já estava definitivamente estabelecido e eletrificado, fazendo já parte da rede elétrica pública e da concessão de serviço público. A R. apenas teve conhecimento da pretensão dos AA. mais de um ano depois da aquisição do lote. A R. não é responsável pelos danos, porque na data em que os AA. adquiriram o lote já este se encontrava onerado com a servidão e nenhuma intervenção teve na escolha do local de implantação do PTD, facto que apenas pode ser imputado ao promotor. Acrescenta que os danos, tal como foram alegados, não merecem a tutela do direito. A demandada impugnou parcialmente os factos alegados na petição inicial. Terminou assim: «a) Deve a matéria alegada sob defesa por exceção ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, deve a R. ser absolvida do pedido; ou, caso assim não se entenda e à cautela, b) Deve a ação ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se a R. do pedido.» (sic) Teve lugar a audiência prévia, na qual, além do mais, os AA. esclareceram que os “danos não patrimoniais peticionados, respeitam aos incómodos causados pela factualidade descrita nos autos, que se verificam desde 2009 até à presente data. Este valor em nada respeita a compensação/indemnização por eventual desvalorização do prédio em crise, que não se peticiona”. Foi proferido despacho saneador tabelar e foi fixado o valor da ação, após o que se fixou o objeto do litígio e se descreveram assim os temas de prova: - Desconformidade entre a localização do PT, o alvará e plano de loteamento e o projeto de infraestruturas; - Falta de autorização dos AA. para a colocação do PT no seu prédio; - Incómodos sofridos pelos AA. com a permanência do PT no seu prédio; - Autoria da escolha do local de implantação do PT e a autoria da execução da obra; e - Constituição da servidão administrativa. Realizada a audiência final, em quatro sessões, a 16.12.2016 foi proferida sentença fundamentada, com o seguinte dispositivo, ipsis verbis: «Pelo exposto, decide-se julgar a acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver a ré do pedido. Custas pelos autores (artigo 527º do C.P.C.).» * Inconformados com a decisão, os A.A. interpuseram recurso de apelação onde alegaram com as seguintes CONCLUSÕES, ipsis verbis:«I. Vem o presente Recurso de Apelação interposto da douta Sentença de fls., que decidiu julgar a ação improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver a Ré do pedido. II. Como resulta de toda a prova documental e testemunhal dos presentes autos, o PTD 173/LSD está edificado no imóvel propriedade dos autores, sem que para o efeito exista qualquer lei, ato ou contrato que o legitime. III. Revela ainda, a existência de dois mapas de aprovação do mesmo projeto de fornecimento de energia elétrica no processo de loteamento 16/L/96, do qual resultou o alvará 15/2000, porém, seja qual for o aprovado, certo é que em nenhum deles o PTD em crise consta nos terrenos dos Apelados. IV. Dá-se como integralmente reproduzida toda a factualidade dada como provada nos presentes autos, com a exceção do ponto 28 “Foi o referido loteador quem escolheu o local de implantação do PTD”. V. Por outro lado, e como adiante de alegará, tal facto é materialmente intrínseco com o ponto 1 dos factos dados como não provados: “O modo de instalação e fornecimento de energia elétrica ao loteamento foi definido em conjunto com a Ré”. VI. Como doutamente referido pelo Tribunal a quo nos pontos 31 a 33 dos factos dados como provados, por referência às condições técnico-administrativas anexas à carta de aprovação do projeto elétrico, ao promotor do loteamento cabe a tarefa de escolher o local de implantação do PTD em crise, bem como incumbir-se da sua edificação. VII. Porém, não se poderá olvidar a essencialidade da intervenção da aqui Apelada na projeção, conceção, determinação e construção do projeto de fornecimento elétrico no loteamento em crise. VIII. Na verdade, tal intervenção decorre de dispositivo legal que atribui à Apelada, além da exclusiva competência da titularidade da concessão da rede de distribuição de energia elétrica em Portugal, a obrigação de aprovação e verificação da conformidade das infraestruturas (que irá integrar no seu património) com as normas legais vigentes para o setor. IX. O Promotor do loteamento em crise, deu início, junto da Câmara Municipal E… ao processo de loteamento nº 16/L/96, com desiderato de lotear certa parcela de terreno, ao promotor incumbiu a tarefa de juntar ao referido processo os projetos de fornecimento de energia, água e gás, tecnicamente conformes a legislação em vigor e certificadas pelas entidades competentes, a saber a Apelada. X. Não obstante as conclusões da sentença de que se recorre, certo é que a determinação e construção da rede de fornecimento dos referidos bens, faz-se nos termos legais, isto é, no cumprimento da legislação aplicável e vigente, e não com base no desejo ou técnica (que se desconhece) de um determinado ou eventual promotor. XI. Ora, no in casu, como resulta dos termos legais e da prova produzida em julgamento, foi à Apelada que coube a tarefa legal de aprovar o modo de fornecimento proposto pelo Promotor, bem como garantir a legalidade da sua execução e edificação, interferindo, como é sua obrigação legal, desde o primeiro momento, na determinação da localização do PTD 173/LSD. XII. Não obstante a estranheza (e eventual ilegalidade) da existência de dois projetos distintos para o mesmo local e objeto, assinados e carimbados pela mesma pessoa que, exerce funções na Apelada, certo é que, em nenhum deles o PTD 173/LSD consta como colocado no imóvel dos Apelantes. XIII. Assim o dá doutamente como provado o Tribunal a quo “9. Na planta junta ao processo de obras 16/L/96 da Câmara Municipal E… não consta a ocupação do terreno acima identificado por posto de transformação de eletricidade ou outro”. XIV. Acresce ainda que o projeto foi remetido pela Apelada para a Direção Regional do Norte do Ministério da Economia, sendo o mesmo aprovado por despacho no âmbito do processo nº 62531/25946 - Cfr. Factos provados 37 e 38 da sentença em crise. XV. Ora, do exposto resulta que do projeto aprovado pelas várias entidades envolvidas não consta a ocupação do terreno dos Apelantes por nenhum posto de transformação, muito menos o em crise PTD 173/LSD. XVI. Ora, da factualidade dada como provada, resulta que o PTD 173/LSD se encontra ilegalmente instalado no imóvel dos Apelantes, pois a sua localização real não tem qualquer correspondência com o projeto aprovado pela Apelada (seja em que versão for). XVII. Por outro lado, andou mal o Tribunal a quo ao considerar como provado que “Foi o referido loteador quem escolheu o local de implantação do PT”, quando na verdade, da factualidade provada resulta que: foi o referido loteador quem escolheu o local de implantação do PTD 173/LSD, sendo a conformidade legal e funcional de tal escolha verificada, atestada e rececionada pela Apelada (sublinhado nosso). XVIII. Ora, ainda que indiretamente, a apelada teve intervenção na escolha da localização do PTD 173/LSD, não se podendo furtar às suas responsabilidades, como na relação material controvertida, uma vez que deve atuar como garante da legalidade das estruturas de distribuição de energia elétrica atentas as suas obrigações legais e as obrigações inerentes à sua qualidade de concessionária. XIX. Quanto mais não fosse, sempre se dirá que a Apelada tem a obrigação legal de verificar a conformidade das obras que receciona com os projetos que a própria aprovou. XX. Acresce que, a dimensão da intervenção da Apelada no assunto em crise não se esgota na aprovação da escolha da localização do PTD em crise, pois, tal como resulta da prova produzida nos presentes autos, a Apelada exerce um controlo constante, também no que tange à construção e implementação do PTD em crise. XXI. Posto isto e nos termos legais, a Apelada rececionou provisoriamente do promotor o PTD em crise, integrando-o no seu ativo fixo e dele fazendo uso para a sua atividade comercial, sendo a atual possuidora do PTD 173/LSD, nos termos dos contratos de concessão celebrados para o efeito, e dele é responsável nos termos e efeitos da legislação substantiva aplicável. XXII. Na verdade, qualquer responsabilidade por risco que do mesmo advenha, nos termos legais, é a Apelada a responsável, bem como da sua eventual desconformidade legal. XXIII. Face o exposto, deve ser dado como provado que: 1. Foi o referido loteador quem escolheu o local de implantação do PTD 173/LSD, sendo a conformidade legal e funcional de tal escolha verificada e atestada pela Ré. 2. Por via da receção provisória, e mais tarde definitiva, das infraestruturas de distribuição de energia elétrica no loteamento em crise, a Ré integrou no seu património o PTD supra identificado, sendo responsável pelo risco da sua exploração, bem como pela sua desconformidade legal. XXIV. Por outro lado, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que à data da compra do imóvel pelos Apelantes, sobre este incidia um ónus de servidão administrava que se transmitiu para estes, com a aquisição do seu direito de propriedade. XXV. O ato administrativo que licencia a construção tem subjacente a verificação dos pressupostos exigidos por lei para a sua aprovação por motivos de ordem pública que implicam a intervenção do Estado ou das autarquias para verificar se são cumpridas as leis em vigor que asseguram um bom ordenamento, qualidade e segurança da construção. XXVI. Mas essa intervenção não é ato de constituição de servidão, conforme resulta da legislação substantiva aplicável, e assim o afirmam os doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1989, disponível no BMJ 388- 520 e o datado de 12 de Novembro de 1991, disponível no BMJ 411-343. XXVII. Quando a lei fala em servidão constituída por decisão administrativa apenas visa a intervenção do Estado, sentido amplo, em conceder ao particular a utilização dum uso a favor dum seu prédio (particular), como é exemplo o aproveitamento de águas públicas por particulares, nos termos do artigo 1560º, nº 2 do Código Civil. XXVIII. Ora, do supra exposto, resulta que não existe qualquer servidão administrativa que legitime a posse da parcela do terreno dos Apelantes pela Apelada e ainda, não constituiu o anterior proprietário qualquer servidão legalmente válida que fosse legitimamente transmitida aos Apelantes por via da venda do mesmo. XXIX. Tal também não se afigura como possível, considerando a impossibilidade legal do anterior proprietário onerar o imóvel em crise com tal servidão, pois na verdade este sempre agiu como promotor do loteamento e não como proprietário e segundo, atento o tipo de infraestrutura em causa, tal servidão terá sempre de ser constituída nos termos legais para que seja assim oponível aos Apelantes. XXX. Por mera cautela cumpre ainda alegar que, mesmo que se considere o ato de deferimento do alvará de loteamento pela Câmara Municipal E… como suficiente para ser título de constituição de servidão administrativa, tal servidão nunca poderia incidir no imóvel dos Apelantes e assim limitar o seu direito de propriedade. XXXI. Tal como resulta da factualidade dada como provada, existem dois projetos de infraestruturas elétricas, aprovados na mesma data pela Apelada, mas diferentes no que respeita à colocação e localização do PTD 173/LSD. XXXII. Em um desses projetos, o PTD em crise está colocado em frente ao imóvel dos Apelados, mas do outro lado da rua e no outro, o PTD está colocado na parcela de terreno confinante com o mesmo – mas fora dele - não obstante as diferentes localizações, ambas aprovadas pela Apelada, no uso das suas prerrogativas legais, certo é que a localização do PTD em crise não foi determinada no imóvel dos Apelantes. XXXIII. Ora, o ato de deferimento do alvará de loteamento assente no projeto de infraestruturas elétricas constante de fls. 285 do processo de obras correspondente, não estabelece qualquer servidão sobre o imóvel dos Apelantes. XXXIV. Com efeito, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que a posse da parcela de terreno, propriedade dos Apelantes, onde está edificado o PTD 173/LSD pela Apelada é titulada nos termos dos artigos 1257º n.º 1, 1259º nº 1 e 1263º alínea b), todos do Código Civil. XXXV. Pelo exposto, deverá considerar-se como não titulada a posse da parcela de terreno, propriedade dos Apelantes, onde está edificado o PTD 173/LSD pela Apelada e, em consequência ser esta condenada a proceder à remoção do Posto de Transformação nº 173/LSD, revogando-se nestes termos a sentença recorrida.» Pretendem, assim, a revogação da sentença. A R. sintetizou as contra-alegações como se segue: «A. Não existem fundamentos para a revogação da sentença proferido pelo Tribunal a quo, que apreciou e conheceu devidamente os factos e deles fez a correta subsunção ao Direito. B. Em sede de conhecimento dos factos é primordial o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 607.º, n.º 5 do CPC que se articula com os princípios da imediação e da oralidade, todos eles basilares no direito processual civil. C. A convicção do Tribunal a quo formou-se com base na posição assumida pelas partes nos articulados, nos documentos juntos aos autos e nos depoimentos das testemunhas inquiridas, tendo sido determinada a inquirição oficiosa de duas testemunhas e tendo a audiência de julgamento contado com três sessões. D. Ainda em sede de ónus da prova, cabe aos Recorrentes fazer prova dos factos que integram o direito que pretendiam ver reconhecido, regra que deve ser aplicada em conjunto com o princípio previsto no artigo 414.º do CPC. E. As alegações e conclusões de recurso apresentadas pelos Recorrentes apenas refletem a posição e a convicção que os próprios tem quanto ao objeto do litígio e não são fundamento para revogação da sentença recorrida. F. A ocupação do terreno propriedade dos Recorrente pelo PTD 173/LSD está titulada e legitimada pela celebração do contrato de concessão de distribuição de energia elétrica em baixa tensão com o Município E… e pela emissão do despacho de aprovação do respetivo projeto pela Direção Regional do Norte do Ministério da Economia, no âmbito do processo 62531/25946 PTD 173/LSD. G. A Recorrida D… não foi a autora do projeto de infraestruturas elétricas do loteamento onde se insere o lote dos Recorrentes. H. Esse projeto foi da autoria e da responsabilidade exclusivas da empresa G… LDA., contratada para o efeito pelo promotor do loteamento, F…. I. Tal facto resulta expressamente do disposto no ponto I. das condições de aceitação das infraestruturas elétricas (juntas como documento 03 à Petição), do teor dos autos de receção e entrega (juntos à Contestação sob documentos 05 e 05), dos depoimentos prestados em audiência pelo promotor do loteamento F…, pelo representante da G… LDA., o Eng.º H…, e pelos funcionários da Recorrida, Eng.º I… e J…. J. A Recorrida D… não teve qualquer papel ou intervenção na escolha do local de implantação do posto de transformação. K. A escolha do local de implantação foi da responsabilidade exclusiva e conjunta do promotor do loteamento (que à data da implantação era o proprietário do terreno) e do representante da G… LDA. (que assumiu a autoria do projeto elétrico). L. Mais ainda: os documentos integrantes do projeto de loteamento, assim como o artigo 10.º, n.º 5 da Portaria n.º 454/2001 de 05 de maio e ainda o artigo 10.º, n.º 5 do contrato de concessão celebrado com o Município E… prevêem que é da responsabilidade do promotor do loteamento a escolha do local de implantação do posto de transformação. M. E o mesmo foi expressamente confirmado em audiência pelos depoimentos das testemunhas H… e I…. N. Mais ainda: esta matéria consta do ponto 31. dos factos dados como provados da sentença recorrida, que não mereceu oposição dos Recorrentes. O. A Recorrida D… não construiu o posto de transformação, nem controlou a sua construção. P. A construção do posto de transformação ficou a cargo da G… LDA, contratada pelo promotor do loteamento para o efeito e que foi a autora do projeto elétrico. Q. A G… LDA. executou as obras de construção do posto de transformação com total autonomia e sem qualquer vínculo técnico ou jurídico à Recorrida D…. R. A Recorrida recebeu a infraestrutura elétrica depois de já terem sido executadas as respetivas obras pela G… LDA. S. A G… LDA. assumiu a construção do posto de transformação por força de um contrato que celebrou com o promotor do loteamento e não tem com a Recorrida D… vínculo ou ligação de qualquer natureza. T. Tais factos são confirmados pelos autos de receção e entrega (juntos à Contestação sob documentos 04 e 05), constando ainda do ponto 34. dos factos dados como provados (que não mereceu oposição dos Recorrentes). U. De igual modo, esta matéria foi confirmada pelos depoimentos das testemunhas F…, I… e H…. V. As atribuições da Recorrida na receção do posto de transformação estão previstas na lei e decorrem da sua qualidade de concessionária da rede elétrica pública, tal como descrito nos pontos 19. a 22. dos factos dados como provados e conforme resulta a contrario dos pontos 28., 29., 30., 34. a 36. dos factos dados como provado (todos eles aceites pelos Recorrentes). W. A Recorrida não tem qualquer competência ou atribuição legal no âmbito do projeto de loteamento, na construção do posto de transformação, nem na escolha do seu local e implantação. X. Na receção do posto de transformação, a Recorrida D… efetua apenas uma verificação ao nível das especificidades técnicas das infraestruturas. Y. Mais ainda: o posto de transformação recebido pela Recorrida não faz parte do seu património, estando antes integrados no objeto da concessão de serviço público, no âmbito do contrato de concessão celebrado com o Município. Z. Todos estes factos decorrem da lei e do contrato se concessão e resultam ainda do teor dos depoimentos das testemunhas F…, H… e I…. AA. O posto de transformação foi construído no local em que se encontra, aí ficando, mesmo antes da determinação final da configuração dos lotes. BB. À data de receção, o posto de transformação não estava integrado em qualquer lote. CC. O posto de transformação nunca mudou de sítio, mantendo-se desde sempre no mesmo local. DD. Ocorreu uma reconfiguração dos lotes, tendo o lote dos Recorrentes sido de tal forma alterado que passou a incluir o posto de transformação. EE. A alteração da configuração dos lotes foi feita pelo promotor do loteamento, em data posterior à receção do posto de transformação pela Recorrida D…. FF. A receção do posto de transformação ocorreu em 02.04.2004 e o projeto foi remetido para a Direção Regional do Norte do Ministério da Economia antes de 31.12.2004. GG. Os Recorrentes adquiriram o lote em 07.07.2008, comprando-o ao loteador F…, com quem negociaram diretamente a compra do lote em crise nos autos e ainda a compra de outros dois lotes. HH. A compra do lote em apreço ocorreu já depois de construído, recebido, licenciado e integrado na concessão o posto de transformação em causa. II. Os Recorrentes compraram o lote já onerado com o estabelecimento do posto de transformação, bem sabendo que o mesmo não tinha carácter provisório, conformando-se com esse ónus. JJ. No momento da compra, os Recorrentes não suscitaram qualquer questão relativamente à colocação do posto de transformação, nem nunca lhes foi criada a expectativa de que o mesmo tinha carácter provisório. KK. Aliás, se alguma objeção tinham a fazer quanto à localização do posto de transformação, ela deveria ter sido dirigida ao loteador, podendo os Recorrentes ter lançado mão da redução do negócio de compra e venda – o que nunca fizeram. LL. Até à propositura da presente ação, os Recorrentes nada fizeram, nem nada disseram, seja ao promotor, seja ao Município E…, pois bem sabiam – e sabem – que aceitaram adquirir o lote nas precisas circunstâncias em que o mesmo se encontra atualmente. MM. O lote em causa está onerado com a constituição de uma servidão administrativa, conforme expressamente decorre do disposto nos artigos 11.º, 12.º e 33.º do DL 29/2006, no artigo 51.º DL 43 335, de 19 de novembro, nos artigos 2.º e 6.º do Contrato de Concessão. NN. Ademais, mesmo que se considerasse não existir uma servidão administrativa – o que não se concede – ainda assim a ocupação do lote dos Recorrentes com o posto de transformação estaria legitimada pelo contrato de concessão celebrado entre a Recorrida e o Município E…, por se tratar de uma infraestrutura afeta ao serviço público de distribuição de energia elétrica em baixa tensão. OO. E neste sentido se pronúncia o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 20/11/2003, emitido no âmbito do processo nº 03A2743. PP. Não merece censura a sentença recorrida, que deve ser mantida e confirmada.» Sustenta, deste modo, a confirmação do julgado. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* As questões a decidir --- exceção feita para o que for do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação dos A.A., acima transcritas (art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil, aprovado pela lei nº 41/2013, de 26 de junho).II. Com efeito importa apreciar e decidir as seguintes questões: 1. Erro na apreciação da prova e modificação da decisão em matéria de facto; 2. Constituição e transmissão da servidão administrativa relativamente à implantação do posto de transformação. * São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância[1]:III. 1. Encontra-se inscrita a favor dos autores a aquisição do prédio sito na Rua …, ….-… …, registado na Conservatória de Registo Predial de E…… com o nº 344, da freguesia de …, concelho E…. 2. Ao prédio supra identificado, corresponde a Matriz Urbana número 2988 da …, do concelho E…, com o valor patrimonial de €13.987,80. 3. Em 7 de Julho de 2008, K… casada com F… declarou vender o prédio acima identificado aos autores e estes declararam aceitar a venda. 4. A ré é uma sociedade comercial que se dedica à distribuição de energia eléctrica. 5. O prédio identificado supra é uma parcela de terreno para construção, correspondente ao Lote n.º … do alvará de Loteamento nº …, confrontando a Norte com Arruamento e K…, a Sul com o Lote n.º …, a Nascente com os Lotes N.º … e … e K… e a Poente com o Lote n.º …. 6. O prédio identificado como Lote … e correspondente ao terreno assinalado com o número … da planta do Loteamento. 7. O alvará de Loteamento nº 15/2000 foi concedido no âmbito do processo de Obras 16/L/96 da Câmara Municipal E…, em nome de F…. 8. Tal alvará de Loteamento, além de definir as porções de terra correspondentes a cada Lote para construção, entre outros, foi definido e aprovado, o modo de instalação e fornecimento de energia eléctrica ao Loteamento então aprovado. 9. Na planta junta ao processo de Obras 16/L/96 da Câmara Municipal E… não consta a ocupação do terreno acima identificado por Posto de transformação de electricidade ou outro. 10. Na planta de loteamento junta ao processo de Obras 16/L/96 da Câmara Municipal E…, o PT encontrava-se colocado no terreno em frente. 11. Os autores, em 23/09/2009, remeteram à ré comunicação no sentido desta prestar os esclarecimentos sobre o assunto e remover o Posto de Transformação. 12. A 19 de Outubro de 2009, a ré responde aos autores, confirmando a existência do PT e esclarecendo que o mesmo fora ali construído em conformidade com o projecto de infra-estruturas à ré apresentado e que, segundo a ré, fora integralmente cumprido, nos termos constantes de fls. 23, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido. 13. Os autores responderam à ré que não seria verdade que “o posto de transformação n.º 173/LSD teria sido construído ‘integralmente’ conforme o projecto de infra-estruturas relativo ao loteamento (alvará n.º 15/2000) em questão” nos termos constantes de fls. 24, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido. 14. Em 07-09-2010, o Departamento de Urbanismo da Câmara Municipal E… emitiu certidão na qual consta “Certifica-se que a última planta aprovada do projecto eléctrico remetida pela D… em 23-01-2004, onde consta a localização do PT, é a constante de fls. 285 do processo de loteamento 16/L/96, com o Alvará de Loteamento n.º 15/2000, em nome de F….”. 15. Em 9 de Novembro de 2010, os autores contactaram a ré, dando informação do teor da certidão referida e solicitando a retirada do PT do terreno, nos termos constantes de fls. 25, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido. 16. Em resposta ao anterior, a ré vem, mais uma vez, afirmar a conformidade e legalidade do posto de transformação, nos termos constantes de fls. 26, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido. 17. Em 6 de Junho de 2011, os autores, por intermédio do seu mandatário, remeteram missiva à ré e ao Presidente da Câmara Municipal E…, nos termos constantes de fls. 27 a 29, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido. 18. Os autores interpelaram a ré a fim de esta promover a remoção do Posto de Transformação n.º 173/LSD, nos termos constantes de fls. 64 a 65, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, à qual não tiveram qualquer resposta. 19. A ré exerce, em regime de concessão de serviço público, a actividade de distribuição de energia eléctrica em alta e média tensão, sendo ainda concessionária da rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão no concelho E…. 20. Em 13 de Junho de 2001, a ré renovou com o Município E… o contrato de concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão no concelho E…. 21. O posto de transformação de distribuição acima referido faz parte integrante da concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão no Município E…. 22. O referido posto de transformação faz parte integrante da rede de distribuição de energia eléctrica. 23. Sobre o prédio acima identificado encontra-se estabelecido o Posto de Transformação de Distribuição (PTD), com a designação 173/LSD. 24. Trata-se de um PTD do tipo aéreo, que tem uma tensão de 15 KV. 25. O referido PTD foi estabelecido com o propósito de abastecer de energia eléctrica o Loteamento onde se situa o imóvel acima identificado. 26. O Alvará de Loteamento n.º 15/2000 contemplava um projecto de infraestruturas eléctricas que previa, além do mais, o estabelecimento de um posto de transformação. 27. O promotor do referido Loteamento foi F…. 28. Foi o referido loteador quem escolheu o local de implantação do PTD. 29. Quando o projecto de infra-estruturas eléctricas foi apresentado à ré já o mesmo identificava cada um dos lotes, assim como a localização do PTD. 30. Em 19.01.2004, a ré remeteu ao Município E… cópia do projecto de infraestruturas eléctricas, tal como aprovado pelo loteador, nos termos constantes de fls. 107 a 108, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido. 31. Consta do disposto no ponto 7. das condições técnico-administrativas anexas à carta de aprovação de projecto eléctrico, que “o promotor será responsável pela coordenação da montagem das redes de (…) electricidade (…)”. 32. Consta as condições para execução destas infra-estruturas eléctricas que “o promotor do empreendimento será responsável pela prévia aprovação por parte da Câmara Municipal da implantação (…) dos edifícios destinados aos postos de transformação”. 33. Consta do n.º 5, do artigo 10.º do contrato de concessão celebrado entre a ré e o Município E… que “(…) a D… pode exigir ao requisitante que este ponha gratuitamente à sua disposição um local apropriado ao estabelecimento e exploração de um posto de transformação (…)”. 34. Foi o promotor F… quem procedeu à execução da obra de implantação do PTD. 35. Em 02.04.2004, o promotor F… entregou à ré as infraestruturas eléctricas do loteamento, aqui se incluindo o PTD. 36. A ré já havia submetido o projecto de infra-estruturas eléctricas tal como concebido pelo promotor à Câmara Municipal E…, em 19.01.2004, nos termos constantes de fls. 107 a 108, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido. 37. Em data anterior a 31-12-2004 a ré remeteu ainda tal projecto à Direcção Regional do Norte do Ministério da Economia. 38. Por despacho emitido no âmbito do processo 6253 1/25946, a Direcção Regional do Norte do Ministério da Economia aprovou o projecto do referido Posto de Transformação de Distribuição, nos termos constantes de fls. 114 a 116, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido. 39. A alteração da numeração dos lotes ocorreu em 05.05.2008. 40. Em 7 de Julho de 2008, F… sabia que o PTD já estava estabelecido e electrificado. * O tribunal recorrido deu como não provada a seguinte materialidade[2]:1. O modo de instalação e fornecimento de energia eléctrica ao Loteamento foi definido em conjunto com a ré. 2. No âmbito da sua actividade comercial, a ré logrou instalar as infraestruturas necessárias à distribuição de energia eléctrica ao loteamento. 3. A ré colocou no prédio supra identificado, um posto de transformação, identificado como PT n.º 173/LSD. 4. Os autores em algum momento permitiram a colocação de tal posto de transformação no prédio. 5. Na data em que adquiriram o imóvel, os autores questionaram o vendedor se tinha dado autorização para a colocação do PT n.º 173/LSD. 6. O vendedor referiu que o PT n.º 173/LSD estava nas delimitações do imóvel em crise, afirmando que “talvez” fosse provisório uma vez que as infraestruturas do loteamento em causa ainda não estavam concluídas. 7. A ocupação do prédio pelo posto de transformação originou aos autores incómodos. Quanto à restante matéria, o tribunal acrescentou o seguinte: “O demais alegado não obtém qualquer resposta a nível probatório uma vez que se trata de matéria de direito e/ou conclusiva ou configura mera impugnação.” * As questões da apelaçãoIV. 1- Erro na apreciação da prova e modificação da decisão em matéria de facto Os apelantes deram cumprimento ao ónus de impugnação previsto no art.º 640º, nº 1, al.s a), b) e c) e nº 2, al. a), do Código de Processo Civil. Pretendem a modificação do ponto 28 da matéria dada como provada e do ponto 1 da matéria dada como não provada na sentença recorrida. Ponto 28 dos factos provados: Foi o referido loteador quem escolheu o local de implantação do PTD. Ponto 1 dos factos não provados: O modo de instalação e fornecimento de energia eléctrica ao Loteamento foi definido em conjunto com a ré. Na perspetiva dos apelantes estes dois pontos devem constar dos factos assentes, com o seguinte texto: 1. Foi o referido loteador quem escolheu o local de implantação do PTD 173/LSD, sendo a conformidade legal e funcional de tal escolha verificada e atestada pela Ré. 2. Por via da receção provisória, e mais tarde definitiva, das infraestruturas de distribuição de energia elétrica no loteamento em crise, a Ré integrou no seu património o PTD supra identificado, sendo responsável pelo risco da sua exploração, bem como pela sua desconformidade legal. Para o efeito, os recorrentes indicam determinadas passagens dos depoimentos testemunhais de L…, de M… e de H…, e análise do processo de loteamento, processo de obras e auto de receção de obra. Sobre o assunto, o tribunal motivou a sentença também com base nos depoimentos de J…, de F… e de H…, realçando os documentos de fl.s 114 a 116. Também a recorrida considera estes depoimentos importantes para o conhecimento desta questão. Vejamos, como tribunal e instância que somos, se houve erro de julgamento e se se impõe a modificação (parcial) da decisão em matéria de facto almejada pelos apelantes, nos termos do art.º 662º, nº 1, do Código de Processo Civil. Foi integralmente ouvida a prova gravada, designadamente para compreensão do contexto dos excertos de depoimentos transcritos pelas partes nas alegações do recurso. Só assim se consegue ter uma visão global dos factos e do papel de cada uma das entidades envolvidas, seja o proprietário-loteador, seja a empresa por ele contratada para a instalação do PT e da parte de baixa-tensão, a G…, Lda., seja a Câmara Municipal E…, seja a D…, S.-A. e ainda do A., enquanto adquirente do lote, aliás, de três lotes do loteamento. Quase toda a prova oralmente produzida se desenvolveu no sentido de procurar compreender se existiram alterações e quais foram elas, quer a nível de projeto de eletricidade do loteamento, quer no loteamento em si considerado, enquanto espaço físico. O debate passou por tantas dúvidas que o tribunal, oficiosamente, chamou a depor, primeiro, o proprietário e promotor do loteamento, F… e, depois, o eng.º H…, responsável pela empresa empreiteira contratada pelo promotor para projetar e executar a obra de eletricidade do loteamento, designadamente a infraestrutura do PT e baixa-tensão. O grande objetivo era compreender a razão pela qual o PT, atualmente, se encontra instalado dentro dos limites lote … do loteamento, assinalado nas plantas que constituem o doc. de fl.s 285 junto com a petição inicial e o doc. nº 2/2 junto com a contestação, sob o nº 10, enquanto, em qualquer uma destas plantas, está projetado para fora de qualquer lote, conforme exigência legal (naquela, junto do lote …, na última, do outro lado da via pública). De um modo geral, a prova produzida vai no sentido de que é tal o rigor imposto pela concessionária D… na aprovação e execução dos projetos de eletricidade --- chega a discutir o desvio de 0,50 m de um armário de eletricidade relativamente ao projeto da sua localização (cf. depoimento de M…) --- que jamais teria havido receção da obra, conforme o auto que constitui o doc. nº 4 junto com a contestação, se o PT estivesse instalado no interior do espaço de um qualquer lote e, assim, em violação do projeto que aprovara previamente, onde o PT está claramente previsto para fora do loteamento. Mais, a prova produzida aponta para uma marcação, ainda que precária no terreno (tracejados, linhas, picotados) dos diversos espaços do loteamento (linhas de divisão de lotes, arruamentos, passeios, etc.), de tal modo que foi possível definir a instalação do PT para o exterior. Jamais sem essas marcações seria viável a localização relativa do PT, correndo-se o risco de ficar instalado no meio de um passeio, o que seria absolutamente inaceitável e fonte de responsabilidade que ninguém quer correr. É uma obra trabalhosa, dispendiosa e dependente de muitos meios, nunca efetuada a título provisório ou precário. A testemunha H… assegurou que à data da aprovação do projeto de eletricidade e da receção da obra o PT não estava inserido em qualquer lote, tendo sido, aliás, também esse o sentido dos funcionários da D… que depuseram em audiência. E se não ficou dúvida alguma de que o PT, instalado desde o ano de 2004, nunca foi trasladado, ainda hoje se situa no local da construção, o mesmo não se pode dizer do espaço físico do loteamento, ficando uma probabilidade séria de que tenha sofrido modificações que levaram a uma reposição de lotes determinante da inclusão do PT no espaço do lote que na planta tem o nº 10. A testemunha O… aponta claramente no sentido de que, com vista à apreciação e uma reclamação do A., foi medir o loteamento, tendo encontrado uma diferença de cerca de 4 metros entre o terreno do loteamento e o que está na planta, que pode justificar o alargamento do espaço físico do loteamento relativamente à planta e a inclusão do PT no lote … (10 na planta). O decurso do tempo (mais de 12 anos) e a destruição de documentos que a G…, Lda. e o promotor tinham na sua posse, não permite melhor esclarecimento, inclusive, das circunstâncias que determinaram a existência das duas plantas diferentes acima referidas ou mesmo de um qualquer aditamento ao projeto de eletricidade a que a testemunha H… se referiu. Existe, pois, uma forte probabilidade de posto de transformação estar efetivamente instalado no ponto assinalado na planta que foi junta com a contestação (doc. nº 2/2). Mas, essencial nesta questão é saber se a escolha do local para instalação do PT foi apenas do referido loteador ou se contou com alguma colaboração da D…. F…, o loteador, referiu que o local do PT foi definido pela D… e pelo eng.º H…, da G…, Lda. que ele contratou para a realização dessa obra. Mas olhando ao conjunto do seu depoimento, o que ele quis dizer foi que entregou a escolha do local do PT à empreiteira que contratou e confiou no seu engenheiro, dada a necessidade de observar um critério técnico que ele próprio desconhecia. Na verdade, nada indicou de concreto no sentido de que o eng.º Barreia tivesse tido a colaboração da D… na escolha do local de implantação do PT. A empresa do eng.º H… é reconhecida pela D…, tem por objeto a construção de instalações elétricas, designadamente PT`s, por isso faz parte de uma lista de empresas reconhecidas no setor, com competência para realizar obras desta especialidade. H…, engenheiro eletrotécnico, sabe onde é que os PT`s podem e devem ser edificados, segundo um critério adequado, de modo a que o projeto que elabora, obtenha aprovação pela D… e pelo Ministério da Economia e também conforme o interesse do loteador. Agiu segundo o seu conhecimento, aguardando aprovação do projeto, como efetivamente obteve. Não admira, pois, quer tivesse afirmado que a escolha do local para o PT foi feita por ele e pelo loteador e que a D… não teve qualquer papel nessa escolha. O papel da concessionária foi de aprovação desse espaço e, posteriormente, de receção da obra. Foi pela aprovação do projeto que aceitou o espaço destinado ao PT pelo promotor, através do projetista, não foi uma escolha da D…. A propósito, a testemunha L…, engenheiro eletrotécnico da R. há cerca de 15 anos, referiu que a D… analisa o projeto e emite, se for o caso, carta de aprovação, não sendo especialmente exigente com a localização do PT que, nesta situação, não escolheu. Aprovou o projeto e verificou a obra. Neste sentido vai também o depoimento de M…, técnico principal de gestão, há 37 anos ao serviço da D… Ninguém duvida que o projeto de eletricidade tem que ser aprovado pela D… segundo um critério técnico e funcional, mas a verdade é que, face à prova produzida, a escolha do local do PT é apenas um dos vários aspetos do projeto e da execução da obra de eletricidade e que foi o loteador que, aceitando a posição do projetista que contratou, escolheu a localização do PT. O texto do ponto 28 dos factos provados deve manter-se, nada justificando a sua alteração; corresponde ao sentido da prova produzida, incluindo os documentos com que as testemunhas foram confrontadas. O item 2 que os recorrentes propõem como provado é matéria conclusiva, sendo que dos pontos 21, 22 e 23 dos factos provados resulta já que o posto de transformação acima referido faz parte integrante da rede de distribuição de energia elétrica e integra a concessão de distribuição de energia em baixa tensão no Município E…. Do ponto 35 consta também que o promotor F… entregou à R. as infraestruturas elétricas do loteamento, aqui se incluindo o PT, no dia 2.4.2004. Não está provado que o modo de instalação e fornecimento de energia elétrica ao loteamento tenha sido definido em conjunto com a R. O promotor/loteador, através da G…, Lda., definiu o modo de instalação e fornecimento de energia elétrica ao loteamento, por via do projeto que elaborou e, apresentado este, a D… limitou-se a aprová-lo segundo o critério técnico-legal, fazendo a verificação dos dados no terreno. Logo, deve manter-se também o ponto 1 da matéria dada como não provada. Em reforço do expendido, consta do ponto 7 das condições técnico-administrativas anexas à carta de aprovação de projeto elétrico, que “o promotor será responsável pela coordenação da montagem das redes de (…) electricidade (…)” e consta das condições para execução destas infraestruturas elétricas que “o promotor do empreendimento será responsável pela prévia aprovação por parte da Câmara Municipal da implantação (…) dos edifícios destinados aos postos de transformação (…)”. Está também provado que foi o promotor F… que executou a obra de implantação do PT e o entregou à R., assim como as demais infraestruturas elétricas do loteamento, em 2.4.2004 (pontos 34 e 35). Foi então que tais infraestruturas entraram no ativo da concessão da R. (cf. doc.s nºs 4, 5/1 e 5/2 juntos com a contestação) Em resumo, a prova produzida impõe a confirmação da decisão relativa à matéria de facto (na parte que foi objeto de impugnação). * 2. Constituição e transmissão da servidão administrativa relativamente à implantação do posto de transformaçãoPassam depois os recorrentes a defender que sobre o imóvel não incide um ónus de servidão administrativa que se tivesse transmitido para os RR. com a aquisição do direito de propriedade e que legitime a posse da parcela pela apelada. Era legalmente impossível o anterior proprietário onerar o imóvel em causa com tal servidão, dado o tipo de infraestrutura em causa, que só poderia constituir-se nos termos legais para ser oponível aos apelantes. A localização do PT não foi determinada no imóvel dos apelantes, como o não foi o ato de deferimento do alvará de loteamento. Com efeito, entendem os recorrentes que a posse da parcela onde está instalado o PT deve considerar-se não titulada, devendo, por isso, a R. ser condenada a remover aquela instalação. A sentença recorrida refere: “(…) ainda que não resulte de forma inequívoca da factualidade apurada a constituição de servidão administrativa, podemos concluir que a posse da ré é titulada face ao contrato de concessão celebrado com a autarquia E…, nos termos dos artigos 1257º, nº. 1, 1259º, nº. 1 e 1263º, al. b), todos do C. Civil)”. É conhecida a diferença entre servidão constituída por decisão administrativa e servidão administrativa. São realidades diferentes. A servidão administrativa constitui um encargo imposto por disposição da lei sobre certo prédio em proveito da utilidade pública duma coisa (pressupõe-se, além da constituição por via legal, facilitar a utilidade pública do bem público dominante - o bem do Estado afeto à utilidade pública constitui o prédio ou bem dominante; exemplo disso e a servidão para a passagem de gás natural). A servidão administrativa encontra-se regulada, em geral, pelo Decreto-lei nº 181/70 de 28 de abril. O ato administrativo que licencia uma construção em prédio alheio não é ato de constituição de servidão. Quando a lei fala em servidão constituída por decisão administrativa apenas visa a intervenção do Estado, em sentido amplo, em conceder ao particular a utilização de um uso a favor de um prédio deste, como, por exemplo, o aproveitamento de águas públicas por particulares. Esta intervenção não é ato de constituição de servidão.[3] A servidão administrativa também não se confunde com as servidões legais (art.º 1547º do Código Civil), atenta a finalidade daquelas (a realização de fins de utilidade pública previstos na lei, ou seja, a vinculação de um imóvel, ditada por um fim de interesse público, e a que os titulares se não podem opor). As servidões administrativas são sempre impostas por lei; são de utilidade pública; nem sempre são constituídas em benefício de um prédio e podem recair sobre coisas do mesmo dono; só dão lugar a indemnização mediante disposição expressa da lei; podem ser negativas ou positivas; são impostas e defendidas por processos enérgicos e expeditos de coação; são inalienáveis e imprescritíveis; cessam com o desaparecimento da função pública das coisas dominantes.[4] A instalação do PT destinou-se exclusivamente à transformação da energia de média tensão em baixa tensão para servir o loteamento licenciado pela administração e construído. Para além disso, foi realizada pelo próprio proprietário do prédio e promotor do loteamento, sem atuação de poder potestativo. Logo, não foi objeto de servidão administrativa.[5] Tem razão a apelada quando defende que o caso dos autos não se inclui na categoria das servidões administrativas. Mas --- dizemos nós --- não se inclui ali, nem ninguém o considerou ali incluído. O tribunal a quo não apoiou a sua decisão na constituição de qualquer servidão; fê-lo pela via da falta de pressupostos de responsabilidade civil que obrigassem a R. a retirar o PT do Lote …, assinalado com o nº 10 da planta de loteamento, e pela afirmação de que a posse da R. é titulada face ao contrato de concessão celebrado com a autarquia E…, nos termos dos artigos 1257º, nº 1, 1259º, nº 1 e 1263º, al. b), do Código Civil). Fê-lo, quanto a este último fundamento, apoiado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.11.2003[6], também citado pela recorrida nas contra-alegações do recurso. Visitemos a petição inicial, onde se define, pela alegação dos factos essenciais, a causa de pedir e também o pedido correspondente (art.ºs 5, nº 1 e 552º, nº 1, al.s d) e e), do Código de Processo Civil). A causa de pedir deve estar para com o pedido na mesma relação lógica em que, na sentença, os fundamentos hão de estar para com a decisão. É da essência do silogismo que a conclusão se contenha nas premissas, no sentido de ser o corolário natural e a emanação lógica delas. Ensina Alberto dos Reis[7]: “A petição inicial, para ser uma peça bem elaborada e construída, deve ter a contextura lógica dum silogismo, deve poder reduzir-se, em esquema, a um raciocínio, com a sua premissa maior (razões de direito), a sua premissa menor (fundamentos de facto) e a sua conclusão (pedido). O autor, ao preparar e organizar a petição, há-de raciocinar como raciocinará mais tarde o juiz, na sentença, para julgar procedente a acção. O esqueleto da petição terá de ser forçosamente um silogismo, sob pena de não poder desempenhar convenientemente a função que lhe é própria. … se a petição não puder transformar-se, em substância, num silogismo, se não tiver sido concebida e elaborada sobre a base dum silogismo mentalmente formulado, há-de ser fatalmente uma peça infeliz e comprometedora.” O pedido deve ser o corolário ou a consequência lógica da causa de pedir ou dos fundamentos em que assenta a pretensão do autor, do mesmo modo que, num silogismo, a conclusão deve ser a emanação lógica das premissas.[8] Não queremos com isto dizer que, no caso, existe contradição ou qualquer incongruência entre a causa de pedir e o pedido da ação, mas apenas que a procedência do pedido não pode deixar de assentar na verificação dos factos que compõem a causa de pedir, os fundamentos da ação. O que os AA. alegam no seu articulado inicial, essencialmente, é que a R. instalou as infraestruturas necessárias à distribuição de energia elétrica no loteamento, tendo colocado ali, no prédio que é hoje dos AA., o PT nº 173/LSD, sem autorização dos proprietários e em violação do plano de loteamento aprovado pela Câmara Municipal E… (artigos 9, 10, 11, 21). O PT deveria estar localizado fora do lote. Verificam os AA. que a R., por sua iniciativa, à revelia do conhecimento dos mesmos, ocupara o terreno com o referido PR (artigo 32), em violação da legislação aplicável e do direito de propriedade dos AA. (artigo 34) Por isso, defende que, “(…) atenta a invasão e ocupação ilegal e ilegítima da propriedade dos Autores pela Ré, através da instalação do Posto de Transformação “PT n.º 173/LSD”, deverá a Ré ser condenada a proceder à remoção do Posto de Transformação em crise, bem como ser condenada a pagar a quantia de €7.500,00 (Sete Mil e Quinhentos Euros) a título de danos não patrimoniais” (artigo 40). E acrescentam, ainda na petição inicial, quanto ao aspeto jurídico da causa: “42. (…) resulta ainda que a Ré ocupou parte do sobredito imóvel sem autorização dos Autores ou anteriores proprietários e sem autorização da Autarquia local. 43. (…) ao proceder como descrito no acervo factual, a Ré tomou posse de parte do prédio dos autos sem qualquer título que o legitime. (…) 47. Ora, a Ré violou ilicitamente o direito de propriedade dos Autores. (…) 49. Colocação que não obedeceu ao projeto de infraestruturas elétricas para o local previamente aprovado pela autarquia local. 50. Facto que era do conhecimento da Ré, demonstrando-se assim o dolo ou culpa grave desta na violação do direito de propriedade dos Autores. 52. Assim, estão demonstrados e preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, nos termos do artigo 483º do Código Civil, nomeadamente o dolo ou culpa grave da Ré, a ilicitude do ato, o dano e, por último, a necessária causalidade entre a ação da Ré e os danos que dela resultaram.” Com toda a evidência, os AA. fazem assentar o seu pedido na responsabilidade civil por ato ilícito da R. Com base nela, pretendem a remoção do PT do seu lote e o pagamento de uma indemnização. O princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos está consagrado, no artigo 483°, n° 1, do Código Civil, segundo o qual “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. O facto é ilícito quando viola um direito subjetivo de outrem, de natureza absoluta, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, como acontece, nesta última situação, quando a norma violada protege interesses particulares, mas sem conceder ao respetivo titular um direito subjetivo, dependendo, então, a indemnização a arbitrar que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada e que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar. Por outras palavras e aprofundando um pouco mais, o facto do agente é ilícito quando constitua a violação de um direito de outrem (os direitos absolutos, nomeadamente os direitos sobre as coisas ou direitos reais, os direitos da personalidade, os direitos familiares e a propriedade intelectual) e violação da lei que protege interesses alheios (infração de leis que, embora protejam interesses particulares, não conferem aos respetivos titulares um direito subjetivo a essa tutela, e de leis que, tendo também ou até principalmente em vista a proteção de interesse coletivos, não deixam de atender aos interesses particulares subjacentes, de indivíduos ou grupo de pessoas). O agente tem que agir com dolo ou com mera culpa. A ação ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa ação ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar (doutrina da causalidade adequada, consagrada no artigo 563º do Código Civil). Por princípio, é do autor o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade civil por ato ilícito, pois que àquele que invoca um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado (art.ºs 342º, nº 1, 483º, nº 1 e 487º do Código Civil). Segundo Vaz Serra[9], “a prova deve caber àquele que carece dessa prova para que o seu direito seja reconhecido. É que o juiz não pode aplicar uma norma jurídica, se não se fizer a prova dos requisitos constitutivos da hipótese de facto (…) pressuposta por essa norma para sua aplicação; e, portanto, o ónus da alegação e da prova pertence à parte a cujo direito, para se efetivar, deve aplicar-se a norma, donde deriva que cada uma das partes tem esse encargo relativamente aos factos de que depende a aplicação das normas que lhe são favoráveis. Por conseguinte, se a lei contém uma regra e uma exceção, a parte, cujo direito se apoia na regra, deve provar os factos integradores da hipótese nela prevista, e não já os integradores da hipótese prevista na exceção. Este critério faz com que o encargo da prova caiba precisamente à parte que se encontra em melhor situação para a produzir, e, assim, constitui um estímulo para que a prova seja produzida pela parte que mais perfeitamente pode auxiliar a descoberta da verdade: mostra a experiência, que, em regra, quem tem a seu favor certo facto se acautela com meios de prova dele”. Os AA. compraram o lote em causa no ano de 2008. O alvará de loteamento foi concedido pela Câmara Municipal E… a F…, o então proprietário/loteador que depois o vendeu aos AA. Por razões não apuradas, foram juntas ao processo de obras duas plantas do loteamento. Em nenhuma delas o PT está sinalizado no espaço do loteamento ou dentro de qualquer dos lotes ali projetados. Numa das plantas está assinalado do outro lado da estrada, no terreno em frente, relativamente ao loteamento, na outra, o PT consta junto (ao lado) do lote … (com o nº 10 na planta), posteriormente adquirido pelos AA. A D…, S.A. dispunha da planta que juntou com a contestação e supôs legitimamente que a Câmara Municipal licenciara a instalação do PT em conformidade com essa planta que aquela também remetera à edilidade em 19.1.2004, depois de aprovar a infraestrutura elétrica projetada (cf. doc.s 2/1 e 2/2 juntos com a contestação). Em boa verdade, na falta de especificação da Câmara Municipal aquando do licenciamento da obra licença, qualquer uma das duas plantas (constantes do processo de obras) se poderia considerar licenciada e exequível. No dia 2.4.2004, o promotor entregou à R. as infraestruturas elétricas, incluindo o PT, o que foi atestado documentalmente por aquele e por esta, assim como pelo técnico responsável pela sua execução (doc. 4 junto com a contestação). A A., para fazer valer o seu direito, tinha que provar que o PT não foi instalado no ponto assinalado na planta (doc. 2/2 junto com a contestação), mas em local diferente e que a R. recebeu o PT instalado em desconformidade. Em vez disso, ficou provado que os lotes foram renumerados em maio de 2008, ficando mesmo a dúvida séria sobre se não terá havido um alargamento do loteamento para a zona em que o PT fora assinalado em planta e está implantado; ou seja, não se tendo provado, nem sequer alegado (nem testemunhado[10]) que tivesse havido qualquer trasladação do PT depois da sua instalação no ano de 2004, podem ter existido modificações de facto na execução do loteamento em violação do respetivo projeto que determinaram a inclusão do PT na execução do Lote …. A A. deveria ter provado e não provou que o PT foi instalado em área que então já integrava o lote …, que a R. o aprovou e recebeu a instalação em violação do projeto. Sem tal prova, não vemos onde possa estar o ato ilícito da R. que, aliás, também não o instalou nem escolheu o local para a sua instalação. Nada nos diz também que, à data da aprovação e à data da receção da obra de eletricidade não fosse evidente que o PT satisfazia as exigências técnicas e de segurança necessárias à sua receção, para além da sua localização. Por tudo isto, mas sobretudo porque a localização do PT não foi uma escolha da R., não foi ela que o instalou nem suportou os seus custos, mas uma escolha e um encargo do próprio promotor/loteador, tendo-o ela rececionado e integrado na concessão em condições que não se podem considerar --- atentos os factos assentes --- com violação de lei, não pode ser atribuído à R. a prática de ato ilícito. “Como se escreve no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.7.2012[11]: “A teoria penal da autoria e da participação é transponível si mutatis mutandis para a responsabilidade civil. Por inteiro ou quase, para a responsabilidade extracontratual, dada a forte analogia…” – José Alberto Gonzalez, Responsabilidade Civil, 50. Em direito penal, tende-se claramente para a consideração do autor como aquele que domine funcionalmente o facto, a consagração da chamada Tatherrschaft” – por todos, veja-se a síntese desta posição no Acórdão do Supremo de 19.1.2011, processo n° 6034/08.OTDPRT.P1.S1, nota 4 de pé de página, disponível no referido sitio – e não vemos que tal entendimento, para a responsabilidade civil, possa ser afastado pelo artigo 490° ou por qualquer outro preceito.”[12] Também não vemos nada de censurável na sua conduta da R., nada que traduza falta de zelo ou de cuidado ou mesmo de empenho devido no exercício da sua atividade de aprovação e receção da instalação elétrica do loteamento. Não exerceu a R. ou omitiu qualquer ação que seja causa de certo prejuízo, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, à face da experiência comum, como adequada à produção do dano, havendo fortes probabilidades de o originar (doutrina da causalidade adequada, consagrada no art.º 563º do Código Civil). Não é qualquer relação fenomenológica ou, se preferirmos, ôntico-naturalística que, embora seja condição próxima de produção de um resultado danoso (causal) entre dois fenómenos, releva para efeitos da teoria da causalidade adequada, mas aquela que for determinante no plano jurídico, isto é, entre um comportamento juridicamente censurável e o resultado danoso. Por isso, com inteira razão, a dogmática moderna tende a substituir a designação imprópria de teoria de causalidade adequada, que a praxis tradicional consagrou, pela da teoria ou doutrina da adequação, ou seja pela imputação normativa de um resultado danoso à conduta reprovável do agente, nos casos em que pela via da prognose póstuma se possa concluir que tal resultado, segundo a experiência comum, possa ser atribuída ao agente como coisa sua, isto é, produzida por ele.[13] Por conseguinte, não pode atribuir-se à R. a obrigação de remover o PT, do local onde está instalado, com base no instituto da responsabilidade civil por atos ilícitos (art.ºs 483º e seg.s do Código Civil). Quanto ao mais, também a nós parecem válidos os argumentos que o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.11.2003 arregimentou e que parafrasearemos. A autarquia E… usou dos poderes conferidos por lei para conceder à R. a distribuição de energia elétrica em regime de baixa tensão no seu município; contrato que foi renovado e vigorava desde 13 de junho de 2001. A concessão foi efetuada ao abrigo do Decreto-lei nº 29/2006, de 15 de fevereiro (art.ºs 31º e seg.s), do Decreto-lei nº 172/2006, de 23 de agosto (art.ºs 3º, nº 2 e 42º) e do Decreto-lei nº 344-B/82, de 1 de setembro. Tal concessão constitui título bastante para legitimar a utilização do posto de transformação, bem como, por essa via, a ocupação do espaço em que ele ficou implantado. Assim, porque também o exercício do direito de propriedade sobre o terreno, na parte ocupada pelo posto, foi voluntariamente limitado (restringido) pelo respetivo titular, F…, antes de se operar a sua transmissão para a esfera jurídica dos AA. pelo contrato de compra e venda (art.ºs 874º e 879º, al. a), do Código Civil); voluntariamente, na justa medida em que constituiu a contrapartida aceite para obter da autarquia, como de facto obteve, o licenciamento do loteamento do prédio que então lhe pertencia; o que era normal, sendo até uma forma de conciliar o desenvolvimento urbanístico (e o papel nele reservado à iniciativa privada) com o interesse público do correto ordenamento territorial e da qualidade de vida nos núcleos habitacionais urbanos[14]. O PT está instalado no local escolhido pelo anterior proprietário e com ele foi recebido o lote pelo AA. quando, no ano de 2008, o adquiriram por compra e venda ao loteador, sem que alguma vez tivessem posto em causa a validade deste seu negócio. E, todavia, o posto de transformação de energia elétrica, parte integrante das infraestruturas do loteamento legalmente aprovado, está ali, com essa afetação e com o pleno consentimento do então proprietário, desde 2.4.2004, altura em que passou a integrar a concessão da autarquia à R. Mas há que reafirmá-lo, o PT não é uma coisa instalada no prédio em execução do contrato de concessão realizado entre a R. e a câmara municipal, sem o concurso da vontade do proprietário; bem ao contrário --- continuando a acompanhar o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça --- estamos perante um elemento estrutural da rede de abastecimento de energia elétrica cujo custo o dono do terreno loteado suportou e quis que, destinado a esse fim, ficasse localizado naquele preciso local, para obter o alvará. Por força da compra e venda, o direito real de propriedade adquirido pelos AA. é exatamente o mesmo que pertencia ao titular anterior, pelo que aqueles não dispõem contra a R. de direito que lhes permita exigir a desocupação pretendida. A posse exercida pela R. é titulada. No mínimo, sê-lo-á enquanto subsistir o contrato de concessão que nas circunstâncias relatadas celebrou com a câmara municipal E…, por aplicação dos art.ºs 1257º, nº 1, 1259º, nº 1 e 1263º, al. b), do Código Civil. O título da posse da instalação elétrica não resulta da licença da instalação do PT, que verteu sobre o projeto. Resulta, sim, da concessão atribuída pela autarquia à R. e do recebimento pela mesma da obra executada pelo promotor, por cujo ato a integrou na concessão autárquica e iniciou a sua afetação à distribuição de eletricidade em baixa tensão. Decorre do exposto que, atenta a causa de pedir da ação, a R. não pode ser condenada a remover o posto de transformação, como, necessariamente, também não responde por prejuízos causados pela sua instalação. Na improcedência da apelação, a sentença merece confirmação. * 1. Não constitui servidão administrativa a construção licenciada de um posto de transformação de energia elétrica pelo promotor de um loteamento para servir este loteamento, que, uma vez concluída, é entregue à D…, S.A. com afetação ao domínio público e à concessão autárquica da distribuição de energia.SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil): 2. Esta concessão constitui o título da posse do PT que se inicia com o seu recebimento pela D…, S.A. e afetação ao fim a que se destina. 3. Se a causa de pedir da ação assenta na responsabilidade por ato ilícito, é pela verificação dos respetivos fundamentos e da matéria de exceção que o pedido será julgado (procedente ou improcedente). 4. Se os AA. não provam, desde logo, o alegado ato ilícito da R., falta um dos pressupostos da responsabilidade civil e a ação fica condenada ao fracasso, com improcedência do pedido. * Pelo exposto, sem mais considerações, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.V. CUSTAS Os recorrentes, por terem decaído na apelação, vão condenados nas custas do recurso. * Porto, 18 de maio de 2017Filipe Caroço Judite Pires Aristides Rodrigues de Almeida ____ [1] Por transcrição. [2] Por transcrição. [3] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.1998, proc. 99B001, in www.dgsi.pt, citando outra jurisprudência da quele Alto Tribunal e Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, II-1352. [4] Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, tomo II, pag.973 e seg.s. [5] Ao contrário do que aconteceria com a imposição de uma linha de distribuição de energia em alta tensão sobre determinado prédio (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.7.2014, proc. 421/10.0TBAVV.G1.S1; acórdão da Relação do Porto de 12.4.2012, proc. 1456/08.9TBMCN.P1, in www.dgsi.pt). [6] Proc. nº 03A2743, in www.dgsi.pt. [7] Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2º, pág. 381. [8] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. I, pág. 309. [9] Provas, Direito Probatório Material, BMJ 110/121. [10] Como resulta da análise da prova gravada. [11] Proc. n° 1451/07.STBGRD.C1.S1, in www.dgsi.pt. [12] Cf. também Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de janeiro de 2015, Colectânea de Jurisprudência do STJ, T. I, pág. 59. [13] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.1.2010, proc. 670/04.0TCGMR.S1, in www.dgsi.pt. [14] Como se refere no citado aresto. |