Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0726339
Nº Convencional: JTRP00040955
Relator: GUERRA BANHA
Descritores: DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS SUPERVENIENTES
DIVÓRCIO LITIGIOSO
ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
VIOLAÇÃO DOS DEVERES CONJUGAIS
SEPARAÇÃO DE FACTO
Nº do Documento: RP200801150726339
Data do Acordão: 01/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 262 - FLS. 58.
Área Temática: .
Sumário: 1. Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto não se exige a motivação individualizada de cada facto concreto, nem a indicação pormenorizada de todo o percurso lógico em que se desenvolveu a convicção do julgador.
2. Os factos que se produzem posteriormente à proposição da acção, sendo factos essenciais e não meramente instrumentais, não podem ser conhecidos oficiosamente, devendo ser alegados pela parte interessada em articulado superveniente.
3. Numa acção de divórcio litigioso baseada na violação de deveres conjugais, não é atendível o facto de o cônjuge demandado ter abandonado o lar conjugal, para efeitos de divórcio fundado na separação de facto, se o autor não procedeu à alteração da causa de pedir dentro do prazo que a lei consente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 6339/07-2
1.ª Secção Cível
NUIP ………./05.7TBVNG

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I

1. Nos autos de acção especial de divórcio litigioso que correm termos no Tribunal de Família e Menores de Vila Nova de Gaia com o n.º …../05.7TBVNG, instaurados por B……………. contra a sua esposa C…………….., o Autor deduziu a seguinte pretensão: “(…) deve a presente acção ser julgada procedente por provada, em vista do que deverá ser decretado o divórcio entre A. e R., com as consequências legais”.
Fundamenta esta sua pretensão em factos que descreve e que diz constituírem “a violação reiterada e grave dos deveres de coabitação, respeito e cooperação”, que tal violação “é impeditiva da possibilidade de vida em comum” entre ambos e que “a R. assume-se como única culpada pelo dissolução do casamento que o A. já não pretende salvar”.
Realizou-se a tentativa de conciliação entre os cônjuges, que se frustrou (fls. 19) e a Ré não contestou a acção.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, a fls. 69-71, que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a Ré do pedido.

2. O Autor apelou desta sentença, extraindo da sua alegação as conclusões seguintes:
1-. A marcação da audiência do julgamento deve considerar a prévia resolução dos problemas controvertidos e deve respeitar o prazo mínimo de dez dias, a partir do trânsito em julgado de todas as decisões pendentes, sob pena de ser considerada nula.
2-. O princípio da cooperação exige das partes, dos magistrados e dos mandatários judiciais o dever de "cooperar entre si para se obter, com brevidade e eficácia a justa composição do litígio" (art. 266.º/1 CPC).
A Ré pode, legitimamente não contestar mas não está isenta do dever de cooperar, nos termos que vêm de ser citados. Uma actuação contrária é, obviamente, condenável e, quando assuma aspectos abrangidos pelo disposto no art. 456.º CPC deve ser considerada e tratada como litigância de má fé.
3-. Nos termos do art. 663.º/1 CPC "deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão".
Com a propositura da acção em 1 de Fevereiro de 2005, é possível constatar que Autor e Ré estavam, na data do julgamento, separados de facto há mais de dois anos não havendo, pelo menos por parte do Autor, como reiteradamente afirmado, o propósito de restabelecer a vida em comum.
O art. 1781.º al. b) CC define a separação de facto por um ano, quando a acção não seja contestada, como fundamento de divórcio litigioso. Esta é a situação existente actualmente e pré-existente no momento do encerramento da discussão. Cabe tirar do facto as necessárias conclusões.
4-. No que tange à sindicabilidade da decisão sobre matéria de facto, na esteira de Pereira Baptista (Reforma do Processo Civil, 1997, pág 90 e ss.) é necessária, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos no processo e por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, que deverá referir-se "a cada facto, isolada e autonomamente considerado, e que tenha por objecto a indicação dos meios provatórios decisivos" na formação da sua própria convicção. Afixação de um critério, uniforme e difícil de verificar, não satisfaz as condições concretas que vêm de ser apontadas.
5-. A audiência de julgamento deve ser pública e formalmente verdadeira.
Não pode realizar-se como que envergonhada, escondida, sem cumprimento da exigência do uso do traje profissional, sem condições de trabalho dignas, para os profissionais nem para as partes. Uma tal prática não satisfaz as necessidades da justiça nem as legítimas expectativas das partes e do público.
6-. Foram violados todos os comandos legais citados nestas alegações.
Pretende que, na procedência do presente recurso, se decida do seguinte modo:
a) seja revogada a sentença recorrida;
b) seja proferido acórdão que consagre todos os elementos assinalados, nomeadamente o art. 663.º/1 CPC e decida em conformidade, declarando o divórcio das partes (art. 715.º CPC);
c) seja a Ré declarada litigante de má fé e condenada em multa e em adequada indemnização;
d) seja dado conhecimento à Ordem dos Advogados quanto à actuação do patrono oficioso designado.
A Ré não contra-alegou.

3. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas suas conclusões (arts. 684.º, n.ºs 2 e 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), as únicas questões que nas conclusões desta apelação são reportadas à sentença recorrida referem-se:
1) uma, à insuficiente fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, por não especificar os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do julgador relativamente a cada facto, isolada e autonomamente considerado (conclusão 4.ª);
2) outra, à violação dos arts. 663.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 1781.º, al. b) do Código Civil, por não ter decretado o divórcio com fundamento na separação de facto dos cônjuges por mais de um ano (conclusão 3.ª).
As demais questões aí suscitadas reportam-se:
3) a uma eventual nulidade processual quanto à data da marcação da audiência de julgamento (conclusão 1.ª);
4) a alegada violação cometida pela Ré do princípio da cooperação processual, a que alude o art. 266.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pretendendo que, por tal violação, seja a Ré condenada como litigante de má fé, nos termos do art. 456.º do Código de Processo Civil (conclusão 2.ª);
5) à não observância de formalidades legais na realização da audiência de julgamento, as quais, no que se percebe da alegação de fls. 87 e 88, terão que ver com o facto de a audiência de julgamento não ter sido realizada na sala de audiências do tribunal, mas num “gabinete interior”, e não ter sido usado o traje profissional (conclusão 5.ª).
Foram colhidos os vistos legais.
II

4. Na sentença recorrida foram julgados provados os factos seguintes:
1-. Autor e ré contraíram casamento católico, um com o outro, a 24 de Agosto de 1975, sem procedência de convenção antenupcial (doc. de fls. 7).
2-. Durante vários anos a ré vivia em casa dos seus pais e o autor vivia em casa dos seus pais, juntamente com as irmãs (declarações das testemunhas D……….. e E……………..).
E foram julgados não provados todos os demais factos constantes da petição inicial.

5. Esta decisão sobre a matéria de facto foi fundamentada do seguinte modo:
O facto provado referido em 1), relativo ao casamento das partes, no teor da certidão do assento de casamento que consta a fls. 7.
O facto provado descrito em 2) baseou-se nos depoimentos prestados pelas testemunhas D………… e E……………, ambas arroladas pelo Autor (fls. 28, 66 e 67), acerca das quais foi dito que “pouco sabiam, com conhecimento directo, da vida desta casal. Souberam dizer que passavam a maior parte do tempo em casa dos respectivos pais, mas nada disseram sobre a causa de tal facto”.
Em relação ao depoimento da testemunha F…………., também arrolada pelo Autor, foi dito que “nada disse de relevante, nem sequer conhecendo a ré”.
A decisão sobre os factos não provados teve por fundamento que as testemunhas “nada disseram, com conhecimento directo”, acerca de tais factos.
III

6. No que respeita à decisão sobre a matéria de facto, importa começar por dizer que o apelante não a impugnou nem podia impugnar (art. 690.º-A, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPC), porquanto, respeitando essa prova a depoimentos testemunhais, não foi feito o seu registo. Desse modo ficando de todo inviabilizada a sua sindicância por outro tribunal, designadamente em sede de recurso (art. 712.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Deve, porém, esclarecer-se que o registo da prova não era, neste caso, obrigatório porque nenhuma das partes o requereu, no momento próprio a que alude o art. 512.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não foi determinado pelo juiz, nem era especialmente imposto por lei. E, nos termos do art. 522.º-B deste mesmo código, os depoimentos prestados em audiência só têm que ser gravados quando “alguma das partes o requeira, por não prescindir da documentação da prova nelas produzida”, ou quando “o tribunal oficiosamente determinar a gravação” e ainda nos casos especialmente previstos na lei.
De modo que se tem por definitivamente fixada a decisão sobre a matéria de facto, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 684.º, n.ºs 2, 3 e 4, 690.º-A, n.º 1, e 712.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil.

7. Não obstante o que fica dito, o apelante invocou a insuficiência de fundamentação dessa decisão, por não especificar os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do julgador relativamente a cada facto, isolada e autonomamente considerado.
Sobre esta matéria, rege o preceito do n.º 2 (segunda parte) do art. 653.º do Código de Processo Civil que dispõe do seguinte modo: “a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador”.
Como se pode constatar, o segmento normativo destacado a negrito apenas impõe que a decisão analise criticamente as provas e especifique os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. Nem explícita nem implicitamente consta do preceito legal em causa o dever de fundamentar individualizadamente cada facto em concreto, como diz o apelante. Nem sequer se entende ser exigível que se exare pormenorizadamente todo o percurso lógico em que se desenvolveu a convicção do julgador (cfr. ac. da Relação de Coimbra de 28-03-2000, na CJ/2000/II/22). Basta, para a plena eficiência do requisito legal formulado, a identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do julgador e a menção das razões justificativas da opção feita pelo julgador entre os meios probatórios de sinal oposto relativos ao mesmo facto, como escrevem Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, em Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, p. 637. E como também escreve Remédio Marques (em Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, p. 410), esta motivação pode ser conjunta: “o tribunal pode motivar em conjunto as respostas dadas a mais do que um facto da base instrutória, sempre que esses factos se apresentem ligados e sobre eles tenham sido admitidos e produzidos essencialmente os mesmos meios de prova”. No mesmo sentido apontam Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto, em Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2001, p. 629. Também Abrantes Geraldes (em Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., Almedina, 1997, p. 242) considera que o dever de motivação fica cumprido com a indicação dos fundamentos que foram decisivos: “Não se trata de catalogar as razões que se foram revelando no decurso da audiência de julgamento e que determinaram, uma a uma, que se formasse a convicção do tribunal, mas apontar selectivamente, entre as razões que ‘decidiram’ aquela ou aquelas que tiveram maior força persuasiva”. Acrescentando que este conteúdo mínimo da fundamentação foi considerado pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão de 24-03-1994 (BMJ 435/475), como compatível com a Constituição.
Aliás, o nível de exigência da motivação da sentença penal, prevista no n.º 2 do art. 374.º do Código de Processo Penal, não é de menor grau que o previsto para a sentença civil e, todavia, o Tribunal Constitucional tem considerado, em diversos acórdãos, que não se exige “a indicação individualizada dos meios de prova relativamente a cada elemento de facto dado por assente”, como não se exige “a reprodução dos depoimentos de todas as pessoas ouvidas, ainda que de forma sintética”, e que a fundamentação “não tem de obedecer a qualquer modelo único e uniforme, podendo (e devendo) variar de acordo com as circunstâncias de cada caso e as razões que neste determinaram a convicção do tribunal”. Neste sentido cfr. os Acs. n.º 258/2001 e 27/2007, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt/acordaos/ e o segundo também publicado no D.R., II Série, n.º 39, de 23-02-2007.
E o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 30-06-99 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 99P285), também concluiu que “a lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que, em relação a cada fonte de prova, se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência”.
Não é, pois, aceitável a interpretação defendida pelo apelante no sentido de que é insuficiente a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto que não especifique individualizadamente, facto a facto, as provas que foram decisivas para a formação da convicção do julgador relativamente a cada facto em concreto.
No caso até ocorre que essa especificação se mostra bastante individualizada, porquanto são apenas dois os factos provados: o primeiro, relativo ao casamento das partes, está provado por documento autêntico, como tal apresentado pelo próprio apelante, sem que alguma das partes tenha suscitado qualquer reparo sobre a sua veracidade e genuinidade; o segundo baseia-se nos depoimentos de duas das três testemunhas arroladas também pelo próprio apelante, D…………… e E………….., com a justificação de que apenas “souberam dizer que (os cônjuges) passavam a maior parte do tempo em casa dos respectivos pais, mas nada disseram sobre a causa de tal facto”. O que se conforma com o teor do facto considerado provado.
Em relação aos factos não provados, foi referido que as três testemunhas “nada disseram, com conhecimento directo”, acerca de tais factos, sendo certo que nenhuma outra prova foi produzida sobre esses factos. Cujo ónus da prova competia ao Autor/apelante, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do Código Civil. Ora, esta fundamentação compatibiliza-se e complementa-se com as referências feitas anteriormente acerca da razão de ciência das três testemunhas, sobre as quais foi dito que as duas primeiras “pouco sabiam, com conhecimento directo, da vida desta casal” e que “só souberam dizer que (os cônjuges) passavam a maior parte do tempo em casa dos respectivos pais, mas nada disseram sobre a causa de tal facto”. Da terceira consta que “nada disse de relevante, nem sequer conhecendo a ré”.
Ainda que sintética, é claramente uma fundamentação que esclarece suficientemente as razões porque o tribunal considerou provado o facto descrito em 2) e não considerou provados os demais factos. Cumprindo, pois, adequadamente o princípio constitucional da fundamentação das decisões (art. 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).
É, assim, de todo incoerente e despropositada a alegação da insuficiência de fundamentação desta decisão, e como tal não pode aceitar-se.

8. A segunda questão que o recorrente opõe à sentença recorrida refere-se a alegadas violações dos arts. 663.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 1781.º, al. b) o Código Civil, por não ter decretado o divórcio com fundamento na separação de facto dos cônjuges por mais de um ano.
É, porém, patente que nenhuma dessas violações pode imputar-se à sentença recorrida. É antes o apelante que, depois de incorrer em alguns equívocos no decurso do processo, tenta agora subverter o sentido daquelas normas legais, na mira de uma decisão favorável sobre o divórcio, a que não provou ter direito.
Assim, quanto ao preceito do n.º 1 do art. 663.º do Código de Processo Civil, embora o apelante não esclareça com precisão em que se consubstancia a apontada violação deste preceito legal, parece intuir-se do que consta alegado em D-7 (fls. 90) que quererá referir-se aos factos constitutivos do direito ao divórcio fundado na separação de facto dos cônjuges por mais de um ano. Os quais, em sua opinião, se consubstanciam: 1) no facto de, entre a data da propositura da acção, em 01-02-2005, e a data da sentença, em 12-02-2007, ter decorrido mais de um ano e; 2) ainda no facto de a Ré não ter contestado a acção.
Parece ser este o circunstancialismo que o apelante considera integrar-se no conceito de factos jurídicos supervenientes a que alude aquele preceito legal e que, sendo constitutivos do direito que o Autor pretendia fazer valer nesta acção, ou seja, o direito ao divórcio, deviam ser atendidos pelo tribunal em sede de sentença.
Não é, porém, este o sentido que se contém no preceito legal em análise, que dispõe do seguinte modo: “Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão”.
Como se pode perceber através do segmento normativo realçado a negrito, o preceito começa desde logo por ressalvar as “restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir”. O que quer dizer que a previsão da norma, no que respeita à atendibilidade de factos supervenientes, comporta restrições. A primeira das quais refere-se à sua compatibilização com a delimitação da causa de pedir. Só podem ser atendíveis os factos que sejam compatíveis com a causa de pedir, cujas fronteiras estão consignadas nos arts. 272.º, 273.º, n.º 1, e 506.º do Código de Processo Civil (cfr. J. P. Remédios Marques, ob. cit., p. 428).
Em segundo lugar, tratando-se de factos essenciais à procedência do pedido, e não de factos meramente instrumentais, não podem ser conhecidos oficiosamente pelo tribunal (arts. 264.º, n.º 2, e 664.º do Código de Processo Civil). Têm que ser alegados pela respectiva parte interessada, em articulado superveniente, nos termos e condições previstas no art. 506.º do Código de Processo Civil.
Em terceiro lugar, mesmo que o tribunal pudesse servir-se oficiosamente desses factos novos, nunca o poderia fazer sem que fossem ouvidas as respectivas partes em contraditório, como impõem os preceitos do n.º 2 e 3 do art. 3.º do Código de Processo Civil.
Neste caso, o autor apenas requereu o divórcio com fundamento na violação grave e culposa, pela Ré, dos deveres conjugais de coabitação, respeito e cooperação. Não requereu o divórcio com fundamento na separação de facto, que se baseia em pressupostos diferentes e pode ter efeitos jurídicos diferentes, designadamente de ordem patrimonial. Ora, o juiz está impedido por lei de alterar a causa de pedir (arts. 664.º do Código de Processo Civil). Como está impedido por lei de decidir sobre objecto diverso do que se pedir (art. 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). E como exemplifica Remédio Marques (em ob. cit. p. 429), se, numa acção de divórcio litigioso baseada na violação de deveres conjugais, o autor não conseguir provar a violação grave e culposa pelo cônjuge demandado de algum desses deveres conjugais, não pode ser atendível o facto deste ter abandonado o lar conjugal para efeitos do divórcio fundado na separação de facto se o autor não proceder à alteração da causa de pedir dentro do prazo que a lei consente (cfr. também neste sentido o ac. do STJ de 10-10-2006, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 06A2736).
Mas não existem apenas restrições de ordem processual a que o divórcio pudesse ser decretado com fundamento na separação de facto. Neste caso, a par daquelas restrições, também faltam requisitos de ordem substantiva.
É que, no que respeita à separação de facto como fundamento do divórcio, dispõe o art. 1781.º, als. a) e b), do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 47/98 de 10/08, que são fundamento do divórcio litigioso “a separação de facto por três anos consecutivos” ou “a separação de facto por um ano se o divórcio for requerido por um dos cônjuges sem oposição do outro”.
Sobre o conceito de separação de facto que releva para efeitos de divórcio, à luz do dispositivo do n.º 1 do art. 1782.º do Código Civil entende-se que só há separação de facto “quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer”.
Da conjugação destas duas normas deve concluir-se que o conceito normativo de separação de facto, susceptível de fundamentar o divórcio litigioso, caracteriza-se pela concorrência dos seguintes três requisitos: 1) inexistência de vida em comum entre os cônjuges, em todas as suas vertentes: familiar, doméstica, social, económica, afectiva e sexual (requisito objectivo); 2) que a cessação de vida em comum tenha a duração mínima de 3 anos consecutivos ou de um ano se o divórcio for requerido por um dos cônjuges sem a oposição do outro (requisito temporal); 3) que ambos os cônjuges ou algum deles tenha rompido a vida em comum com o propósito de não mais a restabelecer, isto é, que a separação traduza o rompimento definitivo da vida conjugal (requisito subjectivo). Neste sentido, cfr. Prof. Pereira Coelho, in Reforma do Código Civil, 1981, p. 36-37; Prof. Antunes Varela, in Direito da Família, 1982, p. 411-412; França Pitão, in Sobre o Divórcio, 1986, p. 114/ss.; Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-79, 02-10-79 e 28-02-80, BMJ n.º 285/335, 290/406 e 294/356, respectivamente, e de 03-11-2005 e 24-10-2006, ambos em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 05B2266 e 06B2898).
Ora, dos factos provados apenas se retira que os cônjuges têm estado a residir, desde há muito tempo, cada um na casa dos seus pais. Mas não consta que não tenham mantido entre si contactos regulares e frequentes, ou que não continuem a manter entre si interesses comuns típicos do matrimónio (económicos, afectivos ou sexuais), nem é permitido concluir que essa separação de residências corresponda a uma separação de vida em comum.
O que quer dizer que também não se mostram preenchidos os requisitos legais da separação de facto como fundamento do divórcio.

9. As demais questões aí suscitadas reportam-se, como já se disse, a actos ou ocorrências processuais estranhas à sentença recorrida. E como tal não podem constituir objecto deste recurso.
Com efeito, nos temos das disposições combinadas dos arts. 676.º, n.º 1, e 684.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, o recurso só pode incidir sobre a decisão recorrida, no todo ou em parte. Porquanto, como é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, os recursos jurisdicionais visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova, não sendo, assim, lícito às partes suscitar em recurso questões que não tenham sido objecto das decisões impugnadas (cfr. Aníbal de Castro, em Impugnação das Decisões Judiciais, Lisboa, 1981, p. 26; Jorge Augusto Pais do Amaral, em Direito Processual Civil, 3.ª edição, Almedina, p. 364; e Ac. do S.T.A. de 26-09-2007, em www.dgsi.pt/jsta.nsf/ proc. n.º 0109/07).
De modo que, como decidiu o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-09-2007, o Tribunal da Relação não pode tomar conhecimento de questão que não foi suscitada e, por isso, não foi apreciada em 1.ª instância “porque o recurso não se destina a julgar questões novas” (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 07B1836).

9.1. Ora, no que respeita ao teor da conclusão 1.ª, o apelante refere-se a uma eventual nulidade processual quanto à data da marcação da audiência de julgamento.
Como decorre do disposto no n.º 3 do art. 668.º do Código de Processo Civil, só as nulidades da sentença, que são as previstas taxativamente no n.º 1 do mesmo artigo, é que podem ser arguidas em sede de recurso ordinário, se este for admissível. Não sendo admissível recurso ordinário ou tratando-se da nulidade prevista na al. a) do n.º 1, devem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença (cfr. Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, em Manuel de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, p. 668; Jorge Augusto Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 3.ª edição, Almedina, p. 345; e ac. do STJ de 13-01-2005, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 04B4251).
Tratando-se de nulidades processuais do art. 201.º do Código de Processo Civil, o regime de arguição é o previsto no art. 205.º deste código. De que decorre que, em primeiro lugar, estas nulidades são arguidas perante o próprio tribunal que as cometeu. Só depois podendo recorrer-se para o tribunal superior do despacho que decide essas nulidades (cfr. o ac. do STJ de 13-01-2005, antes citado).
Quanto ao momento da sua arguição, a lei distingue duas situações: 1) se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, ao acto ferido de nulidade no momento em que esta é cometida, deverá arguí-la nesse momento, de modo a que o juiz as possa suprir imediatamente, sendo caso disso (n.º 2 do art. 205.º do Código de Processo Civil); 2) se a parte não estiver presente ao acto ferido de nulidade, deverá ser arguida no prazo geral previsto no art. 153.º do Código de Processo Civil, a contar “do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”.
Só na situação excepcional prevista no n.º 3 do art. 205.º, ou seja, “quando o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo marcado neste artigo”, é que pode a arguição ser feita perante o tribunal superior, contando-se o prazo desde a distribuição.
No presente caso estamos, no dizer do recorrente, perante uma nulidade cometida quanto à marcação da data designada para o julgamento. Era perante o tribunal de 1.ª instância que deveria ter sido arguida e no prazo de 10 dias a contar da data do conhecimento desse despacho, ou, pelo menos, no início da audiência de julgamento. O que não fez. E não a tendo arguido no momento próprio e perante o tribunal competente, a referida nulidade, a existir, ficou sanada. O que obsta a que o apelante a faça renascer em sede de recurso de apelação da sentença.

9.2. No que respeita à invocada violação pela Ré do princípio da cooperação processual, a que alude na conclusão 2.ª, pretende o apelante que a Ré seja condenada por tal violação como litigante de má fé, nos termos do art. 456.º do Código de Processo Civil.
Sucede que esta violação também não foi suscitada perante o tribunal de 1.ª instância e não foi por ele apreciada nem conhecida. Consequentemente, também não pode ser objecto de recurso.
Acresce ainda que não consta dos autos que a Ré alguma vez tenha sido ouvida sobre tal questão. O que também impede de ser condenada como litigante de má fé, atento o disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 3.º do Código de Processo Civil, e muito menos por tribunal onde tal infracção não foi cometida e de que não dispõe qualquer elemento de facto que permita confirmar a sua ocorrência.
O Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se sobre a aplicação de multas às partes por litigância de má fé sem que estas fossem ouvidas previamente e tem decidido no sentido de que tais condenações violam direitos fundamentais e são contrárias à Constituição (cfr. neste sentido os Acórdãos n.º 440/94, publicado no D.R., II Série, n.º 202, de 01-09-1994, e n.º 289/2002, publicado no D.R., II Série, n.º 262, de 13-11-2002).
De modo que, tendo decorrido perante o tribunal de 1.ª instância a conduta imputada à Ré como integradora de litigância de má fé, era perante esse tribunal que deveria ter sido suscitada. Não o tendo sido, está este tribunal de recurso impedido de tomar qualquer posição sobre tal questão.
Pode, mesmo assim, acrescentar-se que não se vislumbra em nenhuma das situações apontadas pelo apelante motivo para imputar à Ré má fé processual. Designadamente por ter arguido a falta de notificação do seu patrono oficioso para contestar a acção e depois ter decidido não contestar. São situações que apenas corporizam o exercício legítimo de direitos processuais, das quais não transparece qualquer tipo de actuação além do razoável, nem revelam sinais de perversidade no uso das regras processuais. E terá sido neste contexto que também foi entendido pelo tribunal de 1.ª instância, que não encontrou motivos para condenar a Ré por litigância de má fé.

9.3. Finalmente, no que concerne à invocada inobservância de formalidades legais na realização da audiência de julgamento, designadamente quanto ao lugar em que decorreu e ao não uso de traje profissional, importa dizer, sumariamente, o seguinte:
1) A ser verdade o que diz o apelante e se essas formalidades lhe mereceram a relevância que aqui lhes atribui, deveria ter reclamado imediatamente no próprio acto, como impõe o art. 205.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, para que, por um lado, o Sr. Juiz fizesse cumprir a lei (n.º 2 do mesmo artigo) e, por outro lado, para que o facto ficasse a constar registado na respectiva acta e, desse modo, pudesse ser avaliado nas suas diversas perspectivas (processual, disciplinar, etc.).
Ora, não consta da acta de audiência qualquer registo sobre alguma dessas alegadas irregularidades. E o que não existe na acta é insusceptível de ser sindicado. Não é pelo mero facto de o apelante vir dizer agora, fora do tempo, o que não disse quando devia, que presta melhor contributo às exigências e aos interesses da justiça. Pelo contrário, com a sua omissão no momento e no lugar próprios contribuiu para que o acto decorresse com essas eventuais irregularidades, as quais, agora, já não é possível sanar.
Em todo o caso, a lei não retira qualquer consequência processual, no que respeita à validade dos actos, pelo facto de decorrerem num gabinete em vez da sala de audiências, ou pelo não uso de traje profissional. São aspectos que visam essencialmente a solenidade dos actos, mas não interferem com a sua validade.
2) O preceito do n.º 1 do art. 656.º do Código de Processo Civil, que o apelante aponta como tendo sido violado, refere-se à publicidade da audiência de julgamento. O carácter público da audiência não tem directamente que ver com o lugar onde se realiza, mas sim com o direito de assistência por parte do público (cfr. José Lebre de Freitas, obr. cit., p. 109).
É óbvio que o ideal e recomendável para a melhor realização da publicidade da audiência é que esta decorra na sala de audiências, que é o lugar apropriado, desde que tenha as condições adequadas (espaço, conforto, acústica, etc.). O que é sabido que nem sempre se verifica. Mas nada na lei obsta a que as audiências se realizem em gabinetes ou noutros lugares. Como vem ocorrendo na maioria dos tribunais do país por falta de salas de audiência em número e espaço suficiente, e para que a conclusão dos processos não fique mais retardada e a justiça não se torne mais morosa. Na maioria dos tribunais do país existe uma sala para vários juízes, o que exige elaborar uma escala de ocupação semanal pelos diversos juízes. Não sabemos se o motivo deste julgamento ter sido realizado em gabinete teve que ver com uma dessa limitações.
Importante realçar é que, não obstante a audiência poder decorrer em lugar diferente da sala de audiências, seja livremente acessível ao público que queira assistir. E, neste aspecto, não vem alegado que a audiência tivesse decorrido em gabinete fechado ao público interessado em assistir, ainda que com a limitação do espaço disponível (limitação que também se verifica com as salas de audiência), ou que alguém interessado tivesse sido impedido de assistir. E neste contexto não se verifica que tenha sido violado o princípio da publicidade da audiência.
3) O pedido de comunicação à Ordem dos Advogados acerca da actuação do patrono oficioso da Ré, que este tribunal desconhece, não merece outro comentário senão este: as finalidades que a lei comete aos recursos não se compaginam com recados deste tipo.
IV

Pelo exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante (art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Relação do Porto, 15-01-2008
António Guerra Banha
Anabela Dias da Silva
Maria do Carmo Domingues