Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ARNALDO SILVA | ||
Descritores: | CONTRATO ADMINISTRATIVO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/25/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA | ||
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Sumário: | 1. A diferença entre um contrato de direito privado e um contrato de direito administrativo resume-se à natureza da relação jurídica que lhe subjaz. Enquanto no contrato civil as partes contratantes encontram-se num plano de igualdade, no contrato administrativo a Administração Pública, enquanto parte necessária e como corolário da natureza administrativa da relação jurídica, goza se supremacia face ao particular 2. De entre os diversos critérios que têm sido propostos para distinguir os contratos administrativos dos contratos privados, os mais utilizados têm sido: o critério da sujeição dos particulares ou da sujeição, o critério do objecto, o critério do fim e o critério estatutário. 3. O art.º 178º, n.º 1 do CPA considera contrato administrativo o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica de direito administrativo. 4. Relações jurídico-administrativas são os vínculos que intercedem entre a Administração e os particulares (ou entre entidades administrativas distintas) que conferem poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração, e cujo conteúdo se traduz, em regra, em prestações referentes ao funcionamento dos serviços públicos, ao exercício de actividades públicas, ao provimento de agentes públicos, à gestão de coisas públicas ou à utilização de coisas públicas. 5. É um contrato administrativo o contrato de atribuição de ajudas celebrado, no âmbito do “Programa Específico do Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa” celebrado entre o exequente Estado Português e e a executada “A” e o seu gerente, enquanto representante de todos os membros constituídos das Áreas Agrupadas. (AS) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes, em conferência, na 7.ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: 1. Existe litispendência entre o pedido de indemnização cível deduzido no processo penal, na acusação formulada pelo Ministério Público, após o inquérito n.º 2074/96, que correu termos nos serviços do Ministério Público, na comarca de Vila Real, contra a sociedade “A” e outros, em que o Ministério Público pede a condenação da arguida “A” a pagar ao Estado Português, representado pelo Ministério Público, a quantia de 34.064.448$00 (€ 169.912,75), acrescido de juros de mora contados da notificação para pagamento, ou, se assim se não entender, da data da notificação da acusação, proveniente das quantias entregues à arguida, em várias tranches de subsídios correspondentes a um projecto ao abrigo do Programa de Acção Florestal (PAF), e cujo não uso não foi minimamente comprovado, e o pedido formulado na execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, pelo Estado Português, representado pelo Ministério Público, contra a sociedade “A” e outros, tendo como título executivo a certidão de dívida emitida pelo Director Geral das Florestas do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas de 30-11-2001, no montante total de 73.855.365$00 (cfr. doc. 1 a fls. 213 e fls. 235 e segs.), na qual o exequente pede o pagamento global da quantia € 415.460,39 (83.292.330$00), acrescida de juros vincendos à taxa legal em vigor, até integral pagamento. Existe incerteza do título executivo, porque no pedido de indemnização cível enxertado no processo penal pede-se a condenação da aqui executada no pagamento da quantia de 34.064.448$00 (€ 169.912,75), com juros de mora contados da notificação para pagamento, ou, se assim se não entender, da data da citação e notificação da acusação e na aludida execução, pelos mesmos factos, pede-se a quantia de 34.951.297$00 (€ 174.335,89) e juros no total de 19.643.827$00), donde decorre portanto uma diferença de capital de 886.759$00. E existe incerteza da obrigação, porque são erróneos os pressupostos em que assenta a certidão exibida, pelo que não é certa a obrigação que se pretende executar. A obrigação é inexigível por caducidade, porque os juros moratórios só se venceriam após a interpelação e esta só veio a ocorrer em 23-09-2003. Pelo que são inexigíveis quaisquer juros anteriores. Por outro lado, todos os juros anteriores a 02-11-1997 prescreveram (art.º 323º, n.º 2 do Cód. Civil). A obrigação é inexigível por caducidade, porque o contrato em que assenta o pedido, apesar de se reger pelas regras de direito privado, é um contrato administrativo, por ser um contrato com objecto passível de direito administrativo (ou substitutivos ou integrativos de acto administrativo), que, não revogado em tempo oportuno, se convalidou, pelo que caducou a possibilidade de reembolso, já que isso equivaleria à revogação do acto administrativo, em relação ao qual se deixou escoar o prazo de recurso contencioso. A sociedade “A” é parte ilegítima, porque não pode ser demandada para cumprir uma alegada do Agrupamento dos Produtos Florestais do Romeu __ agrupamento que não tem personalidade jurídica e quem a tem são os seus membros, os beneficiários propriamente ditos, representado por uma pessoa (representação que não é legal) apenas por motivos de simplificação __, pelo que, a existir responsabilidade da executada, essa seria conjunta com os demais membros do agrupamento, nos termos do art.º 513º do Cód. Civil a contrario. Com base nestes fundamentos, veio a executada “A”, com sede na Calçada de Monchique, n.º 5, 4050-393 Porto, por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, deduzir embargos de executado contra o exequente Estado Português, representado pelo Ministério Público, a correr termos na 3.ª Vara Cível 1.ª Secção de Lisboa, com o n.º 170/2002, nos quais pede que: a) Seja suspensa a execução por força da litispendência do pedido cível formulado no processo crime; ou, quando assim se não entenda, que b) Seja declarada a caducidade da obrigação; c) E sempre a incerteza do quantum da obrigação de capital e juros; e/ou d) Seja julgada procedente a excepção peremptória de prescrição relativamente aos juros contáveis anteriores a 02-11-1997. * 2. O embargado contestou, concluindo pela improcedência das excepções invocadas.* 3. Depois do acórdão desta Relação de 13-05-2004, ter anulado o despacho saneador-sentença de 23-06-2003, que julgou parcialmente procedentes os embargos, e que absolveu a embargante do valor correspondente aos juros vencidos até 22-01-1997, com a condenação da embargante nas custas na proporção do decaimento, para que os autos prosseguissem na 1.ª instância com a averiguação dos elementos necessários em falta ao conhecimento da excepção da litispendência: a averiguação das datas em que ocorreram a citação da executada para a execução e a notificação da acusação no processo crime com o «aderente pedido» de indemnização cível, e após a junção da certidão de fls. 288 e segs. foi proferido novo despacho saneador-sentença, onde se concluiu pela improcedência de todas as excepções deduzidas, salvo a excepção da prescrição, que se concluiu ser parcialmente procedente, e, em consequência, julgou parcialmente procedentes os embargos, e que absolveu a embargante do valor correspondente aos juros vencidos até 22-01-1997, com a condenação da embargante nas custas na proporção do decaimento. * 4. Inconformada, apelou a embargante. Nas suas alegações, em síntese nossa, conclui: 1.º Tendo, nos presentes autos, sido deliberado e a propósito de excepção de litispendência suscitada nos autos e em sede de recurso, que “nada impede que entre uma acção executiva à qual foram deduzidos embargos de executado e um pedido de indemnização civil formulado em acção penal se venha a verificar a litispendência” (sic), e que dever(iam), pois, os autos baixar ao tribunal de 1.ª instância para aí serem averiguados “os elementos em falta a fim de que, em face dos mesmos, se decidir sobre a invocada litispendência” (sic) é nula a decisão que, baixados os autos, decide que entre uma acção cível conexa com ilícito criminal, mesmo quanto a violação de “normas de protecção”, e esta execução por “incumprimento de contrato de atribuição de ajudas”, não podia haver nunca litispendência; 2.º Fixado o regime de direito e ordenada a ampliação da matéria de facto, para permitir a subsunção naquele, formulou-se caso julgado formal quanto àquele aspecto, que foi questão __ pressuposto por prejudicialidade e sinalagmática (apud A. Varela e Teixeira de Sousa, citados no aresto do S.T.J. de 18.02.99, in B.M.J. 484, pág. 322/3, apesar de mais restritiva, como de 09.07.98, aliás citado no voto de vencido naquele) __ atenta a regra da competência hierárquica, pelo que o tribunal conheceu de questão-pressuposto de que não podia conhecer. Violou-se, pois, o regime dos artigos 668, n.º 1 al. e), ex vi dos n.ºs 4 do artigo 712 e 730, n.º 1 do Cód. Proc. Civil; 3.º Aceite que na acção executiva é insubstituível a função atribuída à causa de pedir, elemento de determinação da obrigação exequenda, portanto do título executivo, as causas de pedir são os factos que nos títulos executivos se reflectem, e que em processo de adesão não há que apreciar e averiguar os danos causados pelo crime, mas apreciar e averiguar os danos provenientes da violação de um interesse civilmente relevante, a responsabilidade civil não nasce do delito, mas do acto antijurídico, choca com estes princípios a afirmação segundo a qual entre a lesão decorrente da violação de “normas de protecção”, relativas a um “contrato de atribuição de ajudas” não há nunca litispendência; 4.º Sendo as normas invocadas para legitimar a existência do crédito e suficiência do título são “normas de protecção”, uma das previsões “delituais básicas”, há que averiguar “se o prejuízo se repercute na situação patrimonial global de uma pessoa ... pois é apenas ressarcível em caso de norma de protecção”; 5.º Sendo nas normas invocadas como suporte legal “normas de protecção”, então a indemnização só pode ser pedida em sede criminal, atenta a regra do art.º 71º do Cód. Proc. Penal, pelo que existe incompetência em razão da matéria, o que gera incompetência absoluta e, consequentemente impõe a absolvição da instância. O douto raciocínio levaria a duas nefastas e antijurídicas conclusões: a) ter o Estado dois títulos para o mesmo ressarcimento, no caso de condenação; b) ter o Estado dois títulos diferentes quanto ao objecto material, se no processo crime ficasse absolvida parte da matéria que integra a causa de pedir na execução em curso; 6.º Quando no despacho saneador-sentença diz que “o embargante teria que impugnar os factos que fundamentam tal decisão (a decisão de devolução do subsídio), oferecendo uma visão diferente (...). Não há alegação de factos concretos”, se a embargante alega que os factos alegados pela exequente não são suficientes para ultrapassar o juízo de dúvida sobre os mesmos factos, então a dívida levada à certidão não é “certa”, e no despacho saneador-sentença faz-se uma errada interpretação do conceito de “impugnação de direito” prevista no art.º 487º, n.º 2 1.ª parte do Cód. Proc. Civil; 7.º Não se considerando superadas e estáveis das deficiências que o requerimento executivo apresenta, há erro de interpretação dos art.ºs 801º; 810º; 510º; 811º-A, n.º 1 al. c) do Cód. Proc. Civil; 8.º Os embargos de executado são um meio para colocar em crise a “aparência de direito” que decorre da natureza certificativa do título, e estando-se perante a alegação de factos impeditivos ou modificativos ou extintivos, como decorre do art.º 813º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil, é admissível a impugnação por documento. Afirmar o contrário é fazer errada interpretação dos art.ºs 371º e/ou 376º e 346º, todos do Cód. Civil, e ainda dos art.ºs 490º; 817º, n.º 3(?); 820º (?) e 811º, n.º 1 al. c) (?) 1.ª parte, estes do Cód. Proc. Civil; 9.º O facto de num dado contrato estar consagrado um regime legal civilístico, não o faz perder a qualificação como contrato com objecto passível de acto administrativo (ou substitutivos ou integrativos de acto administrativo); 10.º A tratar-se de contrato administrativo, caducara a possibilidade de reembolso, já que outra solução equivaleria a revogação do acta administrativo, em relação ao qual se deixou escoar o prazo de recurso contencioso, tanto mais que fora sucessivamente ratificado pelas ordens de pagamento; 11.º Violou, pois, o art.º 405º do Cód. Civil, a douta decisão que considerou tal contrato como fonte de obrigação de ressarcimento não caducada; 12.º O despacho saneador-sentença recorrido faz errada interpretação do conceito do art.º 55º do Cód. Proc. Civil, porque nada impede a embargante equacionar a sua legitimidade substantiva, para ter de pagar valores que não recebeu ou, antes, a si não foram destinados; 13.º Se o contrato fosse civilístico, a regra seria a da obrigação conjunta e nunca a da solidariedade; 14.º É um abuso de direito e é uma errónea aplicação do regime do art.º 513º do Cód. Civil, o imputar à embargante a responsabilidade pela dívida de reembolso se esta veio a beneficiar terceiros, nos termos acordados. * 5. Nas suas contra-alegações, o Estado Português, representado pelo Ministério Público, em síntese nossa, conclui: 1.º Entre acções executivas e acções declarativas não existe litispendência, já que não há identidade no pedido nem na causa de pedir. Sendo a causa de pedir na acção executiva uma certidão de dívida, a outra constitui um pedido de indemnização cível enxertado numa acção penal, razão pela qual não se verificam os requisitos fixados no art. 4980 do CPC, devendo-se concluir pela não verificação da excepção de litispendência (nesta linha ver A. Varela,. RLJ, 121º - 147 e ss. e Ac do STJ de 6-7-93, CJ., Ano I, pág. 185). Por outro lado, o facto dos embargantes-apelantes terem praticado determinados factos passíveis de originar um dano para o Estado-apelado, os mesmos constituem um incumprimento contratual gerador de responsabilidade contratual __ art.º 798º do Cód. Civil. Todavia, tais factos poderão também constituir um ilícito criminal e um delito cível, gerador de responsabilidade extracontratual __ art.º 483º do Cód. Civil. Estamos perante um concurso de títulos de obtenção da prestação, sendo pacífico que o Estado/lesado não está impossibilitado de accionar ambos os títulos, apenas lhe sendo vedado obter um duplo ressarcimento pelo mesmo dano, devendo, pois ser proferida decisão em ambas as acções. Caso se entendesse o contrário, esta acção findaria, e poder-se-ia chegar ao absurdo, na hipótese de na acção crime não ser feita prova da prática do ilícito criminal, e consequentemente o excerto cível também aí não vingar, o que conduziria a prejuízo para o Estado que via ser-lhe negado o ressarcimento devido. Os embargantes não podem pretender paralisar o exercício das pretensões do Estado-lesado, sem qualquer fundamento material. Finalmente, o Mm.º juiz a quo não foi contra o douto Acórdão proferido na TRL, que anulou a 1.ª decisão proferida, limitando-se a proferir outra, embora no mesmo sentido, apresentando novos argumentos, dado tratar-se de uma questão de direito, e pacífica, neste âmbito. Diga-se também que o embargante sempre poderia requerer a junção de documentos de forma a fundamentar a sua pretensão, o que não implicaria decisão diferente, a não ser que comprovasse o pagamento da dívida, nestes autos; 2.º Não se pode concluir que exista incerteza do título apresentado no requerimento executivo porquanto da certidão de dívida, que não é mais do que o título executivo não resulta qualquer incerteza. Essa certidão é emitida por uma entidade pública que certifica não apenas a existência de um crédito próprio, como também a identidade daquele ou daqueles contra quem a execução deve correr, dela constando as importâncias que os executados devem ao exequente, ora embargado/apelado, sem que transpareça qualquer incerteza. (Cfr. doc. 5 da p.i. __ Dec. Lei n.º 96/87 de 04 de Março); 3.º Não se verifica a invocada excepção de incerteza do título por deficiente contabilização dos juros, porque se está perante uma certidão de dívida resultante da celebração de um contrato regido pelo Dec. Lei n.º 96/87 de 04 de Março, dispondo o art.º 18°, n.º 2 de tal diploma legal que, no caso de incumprimento dos beneficiários, o gestor do programa, notificará os infractores para, no prazo de 30 dias, restituírem os montantes já recebidos a título de ajudas, acrescidos de juros à taxa legal desde a data em que estas quantias foram colocadas à sua disposição, o que foi cumprido no caso em análise. Tal dispositivo legal é uma norma especial que, por isso afasta a aplicação da norma geral consagrada no art. 805°, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, no que concerne ao momento em o devedor se constitui em mora; 4.º Quanto à prescrição do pagamento dos juros, só se poderão considerar prescritos os Juros anteriores a 22-01-97 porque ao abrigo do art 323° do Cód. Proc. Civil houve interrupção da prescrição em 22 de Janeiro de 2002 pela notificação judicial ocorrida nessa data __ cfr. art.º 326° do Cód. Proc. Civil __ pelo que ficou inutilizado o tempo anteriormente decorrido, começando a correr novo prazo desde então, conforme foi decidido, não havendo qualquer nulidade a registar a esse respeito; 5.º Quanto à natureza do contrato em causa, estamos no domínio da responsabilidade contratual, ou seja, das relações obrigacionais de direito privado, e não no âmbito do direito administrativo. O facto de um dos contraentes ser o Estado Português, e ter sido celebrado no âmbito do Programa Específico Do Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa (PEDAP) não lhe retira a natureza privada, actuando o Estado, ao celebrar tal contrato, no domínio da gestão privada, e não no exercício do seu jus imperrii (Manual de Direito Administrativo, tomo I, 108, pág. 44 e 11, 98 ed., pág. 1198 e tomo 5, pág. 431). Não tem o mínimo fundamento legal dizer que há caducidade do direito que o Estado pretender fazer valer (Cfr. art.º 18°, n.º 4 do Dec. Lei n.º 96/87 de 04 de Março); 6.º Não há também incerteza da obrigação no que concerne aos fundamentos da decisão de devolução do subsídio porque a mesma foi tomada nos termos legais, não tendo havido impugnação de quaisquer factos que fundamentaram tal decisão, ou sequer apresentados elementos susceptíveis de se poder concluir por outra decisão, ou decisão diferente, pelo que tal excepção teria sempre que improceder conforme foi decidido; 7.º Assim a dívida é certa e exigível, sendo a certidão de dívida um título executivo emitido por uma entidade pública que certifica não apenas a existência de um determinado crédito, como também a identidade dos devedores, contra quem deve seguir a execução se for caso disso.(doc. 5 – Dec. Lei atrás mencionado). Tais certidões de dívida gozam legalmente de um grau de fé pública tal, que dispensam a intervenção do tribunal, previamente à instauração da execução, para declarar a existência de dívida, e dizer quem é o responsável pelo seu pagamento (vide acórdão n° 760/95 do Tribunal Constitucional; DR, 28 série de 02 de Fevereiro de 1995; referência ao mesmo Acórdão no DR, 28 série de 26.02.03); 8.º Finalmente é de afastar a excepção de legitimidade porque a embargante, ora apelante consta como devedora na certidão de dívida __ título executivo __, sendo parte legítima _- art.º 55° do Cód. Proc. Civil. Ainda, dúvidas não há de que a embargante-apelante é um dos membros componentes do Agrupamento dos Produtos Florestais do Romeu, sendo que os beneficiários do subsídio concedido pelo Estado são os membros, constituintes de tal agrupamento, e, como tal encontra-se obrigada ao cumprimento do contrato celebrado entre o Estado solidariamente com os restantes membros, e devidamente identificados no requerimento executivo (ver Portaria n.º 570/88 de 20 de Agosto (doc. 6 e 7 - Cópia da Portaria n° 340-A/91 de 15.04 e declaração dos membros da Área Agrupada do Romeu). Conforme previsto no art.º 14° c) da mencionada Portaria foi escolhido, entre os membros, como representantes deles próprios, o membro da Área Agrupada, Sociedade “A”, ora embargante-apelante (ver doc.3 da p.i. executiva). Donde se conclui, como se fez na douta sentença recorrida ser igualmente de afastar a excepção da legitimidade invocada, como não poderia deixar de ser; 9.º Pelo exposto, todas as excepções foram consideradas improcedentes, com excepção da prescrição dos juros que foi julgada parcialmente procedente nos termos acima mencionados, não tendo havido violação das normas legais supra referidas pelo apelante, na sequência de tal decisão, razão pela qual se considera dever manter-se a decisão agora em crise, e, consequente não se dar provimento ao recurso. * 6. Por acórdão desta Relação de 12-07-2006 (fls. 435 a 460 do II Vol.) foi julgada improcedente a excepção da incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria (por alegada violação do princípio da adesão consagrado no art.º 71º do Cód. Proc. Penal e por se ter feito apelo ao regime dos art.ºs 72º e 82º do Cód. Proc. Penal) __ questão nova introduzida pela embargante no recurso __ e foi julgado procedente o recurso interposto pela executada-embargante apelante, e, consequentemente, foi revogado o despacho saneador-sentença, e foram os executados absolvidos da instância executiva por se ter considerado que existia caso julgado material formado com a decisão penal sobre o pedido de indemnização cível que, nestes autos, tinha de ser acatado (art.º 671º do Cód. Proc. Civil). Este acórdão foi revogado pelo acórdão do STJ de 15-03-2007 (fls. 505 a 512 do III Vol.), tendo sido ordenada remessa dos autos a esta Relação para que, pelos mesmos juízes, se conhecesse das restantes questões, por se ter entendido que não havia identidade de causa de pedir, pelo que não teria havido litispendência nem caso julgado material, motivo pelo qual a referida excepção improcederia, e se haveria de conhecer das restantes questões invocadas pela embargante. * 7. As questões essenciais a decidir:Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[1], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º, n.º 1 e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil)[2], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil), exceptuando-se do seu âmbito a apreciação das questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2 1.ª parte do art.º 660º do Cód. Proc. Civil). Atento o exposto e o que flui das conclusões das alegações[3] __ e só se devem conhecer as questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas[4]. Do exposto decorre que não podem ser objecto do presente recurso as seguintes questões, por as conclusões se encontrarem desgarradas do corpo das respectivas alegações: 1) A nulidade do despacho saneador-sentença supra descrita na conclusão 1.ª da apelante; 2) se a afirmação de que nunca há litispendência (entre) (“sic”) «a lesão decorrente de violação de “normas de protecção”, relativas a um “contrato de atribuição de ajudas” e uma execução por incumprimento de “contrato de atribuição de ajudas” choca ou não com os princípios de que na acção executiva é insubstituível a função atribuída à causa de pedir (elemento de determinação da obrigação exequenda, portanto do título executivo) e de que, em processo de adesão, há que apreciar e averiguar dos danos provenientes de violação de um interesse civilmente relevante, que serve de base e enforma o interesse específico que a norma tutela e de forma própria sancional, pois a “responsabilidade civil não nasce do delito, mas do acto antijurídico”». Não se faz qualquer referência no despacho saneador-sentença recorrido à aludida afirmação da conclusão 3.ª [5]; 3) se há ou não que averiguar se o prejuízo “se repercute na situação patrimonial global de uma pessoa” (sic), já que a apelante faz qualquer alusão a esta necessidade de averiguação no corpo das suas alegações; 4) se houve ou não errada interpretação do conceito de impugnação do art.º 487, n.º 2 1.ª parte do Cód. Proc. Civil, ao dizer-se no despacho saneador-sentença recorrido que « (...) o embargante teria de impugnar os factos que fundamentam tal decisão, oferecendo uma versão diferente. (...) Não há alegação de factos concretos (...) »; 5) se há ou não erro de interpretação dos art.ºs 801º; 810º; 510º e 811º-A, n.º 1 al. c) do Cód. Proc. Civil; 6) se há ou não errada interpretação dos art.ºs 371º e/ou 376º e 346º, todos do Cód. Civil, e ainda dos art.ºs 490º; 817º, n.º 3(?); 820º (?) e 811º, n.º 1 al. c) (?) 1.ª parte, estes do Cód. Proc. Civil, ao afirmar-se que não é admissível a impugnação por documento, porque esta questão não é tratada no corpo das alegações; 7) se houve ou não violação do disposto no art.º 405º do Cód. Civil por não se ter considerado o contrato de atribuição de ajudas celebrado em 24-10-1988, no âmbito do “Programa Específico do Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa”, entre o exequente Estado Português e Clemente da Fonseca Araújo de Freitas Meneres, administrador da embargante, em representação da embargante e de todos os membros constituídos das Áreas Agrupadas, e, na execução, também executados, como fonte de obrigação de ressarcimento não caducada; 8) se houve ou não errada interpretação do art.º 55º do Cód. Proc. Civil; 9) se a imputação à embargante da responsabilidade pela dívida de reembolso consubstancia ou não um caso de abuso de direito (art.º 334º do Cód. Civil) __, da embargante-apelante supra descritas em I. 4., as questões essenciais a decidir são: 1) se houve ou não violação de caso julgado formal a propósito da excepção da litispendência arguida pela embargante; 2) se há ou não incompetência em razão da matéria, por violação do princípio de adesão consagrado no art.º 71º do Cód. Proc. Penal, e por se ter feito apelo ao regime dos art.ºs 72º e 82º do Cód. Proc. Penal; 3) se o contrato de atribuição de ajudas celebrado, no âmbito do “Programa Específico do Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa” celebrado, em 24-10-1988, entre o exequente Estado Português e Clemente da Fonseca Araújo de Freitas Meneres, administrador da embargante, em representação da embargante e de todos os membros constituídos das Áreas Agrupadas, e, na execução, também executados, é um contrato civil ou administrativo; 4) e, se for um contrato administrativo, se a possibilidade de reembolso caducou ou não; 5) se existir responsabilidade da embargante se a sua obrigação é conjunta ou solidária. Atenta a procedência lógico-jurídica das excepções dilatórias em concurso, a ordem lógica do seu conhecimento é a seguinte: 1.º 2.ª questão; 2.º 1.ª questão; 3.º 3.ª questão; 4.º 4.ª questão; 5.º 5.ª questão. Atento o supra exposto em 6., há apenas da 3.ª, 4.ª e 5.ª questões e pela ordem supra enunciada. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: *** II. Fundamentos:A) De facto: Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos: 1. Do escrito constante de fls. 8 do processo executivo, cujo conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido, denominado “certidão de dívida”, consta que os executados devem ao exequente, em consequência de não terem cumprido um contrato de atribuição de ajudas celebrado com a exequente, as seguintes importâncias: 34.951.207$00 – capital; 34.171.421$00 juros até 22-12-1999; 4.732.737$00 – juros de 23-12-1999 até 30-11-2001; 7.231.688$00 – despesas extrajudiciais e encargos. 2. Em 24-10-1988 foi celebrado com a exequente o acordo escrito cuja cópia foi junta aos autos a fls. 9 a 13 do processo executivo, mediante o qual o exequente atribui uma ajuda aos executados, no âmbito do Programa Específico do Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa (fls. 214 a 218 do I Vol.). 3. O acordo supra referido em 2. foi celebrado por Clemente…, administrador da embargante, em representação da embargante e também em representação dos restantes executados. * Atento o documento de fls. 7 e segs. (notificação da acusação deduzida contra a arguida “A” pelo Ministério Público) e das certidões juntas aos autos a fls. 291, 405 e segs. e 429 e segs., estão ainda provados os seguintes factos relevantes para a decisão a proferir nestes autos: 4. Nos autos de Processo Comum (Tribunal Colectivo) n.º 781/96.4TAVRL em que é autor o Ministério Público e arguidos “A” e outros “A” e outros, requerendo o seus julgamento em processo penal comum com Tribunal Colectivo, acusando-os da prática de crimes de fraude de obtenção de subsídio ou subvenção previsto e punido no art.º 36º, n.º 1 al. a), n.º 2 als. a) e c) do Dec. Lei n.º 28/84, de 20-01 e de desvio se subvenção, subsídio ou crédito bonificado previsto e punido no art.º 37º, n.ºs 1 e 3 do Dec. Lei n.º 28/84, de 20-01. Nesta acusação, o Ministério Público deduziu pedido de indemnização cível contra a arguida “A”, no qual pede que esta arguida a pagar ao Estado Português, representado pelo Ministério Público, a quantia de 34.064.448$00 (€ 169.912,75), acrescido de juros de mora contados da notificação para pagamento, ou, se assim se não entender, da data da notificação da acusação, proveniente das quantias entregues à arguida, em várias tranches de subsídios correspondentes a um projecto ao abrigo do Programa de Acção Florestal (PAF), alegando, para o efeito, que o uso dos subsídios não foi minimamente comprovado. 5. A arguida “A” foi notificada para querendo contestar o pedido de indemnização cível supra citado em 4. em 23-05-2003. 6. A executada “A” foi citada nos autos de execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, a que estes embargos estão apensos em 06-12-2002. 7. Nos autos de processo comum (Tribunal Colectivo) n.º 781/96.$TAVRL da 3.ª e 4.ª Varas Criminais do Porto, em que é autor o Ministério Público e arguidos “A”, no qual pede que esta arguida a pagar ao Estado Português, representado pelo Ministério Público foi em 25-01-2006 proferido acórdão que absolveu todos os arguidos dos crimes que lhes eram imputados, e que julgou improcedente o pedido de indemnização cível deduzido pelo lesado Estado Português, absolvendo a demandada “A” do pedido. 8. O acórdão supra referido em 7. transitou em julgado em 22-02-2006. * B) De direito: 1. A natureza jurídica do contrato e a incompetência absoluta do Tribunal: A decisão recorrida considerou que não se está perante um contrato administrativo, porque não existe qualquer norma que o qualifique como tal, e que o legislador expressamente consagrou no art.º 18º do Dec. Lei n.º 96/87, de 04-03 um regime legal civilístico, e que a qualificação do contrato como administrativo, como faz a embargante, subverte o regime legal. A embargante-recorrente discorda desta decisão. Diz que, não obstante a posição em contrário do STJ até agora __ Acs. do STJ de 18-11-2004, Revista n.º 04B3347 – Fernando Girão – unanimidade, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf; de 12-10-2000: CJ(STJ), Ano VIII tomo 3 - 2000, págs. 74 – Ferreira de Almeida – unanimidade __ não vê que o art.º 18º do Dec. Lei n.º 96/87, de 04-03 consagre um regime legal civilístico como se diz ex cathedra na douta decisão recorrida. E para sustentar a sua posição de que se está perante um contrato administrativo, faz apelo à figura do contrato com objecto passível de acto administrativo (ou do contrato substitutivo ou integrativo de acto administrativo), referidos na doutrina por Sérvulo Correia e Esteves de Oliveira, respectivamente, in, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, pág. 401 e Esteves de Oliveira, in Cód. Procedimento Administrativo, 2.ª Ed., pág. 819. Mais refere que os contratos de financiamento têm uma matriz de direito administrativo o Ac. do STA de 02-05-2009, Proc. n.º 045774, 2.ª Subsecção – Marques Borges – maioria com um voto de vencido, segundo o qual «as ajudas a conceder pelo IFADAP no âmbito do Reg. (CEE) n.º 2078/92, do Concelho de 30 de Julho, ao abrigo de contratos, tendo em vista a prossecução do interesse público ligado à protecção do ambiente e em que o interessado particular aparece a preencher as condições previamente fixadas pela Administração para a realização desse interesse público, inserem-se numa relação jurídica administrativa» (cfr. http://www.dgsi.pt/jsta.nsf) e Ac. do Pleno do STA de 19-02-2003, in Antologia de Acórdãos, Ano VI, n.º 2 págs. 31 a 42. Nas suas contra-alegações, o Ministério Público diz que se está perante um contrato de direito privado, porque, não obstante ter sido celebrado no âmbito do Programa Específico do Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa (PEDAP), este ao celebrar o Estado Português ao celebrar o contrato com Clemente da Fonseca Araújo de Freitas Meneres, este em representação de todos os membros que constituem a ÁREA AGRUPADA DO ROMEU (MIRANDELA), fê-lo no domínio da gestão privada e no exercício de uma capacidade de direito privado, procedendo como qualquer particular, no uso das suas faculdades, conferidas por esse direito, ou seja, civil ou comercial. O Estado, ao celebrar tal contrato, não agiu no exercício do seu jus imperii. O contrato é um negócio jurídico bilateral plurilateral. Estruturalmente é um acordo convergente de vontades, celebrado entre duas ou mais pessoas, que regem entre si conjugadamente os seus interesses como entendem, dentro do âmbito da autonomia privada, com vista à realização de um objectivo comum, e a que a lei reconhece o poder de, por essa forma, criarem, modificarem ou extinguirem uma relação jurídica. O art.º 178º, n.º 1 do CPA considera contrato administrativo o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica de direito administrativo. Do confronto das duas noções, vê-se que a diferença entre o contrato de direito privado e contrato administrativo se resume à natureza da relação jurídica que lhe subjaz. Mas esta diferença não é despicienda. Na verdade, enquanto que no contrato civil as partes contratantes se encontram num plano de igualdade, no contrato administrativo a Administração Pública, enquanto parte necessária e como corolário da natureza administrativa da relação jurídica, goza se supremacia face ao particular[6]. Dos diversos critérios propostos para distinguir os contratos administrativos dos contratos privados, os mais utilizados têm sido[7]: a) O critério da sujeição do particular (ou da subordinação) que se desdobra num apelo à natureza das partes (regra: ente público/ente particular) e numa associação duradoira e especial do particular contratante, mediante retribuição, ao cumprimento das atribuições da pessoa colectiva, com a indiscutível supremacia do interesse público e submissão do particular através de uma cláusula de sujeição explícita às leis, regulamentos e actos administrativos que durante a execução do contrato exprimam as exigências do interesse público servido quanto ao objecto do contrato[8]; b) O critério do objecto com duas correntes: uma acentua o valor dos efeitos de direito produzidos originariamente no âmbito do direito; outra acentua o significado do tipo de interesses ou da actividade a que o direito respeita. Este critério é impreciso e constitui uma plataforma que remete para outros critérios. Segundo o critério do objecto, é administrativo o contrato por meio do qual se constitui, modifica ou se extingue uma relação jurídica de direito administrativo[9]; c) O critério do fim da imediata utilidade pública. Há alguma incerteza na delimitação da imediatatividade dos fins de utilidade pública e tem um alcance limitado. É pois um critério nem sempre suficiente e nem sempre necessário[10]; d) O critério estatutário que entronca na concepção do direito administrativo como direito da Administração Pública. A concepção estatutária do Direito Administrativo é dominante na doutrina portuguesa contemporânea[11]. O Direito Administrativo é um direito estatuário no sentido de direito que apenas regula, e em termos específicos, a organização, a actuação e as relações de certa classe de sujeitos, subordinando-os nessa medida à incidência do direito aplicável ao comum das pessoas. O estatuto em causa não tem uma função globalizante: o regime da jurídico da Administração Pública possui uma estrutura dualista. Nesta, o Direito Privado, como direito comum à generalidade das pessoas, rege a gestão privada, ao passo que a gestão pública, constitui o objecto de um direito original, cuja especificidade decorre da razão de ser das entidades que organiza e cuja actividade dirige. Os contratos regidos pelo direito estatutário da Administração surgem a par do acto administrativo, como um processo característico de desempenho de tarefas públicas e, mais concretamente, de criação, modificação ou extinção de relações jurídicas de direito administrativo. Mas além de forma típica de actuação administrativa, o contrato administrativo distingue-se pela criação, modificação ou extinção de relações jurídicas disciplinadas em termos específicos do sujeito administrativo, entre pessoas colectivas da Administração ou entre a Administração e os particulares. O contrato administrativo é um contrato em que pelos menos um dos contraentes participa como Administração, isto é, age enquanto tal, como entidade pública, e não segundo o modo acessível dos sujeitos privados[12]. Segundo o critério estatutário, são administrativos os contratos «aos quais se aplique o direito administrativo como direito comum (isto é, como estatuto jurídico) da função administrativa ou da administração pública; os contratos de direito privado da administração são aqueles aos quais se aplique o direito privado»[13] Que opção tomar? Apesar das várias criticas que Freitas do Amaral dirigiu ao critério estatutário[14], parece-nos preferível a definição de contrato Administrativo dada por Sérvulo Correia, que combina o critério do objecto com o critério estatutário[15]: «O contrato administrativo constitui um processo próprio de agir da Administração Pública que cria, modifica ou extingue relações jurídicas, disciplinadas em termos específicos do sujeito administrativo, entre pessoas colectivas da Administração ou entre a Administração e os particulares»[16]. A jurisprudência do STJ supra referida pela embargante-recorrente adopta o critério da sujeição do particular (ou da subordinação). Este critério tem sido perfilhado pela jurisprudência portuguesa para efeitos de qualificação do negócio jurídico como contrato administrativo. Mas a teoria da sujeição é insuficiente, e não serve para servir de base à caracterização de todas as relações jurídicas de direito administrativo, como se tornou patente face à adopção legislativa da figura do contrato administrativo por natureza[17]. À jurisprudência administrativa citada pela embargante recorrente, pode também citar-se, no mesmo sentido, e respeitante à mesma matéria, o Ac. do Ac. do STA de 16-05-2006, Proc. n.º 0193/06, 2.ª Subsecção – São Pedro – unanimidade (cfr. http://www.dgsi.pt/jsta.nsf). O contrato com objecto passível de acto administrativo, na denominação de Sérvulo Correia[18], ou contrato substitutivo (ou integrativo) de acto administrativo, na denominação de Mário Esteves de Oliveira e outros[19], é o contrato administrativo (celebrado ao abrigo da autonomia pública contratual), cuja «forma significante» não aparece descrita na lei mas no qual são pactuados efeitos de direito que se encontram previstos em normas jurídicas de direito administrativo. A Administração, em vez de alcançar o efeito jurídico tido em vista através de um acto administrativo __ ou de o alcançar totalmente por essa via __, celebra um contrato com o destinatário desses efeitos, acordando com ele sobre o modo de harmonizar reciprocamente os interesses que cada um tem na situação concreta em causa. O contrato versa assim sobre a produção de efeitos jurídicos que a lei previra serem atingidos mediante a prática de um acto administrativo, incluindo-se naturalmente aqui aqueles acordos pelos quais a Administração e o interessado põem fim a um procedimento administrativo já iniciado (ou que a Administração ameaça iniciar), substituindo o acto administrativo __ a cuja prática aquele tendia __ pelo contrato negociado do conteúdo da relação jurídica em causa[20]. Este contrato está, quanto aos respectivos pressupostos, conteúdo e consistência, sujeito às mesmas limitações ou vinculações que impediam sobre o acto administrativo __ salvo, obviamente, as que aí pudessem ser expressamente afastadas por assentimento do destinatário __, o que pode julgar um papel importante em matéria, por exemplo, de cláusulas acessórias ou de revogação do contrato. O contrato não serve, pois, para obter do particular contrapartidas que não lhe podiam ser exigidas no acto administrativo __ pense-se na licença de loteamento __ constrangendo-o ou pressionando-o a aceitar contratualmente, encargos que através de acto administrativo não lhe poderiam ser assacados[21]. Este contrato é um contrato administrativo. Esta qualificação resulta de ser constituída, modificada ou extinta pelo acordo de vontades uma relação jurídica de direito administrativo, isto é, uma relação que a lei regula, independentemente da sua hipotética origem contratual, em termos de estatuto jurídico privativo da Administração. Desta qualificação advirá a aplicação de outras normas jurídicas de direito administrativo e, portanto, emergirão efeitos de direito que ex lege vão integrar o regime jurídico do contrato concreto[22]. Um exemplo deste contrato é o caso em que uma Câmara Municipal concede uma licença de loteamento (ou se obriga a concedê-la) em contrato com promotor imobiliário que, em contrapartida, se obriga a construir determinados imóveis destinados à satisfação de necessidades colectivas (escolas, centros de cultura, etc.)[23]. Antes de descer à apreciação do concreto contrato celebrado entre as partes, e atenta a definição do contrato administrativo por que se optou, onde se combina o critério do objecto com o critério estatutário, importa dizer o que é uma relação jurídica de direito administrativo, porque ela é necessária para a qualificação jurídica do contrato que é necessário fazer. Para Freitas do Amaral, ela é «aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração»[24]. Para J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: 1) as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que pelo menos um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da Administração); 2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo (ou fiscal). Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza jurídico-privada ou jurídico-civil. Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-adminsitrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal»[25]. Para Carla Amado Gomes, a jurisdição administrativa é especializada em torno da noção de relação jurídica administrativa. O preenchimento desta fórmula faz-se no nosso Direito, mais em função dos meios utilizados pela Administração que em razão dos fins prosseguidos: os tribunais administrativos aplicam o Direito Administrativo às actuações de gestão pública da Administração, os tribunais comuns utilizam o Direito privado como parâmetro aferidor da legalidade da actuação administrativa segundo a gestão privada[26]. Para Guilherme Frederico Dias Pereira da Fonseca, a distinção entre relações jurídico-administrativas e relações jurídico-privadas assenta num critério de igualdade ou desigualdade dos participantes nessas relações[27]. Segundo o Ac. do STA da 1ª. Secção de 14-10-1993, Proc. 32.901 as relações jurídicas administrativas «são os vínculos que intercedem entre a Administração e os particulares (ou entre entidades administrativas distintas) emergentes do exercício da função administrativa ainda que não genericamente toda a relação jurídica derivada da actuação de qualquer órgão ou agente do Estado»; segundo o Ac. do STA da 1ª. Secção de 23-03-1999, Proc. n.º 43.973 «por relações jurídico-administrativas devem entender-se os vínculos que intercedem entre a Administração e os particulares (ou entre entidades administrativas distintas) emergentes da função administrativa e não, genericamente, toda a relação jurídica derivada da actuação autoritária de qualquer órgão ou agente do Estado». Em conclusão, pode dizer-se que as relações jurídico-administrativas são os vínculos que intercedem entre a Administração e os particulares (ou entre entidades administrativas distintas) que conferem poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração, e cujo conteúdo se traduz, em regra, em prestações referentes ao funcionamento dos serviços públicos, ao exercício de actividades públicas, ao provimento de agentes públicos, à gestão de coisas públicas ou à utilização de coisas públicas. Posto isto, e à luz de todo o exposto, vejamos o concreto contrato. O contrato em questão é o que consta de fls. 214 a 218 do I Vol. O contrato foi celebrado entre o Estado Português, primeiro outorgante, e Clemente…., administrador da empresa Sociedade “A”, em representação de todos os membros legalmente constituídos em áreas Agrupadas, como segundo outorgante. O contrato foi celebrado o âmbito do Programa Específico do Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa (PEDAP), e enquadrado no Programa de Acção Florestal (PAF), e destinava-se ao empreendimento de acções previstas no n.º 2 da Portaria n.º 570/88 de 20-08, no prédio de que segundo outorgante é legítimo detentor (n.º 1 da cláusula 1.ª). Nos termos da cláusula 12.ª do contrato, tanto o Projecto de Investimento Florestal apresentado pelo segundo outorgante, como o Plano Orientador de Gestão (POG) vinculam o segundo outorgante, devendo, por tal motivo, considerar-se parte integrante do presente contrato. O Dec. Lei n.º 96/87, de 04-03, estabeleceu as condições gerais para a aplicação em Portugal do Regulamento (CEE) n.º 3828/85 do Conselho, de 20-12, que institui o PEDAP (art.º 1º). Regulamento (CEE) este que visava a correcção das deficiências estruturais do sector primário nacional e a melhoria sensível das condições envolventes da produção e da comercialização agrícolas (cfr. preâmbulo). Portanto, o contrato foi celebrado neste âmbito. O PAF visava garantir uma melhor e mais intensiva utilização dos povoamentos florestais, constituindo a concentração das diferentes áreas florestais um meio privilegiado para a prossecução destes objectivos. O PAF e de zonas afectadas visava igualmente a recuperação das áreas atingidas por incêndios, bem como o aumento da área florestal portuguesa, através, designadamente, da utilização de terrenos incultos e de zonas afectadas à agricultura marginal, e ainda o fomento do uso múltiplo da floresta (cfr. preâmbulo da Portaria n.º 570/88, de 20-08). Entre os objectivos gerais do PAF aprovado em 23-12-1987, no enquadramento do qual o contrato foi celebrado, estava, como acção prioritária, a reconstituição dos montados de sobro que na última década foram severamente destruídos pelo fogo e, bem assim, recuperar todas as áreas perdidas e, ao mesmo tempo, procurar restabelecer o equilíbrio fisiológico das poucas árvores que escaparam à carbonização total provocada pelos fogos, contemplando-as com tratos culturais, procurando-se também complementar outras acções inerentes ao fomento do uso múltiplo da floresta (fls. 97v e 111v). Nos termos do dito Dec. Lei n.º 96/87, a aplicação do PEDAP era da competência do Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentação (MAPA) (art.º 3º do Dec. Lei n.º 96/87) e era constituído por programas específicos, que podiam ser de âmbito nacional, inter-regional ou regional (n.º 1 art.º 3º), os programas podiam compreender investimentos da administração central, regional ou local e das regiões autónomas e projectos de investimento cooperativos, privados e do sector empresarial do Estado, os quais poderiam estar incluídos em programas ou operações integrados de desenvolvimento regional (n.º 2 do art.º 3º). À Direcção-Geral de Planeamento e Agricultura (DGPA) era cometida a coordenação global da elaboração dos programas específicos e subprogramas (n.º 1 do art.º 6º), cabendo-lhe, designadamente, acompanhar a sua execução [al. b) do n.º 2 do art.º 6º]. Após a elaboração detalhada, eram presentes ao Ministro do MAPA (n.º 3 do art.º 7º), e, após aprovação, os programas específicos eram articulados com o processo de planeamento, com vista à sua inscrição no Plano, por forma a garantir a existência no Orçamento do Estado dos meios financeiros à sua execução, posto que seriam enviados oficialmente à CEE para aprovação (n.º 4 do art.º 7º). Para a execução dos programas específicos e subprogramas, competia aos organismos nacional sectorial em colaboração com as direcções regionais de agricultura abrangidas, entre outras atribuições, celebrar contratos de financiamento com os candidatos às ajudas, na sequência da aprovação dos projectos de investimento [al. d) do n.º 1 do art.º 13º], garantir o acompanhamento e controle de execução dos projectos de investimento, bem como o cumprimento dos ditos contratos [al. f) do n.º 1 do art.º 13º], comunicar ao IFADAP qualquer situação de incumprimento verificada [al. g) do n.º 1 do art.º 13º], e exigir dos beneficiários a restituição dos montantes por estes recebidos, em caso de incumprimento, nos termos do art.º 18º [al. h) do n.º 1 do art.º 13º]. Incumbia ao IFADAP o pagamento das despesas decorrentes dos programas específicos, na qualidade de organismo interlocutor do Fundo Europeu de Orientação de Garantia Agrícola (n.º 1 do art.º 16º), tendo este a faculdade de proceder a quaisquer acções de fiscalização da execução dos investimentos e da regularidade da aplicação das ajudas (n.º 3 do art.º 16º). No caso de incumprimento pelos beneficiários, o gestor do programa notificava os infractores para, no prazo DE 30 dias, restituírem os montantes já recebidos a título de ajudas, acrescidos de juros à taxa legal desde a data em que estas importâncias foram colocadas à sua disposição, sem prejuízo de outras sanções revistas na lei (n.º 2 do art.º 18º). O n.º 2 da Portaria n.º 570/88, de 20-08, previa a concessão de ajudas sob a forma de subsídios aos projectos apresentados no âmbito do PAF que se enquadrassem nas seguintes acções: a) Arborização; b) Rearborização de zonas florestais atingidas pelos fogos; c) Beneficiação de florestas já existentes. Nos termos do n.º 1 da cláusula 2.ª do contrato, a realização da obra era da responsabilidade do segundo outorgante, e nos termos do n.º 1 da cláusula 4.ª do contrato, o primeiro outorgante (O Estado Português) comprometeu-se a suportar 100 % do custo total dos trabalhos programados e a dar o apoio técnico necessário à correcta instalação, condução e exploração dos povoamentos e infra-estruturas desenvolvidas ao abrigo do contrato, aplicando e fazendo aplicar o Plano Orientador de Gestão (POG) (cláusula 5.ª), que o segundo outorgante era obrigado a cumprir criteriosamente [al. b) do n.º 1 da cláusula 6.ª], bem como, entre outras, a executar e a fazer cumprir rigorosamente o estabelecido no Programa de Investimento Florestal aprovado [al. a) do n.º 1 da cláusula 6.ª] e a facultar ao primeiro outorgante o acompanhamento e controle de execução do Projecto de Investimento Florestal, bem como dos povoamentos durante o seu desenvolvimento [al. c) do n.º 1 da cláusula 6.ª]. No caso de incumprimento do Plano Orientador de Gestão (POG) por parte de qualquer um dos membros das Áreas agrupadas, o primeiro outorgante fica desde logo autorizado para se substituir ao faltoso na execução das tarefas a ele consignadas, a debitar os respectivos custos pela realização do valor monetário dos produtos a extrair da floresta beneficiada ao abrigo do Projecto de Investimento Florestal, numa proporção que nunca será inferior a 50 % do investimento para o serviço em dívida [al. c) da cláusula 7.ª]. No caso de incumprimento do contrato elo segundo outorgante, e, em especial, não cumprir as obrigações previstas na cláusula 6.ª, responderá perante o primeiro outorgante nos termos do art.º 18º, n.ºs 2, 3, 4 e 5 do Dec. Lei n.º 96/87, de 04-03 (cláusula 8.ª). O contrato poderia ser rescindido por acordo das partes ou por impossibilidade de cumprimento (n.º 1 da cláusula 9.ª). A rescisão por impossibilidade superviente de cumprimento seria determinada por despacho do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, ouvidos os outorgantes (n.º 2 da cláusula 9.ª). E a mesma rescisão unilateral pelo mesmo Ministro se poderia verificar em caso de incumprimento das obrigações contratuais ( n.º 3 in fine da cláusula 10.ª). De todo o supra exposto, vê-se que se está perante um contrato que tem como parte o Estado Português, que, com vista à realização do interesse público __ interesse público ligado à correcção das deficiências estruturais do sector primário nacional, à melhoria sensível das condições envolventes da produção e da comercialização agrícolas, à melhoria e mais intensiva utilização dos povoamentos florestais, aumento da área florestal portuguesa, através, designadamente, da utilização de terrenos incultos e de zonas afectadas à agricultura marginal, à recuperação das áreas florestais atingidas por incêndios, e procura do restabelecimento do equilíbrio fisiológico das poucas árvores que escaparam à carbonização total provocada pelos fogos, complementado com tratos culturais e outras acções inerentes ao fomento do uso múltiplo da floresta __, contratou com os segundos outorgantes para que estes procedessem à realização de acções de arborização de novas áreas, rearborização de zonas florestais atingidas pelos fogos e beneficiação de florestas já existentes (acções previstas no n.º 2 da Portaria n.º 570/88, de 20-08), bem como, designadamente, à reconstituição de montados de sobro que, na última década, tinham sido severamente destruídos pelo fogo, bem como a recuperação de todas as áreas perdidas, ao restabelecimento do equilíbrio fisiológico das poucas árvores que escaparam à carbonização total provocada pelos fogos, contemplando-as com tratos culturais e outras acções inerentes ao fomento do uso múltiplo da floresta, instalação de alguns povoamentos de pinheiro manso (pinus pinea), tendo em vista a produção de lenho como a produção do fruto (pinhão) e de algumas folhosas, com vista à produção de madeiras de qualidade, designadamente, a nogueira (juglans nigra), o plátano (platanus acesifolia), o freixo (fracinus angustifolia), o ulmeiro (ulmus spp.) e o carvalho americano (quercus rubra), etc. (segundo o Projecto de Investimento Florestal aprovado e o Plano Orientador de Gestão), tendo em vista a realização daquele interesse público intercaladamente supra referido, no âmbito do PEDAF e enquadrado no PAF. Segundo o estipulado no contrato, a rescisão por inutilidade superveniente de cumprimento seria determinada por despacho do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação[28], ouvidos os outorgantes, bem como o mesmo Ministro poderia rescindir unilateralmente o contrato no caso de incumprimento das obrigações contratuais pelo segundo outorgante. Em caso de incumprimento do Plano Orientador de Gestão por parte de qualquer um dos membros das áreas agrupadas, o primeiro outorgante, o Estado Português, tinha o direito de se substituir ao faltoso na execução das tarefas a ele consignadas, e a debitar os respectivos custos pela realização do valor monetário dos produtos a extrair da floresta reconstituída ou beneficiada ao abrigo do Projecto de Investimento Florestal, numa proporção que nunca poderia ser inferior a 50 % para o serviço da dívida. Em caso de incumprimento do contrato pelo segundo outorgante, o Estado Português tinha o direito de lhe exigir a restituição das ajudas recebidas e juros, constituindo as certidões de dívida de títulos executivos, sendo sempre competente o foro da comarca de Lisboa, e iniciando-se as execuções com a penhora, nos termos dos n.ºs 2, 3, 4 e 5 do art.º 18º do Dec. Lei n.º 96/87, de 04-03. Ao Estado Português cabia ainda o poder de fiscalização e controle da execução do projecto, tendo em vista evitar surpresas prejudiciais ao interesse público intercaladamente supra referido. Do que vem dito, fica patente a existência de cláusulas exorbitantes que atribuem ao Estado prerrogativas de autoridade no confronto com o seu contratante, o particular segundo outorgante, designadamente o n.º 2 da cláusula 9.ª e o n.º 3 in fine da cláusula 10.ª. A primeira permite a rescisão por impossibilidade superveniente do cumprimento por despacho do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, ouvidos que sejam os outorgantes. Segundo ela, seria o dito Ministro unilateralmente a decidir se se verificava ou não a dita impossibilidade de incumprimento por perecimento ou desaparecimento de algum dos elementos do objecto da relação jurídica substantiva emergente do contrato. A última palavra era a da dele e não a dos segundos outorgantes. O que é uma nota típica de se estar perante um contrato administrativo. Sintomático é também o uso do termo «rescisão» em vez de «revogação». A rescisão é o termo adequado à extinção do contrato por decisão unilateral da Administração Pública [al. c) do art.º 180º do CPA]. A segunda cláusula, permitiria também ao dito Ministro ditar a última palavra para dizer que se verificava o inadimplemento definitivo das obrigações contratuais dos segundos outorgantes, com as gravosas consequências para estes. Considerável é também o dito poder de fiscalização do Estado, que em regra aparece ligada ao poder de direcção e sancionatório [als. b) e d) do art.º 180º do CPA][29]. Pelo exposto, e tendo em vista o aludido fim de interesse público que o contrato visou realizar, é de concluir que se está perante um contrato administrativo, mas não, manifestamente, um contrato administrativo com objecto passível de acto administrativo, na denominação de Sérvulo Correia[30], ou contrato substitutivo (ou integrativo) de acto administrativo, na denominação de Mário Esteves de Oliveira e outros[31], é o contrato administrativo (celebrado ao abrigo da autonomia pública contratual), porque a lei não previa a dita atribuição de ajudas mediante acto administrativo. Para conhecimentos dos litígios relativos à interpretação, validade e execução (incluindo a modificação, extinção e a responsabilidade derivada) são competentes os tribunais administrativos [art.º 4º, n.º 1 al. f) do E.T.A.F., segundo a reforma do contencioso administrativo de 2002, e que entrou em vigor em 01-01-2004, como o novo E.T.A.F. [32] e C.P.T.A.[33]]. O facto de não de se ter julgado improcedente a questão nova suscitada pela embargante-recorrente da incompetência absoluta em razão da matéria pela alegada violação do princípio da adesão consagrado no art.º 71º do Cód. Proc. Penal, no acórdão anterior, e nesta parte não revogado pelo STJ, nada impede que se conheça agora da incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, atento o disposto nos art.ºs 102º, n.º 1 e 510º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil, pois que esta incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria não foi concretamente apreciada. E não se diga, como faz o Ministério Público, na sua resposta, quando ouvido nos termos do n.º 3 do art.º 3º do Cód. Proc. Civil, sobre esta questão da esta incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria por se estar perante um contrato administrativo e que agora nos ocupa, que existe caso julgado. Nada de mais errado, salvo o devido respeito. O facto de a 1.ª instância ter referido obiter dictum, na sua fundamentação, que não se estava perante um contrato administrativo, tal referência não constitui caso julgado, porque os fundamentos da sentença não se incluem nos limites objectivos do caso julgado. A eficácia deste cobre apenas a resposta dada à pretensão do autor e não o raciocínio lógico que a sentença percorreu para chegar a essa resposta. O caso julgado é formado pelo julgamento propriamente dito e não pelos respectivos fundamentos de facto e de direito[34]. *** IV. Decisão: Assim e pelo exposto, acordam agora em julgar materialmente incompetentes os tribunais cíveis para conhecimento das questões dos presentes autos e, consequentemente, revogam o despacho saneador-sentença, e acordam agora em absolver os executados da instância executiva. Sem custas. Registe e Notifique (art.º 157º, n.º 4 do Cód. Proc. Civil). *** Lisboa, 25/11/2008Arnaldo Silva Soares Curado Roque Nogueira _______________________________________________________ [1] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461 e 395 e segs. Cfr. ainda, v. g., Manuel Rodrigues, Dos Recursos – 1943 (apontamentos de Adriano Borges Pires), págs. 5 e segs.; J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V (Reimpressão – 1981), págs. 305 e segs.; Castro Mendes, Direito Processual Civil – Recursos, Ed. da A.A.F.D.L. – 1980, págs. 57 e segs. e 63 e segs.; Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Ed. da A.A.F.D.L. – 1982, págs. 239 e segs.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs. [2] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56. [3] As quais terão de ser, logicamente, um resumo dos fundamentos porque se pede provimento do recurso, tendo como finalidade que elas se tornem fácil e rapidamente apreensíveis pelo tribunal. As conclusões não devem ser afirmações desgarradas de qualquer premissa, e sem qualquer referência à fundamentação por que se pede o provimento do recurso. Não podem ser consideradas conclusões as indicadas como tal, mas que sejam afirmações desgarradas sem qualquer referência à fundamentação do recurso, nem se deve tomar conhecimento de outras questões que eventualmente tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas, mas não levadas às conclusões. Por isso, só devem ser conhecidas, e só e apenas só, as questões suscitadas nas alegações e levadas às conclusões. Neste sentido, vd. Acs. do STJ de 21-10-1993 e de 12-01-1995: CJ (STJ), respectivamente, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19. [4] Cfr. supra nota 3. [5] Mas mesmo que não estivesse desgarrada esta conclusão do corpo das alegações __ mas está __ o tribunal sempre teria de abster-se ao conhecer da questão colocada, por manifesta falta de interesse de agir da executada-embargante. O interesse em agir ou interesse processual é um pressuposto processual geral[5] autónomo inominado da acção executiva. O interesse em agir consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou de fazer prosseguir a acção. Embora avulte especialmente do lado do exequente, também existe pela parte do executado. O executado tem necessidade de usar os embargos de executado quando pretenda obter uma declaração judicial de que o direito de que o exequente se arroga não existe, ou seja, quando pretenda obstar a que o título executivo que serve de base à execução em questão não produza os seus efeitos, isto é, não constitua, certifique ou prove (não demonstre) o direito do exequente. Fora deste âmbito, o executado não tem necessidade da aludida tutela judiciária (Rechtsschutzbedürfnis). O executado pode utilizar a arma judiciária contra o exequente, deduzindo contra ele embargos de executado por mero capricho (de vindicata contra o exequente), ou por puro interesse subjectivo (moral, científico ou académico). Ora a questão que a executada coloca __ se a dita afirmação choca ou não com os aludidos princípios __ não diz respeito a qualquer afirmação feita no despacho saneador-sentença recorrido, e qualquer declaração que este tribunal faça sobre a questão não é susceptível de obstar à produção dos efeitos do título executivo. Ou seja, a executada-embargante não tem qualquer necessidade justificada em deitar mão aos embargos de executado para obter do tribunal uma declaração sobre se a referida afirmação choca ou não com os citados princípios. O interesse que possa ter na resposta deste tribunal à questão que coloca não justifica que use do processo para tal. O tempo dos tribunais é escasso, e, por isso, só se justifica a tutela judiciária para as situações em que realmente é indispensável a tutela jurisdicional. Sobre o interesse em agir, vd., v.g. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Ld.ª - 1979, págs. 79 e segs.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Ld.ª - 1984, págs. 170 e segs.; Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II Liv. Almedina, Coimbra – 1982, pág. 253. [6] Vd. Manuel Freire de Barros, Direito Administrativo, Tribunal de Contas, Lisboa - 2000, págs. 270-271. [7] Maria João Estorninho, Requiem pelo contrato administrativo, Coimbra 1990, págs. 71 a 110 faz uma enumeração exaustiva destes critérios. [8] Vd. Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia nos Contratos Administrativos, Colecção Teses, Liv. Almedina – Coimbra – 1987, págs. 364 e segs. e Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, 10ª. Ed. (6ª. reimpressão), págs. 587 a 589. [9] Vd. Sérvulo Correia, opus cit., págs. 371 a 379. [10] Vd. Sérvulo Correia, opus cit., págs. 379 a 393. [11] Vd. Sérvulo Correia, opus cit., pág. 393 citando na nota 103 Afonso Queiró, Freitas do Amaral e Esteves de Oliveira. [12] Vd. Sérvulo Correia, opus cit., págs. 393 e segs. citando na pág. 397 nota 110 Marcello Caetano, in Manual de Direito Administrativo, Vol. 1º, 10.ª Ed., pág. 586. [13] Vd. Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Contratos Públicos – Direito Administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote – 2008, págs. 26-27. Segundo estes autores, o critério estatutário supera algumas das criticas formuladas ao regime da sujeição, mas não consegue superar o seu carácter circular. Acresce __ dizem estes autores __ «a circunstância de ser actualmente indiscutível a aplicação a todos os actos da administração, independentemente de terem ou não carácter jurídico-público, das vinculações legais permanentes da actividade administrativa, em especial aqueles relativos ao fim e à competência, bem como dos princípios fundamentais da actividade administrativa; acresce ainda a realidade incontornável da aplicação da regras procedimentais de direito administrativo a contratos da Administração geralmente considerados como de direito privado. Assim, das duas uma: ou o critério do direito estatuário leva em linha recta à extensão da noção do contrato administrativo a todos os contratos da Administração, ou a distinção entre os contratos administrativos e contratos de direito privado da Administração depende de uma graduação da intensidade da vinculação do contrato administrativo, que não é possível com objectividade». [14] Apreciação da dissertação de doutoramento do licenciado J. M. Sérvulo Correia, in RFDUL, Vol. XXIX, 1988, págs. 166 a 168 qualificando de demasiado vago. Diz Freitas do Amaral que não é por um contrato ter regime administrativo que é administrativo, mas que é por ter natureza administrativa que atrai a aplicação de normas de Direito Administrativo. Para Freitas do Amaral, o critério aceitável é o do objecto completado quando necessário. [15] Neste sentido, vd. também João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo, Âncora Editora, 7.ª Ed. – 2003, pág. 218. [16] Vd. Sérvulo Correia, opus cit., págs. 396. [17] Vd. Sérvulo Correia, opus cit., págs. 364 e 369. [18] Vd. Sérvulo Correia, opus cit., págs. págs. 400-401. [19] Vd. Mário Esteves de Oliveira, Código do Procedimento de Direito Administrativo, 2.ª Ed., Liv. Almedina, Coimbra – 1997, págs. 817 I e 819 III. [20] Vd. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Vol. I, (e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), Liv. Almedina – 2004, pág. 55 anotação XXV. [21] Vd. Mário Esteves de Oliveira, Código do Procedimento de Direito Administrativo, 2.ª Ed., Liv. Almedina, Coimbra – 1997, págs. 817 I e 819 III. [22] Vd. Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia nos Contratos Administrativos, Colecção Teses, Liv. Almedina – Coimbra – 1987, págs. 400-401. [23] Vd. Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia nos Contratos Administrativos, Colecção Teses, Liv. Almedina – Coimbra – 1987, pág. 401. [24] Vd. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. III, Lições 1988/89, págs. 439-440. [25] Constituição da República Portuguesa », 3ª. Ed., pág. 815. [26] Vd. Carla Amado Gomes, Contributo para o Estudo das Operações Materiais da Administração Pública e do seu Controlo Jurisdicional, Coimbra Editora - 1999, pág. 288. [27] Vd. Guilherme Frederico Dias Pereira da Fonseca, Direito Administrativo (Sumários Desenvolvidos), AAFDL – Lisboa 1995, pág. 80. [28] Os Ministérios são órgãos do Estado-pessoa colectiva. [29] Vd. Vd. Mário Esteves de Oliveira, Código do Procedimento de Direito Administrativo, 2.ª Ed., pág. 827 nota VII. [30] Vd. Sérvulo Correia, opus cit., págs. págs. 400-401. [31] Vd. Mário Esteves de Oliveira, Código do Procedimento de Direito Administrativo, 2.ª Ed., Liv. Almedina, Coimbra – 1997, págs. 817 I e 819 III. [32] Aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19-02, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 4-A/2003, de 19-02 e pela Lei n.º 107-D/2003, de 31-12. [33] Aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22-02, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 4-A/2003, de 19-02. [34] Esta matéria não é totalmente pacífica. É uma questão onde se manifestam ainda os reflexos das concepções romanistas e germanistas do caso julgado: a primeira limitando o caso julgado à decisão ou parte dispositiva da sentença, a segunda estendendo o caso julgado aos fundamentos da sentença. Savigny defendeu com grande ardor esta última. Encurtando aqui muito o caminho, a tese oposta parece ter sido acolhida entre nós, face ao que se dispõe nos art.ºs 498º e 96º do Cód. Proc. Civil, e com o desvio previsto neste último artigo: só excepcionalmente a sentença fará caso julgado quanto aos pontos prejudiciais. No sentido dum a concepção. Entre nós, pode ver-se uma concepção restrita eclética, uma concepção restrita tout court, e uma concepção, uma concepção intermédia defendida por Castro Mendes, e uma concepção mais amplexiva do que todas as expostas, defendida por Miguel Teixeira de Sousa, Prejudicialidade e limites objectivos do caso julgado, RDES, XXIV (1977), págs. 309-313 e Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa – 1997, págs. 588 e segs. No sentido, duma concepção restrita eclética, em que eficácia do caso julgado se restringe à parte decisória da sentença, não estendendo, em princípio, a sua eficácia a todos os fundamentos da sentença, e só devendo estender a sua eficácia aos fundamentos da sentença que constituam questões facto-jurídicas preliminares controvertidas logicamente indispensáveis à emissão da parte dispositiva da sentença, vd., p. ex., Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora – 1979, págs. 335-336; J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. III., 3.ª Ed. (reimpressão), Coimbra Editora, Ld.ª – 1981, págs. 142-146; A. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Liv. Almedina, Coimbra – 1982, págs. 392 e segs. No sentido de uma concepção restrita tout court, em que os fundamentos da sentença não se incluem nos limites objectivos do caso julgado, a eficácia deste cobre apenas a resposta dada à pretensão do autor e não o raciocínio lógico que a sentença percorreu para chegar a essa resposta, vd. A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Ld.ª - 1984, págs. 695 a 701. Num sistema intermédio vd. Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, 1968, pág. 152; e Direito Processual Civil, Vol. III, Lições 1978/79, Ed. da A.A.F.D.L., págs. 282-284 e Direito Processual Civil – Recursos, Ed. da A.A.F.D.L. – 1980, pág. 14 nota 1. Para este professor, o fundamento só é passível de caso julgado enquanto fundamento e nada mais. Para Miguel Teixeira de Sousa, não é a decisão enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão. O caso julgado não se estende, em regra, aos fundamentos de facto e de direito da decisão. Os fundamentos de facto não adquirem o valor de caso julgado, quando são autonomizados da respectiva decisão judicial, e só valem, por si mesmos, enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com essa. Excepcionalmente, os fundamentos de facto, considerados em si mesmos (isto é desligados da respectiva decisão), adquirem valor de caso julgado sempre que haja que respeitar certas conexões entre o objecto decidido e um outro objecto (ou entre um efeito produzido e um outro efeito), como sejam as relações de prejudicialidade entre objectos e as relações sinalagmáticas entre as prestações, quando o processo no qual foi proferida a decisão tenha fornecido às partes, pelo menos, as mesmas garantias que lhe são concedidas no processo em que é invocado o valor vinculativo daqueles fundamentos. A fundamentação jurídica não se inclui, em princípio, no valor de caso julgado da decisão, pelo menos, no que toca aos juízos sobre a validade, interpretação e aplicação do direito. |