Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
211/10.0YRLSB-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
REQUISITOS
PENHOR MERCANTIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/17/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE A DECISÃO
Sumário: Nada na lei exige que o credor garantido pelo penhor mercantil tenha de executar esses bens para, depois, face à sua insuficiência para pagar o montante do seu crédito, impugnar judicialmente actos lesivos da sua garantia patrimonial.
(V.G.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Consigna-se que este recurso nos foi redistribuído em 09/02/2010.
Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

APELANTES/RÉS: B... E P...
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APELADA/AUTORA: CAIXA ..., S.A.
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Todos com os sinais dos autos.
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Inconformada com a sentença de 31/10/2005, dela apelaram as Rés em cujas alegações concluem:
1. Dá-se por reproduzido todo o alegado supra;
2. Tem de se reformular as respostas dadas aos quesitos 1.º, 2.º, 5.º, 6.º, 9.º, 27.º e 28.º
Quesito 1.º “provado que o acordo referido em O) teve como objectivo, por parte da 1.ª Ré impedir que a Autora viesse a penhorar e a vender os bens em causa para cobrar dívidas.”
Quesito 2.º- provado apenas o que consta da resposta dada ao quesito 1.º.
-porque nenhum das testemunhas indicadas pelo Ex.mo Senhor Juiz do Tribunal a quo referiu ter tido com a 1.ª Apelante, ou fosse com quem fosse, qualquer conversa a este respeito e a testemunha F... ter referido concretamente (cassete 1, lado A, 2157 e cassete 1, lado B 1157 a 1162) que a Apelante B... o informou, logo em 2001, de que já não era proprietária de imóveis, dizendo a testemunha que “isso tinha pouca relevância, pois se poderia ter acordado num projecto de pagamento.”
- SE da prova testemunhal nada resultou provado sobre o dolo da 1.ª Apelante, temos que analisar os restantes Factos Provados, que determinam a existência desse dolo.
- Portanto os quesitos 1.ª e 2.ª têm de ser considerados não provados.
Quesito 5.º -Provado que os bens referidos em O) eram os únicos de algum valor existentes no património da Ré.
-Ora se analisarmos o relatório pericial junto aos autos, que deu entrada no processo em 21 de Fevereiro de 2005, prova-se que, à data da doação, a 1.ª Apelante tinha outros bens, todos aqueles que tinham sido doados como penhor mercantil, e que tinham um valor suficiente para garantir o pagamento de ambos os financiamentos.
-Logo tem que se considerar não provado que os bens referidos em O) eram os únicos de algum valor existentes no património da Ré.
Quesito 6.º-Provado que a 2.ª Ré e ora 2.ª Apelante, P..., teve conhecimento do referido em E) e L).
Quesito 28.- não provado que a 2.ª Apelante desconhecia o incumprimento da sua mãe.
-a resposta dada ao quesito 6.º, e a resposta dada aos quesito 28, tem que ser modificada, porque também é uma questão de justiça que o seja.
-as três testemunhas referidas pelo Ex.mo Senhor Juiz do Tribunal a quo, onde aquele se baseou para a resposta a estes quesitos, referira textualmente que não conheciam a Apelante P...: C... (cassete 1, lado A, 264 a 268), F... (cassete 1, lado B, 1218), S... (cassete 1, lado B 1189)
-Portanto dúvidas não podem subsistir que o quesito 6.º tem que ser dado como não provado e que o quesito 28.º, tem que ser considerado provado.
Quesito 9.º- não provado que à data referida em O) a 1.ª Ré tinha todas as obrigações pontualmente cumpridas.
-A doação foi efectuada em 14 de Abril de 1999,
-O incumprimento da Apelante B... começou em Novembro 2000/Fevereiro 2001 (resposta ao quesito 3.º)
Conclusão: em 14 de Abril de 1999, as obrigações da Apelante B... para com ambos os financiamentos estavam pontualmente cumpridas.
Sob pena de contrariar a resposta ao quesito 3.º, tem que ser considerado como provado o quesito 9.º
Quesito 27.º- não provado que a 1.ª Ré estava certa de que os bens referidos em Q) garantiam perfeitamente as suas obrigações para com a autora,
- É evidente que esta situação tem que se reportar à data da doação.
-O Ex.mo Senhor Juiz do Tribunal a quo diz que na resposta a este quesito se baseou no relatório pericial.
-Ora, se o Relatório pericial refere que à data da doação, os bens tinham um valor de 67 09,22 €,
-Se até final do ano de 2000 não houve incumprimento,
-Se é a própria Apelada que na sua petição inicial, informa que o capital em dívida era de 33 021,81€ (financiamento A) mais 24 726,00 € (financiamento G), num total de 57 741€ (formulação dos quesitos 4.5.º e46ºda base instrutória) era este sem dúvida nenhuma o capital em dívida à data do incumprimento.
Portanto, à data da doação, em Abril de 1999, os bens doados como penhor mercantil, ainda valiam verba muito superior ao capital em dívida nos dois financiamentos)
Assim sendo, o quesito 27.º tem que ser considerado como provado.
3. Perante os factos provados não existe nos mesmos qualquer indício de qualquer atitude dolosa, por parte de qualquer dos Apelantes, pelo que não se encontram preenchidos os requisitos cumulativos, previstos no art.º 610 do Código Civil.
4.  E, mesmo que tal se não entendesse, sempre se teria que determinar que o património autónomo, penhor mercantil que estava afecto ao financiamento A), teria que garantir em primeira linha o pagamento deste financiamento e só se se verificasse que o mesmo não era suficiente, neste momento, para garantir esse crédito, poderia a Apelada satisfazer-se por execução dos imóveis no património da 2.ª Apelante.
5. A sentença sub iudice violou, pois, as disposições que regulam a acção de impugnação pauliana, nomeadamente os art.ºs 610.º, 611.º, 616º do Código Civil.
Termos em que se deve declarar improcedente por não provada a acção de impugnação pauliana sub iudice, ou, se assim se não entender, o que se admite por dever de patrocínio, haver uma modificação da sentença, determinando-se que a Apelada não tem o direito de executar imediatamente os seus créditos nos imóveis identificados nos autos, amas apenas, e quanto ao crédito A), se se verificar que o património do penhor mercantil que lhe está afecto não tem possibilidades de, na realidade, satisafazer esse mesmo crédito.
Em contra-alegações conclui a Apelada:
1. Verificam-se todos os pressupostos de que a lei faz depender a procedência de pedido de impugnação, tal como previsto nos art.ºs 610/a, 1.ª parte e b) e 612 do cCiv.
2. Os créditos concedidos pela recorrida à recorrente são anteriores ao acto impugnado (doação de dois imóveis a favor da filha da mutuária); a doação de tais imóveis implicou uma diminuição da garantia patrimonial do crédito da recorrida, agravando a possibilidade de ressarcimento do crédito; o acto impugnado é gratuito, pelo que é irrelevante a má fé das partes.
3. Dos quesitos cuja resposta não responde à verdade da prova produzida, no entendimento da recorrente – 1.º, 2.º, 5.º, 6.º, 9.º, 27.º e 28.º -, a maior parte são irrelevantes para a boa decisão da causa; outras sê-lo-ão em face da repartição do ónus da prova.
4. Em qualquer caso, nenhuma outra resposta poderia ser dada a qualquer dos referidos quesitos.
5. Os quesitos 1.º e 2.º referem-se aos objectivos da ora recorrente aquando da doação impugnada; ora conforme consta da alínea a) do art.º 610 só se a concessão do crédito fosse posterior à doação relevaria o dolo da recorrente em impedir a satisfação do direito do futuro credor.
6. Porém, os créditos concedidos pela recorrida à recorrente são anteriores ao acto impugnado (doação de dois imóveis a favor da filha da mutuária), alíneas A e G e N dos factos assentes.
7. Os quesitos 6.º, 9.º 27.º e 28.º respeitam à consciência do prejuízo que o acto impugnado pode causar ao credor; ora, conforme consta do art.º 612 do CCivil, sendo o acto gratuito, a impugnação procede ainda que ambas as partes, no caso de doador e donatário, procedam de boa fé.
8. Neste caso o acto impugnado é gratuito – alínea O) dos factos assentes.
9. O quesito 5.º - sobre os bens existente no património do devedor – é de prova dispensável pela autora/recorrida, cabendo, ao invés, à devedora a prova de que tinha bens no seu património suficientes para pagamento da dívida conforme previsto no art.º 611 do CCiv, prova que esta não fez.

O recurso foi inicialmente distribuído a outro Juiz Desembargador da 7.ªsecção deste Tribunal em Abril de 2006, juiz que o recebeu em 2/5/06, foi a vistos ainda em 2006, o mesmo então Relator profere em Fevereiro de 2008 despacho ordenando a ida a vistos doutro Ex.mo Juiz, que o apõe em Março de 2008, concluído de novo ao então Ex.mo Juiz Relator em Março de 2008, os autos são cobrados para junção de documento,

Questão a resolver:
a) Saber se ocorre erro de julgamento da matéria de facto contidas nas respostas dadas aos quesitos 1, 2, 5, 6, 9, 27 e 28;
b) Saber se ocorre erro de julgamento de direito na sentença recorrida ao considerar verificados os pressupostos da impugnação pauliana.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
1. Por contrato celebrado em 14 de Dezembro de 1995, a Autora concedeu à 1.ª ré um empréstimo até ao montante de 21.000.000$00 (104 747,55 €) para execução de um projecto de investimento (documento de fls. 8 a 29, cujo teor se dá por reproduzido);
2. O contrato tinha um período de vigência inicial de doze meses, podendo ser prorrogado por acordo entre as partes (B);
3. A utilização do empréstimo era feita através de pedido escrito da 1.ª Ré dirigida à A. acompanhado dos documentos justificativos das despesas efectuadas ou a efectuar e através de lançamento na conta de depósito à ordem n.º ..., aberta em nome da 1.ª R na agência de (...), dos montantes por esta última solicitados, conta que foi movimentada de acordo com o extracto de fls. 30, cujo teor se dá por reproduzido (C);
4. O empréstimo devia ser pago em 10 prestações iguais de capital, semestrais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação 18 meses após a data da assinatura do contrato, e os respectivos juros seriam pagos em prestações iguais, também semestrais e sucessivas, vencendo-se os primeiros 6 meses após a data da assinatura do contrato (D);
5. O empréstimo deixou de ser pontualmente cumprido ( E);
6. Em 7 de Julho de 1998, a A concedeu à 1.ª R um empréstimo até ao montante de 5.000.000$00 (24 939,89 €) para suprir défices de tesouraria (documento de fls. 33 a 37, cujo teor se dá por reproduzido) (G)
7. O contrato tinha um período de vigência inicial de seis meses, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos (H).
8. A utilização do empréstimo era feita através de lançamento a crédito na conta de depósito à ordem n.º ..., aberta em nome da 1.ª R na agência de (...), dos montantes por esta solicitados, conta que sofreu os movimentos constantes do extracto de fls. 38 a 40, cujo teor se dá por reproduzido (I).
9. O empréstimo seria pago em prestações iguais de capital após o termo do prazo de seis meses e os juros e comissões seriam pagos trimestralmente em prestações iguais (J).
10. O empréstimo deixou de ser pontualmente cumprido (L).
11. O referido em 5. ocorreu, pelo menos, a partir de Novembro de 2000 e o referido em 10 ocorreu pelo menos a partir de Janeiro de 2001 (3.º).
12. Desde Novembro de 2000, a 1.ª R não fez qualquer pagamento do acordo referido em 1. e desde Fevereiro de 2001, não fez qualquer Amortização do acordo referido em 6. (4.º).
13. Com referência a 6.1.2004, o valor em dívida do acordo referido em 1. é de 43 071,09 € (capital, juros e despesas) e, com referência a 13.10.2003, o valor da dívida decorrente do acordo referido em 6. é de 35 173,31 € (capital, juros e comissões e despesas) (43.º).
14.  1.ª R. era proprietária de dois prédios, um urbano e outro rústico, sitos no Casal da Torre, freguesia de S. Martinho, descritos na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob os n.ºs ... e ... inscritos na respectiva matriz sob os art.ºs ... e ... secção ..., respectivamente, conforme certidão do registo predial de fls. 44 a 48 (N).
15. Em 14 de Abril de 1999, por escritura pública lavrada no 4.ª Cartório Notarial de Lisboa, a 1.ª R doou à 2.ª r, sua filha, os referidos imóveis, conforme certidão de escritura que se junta a fls. 49 a 51 (O).
16. O acordo referido em 15. teve como objectivo, por parte da 1.ª R., impedir que a A. viesse a penhorar e a vender os bens em causa, para cobrar dívidas (1.º).
17. Os bens referidos em 15., eram os únicos de algum valor existentes no património da 1.ª R (5.º).
18. A 2.ª R. teve conhecimento do referido em 5, 10, 11 e 12 (6.º)
19. A 2.ª R é a única filha da A. (12.º).
20. Aquando do referido em 15., a 2.ª R. frequentava o 3.ºano do Curso de Arquitectura (13.º)
21. A casa referida em 15., nunca foi habitação, fosse de quem fosse, pelo menos desde que a R. o adquiriu, no ano de 1994 (18.º).
22. Porque se trata de uma construção em ruínas (19.º).
23. O prédio urbano referido em 15., insere-se numa área de protecção complementar do tipo I (20.º).
24. Quer a 1.ª R quer a sua filha sempre viveram na casa onde foram citadas e não em qualquer outra (22.º).
25. A 1.ª R é comerciante no âmbito da compra e venda de congelados, com total autonomia (24.º).
26. Ambos os financiamentos referidos na presente acção foram determinados exclusivamente pelas suas necessidades de fazer face ao desenvolvimento desse seu comércio (15.º)
27. No dia 20 de Abril de 2001, a 1.ª R foi internada no Hospital e foi sujeita no dia 23 de Abril, a cirurgia aos intestinos (32.º).
28. Em 2001, a 1.ª R conseguiu estabelecer contactos comerciais com o Hotel Vila Galé – Village Cascais (34.º)
29. Cujos negócios não foram continuados pela impossibilidade da Ré de efectuar qualquer seguro de crédito (35.º);
30. A A. comunicou ao Banco de Portugal o referido em 12. (36.º).
31. O que dificultou à 1.ª r. a possibilidade de efectuar pedido de financiamento ou seguros de crédito (37.º).
32. O seguro de crédito é fundamental para as pequenas empresas negociarem, pois as empresas não formalizam os contratos sem os devidos seguros de crédito (38.º).
33. Em 5 de Junho de 2001, no Cartório Notarial de Lisboa, foi outorgada escritura de doação nos termos da qual M... e D... doaram à 2.ª r, “sua única neta”, diversos prédios (documentos de fls. 54 a 56, cujo teor se dá por reproduzido) (P).
34. Para garantir o pagamento do acordo referido em 1, por parte da 1.ª r, foi efectuado um penhor mercantil incidente sobre os bens discriminados no documento de fls. 27, cujo teor se dá por reproduzido, que foram, então, avaliados no montante de PTE 27.821.192$00, ou seja 138 771,52 €) (Q).
35. Os bens referidos em 34 constituem equipamento de uso comercial (41.º).
36. Tendo sido objecto de desvalorização desde 1995 (42.º);
37. A 1.º R tentou renegociar os financiamentos, com outra calendarização de pagamentos, por forma a continuar a cumprir as sua responsabilidades (R)
38. Ainda não se tinha verificado o incumprimento, já a Caixa ... tinha em sua posse pedidos da 1.ª R para essa renegociação (S).
39. Mesmo depois de se verificar o incumprimento, sempre a 1.ª R tentou com os serviços da Caixa ... a renegociação (U).
40. Em todas as reuniões mantidas, a Caixa ... nunca aceitou qualquer renegociação do projecto (44.º).
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As recorrentes impugnam as respostas dadas aos quesitos 1.º, 2.º, 5.º, 6.º, 9.º, 27.º e 28.º, correspondendo as respostas dadas aos quesitos 1.º, 5.º, e 6.º aos pontos 16, 17 e 18 da fundamentação de facto supra sendo negativas as respostas dadas aos quesitos 9, 27 e 28, e a resposta ao quesito 2.º remissiva para a resposta dada ao quesito 1.º.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
São as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto salvo as questões que são de conhecimento oficioso, e aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (art.ºs 660, n.ºs 1 e 2, 288, 514, 684/3, 690/4, 713/2 do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi introduzida pelo DL 329-A/95, de 12/12, pelo DL 180/96 de 25/09 e pelo DL38/2003 de 8/3[1]).

Saber se ocorre erro de julgamento da matéria de facto contidas nas respostas dadas aos quesitos 1, 2, 5, 6, 9, 27 e 28;

O art.º 712/1 prevê a modificabilidade da decisão de facto da 1.ª instância pelo Tribunal de recurso se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de facto em causa ou se tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada nos termos do art.º 690-A (n.º 1), se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insusceptível de ser destruída por outras provas (al) b), se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou (al) c))
Posto que os depoimentos das testemunhas foram gravados (art.ºs 522-B e 522-C), constando do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão de facto, porque as recorrente deram cumprimento, na sua impugnação da decisão de facto ao disposto no art.º 690-A, está este Tribunal de recurso em condições de proceder à reapreciação das provas dentro dos parâmetros do n.º 2 do art.º 712.
Saber se a decisão de facto dever ser alterada em razão dos depoimentos prestados como entendem as recorrentes é algo que pressupondo a audição das cassetes áudio de gravação e a reapreciação das demais provas produzidas só ocorrerá em caso de erro manifesto, patente, na apreciação das mesmas como o têm entendido os Tribunais Superiores.
Alínea O) dos Factos Assentes: “Em 14 de Abril de 1999, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Lisboa, a 1.ª R doou à 2.ª r, sua filha, os referidos imóveis, conforme certidão de escritura que se junta a fls. 49 a 51.”
Pergunta-se no art.º 1 da b.i.: “O acordo descrito em O) teve como único objectivo impedir que a Autora penhorasse e vendesse os bens em causa, para cobrança do seu crédito?.
Respondeu-se: “Provado que o acordo referido em O) teve como objectivo, por parte da 1.ª Ré, impedir que a Autora viesse a vender os bens em causa, para cobrar dívidas.”
Pergunta-se no art.º 2.ª da b.i.: “Tal acordo ocorreu no momento imediatamente anterior àquele em que a 1.ª Ré constatando não ter capacidade para cumprir os contratos celebrados com a Autora tentou renegociá-los?”
Respondeu-se: Provado apenas o que consta da resposta dada ao quesito 1.º”
Pergunta-se no art.º 5.º da b.i.: “Os bens referidos em O) eram os únicos de algum valor existentes no património da 1.ª ré?”
Respondeu-se: “Provado.”
Pergunta-se no art.º 6.º da b.i.: A 2.ª Ré tinha conhecimento do referido em E), F), L) e M)?
Respondeu-se: “Provado que a 2.ª Ré teve conhecimento do referido em E), L), 3.º e 4.º
Pergunta-se no art.º 9.º da b.i. : “Á data referida em O), a 1.ª Ré tinha todas as obrigações para com ambos os financiamentos pontualmente cumpridos?”
Pergunta-se no art.º 27 da b.i.: “Estando a 1.ª Ré certa de que os bens referidos em Q) garantiam perfeitamente as suas obrigações para com a Autora?”
Pergunta-se no art.º 28 da b.i. : “A 2.ª Ré desconhecia o referido em E), F), L) e M)?”
Aos quesitos 9, 27 e 28 respondeu-se: Não Provados
Com tal decisão não se conformam as recorrentes em suma dizendo:
§ A matéria do art.º 1.º da b.i é conclusiva e desconhecem-se os factos que criaram no julgador a convicção para a prova da conclusão.
§ Nenhuma das três testemunhas indicadas na motivação (C..., F... e I...) referiu ter tido qualquer conversa com a doadora a respeito de tal matéria, à data da doação em 14 de Abril de 1999 a Apelante B... tinha todas as suas responsabilidades para com a Autora cumpridas e em 2001 informou a Autora de já não era proprietária dos imóveis, não havendo nenhum outro quesito ou documento que nos possa elucidar sobre qualquer comportamento doloso da Apelante B... a respostas aos quesitos 1 e 2 deveria ser de “Não Provados”.
§ A matéria de facto do quesito 5.º deveria ter recebido a decisão de “Não provada”, porquanto as testemunhas acima indicadas e que motivaram tal resposta nada sabiam a esse respeito e que do Relatório pericial resulta que esses bens com valor inicial de 138 790,24 € valiam 67 098,22 € à data da doação e 40 106,10 € actualmente.
§ A matéria dos quesitos 6.º e 28.ºdev ser alterada no sentido contrário dando-se como provado o quesito 28 e não provado o 6.º porque nenhuma das testemunhas conhece a co-ré Patrícia apenas conhecendo a Ré B...
§ A resposta ao quesito 9.º deve ser alterada para “provado” porquanto está provado da resposta dada ao quesito 3.ºque os incumprimentos começaram em Novembro de 2000, Fevereiro de 2001 e a doação dos prédios feita pela 1.ª à 2.ª Rés ocorreu por escritura de 1999.
§ Tem de ser considerada provada a matéria de facto do art.º 27 da b.i. porquanto resulta do Relatório pericial que à data da doação em 1999, os bens dados de penhor mercantil ainda valiam € 67 098,22 valor acima do que veio a estar em dívida a partir de Novembro de 2000, Fevereiro de 2001, já que da petição inicial resulta que o capital em dívida à data da instauração da acção era de 33 021,81 (Acordo A) e 24 726,00 (Acordo G), num total de 57 747,61.
Na motivação dada às respostas aos quesitos 1 e 6 o Tribunal louvou-se efectivamente nos depoimentos das testemunhas C..., F... e S.... Citando Eurico Lopes Cardoso e Lebre de Freitas, sustentou o Meritíssimo Juiz do Tribunal recorrido que “nem toda a prova se consegue de forma directa. É difícil surpreender – directamente – o conluio entre o doador e o donatário para prejudicar o credor. A escritura de doação ostenta quase sempre apenas a face visível do negócio. Todavia o cotejo da escritura com outros elementos, devidamente mediados pelo juiz, permite chegar ao intuito subjacente ao negócio realizado. Entre esses elementos contam-se o preço por que foi transaccionado o imóvel, a condição sócio-económica de ambos os sujeitos intervenientes no negócio, a conjuntura pessoal e económica que atravessam, o parentesco entre os interlocutores comerciais (…) na posse de tais elementos e com recurso a regras de experiência, pode o juiz inferir outro facto que será o facto sob julgamento (cfr, art.º 351 do Código Civil). Ora, a 1.ª ré tentou renegociar os contratos ainda antes de entrar em incumprimento, sempre viveu na companhia da 2.ª Ré, sua filha, e esta, aquando da doação, ainda estava no 3.º ano do curso de arquitectura, sem prospectivas reais de “constituir a sua casa”. Nesse contexto a conduta da 1.ª ré só é explicável nos termos da resposta dada ao quesito 1.º”
Não há dúvida de que o Tribunal recorrido se socorreu de presunções judiciais, alicerçado no art.º 351.
Interessará em primeira linha saber o que as testemunhas disseram:
Foi ouvido o suporte áudio.
A testemunha C..., funcionária da C.G.D que acompanhou o relacionamento da 1.ª Ré com a Autora desde 1995 até 1999, na óptica da concessão dos empréstimos e sua execução até1999 entre o mais disse: “(…)Foram tidos em conta vários factores entre eles a análise das contas da empresa, o projecto que ía ser desenvolvido e o património da empresa e dos seus fiadores(…) foi apresentado património de valor considerável constituído por bens na zona de Sintra (…) havia também penhor de bens de equipamento (…) na minha informação de Junho de 1999, havia no nosso sistema uma prestação em dívida, que pode ter sido regularizada(…) em Junho de 1999 estava em dívida essa prestação(…) neste projecto do Procon é parca a intervenção de capitais próprios no investimento (…) o projecto de 1998 foi aprovado por valor inferior ao valor que tinha sido solicitado pela Ré por se considerar que era demasiado elevado face ao relacionamento à data (…) o Procon é um financiamento a médio/longo prazo com libertação de verbas, o investimento vai sendo realizado, os montantes eram libertos mediante a apresentação de documentos que comprovavam o investimento(…) o projecto tinha que ser dado como concluído no prazo de 3 anos após o seu início, ou seja o de 1995 tinha que ser dado como concluído em 1998 (…) só tenho conhecimento através do processo da doação dos pais da 1.ª Ré à neta e da 1.ª à 2.ª Ré (…) sei que entrou em incumprimento de não pagamento da prestação em data posterior a 1999 (…) Vi a 1.ª ré várias vezes na região onde trabalha, região da consta do sol e nas nossas instalações reunida com colegas da C.G.D. (…) saí da região da Costa do Sol em 2003 e o colega que fazia acompanhamento saiu e o incumprimento  é anterior a isso (…) à data da concessão do financiamento, os bens de equipamento do penhor cumpriam com o valor: balanças, arcas frigoríficas e entre 1995 e 2000 desvalorizaram bastante e eram bens utilizados na actividade corrente da Ré e em 4/5 anos estão totalmente amortizados (…) se ao fim de um mês se mantiver o incumprimento é feita automaticamente uma comunicação ao Banco de Portugal e se for entretanto regularizado o pagamento no mês seguinte já não consta o incumprimento (…) do primeiro empréstimo tenho aqui de capital 33 021,81 €, juros normais 1 427,72 € e mora 7 123,20 €, sobretaxa 5 958,98 €, impostos 580, 786 € num total de 48 122, 21 € à data de ontem, e do outro empréstimo 24 726,00 € de capital, 3 562,27 € de juros, 11 071,00 € de mora, sobretaxa de 3 867,59 €, impostos 752,62 € num total de 44 088,98 €(…). A contra-instância da ilustre advogada das Rés ainda esclareceu. “(…) Para além do penhor mercantil de bens de equipamento e lojas, com base na livrança em branco subscrita pela 1.ª Ré, estava todo o património das intervenientes (…) coimo tenho formação na área de organização e gestão de empresas é com base nesses conhecimentos técnicos que eu afirmo que os bens que constituem o penhor mercantil desvalorizaram, existem tabelas para esse tipo de equipamento (…) à data em que fiz a informação em   Junho de 1999 existia já um incumprimento que não estava regularizado (…).
No tocante ao depoimento da testemunha F... que desempenhou as suas funções de subgerente da agência da Autora em (...) entre Setembro de 1995 a Abril de 1999, assumindo as suas funções de gerente da mesma agência a partir de Junho de 2000, resulta claro que a mesma conheceu a 1.ª Ré mas não conheceu a 2.ª Ré tal como a precedente testemunha C... e entre o mais disse: “(…)Conheço a 1.ª Ré como cliente desde essa altura (…) O segundo empréstimo surgiu para pagar grande parte das prestações do Procon (…) quando há falta de pagamento de  um mês é obrigação do Banco a de comunicar esse incumprimento ao Banco Central e quando cheguei à agência já existia esse incumprimento dos dois empréstimos, havia incumprimento das prestações , não havia resolução contratual quando chegou às minhas mãos enquanto o incumprimento se cingiu aos juros não foi grave, mas quando surge o incumprimento do capital tornou-se mais sério (…) houve uma série de promessa feitas da cliente mas que não foram cumpridas, o tempo foi passando mas não houve condições para uma renegociação, já que não houve pagamento (…) como subgerente conheci bem a D. B... e a ideia de que havia património imobiliário para o qual a senhora tinha um projecto, houve conversas em 2000 com a Ré que dizia que tinha património (…) a D. B... transmitiu depois a informação de que já não era a proprietária dos imóveis (…) O Banco quando concedeu o empréstimo estava numa situação mais confortável do que aquela que se veio a verificar depois.
Em contra-instância da ilustre advogada das Rés esclareceu, ainda, a testemunha: “(…)Não sei se havia um penhor mercantil de valor muito superior aos do empréstimo Procom mas é normal que assim fosse (…) não sei se houve ou não bens imóveis dados como garantia do empréstimo Procon, só o penhor mercantil e a livrança (…) Julgo que não conheci a 2.ª Ré P... (…) não sei se a comunicação do incumprimento pela Autora ao Banco Portugal tornou mais difícil a renegociação da dívida, mas é perfeitamente natural e acontece com qualquer cliente que incumpra e são regras do sistema para que não haja ouro banco a conceder-lhe crédito. No entanto, há bancos que estão dispostos a correr um risco maior e fazem-se pagar por isso.(…)”
Também a testemunha S... que desempenhou as suas funções de subgerente da agência da Autora na C.G.D. entre Novembro de 1998 e Outubro de 2000, na área de crédito, no seu depoimento demonstrou nada saber em concreto relativamente às doações dos autos. Entre o mais esclareceu: “(…)A 1.ª Ré tinha um financiamento ao Procom em 1995 e o 2.º financiamento de abertura de crédito em conta corrente em 1998. As garantias do Procom eram o penhor do equipamento e a fiança dos pais da D. B... e no 2.º uma livrança assinada em branco. Se os bens que garantiram o primeiro financiamento viessem a garantir o segundo financiamento teria que haver formalização desse contrato que não ocorreu. Sabíamos que havia bens em nome de B... e dos pais dela, bens imóveis, conforme informações fornecidas pelos clientes e depois confirmadas pela Caixa. Os empréstimos são concedidos também com base em bens que possuam os clientes. Em Novembro de 1998 tomei conhecimento dos empréstimos acompanhei normalmente o processo e naquele momento o processo estava a correr, houve prestações que caíram e foram imediatamente pagas então em 1999. A conta-corrente é um crédito que pode ser amortizado comos e fosse uma conta à ordem. Em 1999 havia vencimento de juros e não havia dinheiro tanto de uma operação com o de outra para fazer face aos pagamentos. Em 1999, na conta corrente por volta de Janeiro iniciou algum atraso, Maio e Dezembro de 1999 foi pago com atraso de 2 meses, seguiu por 2001 e são coisas que já não acompanhei. No Procom em Julho de 1999 houve atraso de um mês em Dezembro e foram alguns dias. Não tive conhecimento de que a D. B... se viu livre dos imóveis. Neste momento a dívida que eu aqui tenho não inclui as moras todas de 80 e tal mil contos(…)”.  A contra-instância da ilustre mandatara das Rés ainda esclareceu: “(…) A C.G.D. confirma a declaração dos mutuantes relativas ao seu património normalmente solicitando informações certidões prediais; nesta caso não sei se foi feita a confirmação. A D. B... tentou renegociar a dívida e não houve propostas com garantias reais e não houve outro tipo de propostas no tempo em que eu lá estive e depois não sei (…)”
Nenhuma destas testemunhas conheceu pessoalmente a 2.ª Ré P..., sequer teve qualquer intervenção nas escrituras de doação e uma vez que a decisão de facto relativamente ao quesito 6.º se baseou conforme motivação de fls. 366/369 exclusivamente nos depoimentos dessas testemunhas com nelas é absolutamente impossível concluir que a 2.ª Ré teve conhecimento dos incumprimentos dos dois contratos de empréstimo; mas realce-se que nenhuma prova a esse respeito resulta dos depoimentos quer no sentido de que a 2.ª Ré teve conhecimento ou que não teve conhecimento, desconhece-se pura e simplesmente tal. Daí que a resposta correcta aos quesitos 6.º (ónus da Autora) e 28 (ónus da Ré), a dúvida sobre a realidade de qualquer desses factos resolve-se contra cada uma delas.
Destarte a resposta ao quesito 6.º deve ser. “Não provado” e deve manter-se a resposta ao quesito 28 de “Não provado”.
Relativamente ao quesito 9.º pois resulta abundantemente que o incumprimento pontual de um dos dois empréstimos mais concretamente o da abertura de crédito em conta corrente (alínea G) deixou de ser pontualmente cumprido em Janeiro de 1999 por isso em data anterior à da doação de 14/04/1999 (alínea O) e em relação ao outro empréstimo de 1995 (Aliena A) ocorreu atraso no cumprimento das prestações em Maio e em Dezembro de 1999 razões pelas quais à pergunta contida no quesito 9.º a única resposta possível foi aquela que foi dada ou seja a de “Não provado”.
Relativamente aos quesito 5.º e 27, aquele primeiro sobre a existência de bens de “algum valor” no património da 2.ª Ré e o quesito 27 sobre a convicção da 1.ª Ré relativamente à suficiência do valor dos bens dados de penhor mercantil pela 1.ª Ré para garantir as obrigações decorrentes do empréstimo de 1995 vulgo Procom.
A resposta ao quesito 5.º baseou-se nos depoimentos das testemunhas acima referidas.
Vejamos.
Para garantir o pagamento das obrigações resultantes do empréstimo a si concedido pela Autora em 14/12/1995, a 1.ª Ré constituiu a favor da Autora o penhor mercantil sobre os bens de equipamento constantes da relação anexa ao contrato (Cl. 16.ª, alínea A), obrigando-se a conserva-los e a restitui-los ou o seu valor (n.º 1), penhor esse sem prazo (n.º 2), podendo a 1.ª ré utilizá-los no local onde esse encontram e para o respectivo fim (n.º 3), obrigando-se a participar à Autora todo o acontecimento que modifique perturbe o domínio e posse dos bens dados em penhor (n.º 4), sendo conferido à Autora o direito de exercer fiscalização sobre a existência e estado de sua conservação (n.º 5), declarando a 1.ª ré que tais bens são da sua exclusiva e plena propriedade livres de ónus reservas ou limitação (n.º 6) e seguros (n.º 7). Os bens são os descritos a fls. 27 entre eles se contando congeladores, câmaras frigoríficas, balanças, computador, impressora etc no valor total de 27. 821.192$00 ou 138 771,52 €, moeda actual.
Também se sabe e resulta das respostas dadas aos quesitos 41 e 42 que esses bens constituem bens de equipamento de uso comercial e que foram objecto de desvalorização desde 1995 e que na motivação da resposta dada ao quesito 42 realça a prova pericial realizada.
A perícia foi realizada em 3/02/2005. Os bens dados de penhor valiam em 1999 metade do seu valor de aquisição como novos ou seja €67 098,22 e em 2005, data da peritagem já só valiam 30% do valor de aquisição como novos, ou seja 40 106,10 €. Conclui-se daqui que os bens dados de penhor mercantil são bens sujeitos a rápida desvalorização e que provavelmente hoje, 2010 não terão valor comercial algum, valor de venda que é o que releva para garantia do crédito. Em contra partida os prédios doados pelas escritura de Abril de 1999 sob os art.ºs 809 e 810 da Conservatória do Registo Predial respectiva, um deles é um prédio urbano com valor de 30 300,00 € e o outro um prédio rústico com o valor de 27 500,00€. O prédio urbano é constituído por uma construção que originalmente tinha dois pisos e que fica encaixada entre outras duas uma delas habitada e a outra em ruínas, com área de implantação de 36 m2 e logradouro de 505 m2 sendo que o terreno não tem capacidade urbanística, podendo ter outra aptidão que não apenas como terreno agrícola. Não obstante as limitações referidas na vistoria, é facto notório que os prédios rústicos e urbanos constituem investimento seguro muito embora sujeito a crises conjunturais da economia que determinam a oferta e a procura desses mesmos bens. Não podia pois a 1.ª Ré estar convicta de que os bens de equipamento das suas lojas seriam de valor sempre suficiente para cobrir as consequências do seu incumprimento dos empréstimos.
Mantêm-se assim as respostas dadas aos quesitos 5.º e 27.º
Relativamente aos quesito 1.º e 2.º. O quesito 1.ºcorresponde ao alegado no art.º 16: “O acordo descrito em O) teve como único objectivo impedir que a Autora penhorasse e vendesse os bens em causa, para cobrança do seu crédito?.”
Ora, nenhuma das testemunhas referidas na motivação da resposta ao quesito em causa conhecia a 2.ª Ré, tão só a 1.ª e por razões puramente comerciais as que tinham a ver com as relações comerciais entre o Banco Autor e a 1.ª Ré cliente daquela. Diz a Autora apelada que para a convicção do julgador na resposta dada ao quesito contribuíram ainda as respostas dadas aos quesitos 13 a 21, 23 e 40.
Assim temos os seguintes factos também dados como provados pelo Tribunal recorrido:
§ Aquando do referido em 15., a 2.ª R. frequentava o 3.ºano do Curso de Arquitectura (13.º)
A matéria dos quesitos 14 a 17 e 40 foi considerada não provada e a matéria do quesito 23 apenas resultou provado a matéria dada como provada ao quesito 32 que tem a ver com o internamento da 1.ª Ré em Abril de 2001 e subsequente sujeição da mesma a cirurgia aos intestinos. A matéria dos quesitos 14 a 17 têm a ver com as motivações invocadas pelas Rés para a doação em causa: estando a 2.ª ré a estudar arquitectura pediu à sua mãe que lhe doasse a propriedade que a 2.ª ré aproveitaria para aí futuramente construir a sua casa actividade essa que seria um incentivo ao seu início da actividade ao que a 1.ª ré anuiu. A matéria do quesito 40 tem a ver com as motivações da doação feita pelos avós à sua única neta, aqui 2.ª Ré ou seja a doença da 1.ª Ré e a idade avançada dos doadores, que também quedou improvada. Da resposta de “Não provado” dada a um quesito nada se pode inferir ou retirar, é como se não tivesse sequer sido alegada e por isso mesmo irreleva.
De igual modo irreleva para aferir das intenções dos doador e donatária a circunstância de a casa objecto da doação de 14/04/1999 nunca ter sido habitação de quem quer que fosse desde 1994 data da sua aquisição por se tratar de uma construção em ruínas por se inserir numa área de protecção complementar tipo I (respostas positivas dadas aos quesitos 18,19, 20).
O que interessaria era o depoimento de testemunhas que conhecendo a 1:ª e 2.ª Rés soubessem efectivamente das intenções eventualmente ocultas na doação em causa e sobre tal as testemunhas em que o Tribunal se estribou nada esclareceram por não conhecerem sequer a 2.ª Ré.
Diz-se na motivação que há que atender ao preço porque foi transaccionada o imóvel, a condição sócio-económica de ambos os intervenientes no negócio, a circunstância de a 2.ª ré ter sempre vivido na companhia da 2.ª Ré, sua filha e esta estar então a estudar arquitectura no 3.º ano e sem perspectivas reais de constituir a sua casa.
Ora trata-se de uma doação de dois imóveis a que a doadora atribuiu o valor de 1.000.000$00 feita pela quota disponível e com dispensa de colação à sua única filha aqui 2.ª Ré.
Este valor não é nenhum preço que a 2.ª Ré tivesse pago ou obrigação de pagar pois de contrário não seria uma doação e não há dúvidas algumas que se trata de uma doação que é um negócio gratuito sem qualquer contraprestação do donatário que se limita a aceitar a doação assim se aperfeiçoando o contrato de doação. Repare-se que os valores patrimoniais dos imóveis em causa, são bastante inferiores. Daí que da avaliação feita pelo doador relativamente ao valor desses imóveis, que tem apenas repercussões fiscais, nada se possa retirar ou concluir.
E não se vê de que provas retira o Tribunal recorrido a conclusão de que a 2.ª Ré arquitecta não tem “perspectivas reais de constituir a sua habitação” nos imóveis em causa já que nenhum das testemunhas por si referidas na motivação o diz. Por outro lado a circunstância de a 1.ª Ré, ainda antes de ter entrado em incumprimento, ter tentado a renegociação dos seus empréstimos com outra calendarização de pagamentos por forma a continuar a cumprir as suas responsabilidades (alínea S) não é índice seguro de que toda a sua actuação posterior tenha tido por objectivo o de impedir que a Autora viesse a penhorar e a vender os bens objecto da mencionada doação.
Não existe assim matéria de facto dada como provada pelo Tribunal recorrido que suporte a ilação nos termos dos art.ºs 349 e 351 do cCiv que a doação em causa teve como único objectivo impedir a Autora de vir a obter efectivo pagamento dos seus créditos.
Destarte entende-se que o Tribunal recorrido fez uso incorrecto dos seus poderes constantes dos art.ºs 349 e 351 do CCiv ao dar como provada a matéria de facto constante do quesito 1. cujo resposta correcta deve ser a de “Não provado”
Relativamente à matéria do quesito 2., ou seja a questão de saber se a doação de 14/04/1999 ocorreu no momento imediatamente anterior àquele em que a 1.ª Ré constatando não ter capacidade para cumprir os contratos celebrados com a Autora tenta a renegociação (pontos R) e S) da especificação) não havendo elementos seguros para o determinar deverá ser a de “Não provado”.
Saber se ocorre erro de julgamento de direito na sentença recorrida ao considerar verificados os pressupostos da impugnação pauliana
O Tribunal entendeu que estão verificados os pressupostos da impugnação pauliana cuja procedência determinou porquanto:
§ O crédito da Autora entendido como crédito constituído independentemente de estar ou não vencido é anterior à doação;
§ É irrelevante a circunstância de a 1.ª Ré ter deixado de cumprir pontualmente os dois contratos a partir de Novembro de 2000 e Janeiro de 2001.
§ A doação dos 2 imóveis gera a impossibilidade para a Autora obter a satisfação integral do seu crédito e o agravamento dessa impossibilidade, na medida em que:
§  não se exige a excussão prévia do património do devedor, porque os bens dados em penhor para garantia do mútuo valiam em 1999 67 098,22 € e nessa data só o capital em dívida era de 62 848 (6X 2.100.000$00)  e o da conta corrente de 24 758,05, ou seja o passivo da 1.ª Ré perante a Autora excedia à data da doação em pelo menos 20 507,83 o valor dos bens dados em penhor sendo certo que tais bens são de uso comercial e desvalorizaram-se, em 1997, a solvabilidade dos pais fiadores não impede a impugnação;
§ Não se exige o requisito da má fé por ser o acto gratuito.
§ Num quadro de incumprimento contratual não estava a Autora adstrita a aceitar qualquer negociação mormente a partir do momento em que a 1.ª Ré começa a alienar o seu património, sendo que tal renegociação só colhia num quadro de reforço das garantias que a 1.ª Ré não realizou, pelo contrário diminuiu.
§ Ao comunicar o incumprimento contratual da Ré ao Banco Central a Autora cumpriu a sua obrigação decorrente dos art.ºs 1, 3/1 e 5 da Instrução n.º 16/2001 que regulamentou o DL 26/96 de 11/4, pelo que a consequente dificuldade sentida pela 1.ª Ré em efectuar pedido de financiamento ou seguros de crédito (pontos 30 a 32 da fundamentação de facto), e incumprimento contratual subsequente, só à 1.ª Ré é imputável.
Entendem as recorrentes que se não verifica qualquer actuação dolosa por parte das Apelantes, não se encontram reunidos os pressupostos do art.º 610 do CCiv, o penhor mercantil teria que garantir em primeira linha esse financiamento e só se se verificasse que o mesmo não era suficiente neste momento para garantir o crédito poderia a Autora satisfazer-se por execução dos imóveis no património da 2.ª Ré., não se encontrando reunidos os pressupostos dos art.ºs 610, 611, 616 do CCiv.
Apreciando:
Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora (art.º 601 do CCiv), podendo as partes convencionar fora de matéria subtraída à disponibilidade das mesmas a limitação da responsabilidade a alguns dos seus bem, no caso de incumprimento (art.º 602 do CCiv).
Os credores têm legitimidade para invocar a nulidade dos actos praticados pelo devedor quer estes sejam anteriores quer posteriores à constituição do crédito desde que tenham interesse na declaração de nulidade, não sendo necessário que o acto produza ou agrave a insolvência do devedor (art.º 605/1 do CCiv).
Os acto que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor se o crédito for anterior ao acto ou sendo posterior ao acto este tiver sido realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor (610/a) e resultar do acto a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade (art.º 610/b do CCiv).
O acto oneroso só está sujeito à impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé e se o acto for gratuito a impugnação procede ainda que um e outro agissem de boa fé (art.º 612 do CCiv)
Não obsta ao exercício da impugnação o facto de o direito do credor não ser ainda exigível (art.º 614/1 do CCiv).
Não obsta à impugnação a nulidade do acto realizado pelo devedor (art.º 615/1 do CCiv), o cumprimento de obrigação vencida não está sujeito a impugnação mas é impugnável o cumprimento tanto de obrigação ainda não exigível como de obrigação natural (art.º 615/2 do CCiv)
Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, pode executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação de garantia patrimonial autorizados por lei (art.º 616/1 do CCiv).
*
No corpo das suas alegações e com reflexo nas conclusões as recorrentes defendem que a doação foi efectuada em início de 1999 mais de um ano e meio antes de se verificar qualquer incumprimento dos empréstimos.
Já vimos até da transcrição parcial dos depoimentos das testemunhas que suportam a decisão de facto quanto aos incumprimentos que nenhum dos empréstimos foi pontualmente cumprido (alíneas E) e L)] e que tal falta de cumprimento pontual se verificou ainda em 1999 (Janeiro de 1999 uma prestação da conta corrente e Maio e Dezembro de 1999 em relação ao primeiro empréstimo Procom); também resulta assente que, pelo menos a partir de Novembro de 2000 em relação ao primeiro empréstimo (data a partir da qual a 1.ª Ré não fez qualquer pagamento em relação a esse empréstimo) e Fevereiro de 2001 em relação ao 2.º empréstimo (data a partir da qual a 1.ª Ré não fez qualquer amortização do acordo do 2.º empréstimo de 7/7/1998) (cfr. respostas aos quesitos 3 e 4). Ou seja, sendo inquestionável que em Novembro de 2000 a 1.ª Ré deixou de pagar o primeiro empréstimo e que em Fevereiro de 2001 deixou de pagar o segundo dos empréstimos, já em 1999 e naquelas datas que as testemunhas acima referidas e com depoimentos parcialmente transcritos mencionaram, ocorrera falta de pagamento pontual de prestações falta essa posteriormente corrigida, mas que não prejudica a conclusão de que houvera já incumprimento pontual, temporário embora.
A razão de ser da anterioridade do crédito em relação ao acto a impugnar radica da circunstância de os credores só poderem contar com os bens que existam efectivamente no património do devedor à data da constituição da dívida e com os que nele entrem depois. O que releva pois é a data da constituição do crédito e não a da sua exigibilidade, pois resulta claro do art.º 614 do CCiv.[2]
Neste sentido também a Jurisprudência do mais alto Tribunal conforme acórdãos disponíveis no sítio www.dgsi.pt e que a seguir se sumariam a parcialmente transcrevem:
Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 03B1579 
 
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: QUIRINO SOARES
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
PARTILHA
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Nº do Documento: SJ200306050015797
Data do Acordão: 05-06-2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4925/02
Data: 03-10-2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
 
Meio Processual: REVISTA.
 
Sumário : 
 
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
(…)
A questão da anterioridade do crédito
A acção pauliana (610º, CC) forma, com (1) a legitimidade do credor para invocar a nulidade dos actos praticados pelo devedor (605º, CC), (2) a sub-rogação do credor ao devedor no exercício de direitos de conteúdo patrimonial contra terceiros (606º, CC), e (3) o arresto (619º, CC), o conjunto dos meios que a ordem jurídica pôs à disposição do credor para a defesa e conservação da garantia do seu direito, que é o património, susceptível de penhora, do devedor (601º, CC).
A acção pauliana permite ao credor reagir contra actos jurídicos praticados pelo seu devedor que diminuam o activo ou aumentem o passivo do património deste, facultando-lhe, verificados determinados pressupostos, a possibilidade de executar os bens alienados no património do terceiro adquirente.
Um dos requisitos gerais da pauliana é a anterioridade do crédito relativamente ao acto impugnável (610º, a, CC), que é a óbvia consequência de que a garantia patrimonial do crédito só poderá ser, em princípio, o conjunto dos bens penhoráveis existentes na esfera jurídica do devedor, no momento em que o crédito se constitui.
Sob pena de intolerável instabilidade da vida de relação, só com esses é que o credor pode e deve contar.
A anterioridade é, no entanto, dispensada se o acto impugnando foi realizado com a consciente finalidade de impedir a satisfação do direito do futuro credor (610º, a, parte final).
O alegado crédito do autor emerge do aval aposto pelo réu B, já, então, divorciado, numa livrança subscrita em branco, para garantia pessoal de pagamento das responsabilidades decorrentes, para a sociedade subscritora, de um contrato de abertura de crédito em conta - corrente realizado na mesma data.
A livrança foi dada à execução contra o avalista e este não deduziu oposição, pelo que, quanto a ele, a dívida se consolidou, nos precisos contornos do título.
Só que aquele efeito de caso julgado não abarca os aqui restantes réus, que e porque são estranhos à acção executiva.
E, assim sendo, não está o banco autor dispensado, aqui, do ónus de provar o crédito e sua fonte, bem como o dito requisito da anterioridade, entendido este no sentido amplo atrás explanado, que compreende a ideia da fraude preordenada (a dita parte final da alínea a), do artº. 610º).
O problema, como se disse, não está na existência do crédito, que não é discutida, mas na sua anterioridade relativamente aos actos impugnados.
A livrança foi subscrita e avalizada em branco, para garantia do pagamento das responsabilidades decorrentes do contrato de abertura de crédito realizado entre o banco autor e a sociedade subscritora do título.
Os recorrentes entendem, e bem, que a data aposta pelo banco no título não é decisiva para a demonstração da anterioridade do crédito, uma vez que a livrança não chegou a sair do círculo das relações imediatas, sendo-lhes, por isso, lícito opor as excepções relativas à relação subjacente, por inaplicabilidade, em tal circunstância, do regime de inoponibilidade previsto nos artº. 17º e 77º, LULL (3).
E o contrato de abertura de crédito, ao contrário do mútuo ou empréstimo bancário, é um negócio que se perfaz pela mera emissão das declarações de vontade dos outorgantes, sem necessidade da prática anterior ou simultânea de um certo acto material (cfr., quanto ao mútuo, o artº. 1142º, CC).
No contrato de abertura de crédito, a obrigação do banco é, simplesmente, a de manter à disposição do cliente, pelo tempo combinado, os fundos que lhe prometeu, e a correspectiva obrigação do cliente (aquela que sinalagmaticamente corresponde àquela obrigação do banco) é, apenas, a de pagar a comissão de reserva (que é o que, na economia do negócio, contrabalança a imobilização de capital que a abertura de crédito implica para o banco).
Sendo assim, embora indiscutida a dívida, nada impedia a discussão sobre o momento em que ela se constituiu, isto é, sobre a data em que foram colocados à ordem da subscritora da livrança, de uma só vez ou por tranches, os fundos prometidos no contrato de abertura de crédito, e, desse modo, se apurar se o crédito do banco é, ou não, anterior aos actos impugnados.
(…)
*
Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 03B3854 
 
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: BETTENCOURT DE FARIA
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
REQUISITOS
GARANTIA DO PAGAMENTO
SOLIDARIEDADE
 
Nº do Documento: SJ200401220038542
Data do Acordão: 22-01-2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 3959/02
Data: 18-03-2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
 
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
 
Sumário : I - A anterioridade do crédito para efeitos da alínea a) do artigo 610º do Código Civil afere-se pela data da sua constituição e não pela data do seu vencimento.
(…)
1 Da anterioridade do crédito
O artº 610º alínea a) do C. Civil exige que o crédito que fundamenta a impugnação pauliana seja anterior ao acto impugnado, quando não se põe a questão da prática dolosa deste último.
O crédito deve, pois, preexistir ao acto a impugnar. Esta prévia existência não é sinónimo de crédito vencido. Basta que na esfera jurídica do respectivo devedor tenha passado a haver a obrigação de prestar. No AC do STJ de 24.10.02 - Sumários 2002 320 - refere-se que o artº 610º não alude ao vencimento do crédito. E o mesmo se afirma no AC do STJ de 12.12.02 - id. 382 -, quando se diz que a anterioridade do crédito afere-se pela data da sua constituição e não pela data do seu vencimento.
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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 06B3277 
 
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: BETTENCOURT DE FARIA
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
REQUISITOS
 
Nº do Documento: SJ200703080032772
Data do Acordão: 08-03-2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
 
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
 
Sumário :
I – A questão da conservação da garantia geral dos créditos que é o património do devedor, põe-se desde que aqueles se constituiram e não apenas aquando do seu vencimento. Por isso, a impugnação pauliana pode ser interposta, desde essa constituição. II - Mesmo que à data em que os créditos se constituiram não fizessem parte do património do devedor determinados bens, podem estes ser objecto da acção pauliana, dado que também eles respondem pela satisfação daqueles.
 
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
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1 O instituto da impugnação pauliana visa acautelar a garantia geral dos créditos que é o património do devedor. Por isso, o credor tem interesse na manutenção de tal património. Ora, o problema da diminuição desta garantia não se coloca apenas no momento do incumprimento, mas desde que a obrigação se constituiu. Embora esta ainda não seja exigível, o esgotamento dos bens que a garantem, põe, desde logo, em causa a sua futura satisfação. A impugnação pauliana não é apenas um meio de tornar eficaz a execução do crédito, mas antes um meio de conservação da respectiva garantia patrimonial.
No Ac. deste STJ de 12.12.02 – Sumários 2002 382 - , ao tratar-se da questão da anterioridade do crédito em relação ao acto impugnado, conforme é exigido pelo artº 610º al. a) do C. Civil, consigna-se que essa anterioridade afere-se pela data da sua constituição e não pela data do vencimento.
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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 07A4034 
 
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: AZEVEDO RAMOS
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
ANTERIORIDADE DO CRÉDITO
CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO
VENCIMENTO
PLURALIDADE DE CRÉDITOS
LIVRANÇA
 
Nº do Documento: SJ20071213040346
Data do Acordão: 13-12-2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
 
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
 
Sumário :
I – O crédito resultante da assinatura de uma livrança constitui-se na data da respectiva emissão e não na do vencimento desta .
II – Se o credor dispuser de vários créditos que pretenda acautelar, por via da impugnação pauliana, basta provar os montantes e anterioridade de alguns deles relativamente ao acto que deseja ver anulado, e não todos eles .
III – Não é necessário que o crédito já se encontre vencido para que o credor possa reagir contra os actos de impugnação da garantia patrimonial anteriores ao vencimento, contanto que a constituição do crédito seja anterior ao acto . 
(…)
Além de que não é necessário que o crédito já se encontre vencido para que o credor possa reagir contra os actos de impugnação da garantia patrimonial anteriores ao vencimento, contanto que a constituição do crédito seja anterior ao acto ( Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 5ª ed., pág. 448, nota 1) .
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A Autora provou o seu crédito, a anterioridade do mesmo em relação ao acto de doação pelo que não tem o ónus de alegar e provar que a doação foi feita com o fim de impedir a satisfação do seu crédito que já existia não era futuro (art.º 610/a, 2.ª parte, “ a contrariu sensu”).
Outro dos requisitos da impugnação pauliana é o de que do acto impugnado resulte para o credor a impossibilidade de satisfação integral do crédito ou agravamento dessa impossibilidade (art.º 610/b do CCiv).
O legislador resolveu a questão da distribuição do ónus de prova neste tipo de acções determinado que o credor tem de provar o montante das dívidas e o devedor tem de provar que possui bens penhoráveis de igual ou maior valor (art.º 611 do CCiv)
Defendem as recorrentes que a circunstância de existir penhor mercantil a garantir o primeiro dos empréstimos impede o exercício da impugnação pauliana.
Como se diz em bem na sentença recorrida não é necessário que o credor proceda à excussão do património dos fiadores para que possa exercer legitimamente a impugnação judicial; do mesmo modo, nada na lei exige que o credor garantido pelo penhor mercantil tenha de executar esses bens para depois e face à sua insuficiência, impugnar judicialmente actos lesivos da sua garantia patrimonial; por outro lado, da cláusula 16.ª da 1.º contrato de empréstimo e no concernente à garantia do penhor mercantil não resulta que esses bens constituem a única garantia para cumprimento das respectivas obrigações contratuais sendo que a interpretação das recorrentes não colhe no texto convencionado a mínima correspondência verbal (art.ºs 236 e 238 do CCiv). Assim sendo, por força dos art.ºs 601 e 610 do CCiv todo o património existente à data da constituição dos créditos, seja 1995 e 1998, incluindo, por isso os imóveis que em Abril de 1999 a 1.ª Ré devedora veio a doar à sua filha, respondem pelo cumprimento dos empréstimos, incluindo aquele também garantido com o penhor mercantil. E nessa medida para conservação da mesma garantia patrimonial o credor pignoratício não está obrigado a executar o penhor mercantil para só depois e face a essa insuficiência vir a exercer uma acção de impugnação judicial que é, ela própria, uma acção de conservação da garantia patrimonial.
Defendem ainda os recorrentes que o valor do capital em dívida à data da acção é de 57 747,81 €, sem sombra de dúvida esse o valor à data do incumprimento em 2000 e 2001 pelo que valendo os bens à data da doação 67 098,22 é mais que suficiente para cobrir a dívida.
Em sede de distribuição do ónus da prova, como acima se disse e resulta do art.º 611 do CCiv, tendo a Autora cumprido o seu ónus de alegação e prova quanto ao seu crédito, quanto à verificação posterior da doação da 1.ª à 2.ª ré para a qual não é necessária a verificação do requisito de má fé que está reservada para os actos onerosos, recai sobre as Rés a alegação e prova de que possuem bens de valor igual ou superior ao montante das dívidas.
É esse o entendimento também do mais alto Tribunal como resulta de arestos disponíveis no aludido sítio informático cujo sumário e parcial texto se transcrevem:
Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 02B1480 
 
Nº Convencional: JSTJ00002022
Relator: DIOGO FERNANDES
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
DOLO
 
Nº do Documento: SJ200209190014807
Data do Acordão: 19-09-2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1258/01
Data: 20-12-2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
 
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR OBG.
Legislação Nacional: CCIV66 ART610 A B ART611.
Jurisprudência Nacional: AC STJ PROC241/01 DE 2001/10/11.
 
Sumário : I. O dolo, para efeitos de impugnação pauliana, supõe um erro que é induzido ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro com a intenção ou consciência de enganar, querendo fazer-se crer ao credor que os bens ainda existem no seu património do devedor à data em que foi constituído o crédito.
II. Nesse caso, para não reconhecer a fraude, importa considerar, em relação ao credor, como existentes ainda no património do devedor os bens alienados, ou seja, atribuir-lhe o direito à impugnação pauliana, como faz a lei.
III. Existe actuação dolosa não só quando o agente tem a intenção ou propósito de causar prejuízo ao credor, mas também quando aceita reflexamente esse efeito, sabendo que tal resultado constituirá uma consequência necessária e inevitável do efeito imediato da sua conduta.
IV. Relativamente aos créditos anteriores ao acto impugnado, compete aos réus, nos termos do preceituado no art. 611º do C. Civil. demonstrar que possuíam bens penhoráveis de valor igual ou superior aos débitos.
(…)
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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 02B3652 
 
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARAÚJO DE BARROS
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
ÓNUS DA PROVA
AVAL
 
Nº do Documento: SJ200212050036527
Data do Acordão: 05-12-2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 2017/01
Data: 24-01-2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
 
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR OBG / DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CCIV66 ART342 N2 ART518 ART519 ART610 A B ART611 ART638.
Jurisprudência Nacional: AC STJ PROC507/98 2SEC DE 1998/07/09.
AC STJ PROC710 1SEC DE 1997/01/14.
AC STJ DE 1992/05/28 IN BMJ N417 PAG630.
AC STJ DE 1998/11/10 IN BMJ N481 PAG449.
 
Sumário : I - Face ao disposto na alínea b) do art. 610º do C. Civil - que aboliu a expressão "insolvência do devedor", utilizada pelo Código de Seabra - quis o legislador significar que a simples impossibilidade prática de o credor obter a satisfação do crédito deve justificar o exercício da impugnação pauliana.
II - Neste tipo de acções ao credor incumbe provar o montante do passivo e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto provar que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.
(…)
Assim, para poderem obstar à procedência da acção- com base naquela causa impeditiva (art. 432º, nº 2, do C.Civil) - teriam os réus que alegar, em concreto, em ordem a poderem prová-los, factos que permitissem demonstrar que a condevedora "E" era detentora de activo patrimonial suficiente para solver a dívida da recorrida, melhor dizendo, que esta tinha o seu crédito patrimonialmente garantido.
(…)
O que temos provado?
À data da constituição do crédito o valor dos bens dados de penhor era de 27 821 192$00 ou 138 771, 52 € (alínea Q) dos factos assentes); tais bens têm sido objecto de desvalorização desde 1995 em termos tais que em 1999 valiam 67 098, 22 € e em 2005, data da avaliação dos senhores peritos 40 106,10, € o que corresponde a uma desvalorização de 50% em 1999, valendo apenas 30% do seu valor inicial em 2005.
Com referência a 6.1.2004, o valor em dívida do acordo referido em 1. é de 43 071,09 € (capital, juros e despesas) e, com referência a 13.10.2003, o valor da dívida decorrente do acordo referido em 6. é de 35 173,31 € (capital, juros e comissões e despesas) (43.º). Ou seja, um total de 78 244, 40 €
Ainda que a dívida global da 1.ª Ré para com a Autora em 1999 fosse inferior ao valor efectivo dos bens dados de penhor nessa data, ou seja um valor inferior a 67 098, 22 € o que não está minimamente demonstrado, sempre se dirá que resultam absolutamente certas e comprovadas duas realidades:
§ O valor da dívida aumentou entre 1999 e 2004;
§ O valor dos bens dados de penhor para garantia de um dos empréstimos diminuiu.
§ À data da propositura da presente acção não está minimamente demonstrado que o valor dos bens dados de penhor fosse igual ou superior ao valor da dívida total (78 244, 40 €) ou da dívida resultante do empréstimo garantido com o penhor (43 071,09 €).
Donde a conclusão inevitável de que as Rés não conseguiram cumprir o seu ónus de alegação e prova (art.º 342/2 do CCiv) quanto à igualdade ou superioridade de bens livres e disponíveis para cumprir as obrigações da 1.ª Ré para com a Autora e decorrentes dos empréstimos em causa.
IV- DECISÃO
Tudo visto acordam os juízes em:
a) julgar parcialmente procedente o recurso no tocante à impugnação da decisão de facto contida nas respostas dadas aos quesitos 1, 2, 6 como de III decorre.
b) Julgar, improcedente a apelação pelas razões constantes de III e confirmar a decisão recorrida.
Regime de Responsabilidade por Custas: As Custas são da responsabilidade das Rés que decaem e porque decaem (art. 446, n.ºs 1 e 2)
Lxa., 17/06/2010
João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Ondina Carmo Alves

[1] A acção foi distribuída em 08/3/2004, por isso antes da entrada em vigor do DL 303/07 de 24/08, que alterou o Código de Processo Civil que entrou em vigor, conforme art.º 12/1, no dia 1/1/08 e não se aplica aos processos pendentes por força do art.º 11/1 do mesmo diploma; ao Código de Processo Civil na mencionada redacção anterior à que lhe foi dada pelo DL 303/07, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
[2] Cfr. entre outros Luiz Menezes Leitão, Direito das Obrigações, , vol. III, 2.ª edição, Almedina, pág. 291 e Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição, 2006, Almedina, págs. 860/861.