Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RUI VOUGA | ||
Descritores: | EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA SUSPENSÃO DOENÇA EXECUTADO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/14/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I – As suspensões precárias decididas pelo agente de execução, tanto nas hipóteses do nº 2 como na hipótese do nº 3 do cit. art. 930º-B, terão uma duração mínima de 10 dias e poderão ser posteriormente apreciadas e confirmadas (ou não) pelo juiz, a requerimento do detentor do imóvel ou de outra pessoa que se encontre no local: cfr. o nº 4 do mesmo preceito. II - A doença crónica do ocupante de uma casa, mesmo que possa pôr em risco a vida do doente por uma sua ansiedade agudizante, não é justificativa da sustação da execução de um mandado de despejo, por a lei só prever a situação de risco de vida relacionada com uma doença aguda desse ocupante. Um tal entendimento permanece válido e actual, à face do novel art. 930º-B, nº 3, do CPC. F.G. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, na Secção Cível da Relação de LISBOA: A, inconformado com a decisão que, na Execução para entrega de coisa certa por ele instaurada contra M tendo por objecto a fracção autónoma habitada pela Executada, determinou que, em face dos elementos dos autos, os autos aguardassem por mais seis meses, a fim de ser novamente avaliada a situação, interpôs recurso da mesma, que foi recebido como de agravo, para subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, tendo rematado as alegações que apresentou com as seguintes conclusões: “1. Em sequência à junção pela executada dos atestados médicos que suspenderam a diligência de restituição do imóvel previamente agendada e visam a suspensão da execução foi deduzida oposição do exequente que consta referenciada supra, em Alegações . 2. Tendo sido determinada pelo Juiz da causa a realização de exames médicos porque assim o entendeu necessário em face dos elementos, que dos autos constam, exclusivamente para o efeito de se apurar a verdadeira situação clínica da executada e sua filha pois que, alegado estava, o risco de vida para a executada e sua filha. 3. Das perícias médicas realizadas a ambas, está relatado que, quanto à filha da executada , “ não é provável que a diligência de restituição da fracção coloque em risco a vida da examinanda” ( fls. 152). 4. Quanto à executada, já não existe qualquer referência a anterior alegada patologia referida supra, nas Alegações ponto 44 e seguintes, pelo que, ou não mostrou credibilidade ou já não se mostra actual, estando de todo afastada, sendo que actualmente se verifica que, tendo sido operada em Abril de 2007 por neoplasia dos ovários, teve alta, e está a fazer quimioterapia. 5. Em face dos quais, relatórios, se mostra suficientemente esclarecida a situação clínica de ambas, para os efeitos em questão, avaliados por médico especializado e por via dos quais se concluiu por um lado, não existir perigo de vida para a executada e sua filha e por outro que nenhuma delas padece de doença crónica. 6. E esclarecido ficou também que o que acontece é que mesmo em relação à executada, esta sofre doença e patologia do foro cancerígeno , “ carcinomatose” e “ neoplasia” que designam tumores, e se mostra recentemente operada, teve alta e mantém tratamento em curso, de quimioterapia, pelo que será então uma situação crónica, não aguda, sendo que a existir risco para a vida dela, o mesmo não está na diligência de restituição da fracção. 7. E mesmo quanto à sugestão de reavaliação sugerida pelo perito, a mesma há-de ser interpretada à luz do protocolo de cautelas do médico : doença crónica com tratamento ambulatório deve ser reavaliada posteriormente, sempre atendendo à finalidade clínica e à óptica médica, mas que não impõe ao Juiz a adopção da mesma necessidade ou de se lhe submeter cegamente, nem significa que importe tal sugestão para a sua decisão judicial, pois antes deve atender e valorar tendo presente a finalidade do processo executivo e a especialidade de regime que resulta das normas que lhe são aplicáveis. 8. São abordagens e ópticas de análise e decisão completamente diferentes sendo que o Relatório não pode ser lido só na sua sugestão final, pois que não constitui essa sugestão uma directiva ou comando a que o Tribunal deva acatamento, sem mais. 9. E a reavaliação clínica que o médico pretende fazer é isso mesmo: uma reavaliação do estado da paciente ( que teve alta) e não uma reavaliação do perigo para a vida da examinada pois esse ficou esclarecido e no próprio relatório, que diz : quanto à filha da executada, não é provável que a diligência de restituição da fracção coloque em risco a vida da examinanda ; e quanto à executada, reitera-se, a fls 159 dos autos, se formaliza que a diligência em curso não se afigura como constituindo por si só risco de vida para a examinada. 10. Pois que o que se exige ao M.mo Juiz “ a quo “ era julgar se a diligência requerida e deferida anteriormente de restituição da fracção ao exequente coloca, ou não em risco de vida a executada e sua filha. 11. Portanto, existem elementos inequívocos para habilitar a decidir e tal decisão, e, perante a Lei aplicável, deveria ter sido a do imediato prosseguimento dos autos e da execução e não outra. 12. Porque é a própria Lei que condiciona à verificação cumulativa de vários requisitos e designadamente o que, tendo sido omitido, determinou a violação do disposto no normativo contido, entre outros, nos n. 3 e 4 do artigo 930º-B do C.P.C. . 13. segundo a qual, norma, para a suspensão da execução de restituição, ou a sua prorrogação e o despacho na prática produz exactamente o mesmo efeito, se deverão verificar vários requisitos um dos quais é que a pessoa que se encontra na casa a desocupar sofra de doença aguda; que essa doença ponha em risco a sua vida, no caso de ter de mudar de residência e se estabeleça um prazo de suspensão para acudir à doença aguda. 14. Certo de que, se não existe perigo de vida pela restituição da fracção, então não se pode confundir e perturbar com a inconveniência (e inconvenientes) pela mudança de habitação em que actualmente as senhoras residem. 15. Pelo que, no caso vertente, com o devido respeito, após a junção dos relatórios médicos aos autos, antes o juiz da causa deveria ter proferido decisão a ordenar o prosseguimento dos autos o que, tendo sido omitido, determinou a violação do disposto no normativo contido, entre outros, nos números três e quatro do artigo 930º-B, do C.P.C., “ ex-vi” do disposto no nº 6 do artigo 930º do C.P.C. e ainda o disposto no numero 5 do mesmo artigo 930º-B. 16. Em vez do despacho pelo qual ordena “ aguardem os autos por mais seis meses, a fim de ser novamente avaliada a situação “. 17. Sendo que, na prática, ao abrigo da decisão proferida que antecede, protela-se o normal andamento dos autos, a execução não prossegue, as referidas ocupantes da fracção não serão mudadas de residência e com isso inviabiliza completamente a pretensão do exequente, anteriormente julgada e transitada . 18. E assim negando o objectivo que da Lei decorre, que é a entrega de coisa certa, tendo por base a sentença condenatória transitada e que condenou a executada a proceder à entrega da coisa imóvel, a fracção autónoma que a mesma habita sem qualquer título, que a executada nunca cumpriu . 19. Encontrando-se o Tribunal já inteirado do estado de saúde da executada e sua filha, o deferir a pretensão da executada e o não prosseguimento das diligências de restituição da fracção ao exequente traduz-se no adiar indefinido da execução para entrega de cosia certa, com um prejuízo intolerável dos direitos do ora exequente que se vê privado da efectivação do direito a ser restituído da fracção consoante sentença anterior que o decretou e sem que dela a executada tenha sequer interposto recurso, tendo recusado sempre a entrega de modo ilícito e por tal motivo teve origem a presente execução nos termos do, entre outros, numero um do artigo 930º do C.P.C. . 20. Também não pode a executada ser mantida na posse da fracção sem causa legítima, indefinidamente, lesando os legítimos interesses e expectativas do exequente que mantém o direito a uma decisão judicial em tempo útil. 21. Pelo que neste aspecto a decisão recorrida, viola o disposto, entre outros, nos número um e dois do artigo 2º, do C.P.C.. 22. Inexistindo motivos legais que permitam prorrogar a descrita situação, obstando ao imediato prosseguimento da execução e diligência de restituição da fracção ao exequente, que , com a decisão proferida não se mostram respeitados e observados os direitos do exequente pois que a doença da executada pode demorar meses, anos, toda a vida sendo que, que ao abrigo e em consequência da decisão agravada, a execução não pode avançar nem prosseguir o seu objectivo, o da restituição da fracção e obtenção de justiça em tempo útil, inexistindo motivos legais para se impor mais este sacrifício dos interesses do exequente. 23. Sendo de ordenar o prosseguimento imediato da execução, devendo mandar prosseguir os autos, ou na pior hipótese e considerando o requerimento do exequente de fls. 174 a 177, que é oferecido em momento anterior à notificação dos relatórios, mas que não foi retirado, eventualmente, e considerando também o tempo de vida que já leva este incidente, ser aceite a posição do exequente ali contida de aceitar suspensão por determinado período entre 90 e 120 dias, aquele que foi requerido pela executada em 19/2/07, e que aguardava ainda decisão dado que não havia sido proferido nessa data despacho de suspensão ou outro. 24. A não ter sido aceite, a decisão do Tribunal “ a quo” apenas poderia, com cabimento legal , no caso concreto ordenar a imediata prossecução dos autos Por tudo o referido, a decisão agravada fez errada interpretação do regime constante das concretas normas referidas, supra, e encontrou uma solução encontrada injusta e desadequada no caso em apreço. Pelo que, por violação das normas referidas deverá a mesma sentença ser revogada e substituída por outra que ordene a imediata prossecução dos autos. Termos em que V.Exas., concedendo provimento ao recurso e ao revogar a recorrida decisão, nos termos e prosseguimento dos ulteriores termos, farão a habitual JUSTIÇA !” A parte contrária contra-alegou, pugnando pela improcedência do aludido agravo e pela consequente manutenção da decisão recorrida. O Exmº Sr. Juiz do tribunal recorrido proferiu despacho de sustentação, no qual manteve inalterado o despacho objecto do presente recurso de agravo. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. A DECISÃO RECORRIDA O despacho que constitui objecto do presente recurso de agravo é do seguinte teor : “Em conformidade com o Relatório Médico, aguardem os autos por mais seis meses, a fim de ser novamente avaliada a situação”. O OBJECTO DO RECURSO Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2]. Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2). No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo ora Agravante que o objecto do presente recurso de agravo está circunscrito a uma única questão: 1) Se, numa execução para entrega de coisa certa, quando a diligência de investidura do exequente na posse do imóvel em questão tiver ficado suspensa, em face da exibição ao solicitador de execução de dois atestados médicos (nos quais se declara que a Executada sofre de doença aguda – hipertensão arterial e cardiopatia hipertensiva e crises de taquicardia, em estudo, situação que implica um período não inferior a 90 dias para tratamento e controle de doença -, sendo que a mudança de domicílio a ela imposta põe em risco a sua vida, e que a filha da Executada, com ela residente no mesmo local, sofre de depressão arrastada e grave, sob terapêutica médica, sendo necessário um período mínimo de 90 a 120 dias de tratamento, não podendo a doente abandonar o seu domicílio uma vez que poderá por-se em risco a sua vida) e, na sequência disso, a Executada vier requerer a confirmação da suspensão com fundamento nos aludidos atestados médicos - alegando risco para a sua vida e para a da sua filha -, em face do que o tribunal ordene a realização dum Exame pericial, pelo Instituto de Medicina Legal, à Executada e à sua filha, caso, nos relatórios médicos de tal exame, se concluir que, quanto à filha da Executada, “não é provável que a diligência de restituição da fracção coloque em risco a vida da examinada” e, quanto à Executada, que ela sofre de doença e patologia do foro cancerígeno, carcinomatose e neoplasia, e foi recentemente operada, tendo tido alta e mantendo tratamento em curso, de quimioterapia, deve ser ordenada, sem mais, a imediata prossecução dos autos, visto a doença de que sofre a Executada constituir uma situação crónica, não aguda, sendo que, a existir risco para a vida da Executada, o mesmo não resulta da diligência de restituição do imóvel onde ela habita. FACTOS PROVADOS Mostram-se provados os seguintes factos, com relevância para o julgamento do mérito do agravo: 1) O ora Agravante instaurou contra a aqui Agravada Execução para entrega de coisa certa, tendo por objecto uma fracção autónoma habitada pela Executada e por uma filha desta. 2) No decurso da diligência tendente à investidura do exequente na posse do imóvel em questão, foram exibidos ao solicitador de execução dois atestados médicos, nos quais se declara que a Executada sofre de doença aguda – hipertensão arterial e cardiopatia hipertensiva e crises de taquicardia, em estudo, situação que implica um período não inferior a 90 dias para tratamento e controle de doença -, sendo que a mudança de domicílio a ela imposta põe em risco a sua vida, e que a filha da Executada, com ela residente no mesmo local, sofre de depressão arrastada e grave, sob terapêutica médica, sendo necessário um período mínimo de 90 a 120 dias de tratamento, não podendo a doente abandonar o seu domicílio uma vez que poderá por-se em risco a sua vida. 3) Em face do que o solicitador de execução suspendeu imediatamente a diligência, nos termos dos arts. 930º e 930º-B do Código de Processo Civil. 4) Posteriormente, a Executada requereu a confirmação da suspensão da execução, nos termos dos artigos 930º, nº 6, 1ª parte, e 930º-B, nºs 3 e 4, ambos do Código de Processo Civil, por um período entre 90 e 120 dias, invocando para tanto a situação de doença dela própria e da sua filha descrita nos mencionados atestados médicos. 5) Por despacho datado de 12/3/2007, o juiz “a quo” determinou a realização de exame médico à Executada e à sua filha. 6) O relatório do exame médico levado a cabo na pessoa da filha da Executada, em 10/7/2007, conclui que: “De acordo com os elementos clínicos disponibilizados e o exame efectuado, não é provável que a diligência de restituição da fracção coloque em risco a vida da examinanda”; 7) O relatório do exame médico levado a cabo na pessoa da Executada, em 10/7/2007, conclui que: “A examinanda deverá ser reavaliada dentro de um prazo não inferior a 6 meses, devendo na altura ser-nos presente pelo tribunal a informação clínica abaixo solicitada: 1. Cópia legível da ficha de consulta de oncologia do Hospital S. Francisco Xavier desde Abril de 2007; 2. Relatório Clínico confidencial do Serviço de Oncologia do Hospital S. Francisco Xavier, referindo-se ao diagnóstico, tratamento e prognóstico da examinanda”. 8) Isto porque: “A examinanda tem 61 anos de idade e é portadora de patologia neoplásica, recentemente operada e com tratamento de quimioterapia em curso. Tal, conjugado com o exame efectuado, embora não se nos afigure constituir por si só risco de vida face à diligência em curso, torna desaconselhável qualquer alteração que contribua para a desestabilização psíquica (como parece ser o caso), com evidente prejuízo no resultado dos referidos tratamentos. Assim, sugerimos que seja reavaliada dentro de um prazo não inferior a 6 meses. ”. 9) Em face do teor dos relatórios dos aludidos exames médicos, o tribunal “a quo” proferiu um despacho do seguinte teor: “Em conformidade com o Relatório Médico, aguardem os autos por mais seis meses, a fim de ser novamente avaliada a situação.” O MÉRITO DO AGRAVO 1) Se, numa execução para entrega de coisa certa, quando a diligência de investidura do exequente na posse do imóvel em questão tiver ficado suspensa, em face da exibição ao solicitador de execução de dois atestados médicos (nos quais se declara que a Executada sofre de doença aguda – hipertensão arterial e cardiopatia hipertensiva e crises de taquicardia, em estudo, situação que implica um período não inferior a 90 dias para tratamento e controle de doença -, sendo que a mudança de domicílio a ela imposta põe em risco a sua vida, e que a filha da Executada, com ela residente no mesmo local, sofre de depressão arrastada e grave, sob terapêutica médica, sendo necessário um período mínimo de 90 a 120 dias de tratamento, não podendo a doente abandonar o seu domicílio uma vez que poderá por-se em risco a sua vida) e, na sequência disso, a Executada vier requerer a confirmação da suspensão com fundamento nos aludidos atestados médicos - alegando risco para a sua vida e para a da sua filha -, em face do que o tribunal ordene a realização dum Exame pericial à Executada e à sua filha, caso, nos relatórios médicos de tais exames, se concluir que, quanto à filha da Executada, “não é provável que a diligência de restituição da fracção coloque em risco a vida da examinada” e, quanto à Executada, que ela sofre de doença e patologia do foro cancerígeno, carcinomatose e neoplasia, e foi recentemente operada, tendo tido alta e mantendo tratamento em curso, de quimioterapia, deve ser ordenada, sem mais, a imediata prossecução dos autos, visto a doença de que sofre a Executada constituir uma situação crónica, não aguda, sendo que, a existir risco para a vida da Executada, o mesmo não resulta da diligência de restituição do imóvel onde ela habita. No decurso da tramitação normal duma execução para entrega de coisa certa, caso a execução se destine à entrega da casa de habitação principal do executado, tornar-se-á aplicável o disposto no artigo 61º do Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro: assim o determinava o nº 1 do art. 930º-A do CPC (na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro). «Daí dever sobrestar-se na entrega da casa, se esta puser em risco, por razões de doença aguda, a vida da pessoa que nela se encontre, desde que tal se demonstre por atestado médico, que deve de modo fundamentado indicar o prazo durante o qual se deve sustar a entrega»[5]. Actualmente, na sequência da publicação e entrada em vigor da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro (e das alterações por ela introduzidas na tramitação da execução para entrega de coisa certa), prevê-se, no nº 3 do art. 930º-B do CPC, uma hipótese específica de suspensão precária da execução decidida pelo agente de execução, que corresponde ao disposto no hoje revogado art. 61º do R.A.U.. Esta suspensão vale apenas para arrendamentos habitacionais e justifica-se unicamente por razões de doença aguda do arrendatário, ou de outra pessoa que se encontre no local arrendado. De todo o modo, o agente de execução só poderá suspender as diligências executórias mediante a apresentação de atestado médico no qual se declare que o imediato despejo do imóvel constitui risco de vida para a pessoa que se encontra nesse local, devendo também indicar um prazo de suspensão adequado à situação concreta. Foi justamente o que ocorreu na hipótese dos autos, em que, no decurso da diligência tendente à investidura do Exequente ora Agravante na posse do imóvel em questão, foram exibidos ao solicitador de execução dois atestados médicos, nos quais se declara que a Executada sofre de doença aguda – hipertensão arterial e cardiopatia hipertensiva e crises de taquicardia, em estudo, situação que implica um período não inferior a 90 dias para tratamento e controle de doença -, sendo que a mudança de domicílio a ela imposta põe em risco a sua vida, e que a filha da Executada, com ela residente no mesmo local, sofre de depressão arrastada e grave, sob terapêutica médica, sendo necessário um período mínimo de 90 a 120 dias de tratamento, não podendo a doente abandonar o seu domicílio uma vez que poderá por-se em risco a sua vida. Num cenário como o verificado no caso dos autos, «a execução ficará, assim, suspensa pelo prazo que for indicado no atestado médico»[6]. «O exequente pode, todavia, manifestar-se contra essa suspensão, requerendo ao tribunal que autorize o exame do doente por dois médicos, que serão nomeados pelo juiz (podendo ser indicados pelo exequente)»[7]. De qualquer modo, as suspensões precárias decididas pelo agente de execução, tanto nas hipóteses do nº 2 como na hipótese do nº 3 do cit. art. 930º-B, terão uma duração mínima de 10 dias e poderão ser posteriormente apreciadas e confirmadas (ou não) pelo juiz, a requerimento do detentor do imóvel ou de outra pessoa que se encontre no local: cfr. o nº 4 do mesmo preceito. Os interessados na confirmação da suspensão têm, assim, o prazo de 10 dias para requererem judicialmente essa confirmação, devendo o juiz decidir, no prazo de 15 dias, se a suspensão deve ser mantida ou se a execução do despejo deve prosseguir: cfr. o nº 5 do mesmo art. 930º-B. De todo o modo – ao contrário do que sucedia na vigência da anterior redacção do nº 1 do art. 930º-A do CPC (a que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de MARÇO), em que o mero facto de a execução se destinar à entrega da casa de habitação principal do executado era suficiente para tornar aplicável o cit. art. 61º do R.A.U. e, por esta via, possibilitar a suspensão da investidura do exequente na posse do imóvel se se mostrasse, por atestado médico, que a diligência punha em risco de vida, por razões de doença aguda, a pessoa que se encontrasse no local, actualmente, em face do novíssimo nº 3 do cit. art. 930º-B (aditado pela cit. Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro), a suspensão das diligências executórias motivada por razões de doença aguda do arrendatário, ou de outra pessoa que se encontre no local arrendado, apenas tem cabimento no caso de arrendamentos habitacionais. Ora, no caso dos autos, a fracção autónoma que constitui o objecto da presente execução para entrega de coisa certa não é, nem foi, objecto de nenhum arrendamento (habitacional ou não). De facto, o título executivo no qual se baseia a presente execução é constituído pela sentença homologatória da partilha a que se procedeu no inventário para separação de meações em que foram partes o Exequente ora agravante e a Executada aqui Agravada. A ora Executada/Agravada jamais foi arrendatária (habitacional ou não) do aqui Exequente/Agravante. A fracção autónoma que constitui o objecto desta execução para entrega de coisa certa integrava o acervo dos bens comuns do dissolvido casal formado pelo exequente e pela executada, tendo sido adjudicada, no inventário para separação de meações a que se procedeu após o divórcio entre ambos, ao aqui exequente/Agravante. Tanto bastava para que, no quadro da presente execução para entrega de coisa certa, nunca pudesse ter lugar a suspensão das diligências executórias motivada por razões de doença aguda da executada, ou de outra pessoa que se encontrasse no local, ex vi do cit. nº 3 do cit. art. 930º-B (aditado pela cit. Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro). Ainda, porém, que assim não fosse, sempre o juiz da execução deveria recusar a confirmação da suspensão das diligências executórias requerida pela ora Executada/Agravada. Efectivamente, só razões de doença aguda do executado (ou de qualquer outra pessoa presente no local) podem ditar a confirmação da suspensão precária da marcha da execução decidida pelo agente de execução. Ora, no caso dos autos, temos que: a) O relatório do exame médico levado a cabo na pessoa da filha da Executada, em 10/7/2007, concluiu pela improbabilidade de a diligência de restituição da fracção colocar em risco a vida da examinanda; b) Quanto à Executada, o relatório do exame médico efectuado na pessoa da mesma, em 10/7/2007, não confirmou que ela padecesse de nenhuma daquelas doenças aludidas no atestado médico oportunamente exibido ao solicitador de execução (hipertensão arterial e cardiopatia hipertensiva e crises de taquicardia) e, alegadamente, susceptíveis de pôr em perigo a vida da doente, caso esta tivesse de abandonar o seu domicílio, apenas fazendo menção à circunstância de a examinanda padecer doutra doença (patologia neoplásica), à qual fora recentemente operada e com tratamento de quimioterapia em curso. Ora, a patologia neoplásica não constitui, seguramente, uma doença aguda, nos termos e para os efeitos do cit. art. 930º-B, nº 3, do CPC. Na vigência do (hoje revogado) art. 61º do R.A.U. aprovado pelo DL nº 321-B/90, de 15 de Outubro, consolidou-se, tanto na doutrina como na jurisprudência, o entendimento segundo o qual, para haver lugar à suspensão da execução do despejo por motivo de doença aguda do arrendatário, «não basta um estado de doença crónica, capaz de adiar indefinidamente a execução do mandado, com prejuízo intolerável do direito do requerente»[8]. De facto, a expressão legal “doença aguda” deve ser entendida no sentido comum de doença ou situação grave, agudizada ou de crise que, pelo despejo – acto executório sempre violento ou violentador – possa pôr em risco a vida das pessoas[9]. Consequentemente, «a doença crónica do ocupante de uma casa, mesmo que possa pôr em risco a vida do doente por uma sua ansiedade agudizante, não é justificativa da sustação da execução de um mandado de despejo, por a lei só prever a situação de risco de vida relacionada com uma doença aguda desse ocupante»[10]. Um tal entendimento permanece válido e actual, à face do novel art. 930º-B, nº 3, do CPC. Ora, é facto notório que a patologia neoplásica constitui uma doença crónica. Como assim, nunca o tribunal “a quo” poderia confirmar a suspensão das diligências executórias requerida pela ora Executada/Agravada, com fundamento na circunstância de a ora Executada/Agravada padecer de patologia neoplásica. À luz de quanto precede, logo se tem de concluir que o despacho objecto do presente recurso de agravo não pode subsistir, impondo-se a sua substituição por outro que ordene o imediato prosseguimento da execução e da diligência de investidura do Exequente/Agravante na posse da fracção autónoma em questão. DECISÃO Acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao presente recurso de Agravo, revogando a decisão recorrida e determinando a sua substituição, no tribunal de 1ª instância, por outro despacho que ordene o imediato prosseguimento da execução e da diligência de investidura do Exequente/Agravante na posse da fracção autónoma em questão. Custas do agravo a cargo da ora Agravada (art. 446º, nºs 1 e 2, do CPC). Lisboa, 14 de Outubro de 2008 Rui Torres Vouga (relator) Maria do Rosário Barbosa (1º Adjunto) Maria do Rosário Gonçalves (2º Adjunto) _________________________________________ [1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363. [2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279). [3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso). [4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299). [5] FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA in “Curso de Processo de Execução”, 7ª ed., 2004, p. 381. [6] MARIA OLINDA GARCIA in “A Acção Executiva para entrega de imóvel arrendado”, 2ª ed., 2008, p. 96. [7] MARIA OLINDA GARCIA, ibidem. [8] PIRES DE LIMA-ANTUNES VARELA in “Código Civil Anotado”, Vol. II, 4ª ed, 1997, p. 590. [9] Cfr., neste sentido, ARAGÃO SEIA in “Arrendamento Urbano Anotado e Comentado”, 5ª ed., 2000, p. 345 e o Ac. desta Relação de 20/2/1980 (in Col. Jur., 1980, tomo 1, p. 257). [10] Ac. desta Relação de 29/6/1982 in Col. Jur., 1982, tomo 3, p. 133. |