Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3050/2006-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: PROTECÇÃO DA CRIANÇA
MAIORIDADE
DEVER DE INFORMAR
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I- Face ao disposto nos termos conjugados das alíneas d) e a), respectivamente, dos artigos 63.º,n.º,alínea d) e 5.º, alínea a) da Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro (Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo) não se impõe ao jovem que atinja a maioridade o ónus de requerer, antes de a atingir, a continuação da medida de protecção de que beneficia.
II- Aliás, revestindo tais processos a natureza de processos de jurisdição voluntária (artigo 100.º da Lei nº 147/99), não estando, por isso, o tribunal sujeito a critérios de legalidade estrita e considerando o disposto no artigo 4.º, alínea a) da mesma lei, que consigna o princípio fundamental da obediência ao interesse superior da criança e do jovem, retirar-lhe, por tal razão, a possibilidade de concluir com êxito a sua formação profissional, não se afigura a decisão mais conveniente e oportuna (artigo 1410.º do Código de Processo Civil)
III- Por último impunha-se respeitar escrupulosamente o direito do jovem ser pessoalmente informado processualmente, face ao disposto na alínea h) do artigo 4.º da LPCJP, ou seja, deveria o jovem ser advertido, a seguir-se o referido entendimento, que se não acompanha, de que cessaria a medida de protecção de que beneficiava caso não requeresse a continuação da intervenção judicial antes de perfazer 18 anos de idade

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ( 7ª Secção ).

I – RELATÓRIO.

Nos presentes autos de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo veio o Ministério Público, a fls. 102, apresentar a seguinte promoção :

“ João[…] atingiu a maioridade no passado dia 27/11.

Porém, do teor do requerimento de fls. 351 resulta que João[…] se mantém inserido no agregado familiar dos tios e presumimos que esta situação ainda se vai prolongar por mais algum tempo.

Ora, como resulta das disposições conjugadas dos artsº 62º, nº 3, alínea c) e 63º, nº 1, alínea d), da LPP, a medida aplicada, como qualquer outra, é susceptível de se manter até que o jovem atinja os 21 anos se este assim o solicitar.

Em face do exposto, promovo se notifique João […] para, em prazo a designar, vir aos autos esclarecer se pretende a continuação da medida “.

Veio, entretanto, João […] requerer que “ a medida aplicada se prolongue até à idade dos 21 anos, visto estar a tirar um curso de formação profissional e não auferir nenhum rendimento “ ( cf. fls. 103 ).

Foi proferido, então, o despacho de fls. 104 a 105, nos seguintes termos :

“ Conforme se alcança da certidão de assento de nascimento de João […] junta a fls. 6 do processo principal de tutela, o mesmo nasceu em 23 de Novembro de 1987, pelo que perfez 18 anos de idade no passado dia 23 de Novembro de 2005.

Decorre de fls. 354 que o jovem João […] apenas a 9 de Dezembro de 2005 deu entrada do requerimento a solicitar a continuação da intervenção judicial no âmbito da presente causa.

Resulta do artigo 5º, alínea a), do LPCJP, que a continuação da intervenção judicial no âmbito da promoção e protecção tem que ser solicitada pelo jovem interessado “ antes de atingir os 18 anos “.

Por outro lado, não resulta de qualquer normativo que o jovem deva ser expressamente notificado para efectivar tal solicitação.

Não obstante, quando tal ainda possa ser exercido tempestivamente, nada obsta a que o Tribunal defira a essa notificação, com vista a eventual continuação.

Sucede que, no caso concreto, tal não se verifica pois mesmo na data da douta promoção de fls. 352 o João […] já perfizera os 18 anos de idade há treze dias.

Nesta conformidade, decidimos declarar cessada a intervenção judicial no âmbito desta causa no que respeita ao João […], com a consequente cessação da medida que lhe foi aplicada neste processo, nos termos do disposto no art.º 63º, nº 1, alínea d) da LPCJP, devendo oportunamente arquivar-se os autos quanto ao João […]. “.
 
É deste despacho que vem interposto recurso pelo Ministério Público, que foi admitido como de agravo ( fls. 117 )

Foi proferido despacho de sustentação conforme fls. 114.

Apresentadas as competentes alegações a fls. 2 a 10, formulou o agravante as seguintes conclusões :

1- Ao determinar a cessação da medida e o arquivamento dos autos, alegando  que à data da promoção do M°P° o jovem já perfizera os 18 anos há 13 dias, com fundamento em que a continuação da intervenção judicial, no âmbito da promoção e protecção, tem que ser solicitada pelo jovem interessado antes de atingir os 18 anos e que não resulta de qualquer outro normativo que o jovem deva ser expressamente notificado para efectivar tal solicitação, o Mm° Juiz a quo efectuou, por forma flagrante, uma errada interpretação e aplicação dos dispositivos legais relevantes sobre a matéria.

2 – É que resulta dos autos que o acolhimento de João […] no agregado familiar de sua tia, evitou o encaminhamento para uma instituição e permitiu travar um percurso do menor que já vinha sendo caracterizado de "desviante".

3 – Resulta também dos autos que, a fim de que pudessem fazer face às despesas resultantes da integração do menor no seu agregado, impunha-se a prestação de um apoio económico, nos exactos termos em que foi determinado pelo Tribunal, aliás com todo o fundamento que decorre do disposto no art. 40 da LPP;

4 – Neste momento a intervenção mantém-se necessária, na medida em que João […] continua a necessitar do apoio da sua tia, e do companheiro desta e, consequentemente, de se manter no seu agregado, beneficiando do apoio económico que foi determinado, por forma a que complete a sua formação profissional e se inseria no mercado de trabalho.

5– O art. 1° da LPP diz que o seu objecto é a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo por forma a garantir o seu bem estar e desenvolvimento integral pelo que deve entender-se que, enquanto não estiverem garantidos esse bem estar e desenvolvimento integral, a lei não cumpre esse objectivo.

6 – Assim, também atento o que dispõe o n° 4 do art° 62 da LPP, não pode decidir-se pela cessação da medida de promoção e protecção aplicada enquanto esta se mostrar necessária.
 
7– Tendo o processo judicial de promoção e protecção a natureza de um processo de jurisdição voluntária, nos termos do que dispõe o art. 100 da LPP, temos, também, por certo, que ao Tribunal incumbe o dever de, em todas as fases processuais, - de instrução, debate judicial e execução de medida, de acordo com o art. 106 n° 1 da LPP - pautar a sua intervenção por um estrito critério de adequação das decisões tomadas ao superior interesse da criança e do jovem.

8 – Como processos de jurisdição voluntária, seguindo pois, as regras contidas nos art. 1409º a 1411º do CPC, devem ser outras as regras a pautar a actuação dos operadores judiciários que nestes processos, têm de decidir, designadamente através da criação de outras soluções, que não as previstas, no rigor dos termos, mas que sejam afinal as adequadas ao caso concreto.

9 - Face ao disposto no art. 60º n° 2 da LPP, no rigor dos termos, a medida aplicada nos autos em 26 de Maio de 2003, de apoio junto de outro familiar, teria o seu terminus, ou seja, completaria os 18 meses ali previstos, em 26 de Novembro de 2004.

10- Porém, ao manter a medida em execução, por mais 6 meses, na sequência da revisão da medida efectuada em 20 de Agosto de 2004 e ao decidir prorrogar1a execução da medida até que o menor atingisse a maioridade, na sequência sequer da revisão da medida em 27 de Junho de 2005, o Tribunal tomou a opção clara de sobrepor ao critério estrito da lei o interesse superior do jovem.

11- Ora, no caso em apreço, não havendo duvidas de que se mantém necessária a  aplicação da medida, o Mm° Juiz haveria que manter exactamente o mesmo critério, relevando a posição assumida por João […], não obstante tal posição tivesse vindo a ser manifestada após este ter atingido a maioridade.
 
12- Como decorre, de forma clara, do princípio da obrigatoriedade da informação, previsto na ala h)- do art. 4°, da LPP, conjugado com a ala a)- do art. 5° da mesma lei, atendendo a que o menor, enquanto tal, é um incapaz, para que possa  manifestar a sua vontade impõe-se que lhe seja dado a conhecer o direito que lhe assiste, de solicitar a continuação da medida, devendo ser notificado expressamente para esse efeito, cabendo ao Tribunal ordenar atempadamente essa notificação.

13 - Porém, se por qualquer motivo, a que o menor seja alheio, tal não for ordenada ou efectuada durante a sua menoridade, este não poderá nunca ser prejudicado, devendo entender-se que essa notificação deve, então, ter lugar logo que detectada essa omissão e relevar-se a posição que o jovem assumir, seja na sequência dessa notificação, seja em momento anterior a esta, mesmo depois do jovem ter atingido a maioridade.

14 - Mesmo que o Mm° Juiz tivesse por seguro o entendimento que exprimiu, quer quanto ao momento da solicitação para a continuação da medida, ( durante a menoridade ) quer quanto à forma ( por iniciativa própria, independentemente de qualquer notificação ), não poderia ter ignorado que, apenas, por força da decisão de revisão anterior, os autos prosseguiram ininterruptamente até que João […] atingiu a maioridade, pelo que haveria que relevar a posição assumida por aquele, para que a medida continuasse, não obstante tal posição tivesse vindo a ser manifestada após ter atingido a maioridade.

15 - A decisão recorrida traduz um abandono abrupto do acompanhamento que vinha sendo efectuado desde Maio de 2003 e que ainda se mostra necessário.

16 - Ao decidir como decidiu, o Mm° Juiz a quo violou as normas contidas nos art. 1°, 4° ala a)- e h)-, 34º e 35º ala b)-, 62º n° 4, 63º n° 1 ala d)- e 100º, todos da LPP aprovada pela Lei 147/99 de 1/9.

17 - Deve, consequentemente, o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que determine a manutenção em vigor, nos seus precisos termos, da medida de apoio junto da tia […] e companheiro desta, […], mantendo-se o acompanhamento da execução por parte do ISSS, entidade que deverá juntar aos autos novo relatório, decorridos 5 meses da data da notificação da decisão.

II – FACTOS PROVADOS.

Encontra-se provado nos autos que :

João […] nasceu a 23 de Novembro de 1987, sendo filho de Maria […]

Maria […] sofre de esquizofrenia, tendo estado internada por diversas vezes no Hospital Psiquiátrico Júlio de Matos, não tendo quaisquer capacidades ou condições para cuidar do seu filho João […]

A guarda e cuidados de João […] foi primeiramente assumida pela avó materna […], sendo o respectivo agregado composto de oito pessoas : o casal, cinco filhos e um neto.

João []…] foi apoiado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, tendo frequentado a Instituição […] até Dezembro de 1990.

A partir de então, João […] passou a permanecer, alternadamente, em casa da avó materna e em casa duns tios.

João […] veio a frequentar a Escola Básica […] tendo revelado acentuado absentismo e consequente aproveitamento escolar nulo.

Foi, então, assinalado o acompanhamento de João […] com um grupo de pares da escola conotados com práticas ilícitas, designadamente, furtos.

Na sequência destas informações, os presentes autos de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo, promovidos inicialmente apenas em relação a irmã mais velha […], passaram - a partir de 18 de Novembro de 2002 - a abranger também o menor João […].

Na conferência que teve lugar no dia 23 de Maio de 2003, com a presença do menor João […], de sua tia […], foi conseguido o seguinte acordo de promoção e protecção de João […] :

É aplicada a medida de apoio junto de familiar sendo João […] confiado à guarda da sua tia materna[…] ;

A execução da medida é feita pelo período de 12 meses, sendo assegurado pelo ISSS de Sintra;

Uma vez que existe necessidade económica por parte da tia do menor, a medida em causa é acompanhada da ajuda económica a prestar pela segurança social, no montante de € 150,00 mensais.

Entretanto, por decisão de 4 de Fevereiro de 2004, foi determinado :

Prorrogar, pelo período de seis meses, a medida de apoio junto de familiar aplicada a João […], ficando o menor confiado à tia[…] e ao seu companheiro, […], sendo a execução desta medida acompanhada pelo ISSS de Sintra, devendo a segurança social prestar auxílio económico a estes familiares, no montante de, pelo menos, duzentos euros mensais, e organizar a transferência de João […] para o novo agregado familiar, nomeadamente, auxiliando na escolha de escola ou colégio que este possa frequentar, mantendo-o ocupado durante o dia.
 
A partir de então, João […] tem revelado uma boa integração no seio familiar, interagindo com todos os elementos do agregado de forma correcta e adequada.

João […] iniciou um Programa de Formação Profissional [], em 15 de Outubro de 2004, encaminhado pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social – […], para frequentar um curso de formação profissional para cozinheiro, com a duração de dois anos.

João […] fez uma boa integração no curso.

Por despacho de 27 de Junho de 2005, foi decidido prorrogar até à maioridade a medida aplicada a João […] e determinar que o auxílio económico a prestar pela segurança social aos familiares passe a ser no montante de, pelo menos, duzentos e cinquenta euros, mensais.

Veio o Ministério Público, em 6 de Dezembro de 2005, promover a notificação de João […] para esclarecer se pretende a continuação da medida.

Por requerimento entrado em juízo em 9 de Dezembro de 2005, veio João […] requerer que “ A medida aplicada se prolongue até à idade dos 21 anos, visto estar a tirar um curso de formação profissional e não auferir nenhum rendimento “.

Tal pretensão foi indeferida através nos termos e com os fundamentos da decisão sob recurso.
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.

É a seguinte a questão jurídica essencial que importa dilucidar nestes autos :

Possibilidade do prolongamento, in casu, da medida aplicada a João […]. Tempestividade do respectivo requerimento por parte do interessado.
 
Passemos à sua análise :
 
A decisão recorrida estriba-se no facto de João […] ter atingido a maioridade em 23 de Novembro de 2005, só havendo requerido a continuação da medida em 6 de Dezembro de 2005, isto é, passados treze dias após ter completado os 18 anos de idade.

Fundamenta-se, no seu entender, no preceituado no art.º 63º, nº 1, alínea d), da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo ( LPCJP ), aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, segundo o qual :

“ As medidas cessam quando :
( … ) d) O jovem atinja a maioridade ou, nos casos em que tenha solicitado a continuação da medida para além da maioridade, complete 21 anos “.

Dispõe, por seu turno, o art.º 5º, alínea a), do mesmo diploma legal :

“ Para efeitos da presente lei, considera-se :
a) Criança ou jovem – a pessoa com menos de 18 anos ou a pessoa com menos de 21 anos que solicite a continuação da intervenção iniciada antes de atingir os 18 anos “.

Apreciando :
Na apreciação deste agravo encontra-se fundamentalmente em causa a determinação do preciso alcance da alínea a), do art.º 5º, da LPCJP.

Entende o Tribunal a quo que a expressão “ antes de atingir os 18 anos “, ínsita no preceito, se refere ao limite temporal estabelecido para a apresentação do requerimento com vista à continuação da intervenção.

Segundo esta interpretação, tal disposição legal imporia ao menor o ónus processual de requerer, até completar 18 anos, a continuação da medida imposta, sob pena da sua imediata e automática extinção.

Não nos parece ser essa a interpretação correcta da mencionada disposição legal.

O que o preceito refere é que deverá considerar-se como “ criança ou jovem “, para efeitos do presente diploma, quem conte menos de 21 anos, desde que requeira a continuação da intervenção, sendo que esta teria imperativamente que ter-se iniciado antes do menor haver atingido os 18 anos.

Ou seja, daqui decorre que integram o conceito legal de “ crianças ou jovens “ os que tenham idade inferior a 18 anos e aqueles que, beneficiando da medida aplicada no âmbito dum processo instaurado durante a sua menoridade, pretendam o seu prosseguimento e até perfazerem os 21 anos.

Não são aqui, de modo algum, contemplados os requisitos inerentes à apresentação do dito requerimento para a continuação da medida.

Na disposição legal em análise apenas são elencadas uma série de definições legais, retirando-se, em termos úteis, da respectiva alínea a) que não é possível requerer a aplicação da medida em momento posterior ao interessado haver completado os 18 anos de idade.(1)

Pelo que, é tempestivo o requerimento apresentado com vista à continuação da intervenção, devendo ser o mesmo ser deferido, ao contrário do que foi entendido na decisão recorrida.

Por outro lado, sempre se dirá que :

A decisão recorrida reveste, desde logo, uma excessiva rigidez formal, contendendo, em termos substantivos, com as finalidades próprias, essenciais e específicas que subjazem à natureza deste tipo de processos de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo.

Em conformidade com o preceituado no art.º 100º, da LPCJP, tais processos revestem a natureza de jurisdição voluntária.

Não se encontra, assim, o Tribunal sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, ciente dos interesses primordiais que devem nortear a intervenção do órgão jurisdicional ( art.º 1410º, do Cod. Proc. Civil ).

Ora, o princípio fundamental que rege no âmbito da jurisdição tutelar de menores encontra-se precisamente consignado no art.º 4º, alínea a), do referido diploma legal, onde se refere a obediência ao interesse superior da criança e do jovem.

In casu, são perfeitamente evidentes as reais vantagens para a valorização profissional de João […] resultantes do prolongamento da medida de promoção e protecção.

Desprotegido pelos parentes familiares próximos, sujeito às perniciosas influências de grupos de pares caracterizados por comportamentos desviantes, tudo aliado à sua imaturidade e carência de afecto e orientação educativa, João […], beneficiando do apoio que resultou do louvável trabalho desenvolvido nestes autos, parece ter encontrado finalmente um rumo, ao integrar-se num curso profissional, com a duração de dois anos.

Dão os autos notícia de ter enfim encontrado algum equilíbrio emocional e afectivo junto dos familiares a quem foi entregue e parece motivado para concluir com êxito tal curso profissional – elemento imprescindível para o acesso ao mercado de trabalho e para a sua própria aceitação como elemento social válido e apreciado pela comunidade com a qual irá interagir.

Perante este contexto favorável, não faz sentido, coarctar-lhe, de forma draconiana, tal possibilidade de valorização pessoal e profissional, com o prosaico e aziago fundamento de se haver atrasado treze dias a requerer a continuação da aplicação da medida.

Para além de que haveria sempre que respeitar, de forma escrupulosa, o direito de João […] a ser pessoalmente informado dos termos processuais destes autos, em conformidade com o princípio geral ínsito na alínea h), do art.º 4º, da LPJCP.

Este mesmo princípio imporia – caso se perfilhasse a interpretação do Tribunal a quo – que o menor fosse oportuna e concretamente ouvido e esclarecido quanto à necessidade do pedido de prolongamento da medida, sendo ainda advertido de que a sua omissão determinaria o automático arquivamento do processo, com todas as desvantagens pessoais daí advenientes.

Não o tendo sido – e sendo perfeitamente natural(2) que desconhecesse tal faculdade, bem como as consequências resultantes do seu não exercício - não há fundamento legal para a preclusão do exercício do direito em apreço, ainda para mais assente no decurso dum lapso temporal de tão reduzido significado.
Por todas estas razões, o agravo só pode mesmo merecer provimento.

IV - DECISÃO :

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em dar provimento ao agravo, revogando a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que determine o prolongamento da medida aplicada a João […] até aos seus 21 ( vinte e um ) anos, uma vez que o mesmo o requereu válida e atempadamente.

Sem custas.
 
Lisboa, de 23 Maio de 2006.

                          ( Luís Espírito Santo )
( Isabel Salgado )
( Soares Curado )



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(1).-Sendo defensável que não existiria qualquer necessidade na introdução daquela expressão “ intervenção iniciada antes de atingir os 18 anos “, uma vez que os diplomas em causa, dada a sua natureza, não se dirigem, por via de regra, a maiores. O significado da expressão “ continuação da intervenção “ e a excepcionalidade da aplicação do diploma a maiores de 18 anos, já pressuporia que a mesma se havia iniciado durante o período de menoridade do interessado.

(2).-Para não dizer, altamente provável, quase certo.