Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2845/2008-7
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/27/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1. Dispondo o artº 684 do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Delimitação subjectiva e objectiva do recurso”, (…) nº2, “…na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente”, significa que, na falta de especificação, o recurso abrange, não só a matéria de facto, como a matéria de direito; logo, o recorrente pode manifestar a intenção de impugnar a matéria de facto até ao momento em que apresenta as suas alegações, ou com ele coincidir;
2. Deverão assim considerar-se tempestivas, se, nessa data, estejam completados o prazo legal de 40 dias a que se reporta o artº684, nº6 do CPC, contado após a notificação do despacho que admitiu o recurso;
3. No caso em apreço, não se tendo ainda completado o referido prazo do qual o recorrente, a sentença não tinha ainda transitado em julgado, sendo indevida a declaração da deserção da instância de recurso, competindo, outrossim, ao Tribunal apreciar dos requisitos de legalidade da transacção.
(IS)
Decisão Texto Integral: TEXTO INTEGRAL:


Apelantes: N…
Apelado: S…., S A
Tribunal a quo: 13ª Vara -3ª secção do Tribunal Cível de Lisboa 
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
I – RELATÓRIO
S. …intentou acção declarativa de condenação com processo comum, seguindo a forma ordinária, contra N…, pedindo a condenação do Réu no pagamento à autora da quantia de 31.068,33 Euros, acrescida de juros de mora sobre o valor de Euros 14.816,08, alegadamente devida pelo incumprimento do contrato através do qual o Réu se obrigou a adquirir à Autora e a comercialização em exclusivo de produtos dos respectivos produtos em volume mínimo fixo.
O Réu contestou, por excepção e impugnação, alegando que o referido contrato terminou em 3/12/96, não existindo qualquer incumprimento, pelo que nada deve à autora e pugna pela sua absolvição do pedido.
Em resposta à matéria de excepção a Autora pronunciou-se pela respectiva improcedência.
Prosseguiram os autos a sua normal tramitação até à realização da audiência de discussão e julgamento, proferindo-se de seguida sentença que julgou procedente a acção, condenando o Réu a pagar à Autora a quantia devida a título de indemnização a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros de mora. 
Inconformado, o Réu interpôs recurso, adequadamente recebido como de apelação e efeito meramente devolutivo.
Entretanto, apresentaram ambas as partes nos autos, com data de 17/11/2007, um requerimento para transigirem na causa, solicitando a respectiva homologação por sentença.
O Sr.Juiz indeferiu a apreciação da transacção, em virtude de naquela data já ter transitado em julgado a sentença proferida, face à não apresentação em tempo das alegações devidas no prazo legal.
O Réu solicitou o esclarecimento do despacho, requerendo a correcção, do certamente, lapso ocorrido, dado não se encontrar ainda então esgotado o prazo de apresentação das alegações, face à gravação da prova produzida em audiência, e o acréscimo inerente de 10 dias no prazo legal, que findaria em data posterior à data de apresentação do requerimento de transacção apresentada nos autos.
Sobre o requerido se pronunciou, o Sr. Juiz no sentido do indeferimento de qualquer rectificação, visto que, apenas há a considerar, no caso, o prazo geral de 30 dias para apresentação de alegações, não tendo o Réu no seu decurso (incluindo no requerimento da interposição da apelação), mencionado a sua intenção de impugnar a matéria de facto para que o Tribunal concretizasse o prazo legal adicional para o efeito, mantendo, pois, a decisão do trânsito em julgado da sentença e julgando deserto o recurso de apelação.
Inconformado, o Réu interpôs recurso de tal decisão adequadamente recebido como agravo de subida imediata e nos autos.         
 O Réu instruiu a minuta do agravo a coberto das conclusões que seguidamente se transcrevem:
B1. Impõe-se a reparação do agravo, em que humildemente se aposta, com a substituição do douto despacho de folhas 446, por outro que homologando a transacção apresentada pelas partes as condene no seu cumprimento.
Se por tal hipótese tal não vier a acontecer,
B2. Impõe-se a revogação do Despacho em apreço que decide pela não homologação da transacção apresentada por violação das disposições inseridas nos artigos 698.º n.º 2 e 6; 145.º n.º 5 e 293.º todos do C.P.C.
É Que,
B3. O sentido em que as normas citadas deveriam ter sido interpretadas no caso é como o de um poder dever vinculado.
B4. O Tribunal a quo estava vinculado ao prazo de 40 dias (43 nos termos do citado n.º 5 do artigo 145.º do C. P. C.) para que o Réu apresente as suas alegações.
B3. Estando por tal vinculado à obrigação de homologação da transacção apresentada pelas partes por o ter sido antes do trânsito em julgado da douta sentença.
Termos em que, caso não seja reparado o agravo, deverá dar-se provimento ao recurso, revogando-se o douto despacho sob censura, e substituindo-se este por outro que, pela homologação da transacção condene as partes nos seus precisos termos.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A. OS FACTOS
A instância recorrida fixou como provada a factualidade seguinte:
   1 – A sociedade “C…, S.A.” tinha por actividade a indústria de refrigerantes e cervejas e a comercialização, quer dos produtos que fabricava, quer dos fabricados por outras empresas.
2 – Em 2001.12.14, foi incorporada, através de uma fusão na autora, antes denominada “Ce… - S.G.P.S., S.A.”.
3 – No acto pelo qual foi efectivada a fusão referida, a “Ce…” alterou a sua denominação, para “S…., S.A.”.
 4 – A autora prossegue presentemente a actividade que antes era desenvolvida pela sociedade “C…, S.A.”.
5 – No dia 4 de Dezembro de 1996 entre a “C…, S.A.”, designada por C…, e Ca… foi realizado o acordo cuja cópia se encontra a fls. 35 a 37.
6 – As als. a) e b) do acordo referido em 5. têm a seguinte redacção : a) A C… produz e/ou representa e comercializa cervejas, refrigerantes e águas; b) O revendedor desenvolve no estabelecimento designado por “S…”, sito em Avª…, a actividade de revenda de bebidas, ao público e para consumo no local, e propõe-se realizar os seus próprios objectivos de vendas, através do desenvolvimento da sua actividade, para o que considera adequados os incentivos propostos pela C….
7 – A cláusula 1.1 do acordo referido tem a seguinte redacção:” A C… obriga-se a fornecer, directamente ou através dos seus fornecedores, ao Revendedor, e este obriga-se a comprar-lhe, para revenda ao público e consumo no estabelecimento, produtos constantes do Anexo I nas quantidades e prazos previstos na cláusula 3.
8 - A cláusula 1.4 do mesmo acordo tem a seguinte redacção: O Revendedor obriga-se a não vender e a não publicitar, no estabelecimento, produtos similares aos constantes do Anexo II, nem permitir que terceiros o façam.
9 - A cláusula 1.6 do mesmo acordo tem a seguinte redacção: Em caso de transmissão do estabelecimento, ou da sua exploração, por qualquer forma, o Revendedor obriga-se a transmitir para o adquirente os direitos e obrigações decorrentes do presente contrato sob pena de ficar solidariamente responsável pelo cumprimento.
10 – A cláusula 2. do acordo mesmo tem a seguinte redacção: A título de contrapartida pela celebração do presente contrato, a C… apoia actividade de comercialização do Revendedor emprestando-lhe a quantia de 3.500.000$00, que o Revendedor se obriga a devolver-lhe em 36 prestações mensais, sucessivas, constantes de postecipadas, 35 no valor de Esc. 97.000$00 cada, e 1 no valor de 105.000$00, pagas através de letras que aceita e entrega à C…, vencendo-se a primeira no prazo de 30 dias a contar da data da assinatura do contrato.
11 – A cláusula 3. do mesmo acordo tem a seguinte redacção: O presente contrato vigorará até que o Revendedor compre 34 500 litros de produtos constantes do Anexo I ou pelo prazo de 3 anos a contar da data da sua assinatura, consoante o que primeiro ocorrer.
12 – Em 19 de Janeiro de 1999 entre J… e esposa, M…, como primeiros outorgantes, e Ca…, como segundo outorgante, foi realizado o acordo escrito de que se encontra cópia a fls. 41, e cuja cláusula 1ª tem a seguinte redacção: «Os outorgantes celebraram em 29 de Julho de 1996 um contrato de arrendamento para comércio, respeitante ao r/c do nº … da Avenida…, no qual o segundo outorgante veio a instalar um estabelecimento de café conhecido por “S…”» .
13 – A cláusula 6ª do acordo referido em 12. tem a seguinte redacção: «O segundo outorgante celebrou com a Ce…, S.A., um contrato de fornecimento de cervejas e tanquetas de refrigerantes, por via do qual o “S…” se abastecerá exclusivamente na Ce… no referente a cerveja e refrigerantes de pressão, obrigando-se os primeiros a manter este regime de exclusividade até se perfazerem vendas de 34.500 litros».
14 – Em 18 de Março de 1999 entre J… e esposa, M…, como primeiros outorgantes, e N…, como segundo outorgante, foi realizado o acordo escrito de que se encontra cópia a fls. 42 a 42, pelo qual aqueles deram de arrendamento a este, que declarou tomar de arrendamento, «uma loja situada na Avenida…, destinada ao exercício de actividade comercial (…)».
15 – A cláusula 7ª do acordo referido em 14. tem a seguinte redacção: «O segundo outorgante compromete-se a manter com a Ce…, SA, um contrato de fornecimento de cervejas e tanquetas de refrigerantes, por via do qual o estabelecimento em causa se abastecerá exclusivamente na Ce… no referente a cerveja e refrigerantes de pressão, obrigando-se a manter este regime de exclusividade até se perfazerem vendas de 34.500 litros».
16 – A cláusula 4.6 do mesmo acordo tem a seguinte redacção: «Se no termo do prazo temporal do contrato o Revendedor não tiver efectuado o volume de compras aqui estabelecido, a C… poderá exigir uma indemnização, pelo incumprimento, que por acordo se estipula ser igual ao valor das bebidas não adquiridas, considerando-se, para o efeito, o preço praticado pela C… à data do incumprimento».
17 – Até 4 de Dezembro de 1999 foram adquiridos à autora 17 272 litros de produtos constantes do Anexo I ao acordo referido em 5.
18 – O documento de fls. 45 tem o seguinte teor:   «Exmo Sr. N…,          Avª…, refª: 13/GBJ/04 – Procº AJ788- data: 13 de Janeiro de 2004, assunto: Interpelação para pagamento de indemnização (…) Em 4 de Dezembro de 1996 foi celebrado entre o Sr. C… e a S…, S.A., nessa data com denominação social de Ce…, S.A., um contrato comercial, nos termos do qual aquele empresário se obrigou a comprar a esta sociedade, para consumo no estabelecimento designado por “S…”, situado em…, 34.500 litros de produtos constantes do anexo I ao referido contrato.
Por negócio celebrado a 19 de Janeiro de 1999 o Sr. Ca… transmitiu a sua posição contratual a favor de J… e esposa os quais, por sua vez, o vieram a transmitir a VEXA, por contrato celebrado em 18 de Março de 1999.
Mostra-se nos respectivos documentos de cessão, que a obrigação de continuar a comprar os produtos que o primitivo contraente se obrigou a adquirir foi sendo transmitida aos sucessivos transmissários. Assim, ficou estabelecido que o contrato a que vimos aludindo vigoraria até que fosse adquirida a totalidade da litragem acima indicada ou pelo prazo de três anos, a contar da data da sua assinatura, consoante o que primeiro ocorresse.
Os três anos já decorreram sem que se mostre que tenha sido adquirido a litragem contratada. De facto, constata-se que no fim do período contratual apenas tinham sido adquiridos 17.272 litros, faltando, por conseguinte, adquirir 17.228 litros.
Ficou igualmente estabelecido que se, no termo do prazo temporal do contrato, não fosse atingido o volume de compras estabelecido, a S.C.C. constituir-se-ia no direito de exigir uma indemnização que se acordou ser igual ao valor das bebidas não adquiridas considerando-­se, para o efeito, o preço de venda ao retalho, praticado por esta empresa à data do incumpri­mento (Cls 4.6 do contrato).
Ora tal preço, em Dezembro de 1999 era de € 0,86/litro. Assim, deverá V. Exªs. proceder ao pagamento, no prazo de dez dias, da quantia de 14.816,08 euros que corresponde ao resultado da aplicação deste preço aos litros não consu­midos».
19 – A “Ce…, S.A.” entregou a Ca… a quantia de 3 500 000$00, referida em 10.
20 – À data referida o preço por litro de cerveja de barril fornecido pela autora era de € 0,86.
21 – Em 13 de Janeiro de 2004 a autora enviou ao réu a carta referida para a morada dela constante.
22 – Tal carta veio devolvida com a menção “ausente”, lavrada pelo funcionário dos CTT.
23 – Após o dia 4 de Dezembro de 1999 continuaram a ser vendidos público no estabelecimento “S…” os produtos da autora constantes do Anexo I ao contrato referido.
B. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Norteados pelos limites que emergem das conclusões do recorrente importa apreciar as seguintes questões:
a) Em que momento deverá o recorrente que pretenda em impugnar a matéria de facto deverá dar notícia nos autos sobre intenção;
b)A partir de quando deve ser contado o prazo legal acrescido (40 dias/3 dias do artº145 do CPC)) para a apresentação das alegações, em situação de impugnação da matéria de facto;
c) No caso em apreço, à data de apresentação do requerimento de transacção das partes estava transitada a sentença porque esgotado o prazo geral de 30 dias para apresentação de alegações?
 Comecemos por uma breve abordagem acerca do conceito de transacção e respectiva integração sistemática.
A transacção é um contrato especial pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, que podem envolver, além do mais, a constituição de direitos diversos do controvertido (artigo 1248.º do Código Civil). As partes só não podem transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor, nem sobre questões respeitantes a negócios jurídicos ilícitos (artigo 1249.º do Código Civil. Com efeito, a sentença homologatória não conhece do mérito da causa, mas chama necessariamente a si a solução de mérito para que aponta o contrato de transacção, acabando por dar, ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio, e uma vez transitada em julgado, valerá como a solução judicial para o caso. Já o artigo 1718.º do Código Civil de 1867 dispunha que a transacção produzia entre as partes o efeito de caso julgado. Este princípio permanece actualmente válido, conferindo-se à transacção a estabilidade e a certeza do caso decidido. [1]
Sob o ponto de vista adjectivo, rege na matéria o disposto no artº 294 do Código de Processo Civil, extinguindo-se a lide, nos precisos termos transaccionados, com os limites do artº 299º do mesmo diploma.
Ora, a atender ao disposto no artº 666, nº 1, do CPC, proferida a sentença fica imediatamente esgotado o respectivo poder jurisdicional, ou seja, o juiz vê esgotado o seu poder jurisdicional no tocante ao objecto da causa. Quer com tal significar-se, nem sobre tal existe divergências, que relativamente à questão ou questões sobre que recaiu a sentença, o poder jurisdicional extinguiu-se, não podendo o juiz, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu, nem os respectivos fundamentos.
      A
ratio do preceito legal prende-se com motivos de natureza doutrinária, mas, igualmente, de ordem prática.
       No tocante à” (…) Razão doutrinal: o juiz quando decide cumpre um dever – o dever jurisdicional – que é a contrapartida do direito de acção e de defesa. Cumprido o dever, o magistrado fica em posição jurídica semelhante à do devedor que satisfaz a obrigação... E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se. (…) A razão pragmática consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional.”.
      “ O poder jurisdicional extingue-se logo que a decisão foi exarada no processo e, portanto, mesmo antes de as partes serem notificadas”.[2]
      De onde se conclui que, seguindo Alberto dos Reis que, proferida a decisão, antes mesmo de notificada, não é lícito ao tribunal, por sua iniciativa vir a tomar iniciativa diversa. Porém, também menciona o citado Mestre,
[3]  que, o Juiz pode e deve resolver as questões incidentais que se suscitem posteriormente e que não exerçam influência na sentença proferida.
      Por seu turno, o artº 293, nº 2 do CPC, dispõe que é lícito às partes, em qualquer estado da instância, transigir sobre o objecto da causa. Secundando ainda o pensamento do mesmo autor, podem as partes, entretanto, transigir (….) “logo em seguida à citação do réu e antes de oferecida a contestação, assim como já depois de julgada a causa na 1ª e na 2ª instância, contanto que a decisão não haja transitado em julgado.”
     Igual conclusão retirou o Prof. Rodrigues Bastos, [4] ao admitir a possibilidade de transacção judicial enquanto não haja sentença com trânsito em julgado que ponha termo à instância. A noção de transacção consta do artº 1248, nº 1, do C.Civil: o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, que, no dizer do nº 2 do citado preceito, podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido.
       Na mesma esteira, os Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, [5]referem que, o fim do contrato de transacção é prevenir ou terminar um litígio. “O que a lei não dispensa é uma controvérsia entre as partes (cfr. nº 2), como base ou fundamento de um litígio eventual ou futuro (…)”.
       No Acórdão do STJ de 23.7.94[6] decidiu-se ser inadmissível a desistência da instância, proferida a decisão sobre o mérito da causa. Todavia, embora se possa também questionar essa inadmissibilidade, os efeitos da desistência da instância são diversos dos da transacção. Na desistência da instância apenas põe fim ao processo instaurado, podendo, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, instaurar-se novo processo, já a transacção extingue o direito nos moldes em que foi peticionado, não voltando a poder repetir-se a causa.
      Distintamente, sendo a transacção, de acordo com o artº 287º do CPC uma das causas da extinção da instância, não podendo considerar-se automaticamente extinta a instância com a prolação da sentença, dada a necessidade de aguardar o seu trânsito, parece-nos possível que as partes transijam quanto ao objecto da lide e desta forma ponham termo ao litígio, com a consequente extinção da instância.
     Assim,
enquanto não exista trânsito em julgado da decisão ter-se-á que considerar que a acção está pendente em juízo. A instância mantém-se, portanto, mesmo depois da prolação da decisão (até ao transito), já que esta é, além do mais, passível de recurso.
     Neste sentido, o Acórdão desta Relação de 24.06.1999[7], decidiu que: “enquanto a sentença não transitar em julgado ela tem valor provisório, e por isso, a relação subjacente ainda não está definida: daí que seja possível a transacção ou a desistência, com homologação, se for caso disso, do magistrado que proferiu a sentença.”
    Na verdade, quando o juiz homologa a transacção não está já a apreciar o mérito da causa, não está a pronunciar-se quanto à matéria dos autos, pois quanto a esta está esgotado o seu poder jurisdicional. Quando homologa a transacção o juiz apenas irá apreciar a sua validade quanto aos sujeitos, quanto ao objecto (se versa ou não sobre direitos disponíveis), se satisfaz as exigências legais e se o seu conteúdo não ofende a ordem pública. Continua a explicar o Prof. Alberto dos Reis, que,
[8] “as partes não se preocupam, ao celebrarem a transacção, com a declaração da relação jurídica duvidosa, não realizam um acto semelhante ao do juiz; põem termo à lide segundo o seu interesse ou a sua conveniência, sem quererem saber se o resultado a que chegam é conforme ao direito constituído”. [9]
      Não obstante o estabelecido no nº 1 do artº 666 do CPC, o juiz continua a exercer no processo o seu poder jurisdicional relativamente a tudo o que não vise alterar a decisão proferida ou os fundamentos em que se apoiou, podendo e devendo resolver as questões e incidentes que surjam posteriormente, aqui se incluindo a homologação da transacção que venha a surgir entre as partes.
     Partindo do pressuposto que é sempre de admitir a transacção até ao limite temporal do trânsito em julgado, e posto que, uma das partes (o ora agravante logo interpôs recurso devidamente recebido), a solução passará por afinal concluir se deve in casu ser tido em conta o prazo geral de 30 dias para alegações, previsto no artº698, nº2 do CPC, ou, uma vez que, o julgamento foi objecto de gravação sonora o recorrente beneficia do acréscimo de 10 dias para o efeito, de acordo com o disposto no artº 698, nº6 do CPC.
     Neste desiderato residirá a solução do dissídio.
     Como resulta do douto despacho agravado e da respectiva sustentação, a solução alcançada propugnou pela inobservância do requisito legal, de menção necessária pelo recorrente no requerimento de recurso, que iria impugnar a matéria de facto, precludindo, dessa forma. o direito de beneficiar do prazo de alegar alargado.
      O agravante objecta em sua defesa que a lei não lhe exige que o faça nesse momento exacto, sendo incontornável que, literalmente, não exige tal ónus expresso na lei, na verdade.

         Como então resolver o problema?
Nesta Relação de Lisboa a questão do tempo de contagem foi já decidida por via de reclamação apreciada pela Exma. SrªVice-Presidente, nos seguintes termos: “Como refere a reclamante a questão a resolver respeita à definição do início da contagem do prazo para apresentar alegações. Caso o recorrente pretenda que lhe sejam facultadas as cópias das cassetes com a gravação da prova, deverá requerê-lo no prazo mencionado no art.º 7º do DL 39/95 de 15.2, devendo o mandatário ou a parte que pretenda usar desta faculdade fornecer as fitas magnéticas necessárias. Tendo a R. demonstrado vontade de recorrer da matéria de facto, requereu a entrega de duplicados de cassetes com a prova gravada o que veio a fazer ao interpor recurso, por requerimento de 11.06.2006, tendo sido necessário proceder-se à notificação da R. para juntar as fitas magnéticas para duplicação da gravação, o que veio a acontecer em 13.11.2006. Juntas estas e realizada a gravação, foi enviada carta para notificação da R., a fim de proceder ao levantamento das cassetes com a duplicação da prova, carta enviada em 22.11.2006. Porém, em 23.11.2006, a funcionária do escritório do mandatário da R. procedeu no tribunal ao levantamento das cassetes. O acesso à gravação das provas prestadas oralmente em audiência constitui um elemento importante para a preparação do recurso, concretamente para a elaboração das alega­ções do recurso. Não se discuta aqui se o prazo se suspende com tal pedido ou se apenas se inicia após a entrega da duplicação da gravação, posto que foi este o entendimento seguido pelo juiz a quo e não constitui objecto da reclamação. (….) É com a efectiva entrega das cassetes à parte que se inicia a contagem do prazo de produção de alegações posto que só nesse momento se pode dizer que a parte está em condições de exercer o seu direito) ao recurso. O acesso às gravações é um direito incontestável das partes para o exercício pleno do direito ao recurso o que determina que este se conte apenas a partir da data em que o tribunal disponibiliza ao recorrente a gravação”. [10]
Contudo, não pondo em crise o acerto do assim decidido, o certo é que a decisão não apresenta solução directa para a situação em análise, pois que aqui o problema é anterior à questão central objecto da reclamação (desde quando se conta o prazo).
De resto, ditam as regras da experiência forense, que nem sempre os Srs. Advogados seguem uma ritologia igual quanto ao pedido das cassetes, por vezes, pendem-nas de imediato ao final da audiência, para eles próprios as reproduzirem, outros, aguardam a prolação da sentença e usam do direito de ser a secretaria a proceder à cópia das gravações. 

            Quid juris ?

         Então quando, ou melhor, até quando deverá o recorrente fazer saber ao tribunal que vai incluir nas suas motivações de recurso matéria de impugnação da matéria de facto?
Quer-nos parecer, que na versão do CPC aplicável, o artº 687, nº1, estabelece que o recorrente deve indicar a “…a espécie de recurso interposto e, nos casos previstos nos nºs 2, 4 e 6 do artigo 678. ° e na parte final do nº2 do artº 754., o respectivo fundamento”.
De igual modo, observe-se que, o artº 684 do Código de Processo Civil dispõe – sob a epígrafe “Delimitação subjectiva e objectiva do recurso”, mais propriamente na segunda parte do seu nº2, “…na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente”, o significa que, na falta de especificação, o recurso abrange, não só a matéria de facto, como a matéria de direito.
    Donde, concluímos bastar-se o legislador com o mero requerimento declarativo de interposição de recurso para suspender o prazo de trânsito em julgado da sentença, não exigindo a concomitante motivação, então, não será de exigir que o recorrente apresente quais as razões do seu recurso, incluindo o seu propósito de impugnar os factos assentes e que até, pelo menos, à apresentação dessas alegações, ou no seu respectivo conteúdo, o recorrente, impugne a matéria de facto para que seja tido em conta o prazo legal alargado de 40 dias.
Nesse contexto, se o mesmo não se encontrar ainda expirado, deverá o Sr.Juiz ter por tempestivas as alegações.[11]
Em harmonia com a posição que propugnamos, decidiu o STJ:
“O apelante não tem que manifestar a sua intenção de impugnar a matéria de facto da sentença de que recorre, com a reapreciação da prova gravada, no requerimento de interposição de recurso. Tal manifestação, expressa ou tácita, mas inequívoca, pode ser efectuada em qualquer momento, antes naturalmente de ter decorrido o prazo - regra para apresentação
das alegações previsto no nº2 do art. 689º do Código de Processo Civil […]”[12]
Resumindo para concluir:
1) A manifestação de impugnar a matéria de facto pode constar até à apresentação das alegações do recurso oportunamente interposto;
2) As alegações devem ser então consideradas tempestivas, se nessa data, contando após a notificação do despacho que admitiu o recurso, estejam completados os 40 dias a que se reporta o artº684, nº6 do CPC;
      3) No caso em apreço, considerando a data de notificação do despacho que admitiu a apelação da sentença proferida e a data do requerimento das partes para transacção não se completaram ainda os 40 dias referidos; ao recorrente não podia, pois, ser restringido esse prazo que, à partida, beneficia até à apresentação das alegações;
     4) Consequentemente, a sentença não tinha ainda transitado em julgado, sendo indevida a declaração da deserção da instância de recurso, competindo, outrossim, ao Tribunal apreciar a legalidade da transacção e proferir, verificados os requisitos legais, a sentença de homologação da transacção.   

IV- DECISÃO
Pelo exposto decide este Tribunal da Relação dar provimento ao agravo, e em consequência, revogar-se o despacho agravado, que deverá ser substituído por decisão que aprecie a transacção apresentada pelas partes.  
Não são devidas custas.
                              Lisboa, 27 de Maio de 2008

                                          Isabel Salgado

                                          Abrantes Geraldes
                             
                                             Roque Nogueira

____________________________________________________________

[1] cfr. Prof. Galvão Telles in BMJ 83-183).
[2] cfr. Prof.Alberto dos Reis, CPC Anotado, V, pag. 126.
[3] cfr.Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, pag. 496.
[4] Prof.. Rodrigues de Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. II, pag. 78.
[5] Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª edição, pag. 768.
[6] IN BMJ 239, pag.158
[7] Disponível in www.dgsi.pt
[8] In Comentário ao CPC, III, pag.498
[9] CCIvil anotado, II.
[10] Decisão de 18/7/07 disponível in www.dgsi.pt
[11] Neste sentido Ac.Rel.Lisboa relatado pelo Sr.Desembargador Farinha Alves disponível na mesma páagina: “Basta que a reapreciação da decisão sobre matéria de facto seja suscitada nas
O alargamento do prazo de alegações do apelante, para dez dias, depende da circunstância do recurso que interpôs, ter efectivamente, por objecto a reapreciação da prova gravada”.
 

[12] Ac. do STJ, de 8.7.2003, in www.dgsi.pt, e que foi Relator o Ex.mo Conselheiro Dr. Araújo de Barros.