Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA SOARES | ||
Descritores: | USUCAPIÃO REQUISITOS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/11/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I- Quanto à casa de habitação, a sua fruição foi, pelo mesmo até 2004, levada a cabo pelos doadores, pois que aí mantiveram a sua residência; II- portanto eram eles os seus possuidores, posse essa titulada pelo usufruto. III- Os actos que os AA praticaram sobre a mesma casa, até 2004, não podem ser vistos como actos de uma verdadeira “posse”. IV- Limpar as casas e vigiá-las, bem como ao logradouro, reparar telhado, pintar, são tudo actividades que dificilmente podem ser vistas como posse em nome próprio, quando a casa e anexos eram usados pelos usufrutuários, pais da A e do R. V- Importa também anotar que idênticos actos materiais praticaram os RR, pois que também limpavam as casas reparavam o telhado, quando necessário, tendo o R marido colocado electricidade na casa. VI- Mais facilmente se vêm estes actos praticados pelos filhos como uma ajuda aos seus pais, pessoas idosas, sabendo que a propriedade plena para eles reverteria, por morte dos pais. VII-Não estão verificados os pressupostos para aquisição do direito de propriedade, por parte dos AA, por via do instituto da usucapião: em relação à parte urbana, porque desde logo não provaram o exercício de uma posse em nome próprio; em relação à parte rústica, porque não provaram ter ocorrido inversão do título da posse. VIII-Também em relação à parte rústica do prédio não estão os AA em condições de ver proceder o seu pedido, pois não provaram ter invertido o título da posse, os que os impede de adquirir por usucapião. (LS) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa 1. B... e C... intentaram a presente acção com processo sumário contra D... e E..., peticionando que estes fossem condenados a reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre os prédios que identificam, alegando ter ocorrido uma doação por parte dos pais da A. e do R. marido, mas que, ao contrário do constante na escritura, o que foi doado foram os prédios que descrevem, os quais, entretanto, já adquiriram por usucapião. 2. Os RR., devidamente citados, apresentaram contestação, onde alegaram, em síntese, que o que consta na escritura corresponde à realidade, nomeadamente quanto à parte urbana do prédio misto, até porque os pais da A. e do R. continuaram a usar e a fruir, após a doação e até à sua morte, da casa de habitação, concluindo pela improcedência da acção. 3. Realizado o julgamento veio a ser proferida sentença que julgando a acção parcialmente procedente, declarou que: ”os AA. são proprietários do imóvel composto por a) uma parte urbana com casa de r/c para arrecadação com a área coberta de 42 m2 e casa de r/c para habitação com a área coberta de 80 m2 e logradouro com a área de 918 m2, do prédio referido em A) e D), e por b) uma parte rústica, também do prédio referido em A) e D), composto de vinha, formando as partes referidas em a) e b) um prédio único que confronta do Norte com F....” 4. Desta sentença recorreram os RR, apresentando alegações com as conclusões que a seguir se transcrevem: “A) - O Tribunal deu como provado bem as alíneas A) B) C) D) e E) da Fundamentação de facto e B) O tribunal de primeira instância deu como provado na fundamentação de acto as alíneas F) G) H) I) J) K) L) M) N) O) R), factos impugnados e que os RR. consideram incorrectamente julgados, atendendo aos documentos juntos, a audição dos depoimentos de parte, e á audição dos depoimentos das testemunhas, conforme transcrição que se junta e aqui se dá por reproduzida para todos os feitos legais. C) Consideram os RR atento a fundamentação de facto das alíneas A) a E) e S) U) V) X) Y) Z) E a prova testemunhal, produzida impunha decisão diferente da proferida pelo tribunal, entendendo que, para além de em alguns pontos contraditória, com a matéria dada como provada, a decisão proferida não tomou em conta algumas questões provadas, por prova testemunhal e documental. D) Os RR. não concordam que o tribunal tenham dado como provado as alíneas A) a E) e que decidisse contrariamente aos mesmos, uma vez que os factos provados por registo, provados no registo, não podem ser impugnados em Juízo, sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo, conforme dispõe o artigo 8º do Código de registo Predial. F) Não foi na presente acção, na petição inicial pedido por parte dos AA., o cancelamento do registo a favor dos AA. e dos RR, nem o tribunal, na sua decisão apreciou essa questão, como se impunha, pelo que, não deveria ter a acção seguimento sem que não s fosse formulado o pedido de cancelamento do registo predial, conforme estabelece o nº 2 do mesmo artigo 8º do Código de registo predial, pelo que , nesta parte, implicaria que o tribunal proferisse decisão diversa da proferida. G) O Tribunal “a quo” considerou “existir posse por parte dos AA., considerando que os AA., possuem posse boa para Usucapião, decidindo que se apurou que desde 1975 os AA. fazem plantio de vinha na parte rústica referida em G), e que desde aquela mesma data, na parte referida em f) fazem limpeza nas casas, vigiando as mesmas e seu logradouro, têm reparado o telhado e pintado as casas, o que fazem com o conhecimento de toda a gente, sem oposição e ininterruptamente e na convicção de estarem a exercer um direito próprio, sem prejudicar ou lesar interesses alheios, e não considerou apesar de ter dado como provados que os AA. também sempre viram os AA. entrar e sair do prédio e andar dentro dele, o R. colocou electricidade no imóvel, tinha a chave do mesmo, e não considerou que tinham, a posse do imóvel desde 1975.” H) Conclui com isso, o Tribunal, “que está demonstrado que desde 1975 os AA. vêem exercendo poderes de facto correspondentes ao direito de que se arrogam – corpus comportando- se como sendo titulares desse mesmo direito – animus- sem oposição de ninguém. Concluindo depois que se trata “de uma posse pública, pacífica e embora não inteiramente intitulada afigura-se de boa fé”, considerando ainda, que mesmo para a de má-fé já se encontram decorridos há muito os vinte anos, considerando estarem reunidas as condições para declarar como declarou a aquisição por parte dos AA. do direito de propriedade sobre os prédios referidos em F) e G) da fundamentação de facto. I)Ora, não pode o Tribunal, concluir como concluiu e dar como provada a posse dos AA., pelo com base nas limpezas e nas pinturas (que não existiram) facto, das limpezas e das obras, que afinal tanto RR. e AA. fizeram durante a vida e após a morte dos pais no prédio que pertence a ambos. J) Ao contrário da conclusão a que o tribunal chegou e da qual claramente se discorda, os pais quando efectuaram as partilhas e a doação da nua propriedade a A. e R. reservaram para si o usufruto, e quer os AA. quer os RR. foram unânimes em responder ao tribunal, aquando dos seus depoimentos, que durante a vida dos pais ninguém podia fazer nada nos imóveis porque a casa era dos pais. L) Portanto, ambos consideravam a casa como sendo dos pais, nenhum deles possuía o “animus” para possuir, por si só como único proprietário, mas sim como comproprietários inscritos. M) A Usucapião para que se possa verificar pressupõe a verificação dos seguintes requisitos: Corpus e animus; posse exercida nos termos do direito de propriedade ou e outro direito real de gozo; posse prolongada por certo lapso de tempo; Posse vencedora, que aniquile ou restrinja o eventual direito de outro titular, ora no caso concreto nenhum destes casos se verificou; nesse sentido CFR. Ac. Do tribunal da relação de Lisboa Processo 4452/2008-6 in http://dgsi.pt. N) A posse é a actuação correspondente ao exercício de determinado direito real, maxime o direito de propriedade; animada da intenção de exercer esse direito real. Os actos materiais de posse consubstanciam o “corpus” possessório e a intenção de exercer odireito constitui “o animus”e para que se possa falar de posse em termos dedeterminado direito real importa que estejam verificados estes dois elementos, cabendo a sua demonstração a quem os invoca como fundamento de um direito que pretende ver reconhecido.” Nesse sentido Ac. Tribunal da Relação de Lisboa Processo 4839/2007-2 in http://dgsi.pt Ora, no caso concreto, não provaram os AA que desde 1975 tenham agido com todos os requisitos para que o tribunal possa considerar como únicos donos e proprietários da parte urbana do imóvel. O)Também os RR. exerceram contacto material diário com a coisa, tinham a chave, entravam e saíam quando assim o entendiam, e conservaram a posse, não havendo quaisquer obstáculos da parte dos AA. a essa posse comproprietário o R. marido perguntando ao A. marido porque é que ele tinha retirado a chave da porta? P)Quanto á intenção o “animus” ela tem de ser declarada, conforme entende Oliveira Ascensão no seu livro Reais, 4ª Edição, pag. 93 e 94, e no caso concreto, para os RR., durante toda a vida dos pais, e isso foi confirmado no tribunal, os AA. nunca tomaram atitudes demonstrativas, sem margem para duvidas, que se achavam únicos proprietários da casa, tendo no entender dos RR. tido há pouco tempo, alguma demonstração de que pretendiam agora ser únicos proprietários do imóvel, quando o A. marido retirou a chave da porta, atitude essa que de imediato, foi reclamada, pelo comproprietário o Réu marido perguntando ao A. marido porque que é que ele tinha retirado a chave da porta? Q)Porque até aquela data ambos se sentiam comproprietários do imóvel, entrando e saindo dentro dele sem a menor oposição do outro, e a aguardar fazer a divisão, conforme a A. referiu que o pai lhe tinha dito e a testemunha G... confirmou. R)Ao contrário do considerado pelo Tribunal o facto de os RR. terem as chaves do imóvel, não podia ser visto como uma mera tolerância, por parte dos AA., mas sim como um direito que lhes assiste na qualidade de comproprietários possuidores e registados. S)Não houve no entender dos RR. qualquer inversão do título da posse, ao contrário do analisado e decidido pelo Tribunal, para que haja inversão do título da posse, tem de existir uma posse precária, pelo facto de os detentores exercerem o poder de facto, sem intenção de agir como beneficiários direito, e em geral os que possuem em nome de outrem. T)Ora, os RR. são comproprietários, não possuem em nome de outrem, possuem de direito, e os AA., não inverteram o titulo da posse relativamente aos RR. U)A Inversão do título da posse só se pode realizar de duas maneiras: - Por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía – artigo 1265º do código Civil, e por acto de terceiro capaz de transferir a posse. V) No caso concreto, nenhuma destas situações se verificou, e ainda que atendendo ao usufruto, não basta que os pais como usufrutuários tenham exercido longamente todos os poderes de propriedade, sendo que eles seriam um possuidores em nome alheio possuidores em nome de ambos os filhos, A.e R., não somente em nome da A., X)Ao contrário do decidido, os AA. não actuaram desde 1975 como únicos titulares do direito de propriedade, os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si por usucapião o direito possuído, excepto achando-se invertido o titulo da posse, o que não aconteceu nunca no caso concreto. Z)A inversão do título da posse, a designada “interversio possessionis” verifica-se quando se substitui uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio, ou seja, a uma situação sem relevo jurídico especial vem substituir-se uma posse com todos os seus requisitos e com todas as suas consequências legais. BA)O facto de ambos serem comproprietários e ambos entrarem e saírem com no imóvel objecto dos autos, sem a menor oposição, não significa, que os AA. tenham invertido o título da posse, não estamos aqui perante uma inversão do título da posse nos termos do artigo 1406º nº 1 do CC. BB)Na inversão do título da posse há uma conduta unilateral e usurpatória contra os demais consortes, que na situação dos autos, não ocorreu, neste sentido cfr. Ac. Relação de Lisboa Proc. 9587/08-2 in http://dgsi.pt. BC)Os AA. não demonstraram essa atitude junto do outro comproprietário, com tempo suficiente para usucapião, concatenado com todos os demais requisitos necessários para usucapir, que no caso concreto, não se verificam, pelo que, não existiu qualquer inversão do título da posse e também nesta parte deverá a decisão improceder. BD)Pelo que, ao decidir como decidiu, com o devido respeito, não fez o tribunal uma apreciação critica da prova testemunhal, e documental carreada para os autos, o que levou a que tenham existido até algumas contradições entre a matéria dada como provada e a decisão proferida.” Terminam pedindo que seja “revogada a decisão proferida, sendo a mesma substituída por outra adequada e justa à situação concreta, atenta toda a prova produzida, a audição dos depoimentos de parte, e a audição das testemunhas, de acordo com a transcrição efectuada e as actas da audiência de julgamento.” Anexam às alegações documento de transcrição da audiência de julgamento. 5. Os AA contra-alegaram, concluindo, em síntese, que: - os recorrentes não deram cumprimento ao art.º 685.º-B do CPC, dado que não indicam os concretos depoimentos e documentos em que fundam a sua impugnação e que impunham decisão diversa da tomada pela 1.ª instância, pugnando assim pela rejeição do recurso de facto; - devem ser mantidas as respostas dadas à matéria de facto, não havendo fundamento para as alterar; - ser desnecessário o registo da acção, pois o prédio objecto do litigio já está registado em nome das partes; - o direito foi correctamente aplicado aos factos, pelo que deve ser mantida a decisão. 6. Nada obsta ao conhecimento do recurso, não existindo questões prévias de que cumpra conhecer. 7. A matéria de facto dada como assente em 1.ª instância foi a seguinte: A) Em 24 de Julho de 1975, no Cartório Notarial ...., de folhas ... a folhas ... do Livro ...., foi celebrada uma Escritura de Doação, pela qual H... e mulher V..., pais da A. e do R. doaram aos A.A., com reserva de usufruto a seu favor que se consolidará na proporção de metade à morte de cada doador, metade de um prédio misto, composto de terra de semeadura, vinha e árvores de fruto e casa de r/c com 5 divisões e páteo e casa de arrecadação, sito em Casal do Pombal, Freguesia de Ventosa, Torres Vedras, inscrito sob o artigos ... da secção "..." da matriz rústica e uma parte da parte urbana inscrita sob o artigo ...da matriz urbana e a outra parte omissa, todos da referida freguesia, conforme documento de fls. 43 a 55 e que aqui se dá por reproduzido. B) Do documento referido em A) consta que a outra metade do prédio aí referido foi doada aos RR., conforme documento de fls. 43 a 55 e que aqui se dá por reproduzido. C) A aquisição do prédio referido em A) encontra-se registada a favor dos AA. e RR, pela Ap. ...., conforme certidão de fls. 6 a 8 e que aqui se dá por reproduzida. D) O prédio referido em A) encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras, freguesia da Ventosa, sob o n.° ..., anteriormente .... do Livro ..., com a área total de 5680 m2, cabendo à parte urbana casa de r/c para arrecadação com a área coberta de 42 m2 e casa de r/c para habitação com a área coberta de 80 m2 e logradouro com a área de 918 m2, e sob o artigo ... da secção “....” da matriz rústica e sob os artigos ... e ..., ambos da matriz urbana, todos da Freguesia da Ventosa, conforme certidões de fls. 6 a 14 e aqui que se dão por reproduzidas. E) À parte omissa na matriz referida em A) veio a ser atribuído o artigo matricial ... da freguesia de Ventosa, conforme documento de fls. 14 e que aqui se dá por reproduzido. F) O que foi doado aos AA. pelos pais da A. foi a totalidade da parte urbana do imóvel referido em A) e D). G) Foi doado aos AA. uma parte da parte rústica do prédio referido em A) e D), composto de vinha. H) O referido em F) e G) forma um único prédio a confrontar do Norte com F..., do Sul com I...., do Nascente com os réus e do poente com J... I) O que foi doado aos RR. foi a restante parte do prédio, correspondente à parte restante da descrição referida em D) dos factos assentes. J) Desde 24 de Julho de 1975, os AA. fazem plantio de vinha na parte rústica referida em G). K) Desde 24 de Julho de 1975, os AA., na parte referida em F), fazem limpeza nas casas, vigiando as mesmas e seu logradouro. L) Têm reparado o telhado e pintado as casas. M) O que fazem com o conhecimento de toda a gente. N) O que fazem sem oposição e ininterruptamente. O) O que fazem na convicção de estarem a exercer um direito próprio, sem prejudicar ou lesar direitos alheios. P) Os RR, na sua parte referida em I), construíram uma casa onde residem e utilizam a sua restante parte de terreno, a fim de efectuar o cultivo de vários produtos agrícolas. Q) Na parte referida em F) existe um pequeno muro a nascente. R) Os RR. sempre viram os AA. entrar e sair dos prédios referidos em F) e G) e andar dentro deles. S) Os pais da A. mulher e do R. marido, após o referido em A) dos factos provados, continuaram a viver por cerca mais de vinte anos na casa de habitação referida em A), usando e fruindo de todo o aglomerado de casas anexas, onde se incluía a arrecadação, usando e retirando água do poço, cultivando alguns legumes para sua subsistência. T) Os pais da A. mulher e do R. marido, apesar de já terem idade avançada e na velhice, nos últimos anos das suas vidas terem passado temporadas correspondentes a um mês alternadamente em casa de cada um dos seus filhos, nunca deixaram de ir a sua casa. U) Os pais da A. mulher e do R. marido, quando passavam algum tempo em casa dos filhos, era na casa referida em T) que estavam as suas roupas, os bens móveis e os seus pertences. V) Os RR., durante a velhice dos pais, limpavam as casas e reparavam o telhado, quando necessário. W) O A. marido caiou a casa e reparou algumas partes do telhado, ainda em vida dos sogros. X) O R. marido colocou electricidade no imóvel. Y) Até 2004, os RR. tinham as chaves de casa dos pais. Z) Já após a sua morte, a chave da cozinha estava sempre na porta e, mesmo após essa data, tanto AA. como RR. entravam e saíam da casa quando assim o pretendessem. AA) A casa encontra-se velha e abarracada. AB) O muro foi construído para fazer um pequeno suporte de terras. 7. Lei processual aplicável A presente acção foi instaurada no ano de 2008, pelo que lhe são já aplicáveis as alterações ao CPC, introduzidas pelo DL 303/07 de 24/8. Estas alterações foram já objecto de estudo levado a cabo por Abrantes Geraldes que seguiremos de perto –“Recurso em Processo Civil - Novo Regime”. Podemos ler a pág. 87, quanto ao âmbito do recurso: “constitui entendimento corrente que as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, em resultado do que se encontra previsto no art.º 685.º-A. Relativamente ao recursos, as conclusões acabam por exercer uma função semelhante à do pedido na petição inicial ou à das excepções na contestação. Salvo quando se trate de matéria de conhecimento oficioso que possa ser decidida com base nos elementos constantes do processo e que além disso, não se encontre coberta pelo caso julgado, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal, sob cominação de nulidade, nos termos dos arts.º 716.º e 668.º, n.º1, al.d) “ Como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal da 1.ª instância. Ao recorrente impõe a lei dois ónus – alegar e formular conclusões. Versando o recurso sobre matéria de direito as conclusões devem indicar –art.º 685.º-A n.º2 CPC: a) as normas jurídicas violadas; b) o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada. No tocante à reapreciação da matéria de facto, os poderes do tribunal de recurso resultam da conjugação do disposto no art.º 712.º com o art.º 685.º-A. Como diz o autor citado, pág. 133, “foram recusadas soluções que pudessem reconduzir a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de factos, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretos pontos de facto controvertidos relativamente aos quais sejam manifestadas e concretizadas divergências”. Com as alterações em causa introduziu-se mais rigor na formulação do recurso de impugnação da matéria de facto, exigindo-se a indicação exacta dos excertos , com referência ao assinalado na acta respectiva, desde que o modo como foi efectuada a gravação e elaborada a acta permita identificar precisa e separadamente os depoimentos, sem prejuízo da faculdade que as partes têm de apresentarem a respectiva transcrição. Como se defende na obra citada, o incumprimento de tal ónus implica a rejeição imediata do recurso, sem possibilidade de despacho de aperfeiçoamento. Assim, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição do recurso – art.º 685.º-B n.º 1 CPC (a expressão”obrigatoriamente” foi introduzida nesta nova redacção, não existindo no preceito anterior correspondente –art.º 690.ºA- expressão equivalente): a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida. Neste último caso, quando as provas tenham sido gravadas e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º2 do art.º 522.º-C, incumbe ao recorrente sob pena de imediata rejeição, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de , por sua iniciativa proceder à respectiva transcrição. A expressão “imediata” também não tinha correspondência na redacção anterior. Isto significa que se afasta, agora expressamente, a possibilidade de despacho de aperfeiçoamento. Caso a gravação não permita a identificação precisa dos excertos da gravação, deixa de ser exigível ao recorrente que proceda como referido, bastando que especifique os concretos meios probatórios constantes da gravação, que imponham decisão diversa. Sintetizando a matéria em análise, conclui o autor citado, a pág. 142 da obra referida, que a rejeição do recurso, no tocante à impugnação da decisão de facto, deve ocorreu nos seguintes casos: “a) Falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto; b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados; c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais. Registo escrito, etc.); d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda, quando tenha sido correctamente executada pela secretaria a identificação precisa e separada dos depoimentos; e) Falta de apresentação da transcrição dos depoimentos oralmente produzidos e constantes da gravação quando esta tenha sido feita através de um mecanismo que não permita a identificação precisa e separada dos mesmos; f) Falta de especificação dos concretos meios probatórios oralmente produzidos e constantes da gravação quando, tendo esta sido efectuada por meio de equipamento que permitia a indicação precisa e separada, não tenha sido cumprida essa exigência por parte do tribunal; g) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos para que possa afirmar-se a exigência de alguns dos elementos referidos nas anteriores alienas b) e c).” A parte que impugna a decisão proferida sobre matéria de facto tem, assim, um duplo ónus: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente qual a parcela ou segmento da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento; fundamentar, em termos concludentes, as razões por que discorda do decidido, indicando ou concretizando os meios probatórios ( constantes de auto ou documento incorporado no processo ou de registo ou gravação nele realizada ) que implicavam decisão diversa da tomada pelo tribunal, quanto aos pontos da matéria de facto impugnados - veja-se Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código do Processo Civil, Almedina, pág.465. Vigorando entre nós o sistema da livre apreciação da prova, o julgador têm liberdade para formar a sua convicção sobre os factos, mas o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique « os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado » - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág.348. O que ao tribunal de segunda jurisdição compete é, então, apurar da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau dessa mesma jurisdição, face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos. Feitas estas considerações estamos em condições de avançar. As questões suscitadas pelos recorrentes são as seguintes: I - Pedido de cancelamento do registo II – recurso da decisão proferida sobre a matéria de facto III – recurso de direito I - Pedido de cancelamento do registo Invocam os recorrentes que a acção não deveria ter tido seguimento sem que fosse formulado o pedido de cancelamento do registo predial, conforme estabelece o nº 2 do mesmo artigo 8º do CRP, o que os AA não fizeram, nem em 1.ª instância foi tal questão apreciada, mas acabem por daí não retirar qualquer conclusão, limitando-se a invocar que tal “implicaria que o tribunal proferisse decisão diversa da proferida”. Antes de mais, cabe adiantar que, como já se consignou, o tribunal de recurso destina-se a reapreciar questões já decididas e não a apreciar questões novas. Ora, esta questão poderiam os recorrentes tê-la suscitado em 1.ª instância, o que não fizerem, pelo que ficou precludida a possibilidade de a virem suscitar em sede de recurso. Mas, ainda que assim não fosse, sempre não assistiria razão aos recorrentes, pois não é pretensão dos AA impugnarem o facto registado. Os AA, na sua petição não puseram, de modo algum, em causa o registo, dada a sua conformidade com a escritura de doação que lhe esteve subjacente. O que os AA pretendem é que lhes seja reconhecida a aquisição do direito de propriedade, sobre a totalidade dos prédios, por via do instituto da usucapião. A ser-lhes reconhecido tal direito, em nada contende com o registo efectuado, por via do qual já são titulares desse direito, mas na proporção de metade e em situação de compropriedade com os RR. O registo será para manter, apenas havendo lugar a novo averbamento, da aquisição da outra metade, por via de sentença. II – recurso da decisão proferida sobre a matéria de facto Tendo presentes os considerandos teóricos atrás explanados, passamos a analisar esta vertente do recurso. As als. A), B) e C) das Conclusões são as que os recorrentes reservaram para a questão de facto. Na al.B) o que os recorrentes invocam é a sua discordância quanto ao julgamento feito relativamente os factos que indicam - constantes das als. F) a R) - fundamentando tal discordância nos “documentos juntos, a audição dos depoimentos de parte, e á audição dos depoimentos das testemunhas, conforme transcrição que se junta e aqui se dá por reproduzida para todos os feitos legais.” Na al. C) invocam que “atento a fundamentação de facto das alíneas A) a E) e S) U) V) X) Y)Z) E a prova testemunhal, produzida impunha decisão diferente da proferida pelo tribunal, entendendo que, para além de em alguns pontos contraditória, com a matéria dada como provada, a decisão proferida não tomou em conta algumas questões provadas, por prova testemunhal e documental”. Daqui decorre, de forma que temos por linear, não terem os recorrentes dado cumprimento, minimamente suficiente, ao ónus que sobre si impendia. Indicando embora quais os pontos de factos que consideram incorrectamente julgados, não indicam o modo como os pretendem ver alterados –não provados? Provado apenas que…?. Vejamos: As al.F), G), I) e J) correspondem, respectivamente aos arts.º1.º, 2.º, 4.ºe 6.º da Base Instrutória, tendo todos eles merecido respostas restritivas. O mesmo se verificando em relação dizendo em relação ao art.º 11.º da BI, que corresponde à al. O) indicada. Não concretizam, pois, os recorrentes em que sentido pretendem ver alteradas as respostas. Aludindo a contradições, na matéria de facto, também não procedem a qualquer concretização. Por outro lado, fazem uma remissão genérica para os depoimentos e documentos, sem os especificar, devidamente. Mesmos socorrendo-nos do corpo das alegações, vemos que os recorrentes se limitam a transcrever trechos de inúmeros depoimentos, muitos deles relativos aos depoimentos de parte (havendo que relembrar que estes depoimentos só oferecem relevância quando configuram matéria confessória e essa foi pelo julgador consignada em acta), contudo, não fazem a correspondência devida e precisa entre esses trechos e os respectivos pontos de facto que atacam. Por sua vez, dada a forma a exaustiva, clara e coerente como se mostra fundamentada a decisão sobre a matéria de facto, não poderiam os recorrentes atacar a decisão de facto sem que tivesse argumentado contra essa fundamentação. Na sequência do enquadramento que se deixou feito, entendemos que, incumbindo ao recorrente indicar quais os meios probatórios que impõem uma decisão diferente, também lhe incumbirá apontar as razões pelas quais os meios que o juiz indicou, como tendo estado na base da sua convicção e que fundamentam a resposta, devem ceder perante os elementos que o recorrente indica no recurso. Cabia-lhes indicar, de forma fundamentada, apoiada em meios de prova diversos ou dando-lhes outra interpretação, por que razão os meios de prova invocados pelo julgador, como suporte da sua decisão, deviam sucumbir em face dos elementos de prova indicados pelos recorrentes ou ser diversamente interpretados. Ora, os recorrentes, discordando embora da decisão não atacam a fundamentação, pelo que, ainda que processualmente o recurso pudesse ser recebido, não veríamos como alterar a decisão se os fundamentos de suporte não forma postos em crise. Tudo visto, julga-se que os recorrentes não cumpriram o ónus que sobre si impendia, nos estritos limites do art.º 685.º-B, pelo que o recurso de facto vai assim rejeitado. Mas, nem por isso podemos, desde já, concluir que a matéria de facto não sofrerá alterações. Quanto aos poderes do tribunal da Relação, no âmbito da modificação da matéria de facto rege o art.721.º do CPC. Assim, a decisão do tribunal de lª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, no que ao caso releva: “b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas” Englobam-se aqui, entre outras, as situações em que a modificação da matéria de impõe por aplicação das regras de direito probatório material. Este tipo de alterações não depende de alegação das partes, devendo ser oficiosamente levada a cabo, ao abrigo da conjugação do disposto no arts.º 713.ºn.º2, 659.ºn.º3 e 646.ºn.º4. Nos termos deste último preceito, devem ser tidas por não escritas as respostas dadas sobre factos que só possam provar-se por documentos ou que estejam provados por documentos. No caso dos autos, considerou-se assente , sob as als. A) e B) , que foi celebrada escritura de doação, por virtude da qual os pais da A e do R doaram aos AA e RR o prédio aí identificado, na proporção de metade para cada. Foram levados à BI três artigos, correspondentes à matéria alegada pelos AA, em que se perguntava se o que foi doado pelos pais da A aos AA foi a totalidade da parte urbana do imóvel –art.º 1.º - e 1940 m2 da parte rústica, correspondentes às parcelas 2, 3, e 4 do prédio, composto por vinha e desanexado do mesmo –art.º 2.º -e o que foi doado aos RR. foi a restante parte da parcela 4, com a área de 2720m2 –art.º4. Estes artigos mereceram respostas positivas, com excepção das áreas, tendo essas respostas sido fundamentadas com base nos depoimentos das testemunhas, como se vê do despacho de fls. 162 e sgs. Ora, a prova desta factualidade era insusceptível de ser feita por testemunhas, dado a tal de opor quer o disposto no art.º 364.º quer o disposto no art.º 393.º do CCivil: Art.º 364.º: “1. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.” Art.º 393.º: “1. Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal. 2. Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena. 3. As regras dos números anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento.” Tratando de doação, estamos perante um negócio cuja validade dependente a observância da forma legalmente prescrita –escritura pública -art.º 947.º CC, tratando-se pois de uma formalidade ad substantiam. E essa forma foi observada, como se vê do documento junto aos autos, que não foi objecto de qualquer impugnação, nem quanto à sua força probatória formal, nem material, daí ter sido incluída na als. A) e B) dos FA. Significa isto que está assente que o documento provêm da entidade que se apresenta como emitente, que nele intervieram os aí identificados e que foram prestadas as declarações nele exaradas –art.º 371.º. Saber se as partes quiseram, efectivamente, emitir as declarações que emitiram ou se o fizeram a coberto de algum vício de vontade, é matéria que não está a coberto da força probatória plena da escritura. Daí que o art.º 393.º n.º2 deva ser interpretado, no consenso da doutrina e jurisprudência, como permitindo o recurso à prova testemunhal, quando sejam impugnadas as declarações documentadas, para demonstrar a falta ou vícios da vontade. Como nos diz A. Varela, in CCAnot., em anotação ao art.º 393.º : “O documento prova, em dados termos, que o seu autor fez as declarações dele constantes; os factos compreendidos na declaração consideram-se provados, quando sejam desfavoráveis ao declarante. Mas o documento não prova nem garante, nem podia garantir, que as declarações prestadas não sejam viciadas por erro, dolo ou coacção ou simulação. Por isso mesmo a prova testemunhal se não pode, neste aspecto, considerar legalmente interdita.” Tendo os AA intervindo na escritura e declarado aceitar a doação, nos moldes dela constantes, estamos perante declarações desfavoráveis ao declarante e como tal ter-se-á que considerar como facto provado que aos AA foi doada a metade do prédio. Contudo, o tribunal poderia ter recorrido à prova testemunhal caso as partes pretendessem impugnar as declarações prestadas na escritura, por as mesmas sofrerem de algum vício –quer as declarações dos doadores, quer as dos donatários. Mas, analisadas as alegações dos AA e dos RR não se vislumbra que tenham estes querido, de algum modo, impugnar tais declarações. Os AA apresentam-se em juízo apenas a pretender demonstrar um facto contrário ao que está documentado na escritura; provado, por força da escritura, que a doação do prédio foi feita a ambos os filhos, na proporção de metade, para cada um, veio o tribunal a dar como provado coisa diversa: que a doação versou partes determinadas do prédio. Ora, isto não pode ser entendido como se tratando de interpretação do documento. O documento é suficientemente explícito, não necessitando de qualquer outra interpretação, senão a que resulta da sua simples leitura. Portanto, também não era caso de recorrer ao disposto no art.º 393.º n.º3. A ter ocorrido algum acordo no sentido pretendido pelos AA, o que alegaram mas não demonstraram -art.º 5.º da BI, que mereceu resposta negativa – ainda assim esse acordo era insusceptível de ser provado por testemunhas, por se tratar de convenção contrária ao conteúdo da escritura, sendo que também seria irrelevante, pois que nele teriam intervido apenas os donatários e não também os doadores. Do exposto se conclui que, tal como os AA delinearam a sua argumentação e tal como foi a matéria levada à BI, estava vedado ao tribunal recorrer à prova testemunhal para dar como provado factos contrários aos provados pela escritura. Termos em que se consideram como não escritas as respostas aos arts.º 1.º ,2.º e 4.º. A resposta ao art.º 3 .º fica prejudicada face à eliminação dos respostas a 1.º e 2.º. Pelo exposto, à matéria de facto acima descrita eliminam-se as als. F), G), H) e I). III – Recurso de direito Vejamos agora, em face da matéria de facto assente, com as alterações efectuadas, se é de manter a decisão. Pretendiam os AA ver reconhecido a aquisição do direito de propriedade sobre a totalidade dos dois prédios identificados em A) e B) do pedido. A decisão proferida reconheceu-lhes esse direito sobre o prédio referido em A) e apenas sobre uma “parte rústica do prédio composta de vinha”, sem as áreas e especificações tais como tinha sido reclamadas pelos AA em B). Os AA conformaram-se com a decisão. Cabe assim apenas apreciar o recurso dos RR, sendo a questão a resolver a de saber se os factos assentes permitem reconhecer aos AA o direito, tal como lhes foi reconhecido. Defendeu-se, na decisão recorrida, em síntese que: - os AA., desde 1975, vêm exercendo poderes de facto correspondentes ao direito de que se arrogam – corpus –, comportando-se como sendo titulares desse mesmo direito – animus –, sem oposição de ninguém. Trata-se de uma posse pública, pacífica e e de boa fé; - conclui-se estarem reunidas as condições para a declaração de aquisição, por parte dos AA., do direito de propriedade sobre os prédios referidos. - Quanto ao uso e fruição das casas por parte dos pais da A. e do R., defende-se que a mesma deve ser vista à luz do direito de usufruto (art. 1439.º do CC) que foi constituído a seu favor, assumindo os AA. a qualidade de nus-proprietários dessas mesmas casas, exercendo poderes de facto atinentes a esse direito, na convicção de serem seus titulares; - O facto dos RR. poderem aceder às casas onde os pais viviam e de terem, inclusive, as chaves, deve ser visto como uma simples tolerância por parte dos AA., sem qualquer outro conteúdo jurídico; -A factualidade provada é suficiente para concluir os AA. actuaram, em relação à coisa, na convicção de serem seus proprietários (inicialmente, nus-proprietários), exteriorizando os actos que revelam o exercício dos poderes de facto respectivos, na presença daquele a quem os actos se opõem, assim invertendo o título de posse – posse que o R. adquiriria mediante a transmissão, para si e enquanto comproprietário, do prédio em causa, na escritura de doação – art. 1263.º, alínea b), do CC . - Verificada que está a situação de posse “boa” para usucapião e o decurso do prazo necessário, devem os AA. ser reconhecidos como proprietários dos prédios F) e G)… É questão incontroversa que os pais da A e do Ré –doadores –reservaram para si o usufrutos dos prédios doados e continuaram a viver por mais vinte anos –após 1975 – na casa de habitação , usando e fruindo os respectivos anexos, o poço e cultivando alguns legumes (no terreno, como é evidente) –al. S) dos factos provados. Quanto à ”presença “ dos AA e RR na parte rústica o prédio provou-se que: - os AA, a partir de 1975, fazem plantio de vinha, na parte rústica do prédio, composta de vinha; - na parte rústica que excede a vinha os RR construíram uma casa, onde vivem, e utilizam restante terreno, cultivando-o. Quanto à parte urbana provou-se: No tocante aos AA que : - Desde 24 de Julho de 1975, fazem limpeza nas casas, vigiando as mesmas e seu logradouro –al.K). - Têm reparado o telhado e pintado as casas. – al.L) - O que fazem com o conhecimento de toda a gente, sem oposição e ininterruptamente, na convicção de estarem a exercer um direito próprio, sem prejudicar ou lesar direitos alheios. Als-M), N) e O) - os RR sempre viram os AA entrar e sair dos prédios e andar dentro deles; - O A marido caiou a casa e reparou algumas partes do telhado, ainda em vida dos sogros –al.W); No tocante aos RR que: - O R marido colocou electricidade no imóvel; - Até 2004, os RR tinham as chaves de casa dos pais –al. Y) e mesmo após a morte destes tanto AA como RR entravam e saiam da casa quando assim o pretendessem - al. Z). Fazendo o enquadramento jurídico A aquisição por usucapião pressupõe a posse do direito que se pretende adquirir mantida por certo período de tempo -art.º 1287.º do CC. Na falta de título a usucapião só pode dar-se no termo do prazo de 15 anos ou de 20 anos, consoante a posse seja de boa ou de má-fé - art.º 1296.º do CC.. A posse titulada presume-se de boa-fé e a não titulada de má-fé -art.º 1260.º-; diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente da validade do negócio -art.º 1259.º. A “posse” que releva para efeitos da usucapião é a posse tal como é definida pelo art.º 1251.º do CCivil: “ Posse é o poder de facto que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.” Poder esse que terá que ser entendido como um poder jurídico e não simplesmente fáctico, pois a lei distingue-o da mera actuação por forma correspondente ao exercício de um direito, esse sim, por certo, meramente fáctico. Assim, e face à nossa lei, a posse terá que ser delimitada como uma situação jurídica, como a exteriorização do exercício de um outro direito, tendo para o mundo jurídico o mesmo significado que este, ainda que desacompanhado da sua titularidade substancial, podendo inclusivé, haver o direito posse dissociado do exercício dos poderes fácticos (cfr. art. 1267º nº1 al.d) do C.C.). A posse adquire-se pelas formas previstas no art.º 1263.º do CC. A primeira das formas enumeradas é a aquisição originária. «Para que a posse se adquira sem intervenção do antigo possuidor é necessário que se estabeleça entre a pessoa e a coisa uma relação de facto que contenha todos os elementos desta figura. Daí o ter-se exigido a prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito. Estes actos, de per si, podem não conduzir à posse se faltar o animus possedendi, mas sem eles é que a posse não existe nem se constitui. Esta alínea vale assim como um complemento ou uma confirmação do conceito de posse expresso no art.º1251º. Os elementos nela referidos são os requisitos integrantes do corpus.» A.Varela «C.Civ. Anot.» vol.III p.25/26. Dá-se, assim, esta aquisição originária da posse «pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito» - art.º 1263 a) do C.C. O Usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância - artº. 1439º do CC. Nos termos do artº. 1446º, o usufrutuário pode usar, fruir e administrar a coisa ou o direito como faria um bom pai de família, respeitando o seu destino económico. O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos termos em que o registo o define (artigo 7.º do Código do Registo Predial). Os RR. beneficiam, pois, da presunção do direito de compropriedade sobre a totalidade do prédio, decorrente da inscrição registal (tal como dela beneficiam os AA) –art.º 7.º CRP. Nos termos do art.º 1405.º do CC os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem os proprietário singular e, conforme dispõe o art.º 1406.º, qualquer dos comproprietário pode servir-se da coisa comum, sendo que o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva, a não ser que tenha havido inversão do título. A propósito de situação de compropriedade e de aquisição do direito de propriedade por usucapião pode ler-se no Ac. do STJ de 2006/3/30, proc. D6B823, acessível na Base de Dados do ITIJ: “A inversão do título da posse ocorre quando o detentor se opõe àquele em cujo nome possuía ou no caso de um terceiro praticar algum acto idóneo à transmissão da posse (artigo 1265º do Código Civil).É o caso, por exemplo, de alguém que se arroga proprietário da coisa e a vende àquele que a detém, ou quanto o detentor deixe de praticar actos na convicção de agir por condescendência do proprietário e passe a actuar, no confronto deste, como se fosse o dono. Quem suceder na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor, e se a posse deste for de natureza diferente da posse do sucessor, a acessão só ocorre nos limites da de menor âmbito (artigo 1256º do Código Civil). Reporta-se este artigo à soma facultativa de situações consecutivas de posse propriamente dita, isto é, com corpus e animus, independentemente da natureza do respectivo acto translativo. A posse mantém-se enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar, e presume-se que continua em nome de quem a começou (artigo 1257º Código Civil). Assim, embora seja o corpus que marca a existência e a duração da posse, a sua conservação não depende em absoluto da continuidade dos actos materiais. Com efeito, se a posse se mantém enquanto haja a possibilidade de continuar a actuação correspondente ao exercício do direito, a relação da pessoa com a coisa legalmente exigida para o efeito não implica necessariamente que ela se traduza em actos materiais. Nesta perspectiva, há corpus enquanto a coisa estiver submetida à vontade do sujeito em termos de ele poder, querendo, renovar a actuação material sobre ela. O possuidor em nome alheio não adquire a coisa possuída sem inversão do título da posse, pelo que não basta, para o efeito, por exemplo, que o comproprietário haja exercido durante longo tempo os poderes correspondentes à propriedade singular. Com efeito, o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do referido título (artigo 1406º, nº 2, do Código Civil). Assim, como o comproprietário, por força do seu próprio título, é possuidor em nome alheio quanto aos direitos dos restantes condóminos, não poderá adquirir o respectivo direito sem a verificação de um comportamento idóneo a inverter o título da posse.” Revertendo para o caso. Pretenderam os AA demonstrar que, desde 1975, vinham exercendo sobre o prédio urbano e parte definida do rústico poderes de facto inerentes ao exercício do direito de propriedade, tratando-se de uma posse com características suficientes para usucapir. Desde já importa salientar que, enquanto que no art.º 11.º da BI se perguntava se os AA actuavam “convictos de estarem a exercer um direito próprio, sem prejudicar ou lesar direitos alheios, em tudo se comportando como proprietários”veio este art.º a merecer uma resposta restritiva que é a que consta da al.O): “o que fazem na convicção de estarem a exercer um direito próprio, sem prejudicar ou lesar direitos alheios”. Assim, não se considerou provado que os AA se comportavam como proprietários. Ora, assente que os AA tinham juridicamente a qualidade de comproprietários, todos os actos que revelam o exercício de posse, são perfeitamente compatíveis com essa qualidade. Aqui chegados podemos concluir: Quanto à casa de habitação, a sua fruição foi, pelo mesmo até 2004, levada a cabo pelos doadores, pois que aí mantiveram a sua residência; portanto eram eles os seus possuidores, posse essa titulada pelo usufruto. Os actos que os AA praticaram sobre a mesma casa, até 2004, não podem ser vistos como actos de uma verdadeira “posse”; se posse houve, essa posse foi em nome de outrém, os usufrutuários. Limpar as casas e vigiá-las, bem como ao logradouro, reparar telhado, pintar, são tudo actividades que dificilmente podem ser vistas como posse em nome próprio, quando a casa e anexos eram usados pelos usufrutuários, pais da A e do R. Importa também anotar que idênticos actos materiais praticaram os RR, pois que também limpavam as casas reparavam o telhado, quando necessário, tendo o R marido colocado electricidade na casa. Mais facilmente se vêm estes actos praticados pelos filhos como uma ajuda aos seus pais, pessoas idosas, sabendo que a propriedade plena para eles reverteria, por morte dos pais. Os autores alegaram que tais actuações foram feitas na convicção de estarem a exercer o seu direito de propriedade; contudo, não se deu como provado qual o direito de que os AA estavam convictos estarem a exercer. E assim sendo, tanto poderiam estar convictos de serem proprietários singulares, como comproprietários, sendo que é ponto assente que só o seriam, em qualquer caso, da nua-propriedade. Logo, não lograram os AA provar que exerceram uma verdadeira posse, em nome próprio, com intenção de serem os únicos proprietários –animus e corpus -, nem excluíram dessa eventual posse o outro comproprietário. Assim, entendemos que os factos provados não são suficientes para se concluir terem os AA sido possuidores, em nome em próprio, da parte urbana. Quanto à parte rústica: é certo que cada um passou a cultivar e fruir de uma parte definida do prédio - os AA, a parte da vinha e os RR o restante terreno, nele tendo até construído uma casa. Aqui já vislumbramos os actos de uma verdadeira “posse” da cada um sobre cada parte delimitada do o prédio. Contudo, ainda assim não é tal posse suficiente para adquirir por usucapião (ainda que se tivesse provado o animus), pois os factos não revelam que os AA tenham invertido o título da posse, no confronto com os RR, no tocante à metade de que estes eram comproprietários. Não estão demonstrados factos que permitam concluir que os AA se comportavam em relação a essa parcela como únicos e exclusivos proprietários; não se provou que essa posse fosse “exclusiva”, ou seja, que dela tivessem sido afastados os RR, o que era determinante para inverter o título, dada a qualidade de comproprietários dos AA. Igualmente não se provou qual o seu “animus” em relação a essa posse. Quanto ao «animus» diremos com o Prof. Mota Pinto in ”Direitos Reais”, 1976, p.191: “O facto de a lei exigir o «corpus» e o «animus» para o efeito de haver posse implica que o possuidor tenha de provar a existência dos dois elementos -um material, outro psicológico- para poder, por exemplo, adquirir por usucapião ou lançar mão das acções possessórias. Ora, esta prova poderá ser muito difícil. Como é que o possuidor prova o «animus»? Pois bem, para lhe facilitar as coisas, a lei estabelece uma presunção. A lei diz que, em caso de dúvida, se presume a posse naquele que exerce o poder de facto. Daqui decorre que sendo necessário o «corpus» e o «animus», o exercício daquele faz presumir a existência deste.” Esta orientação tem apoio no disposto art.º1252.ºn.º2 do CC. Se estes considerandos são válidos para a generalidade das situações, já não o serão para os casos de compropriedade, pois o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva –art.º 1406.º. Assim, nestes casos, ter-se-á que ser mais exigente ao nível da prova, havendo o requerente que lograr provar que possuiu com exclusão do outro comproprietário. No caso dos autos os AA não provaram que tenham exercido essa “posse”, em exclusivo, ou seja, que só eles tenham possuído e que dela tenham sido afastados os RR e que estes a tal não se tenham oposto. Seria relevante aqui ter-se feito a prova da matéria do art.º 5.ºda BI – terem as partes acordado na divisão. Seguindo o acórdão citado temos um exemplo de como essa inversão poderia ter ocorrido: “A inversão do título da posse no confronto de dois comproprietários ocorre, por exemplo, se eles dividem o prédio comum em duas partes iguais, como se passassem a existir dois prédios distintos, e a partir daí cada um deles passa a comportar-se em relação a cada uma das referidas parcelas como se fosse o seu exclusivo proprietário, assim delimitando, mútua e voluntariamente, o poder de facto do outro.” Estamos assim em condições de concluir que, também em relação à parte rústica do prédio não estão os AA em condições de ver proceder o seu pedido, pois não provaram ter invertido o título da posse, os que os impede de adquirir por usucapião. Em resumo: Não estão verificados os pressupostos para aquisição do direito de propriedade, por parte dos AA, por via do instituto da usucapião: em relação à parte urbana, porque desde logo não provaram o exercício de uma posse em nome próprio; em relação à parte rústica, porque não provaram ter ocorrido inversão do título da posse. Pelo exposto, acorda-se em, julgando a apelação procedente, em relação ao recurso de direito, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julga-se a presente acção improcedente, por não provada, absolvendo os RR do pedido. Custas da acção pelos AA Custas do recurso por AA e RR, na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente. Lx, 2010/2/11 Teresa Soares Rosa Barroso Márcia Portela |